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Processo nº 8/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Coimbra, em que figura como recorrente A. e como
recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso de constitucionalidade
nos seguintes termos:
A., recorrente nos Autos à margem identificados, não se conformando com a douta
decisão que lhe foi notificada, vem dela interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, o que faz nos seguintes termos:
1. O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 70º da Lei n°
28/82 de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n° 85/89 de 7 de Setembro e
pela Lei n° 13‑A/98 de 26 de Fevereiro.
2. No recurso interposto para o tribunal recorrido, o recorrente invocou em sua
defesa, o facto de a acusação que lhe foi notificada não corresponder ao libelo
acusatório que lhe foi lido na audiência de julgamento.
3. O arguido na motivação do seu recurso sobre a decisão final, referiu que
mantinha todo o interesse no recurso intercalar interposto em acta e cuja
motivação apresentou em tempo e no prazo legal, pela 'surpresa' da acusação que
lhe foi lida na audiência de julgamento.
4. Tal surpresa' viola o princípio constitucional das garantias de defesa do
arguido, previsto no artigo 32° da CRP.
5. Sucede que o aresto da Relação, ora em apreço, não se pronunciou sobre a
inconstitucionalidade de tal decisão.
6. São inconstitucionais as normas e decisões que infringem o disposto na
Constituição ou princípios nela consignados - artigo 277 n° 1 da CRP.
7. Nos pleitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que
infrinjam o disposto na Constituição ou princípios nela consignados - artigo
204°.
8. Pretende o recorrente que seja apreciada e declarada a inconstitucionalidade
da decisão recorrida por violar o princípio das garantias de defesa do arguido,
que no caso em apreço foram violadas.
9. Aspecto importante, de grande relevo, no caso sub iudice, é o requisito
específico imposto ao abrigo da alínea b); norma cuja inconstitucionalidade haja
sido invocada durante o processo.
10. Ora, na hipótese em julgamento, verifica-se o caso excepcional de o arguido
não ter tido oportunidade processual para levantar a questão da
inconstitucionalidade da norma (ou princípio), que agora se pede, por esta só
ter surgido e sido invocada com a prolação da decisão de que se recorre.
11. Ao arguido não era exigível que antevisse a possibilidade de o douto
tribunal não se pronunciasse pela inconstitucionalidade de tal decisão, que põe
a descoberto as suas garantias de defesa.
12. Trata-se assim de caso excepcional e anómalo em que não se torna possível
aplicar a regra da arguição da inconstitucionalidade até à decisão - 'Breviário
do Direito Processual Constitucional' de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos,
pág. 52.
13. Nada justifica por consequência, que o seu exame escape à competência do
Tribunal Constitucional.
Nestes termos e por estarem em tempo e terem legitimidade, requerem a V.Exa que
se digne admitir o presente recurso, que deverá subir de imediato, nos próprios
Autos com efeito suspensivo.
A Relatora proferiu Despacho, ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do Tribunal
Constitucional, ao qual o recorrente respondeu o seguinte:
A., arguido recorrente nos Autos à margem referenciados, tendo sido notificado
do douto despacho proferido a fls. No qual foi convidado a dar cumprimento ao
disposto no artigo 75° A da Lei do Tribunal Constitucional, vem dizer que a
norma violada pelo Tribunal a quo foi o artigo 32° da CRP e os princípios nela
consagrados, mormente o n° 5, porquanto não foram dadas ao arguido as
possibilidades de contraditório, perante uma acusação surpresa.
Tal consta da motivação de um recurso interposto e motivado em tempo.
Cumpre apreciar.
2. O requerimento de interposição do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional deve conter, entre o mais, a
indicação da norma que o recorrente considera inconstitucional (artigo 75º‑A da
Lei do Tribunal Constitucional).
O recorrente não indicou a norma que considera inconstitucional nem no
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade nem na resposta
ao Despacho proferido ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do Tribunal
Constitucional.
Nessa medida, o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional será indeferido, de acordo com o nº 2 do artigo 76º da Lei do
Tribunal Constitucional.
3. Em face do exposto, decide‑se indeferir o requerimento de interposição do
recurso de constitucionalidade.
O recorrente vem agora reclamar nos seguintes termos:
A., arguido recorrente nos Autos à margem referenciados, tendo sido notificado
do douto despacho de indeferimento de interposição de recurso de
constitucionalidade e com ele não se conformando, vem do mesmo dele reclamar
para essa conferência nos termos do disposto no artigo 78°‑A n° 3 “Da decisão
sumária do relator pode reclamar-se para a conferencia, a qual é constituída
pelo presidente ou pelo vice-presidente, pelo relator e por outro juiz da
respectiva secção, indicado pelo pleno da secção em cada ano judicial.”
O recorrente pretende, acompanhar a presente reclamação, com as seguintes peças:
Sentença da 1ª instância; Alegações para o Tribunal da Relação e respectiva
documentação da prova; Acórdão da Relação.
* * *
A., arguido recorrente nos Autos à margem referenciados, tendo sido notificado
do douto despacho de indeferimento de interposição de recurso de
constitucionalidade e com ele não se conformando, vem do mesmo dele reclamar
para essa conferência com os seguinte fundamentos:
O recorrente sente-se mal julgado - com o máximo respeito o dizem - porquanto
em momento algum lhe foi dada possibilidades para se defender.
Por tal facto e perante um despacho de acusação surpresa típicos de outros
tempos e regimes, arguiu a respectiva nulidade.
Considerou o juiz do tribunal “a quo”, cito de memória, que tal falta era uma
mera irregularidade processual, tendo já terminado o prazo para o arguido
reclamar da mesma.
De tal decisão contrária ao Estado de Direito, pilar dos regimes democráticos,
foi objecto de recurso por parte do ora arguido para o Tribunal da Relação.
Entende o arguido que a insuficiência da acusação por omissão de texto que
altera todo o seu conteúdo deverá prefigurar uma nulidade insanável pp. no
artigo 119° do CPP e não uma mera irregularidade nos termos 123° do CPP.
Interpretação diversa em nosso entender, prefigura uma inconstitucionalidade
destas normas a saber: artigos 118° a 123° do Código do Processo Penal.
Nada justifica, por consequência, que o seu exame escape ao controlo específico
da constitucionalidade.
Nestes termos e por estar em tempo e ter legitimidade, requer o arguido a V.Exa.
se digne admitir o presente recurso.
O Ministério Público pronunciou‑se do seguinte modo:
1 - A presente reclamação é manifestamente infundada.
2 - Na verdade, o reclamante nada alega de relevante, já que a “ratio” do não
conhecimento do recurso assenta no manifesto incumprimento do ónus de delimitar
o objecto do recurso, apesar da oportunidade processual que lhe foi conferida
para o fazer.
Cumpre apreciar.
2. Nos presentes autos, o reclamante não identificou no requerimento de
interposição do recurso a dimensão normativa que pretende submeter à apreciação
do Tribunal Constitucional. Desse modo, tal requerimento foi rejeitado.
O reclamante afirma, na presente reclamação, que considera inconstitucional uma
dada interpretação (que verdadeiramente continua a não identificar com rigor)
dos artigos 118º e 123º do Código de Processo Penal.
Ora, tais considerações em nada afectam a fundamentação da Decisão Sumária
reclamada. Com efeito, ainda que o reclamante identificasse adequadamente a
dimensão normativa que considera inconstitucional na presente reclamação (o que,
repetimos, não aconteceu), essa identificação sempre seria tardia, já que era no
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou na resposta ao
Despacho proferida ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do Tribunal Constitucional
que a norma submetida à apreciação do Tribunal Constitucional tem de ser
indicada.
A presente reclamação não afecta de modo algum a fundamentação da Decisão
Sumária impugnada. Assim, a reclamação será indeferida.
Refira‑se, por último, que a junção aos autos de reclamação das alegações do
recurso perante o Tribunal da Relação de Coimbra e o próprio acórdão que esse
tribunal proferiu não infirma o que se deixa dito, já que a rejeição do
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade fundamentou‑se,
como se demonstrou, no não cumprimento dos respectivos requisitos legais.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação, confirmando, consequentemente, a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 8 de Março de 2006
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos