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Processo nº 984/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal Central Administrativo
Norte, em que é recorrente A., SA e recorrida a Fazenda Pública, foi interposto
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº
1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC).
2. Em 25 de Janeiro de 2006, foi proferida decisão sumária (artigo 78º-A, nº 1,
da LTC) pela qual se entendeu não conhecer do objecto do recurso de
constitucionalidade interposto.
É a seguinte a fundamentação constante desta decisão:
«Um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto – o previsto na
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC – é que a decisão recorrida tenha
interpretado e aplicado, como ratio decidendi, a norma cuja constitucionalidade
é questionada pelo recorrente.
Confrontado o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal com a
decisão do Tribunal Central Administrativo Norte é de concluir que esta
instância não interpretou e aplicou o artigo 283° do Código de Procedimento e
Processo Administrativo [Código de Procedimento e Processo Tributário] na
dimensão segundo a qual é de 10 dias, em lugar de 15 dias, o prazo para
interposição de recursos jurisdicionais nos processos urgentes a correrem termos
nos tribunais administrativos e fiscais mesmo após a revogação da Lei de
Processo nos Tribunais Administrativos e entrada em vigor do Código de Processo
nos Tribunais Administrativos.
Com efeito, da decisão recorrida decorre que a aplicação do disposto no artigo
283º do CPPT, norma que fixa o prazo de 10 dias para a interposição do recurso,
não resultou de qualquer interpretação que tivesse em consideração a revogação
daquela Lei e a entrada em vigor daquele Código. O Tribunal Central
Administrativo Norte, relativamente à entrada em vigor do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, limitou-se a concluir, em resposta à alegação da
reclamante, que o artigo 147º deste diploma não revogou, expressa ou
tacitamente, o artigo 283º do CPPT. E, por isso, considerou, sem mais, que o
prazo de interposição do recurso era de 10 dias, o que ditava a confirmação da
decisão reclamada. Considerou ser este o prazo sem equacionar depois,
pressuposta a vigência deste artigo, se as assinaladas alterações legislativas
levavam ou não a uma interpretação que conduzisse ao alargamento do prazo para
15 dias.
Assim sendo, não pode dar-se como verificado um dos requisitos do recurso
previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, o que obsta ao conhecimento do
objecto do recurso e justifica a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº
1, da LTC)».
3. A recorrente reclamou desta decisão para a conferência, ao abrigo do disposto
no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os seguintes fundamentos:
«A decisão de V. Exa. é contraditória, salvo o devido respeito.
O art. 283° do Código de Procedimento e Processo Administrativo [Código de
Procedimento e Processo Tributário] foi aplicado na decisão recorrida e na
dimensão normativa segundo a qual é de 10 dias, em lugar de 15 dias, o prazo
para interposição de recursos jurisdicionais nos processos urgentes a correrem
termos nos tribunais administrativos e fiscais mesmo após a revogação da Lei de
Processo nos Tribunais Administrativos e entrada em vigor do Código de Processo
nos Tribunais Administrativos.
A «pressuposta vigência» (como vem denominada no despacho de V. Exa.) constitui,
salvo melhor opinião, acto de subsunção normativa. Daí a contradição, merecedora
de reparo.
II
CONCLUSÕES
1) A decisão recorrida interpretou e aplicou, como ratio decidendi, a norma cuja
constitucionalidade é questionada pela recorrente.
2) Pode, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso de
constitucionalidade».
4. Notificada do requerimento de reclamação para a conferência, a recorrida não
respondeu.
5. Em cumprimento do disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil,
aplicável por força do artigo 69º da LTC, a recorrente e a recorrida foram
notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de, em
conferência, vir a ser negado provimento ao recurso interposto, por a questão de
constitucionalidade a decidir ser simples, por ser manifestamente infundada,
face à jurisprudência deste Tribunal (cf., entre outros, o Acórdão nº 587/05,
Diário da República, II Série, de 5 de Janeiro de 2006, e a jurisprudência aí
citada)».
6. A recorrente respondeu sustentando que:
«Mantém que o art. 283° do Código de Procedimento e Processo Administrativo
[Código de Procedimento e Processo Tributário] foi aplicado na decisão recorrida
e na dimensão normativa segundo a qual é de 10 dias, em lugar de 15 dias, o
prazo para interposição de recursos jurisdicionais nos processos urgentes a
correrem termos nos tribunais administrativos fiscais mesmo após a revogação da
Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e entrada em vigor do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos. Por conseguinte, a decisão recorrida
interpretou e aplicou, como ratio decidendi, a norma cuja constitucionalidade é
questionada pela recorrente. Pode, pois, tomar-se conhecimento do presente
recurso de constitucionalidade.
A tanto não obsta a jurisprudência deste Tribunal resultante, e.g., do
Acórdão nº587/05, que respeita a lei anterior à revogação da Lei de Processo nos
Tribunais Administrativos e entrada e em vigor o Código de Processo nos
Tribunais Administrativos.
Com efeito, a questão constitucional aqui colocada não se reporta a qualquer
exiguidade do prazo, antes à dimensão normativa dos princípios do acesso ao
direito e tutela jurisdicional na sua tradução legal efectiva e aplicação
concreta. Não se tratará, por conseguinte, de verificar se o ordenamento
constitucional impõe prazo de impugnação mais longo do que aquele que se
encontra consagrado na lei, antes, tratar-se-à de verificar se é constitucional
a dimensão normativa de aplicação não preclusiva da infudamentada diferença de
tratamento daquilo que é substancialmente igual. Se a Constituição não
estabelece, como é óbvio, qualquer prazo, a resposta a esta questão só pode ser
encontrada tomando como referência a natureza do procedimento em causa e, bem
assim, utilizando idênticos prazos (mencionados nos autos) como termos de
comparação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Nos presentes autos de recurso foi proferida decisão sumária, ao abrigo do
disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, por se entender que o Tribunal Central
Administrativo Norte não interpretou e aplicou, como ratio decidendi, a norma
que o recorrente identifica no requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional e cuja inconstitucionalidade havia sido suscitada na
reclamação do despacho que não admitiu recurso interposto para aquele Tribunal.
A decisão sumária foi objecto de reclamação, entendendo este Tribunal que a
mesma é de deferir, por ser de concluir que o Tribunal Central Administrativo
Norte interpretou e aplicou o artigo 283° do Código de Procedimento e Processo
Tributário no sentido de ser de dez dias o prazo de interposição de recurso
jurisdicional em processo urgente. Verifica-se, por conseguinte, o requisito da
aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja
constitucionalidade é questionada pela recorrente (artigo 70º, nº 1, alínea b),
da LTC), o que permite conhecer do objecto do recurso interposto.
2. A reclamante requer a apreciação do artigo 283° do Código de Procedimento e
Processo Tributário, interpretado no sentido de ser de dez dias o prazo de
interposição de recurso jurisdicional em processo urgente, por violação dos
princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigos 20º e
268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa). Sustenta que «após a
revogação da LPTA e entrada em vigor do CPTA a interpretação conforme à
Constituição dos pertinentes dispositivos processuais impõe que devam ser
interpostos em 15 dias todos os recursos jurisdicionais nos processos urgentes a
correrem termos nos tribunais administrativos e fiscais».
Considerando que a Constituição não impõe qualquer prazo para a impugnação das
decisões e atendendo à natureza do procedimento em causa, designadamente à
natureza urgente do mesmo, tem este Tribunal entendido que não ofende a
Constituição o estabelecimento de um prazo mais curto do que os de outros
processos (cf., o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 587/05, Diário da
República, II Série, de 5 de Janeiro de 2006, e a jurisprudência aí citada).
É certo que, neste mesmo Acórdão, são utilizados prazos de outros processos como
termos de comparação e que o artigo 147º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (Processos urgentes) estabelece um prazo de quinze dias. Porém,
o tipo de processos a que este Código atribui carácter urgente (artigo 36º) é
bem distinto dos casos que revestem tal carácter no Código de Procedimento e de
Processo Tributário. Concluiu-se até na decisão recorrida que «os processos
urgentes do contencioso tributário que não têm previsão naquele regime geral são
especiais».
Por outras palavras, se atendermos especificamente à agora explicitada
«diferença de tratamento» é manifesto que a questão de constitucionalidade
suscitada não ofende qualquer uma das dimensões que o princípio da igualdade
convoca, nomeadamente, «a proibição do arbítrio, que torna inadmissível a
diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, apreciada esta
de acordo com critérios objectivos de relevância constitucional» (Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 96/05, Diário da República, II Série, 31 de Março de
2005).
Importa concluir, assim sendo, que a questão de constitucionalidade suscitada é
manifestamente infundada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Deferir a reclamação quanto ao conhecimento do objecto do recurso;
b) Negar provimento ao recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 17 de Maio de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício