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Processo n.º 954/04
1.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A fls. 267 e seguintes, foi proferida decisão sumária que não tomou conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes fundamentos:
“[...] No requerimento de interposição do presente recurso pede-se que o Tribunal Constitucional aprecie uma determinada interpretação de normas constantes do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário (ACTV), que aliás não se concretizam, pois que a questão de inconstitucionalidade é reportada a todo o capítulo XI desse ACTV. Não obstante tal falta de concretização poder justificar, em circunstâncias normais, um despacho de aperfeiçoamento, nos termos do artigo 75º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional, entende-se que, no presente caso, tal despacho seria inútil, atendendo a que um dos pressupostos processuais do presente recurso manifestamente não se encontra preenchido, o que logo determina a impossibilidade de conhecimento do respectivo objecto. Na verdade, constitui orientação maioritária constante do Tribunal Constitucional a de que as normas das convenções colectivas de trabalho não estão sujeitas à fiscalização concreta da constitucionalidade a cargo deste Tribunal, pois que não integram o conceito de norma utilizado na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição (e, consequentemente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional). Tal orientação foi nomeadamente perfilhada pelo Tribunal Constitucional nos acórdãos n.ºs 172/93, de 10 de Fevereiro (publicado no Diário da República, II Série, n.º 141, de 18 de Junho de 1993, p. 6454), 697/98, de 15 de Dezembro,
492/00, de 22 de Novembro, 10/03, de 15 de Janeiro, e 92/03, de 14 de Fevereiro
(estes disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
[...]. Com base na fundamentação transcrita, o Tribunal Constitucional decidiu, no mencionado acórdão n.º 172/93, não tomar conhecimento do recurso.
É esta a jurisprudência que agora também se perfilha e para a qual se remete. Não pretendendo o recorrente a apreciação da conformidade constitucional de uma norma, no sentido em que este conceito é utilizado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, conclui-se que não está preenchido um dos pressupostos processuais do presente recurso, não sendo consequentemente possível conhecer do respectivo objecto.”.
2. Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 295 e seguintes), em que concluiu do seguinte modo:
“[...] Estes regimes, a que alude a lei, são complementares do regime obrigatório, que, por ser isso mesmo (obrigatório), não permite que existam particulares afastados da sua concretização que, como tal, não beneficiem do direito à segurança social. Para além de serem a situação por excelência em que a lei permite a contratualização incidente sobre o direito à segurança social, mas apenas para além do regime imperativo que decorre da lei, sendo que, no caso dos regimes complementares, já não estamos no âmbito do direito fundamental à segurança social. Pois, A aplicação dos regimes complementares pressupõe a satisfação do direito fundamental. Sendo este regime um regime de prestação de um direito fundamental, estando, por esta razão, sujeito ao regime traçado na Constituição e na lei de bases, não é este regime de natureza privada.
[...] Como o regime traçado pelo ACT possui força de lei, por remissão da lei de bases, assumindo, perante esta, o papel concretizador que está reservado aos
órgãos legislativos. Ao manter em vigor os regimes especiais, mediante norma expressa nesse sentido, o legislador tem um comportamento que equivale à reprodução do texto do ACT em diploma legal, que operaria a substituição do ACT pela lei. Este facto Releva por sujeitar o regime de segurança social previsto no ACT ao estatuto previsto para a lei em sentido formal, em todos os seus aspectos, mormente no que concerne a respeito pela hierarquia das leis e pelos princípios constitucionais. Pelo que a constitucionalidade e a legalidade destas normas deve ser sempre sindicável em tribunal, por força do «estatuto público» do regime do ACT. Na realidade, As características de regulação privada de relações jurídicas advêm do facto de este regime de segurança social poder ser alterado por via não legislativa. De facto, Tratando-se de normas de um acordo colectivo de trabalho, podem ser alteradas pelas partes desde que de acordo com o regime destes instrumentos jurídicos, pois essa liberdade de composição privada de interesses não é salvaguardada pela norma transitória da lei de bases que os mantém em vigor, sendo certo que esta, presumivelmente, pode (mas não deveria), nos termos adoptados pela lei de bases, incidir sobre o conteúdo essencial do direito à segurança social. Destas características deste regime decorre a necessidade de aferir da sua compatibilidade com a Constituição, o que constituiu o objecto do presente recurso. Em relação às normas que se consideram inconstitucionais e que, por lapso, não foram referidas no requerimento de interposição de recurso, as mesmas dizem respeito à forma de cálculo da reforma, pelo que se restringem às cláusulas 136° a 144° do ACTV. Nestes termos, e nos demais de direito, se requer que seja conhecido o objecto do presente recurso para o Tribunal Constitucional, com as legais consequências.
[...].”.
3. O recorrido B. respondeu à reclamação apresentada (fls. 306 e seguintes), sustentando que a mesma deve ser indeferida, pelas seguintes razões:
“[...]
3. No entanto, como doutamente se salienta na decisão sumária em apreço, na alínea b) do n.° 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, quando se fala em «normas» teve-se em vista «apenas os actos dispositivos de entidades investidas de poderes de autoridade e, mais precisamente, os actos dispositivos dos poderes públicos» e, manifestamente, não é esse o caso das cláusulas das convenções colectivas de trabalho.
4. Por outro lado, não é exacto que as cláusulas do ACTV dos bancários possuam força de lei «por remissão da lei de bases» nem que, ao manter em vigor os regimes especiais, mediante norma expressa nesse sentido, o legislador tenha tido «um comportamento que equivale à reprodução do texto do ACT em diploma legal».
5. Efectivamente, a natureza normativa das cláusulas dos instrumentos de regulamentação colectiv[a] de trabalho do sector bancário que se foram sucedendo no tempo (hoje, o ACTV), donde desde sempre tem constado o regime de segurança social dos trabalhadores do sector, resulta não da Lei de Bases da Segurança Social, mas dos diplomas legais base da contratação colectiva (DL n.° 36.173, de
6 de Março de 1947, DL n.° 49.212, de 28 de Agosto de 1969, DL 164-A/76, de 28 de Fevereiro, DL 519-C1/79, de 29 de Dezembro, e Código do Trabalho) que, essas sim, é que contém o regime de celebração, validade e efeitos de tais instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. O preceito transitório da Lei de Bases da Segurança Social a que o reclamante se refere nada veio, assim, acrescentar à força normativa que já tinham as cláusulas do ACTV.
6. Por outro lado, tal preceito (como os seus antecessores das anteriores Leis de Bases) limitaram-se
- a reconhecer a existência e a vigência dos vários regimes especiais de segurança social neles mencionados;
- a declarar que a Lei de Bases não lhes era aplicável, continuando esses regimes fora do sistema estadual de segurança social, resultando da sua colocação no Capítulo das Disposições Transitórias que, dentro de um período de tempo mais curto ou mais longo, também eles irão ser aí integrados. Não foi, pois, efectuada qualquer incorporação legal dos vários regimes especiais a que alude o artigo 123° da Lei n.° 32/2002 e seus antecessores das anteriores Leis de Bases da Segurança Social, designadamente do regime de segurança social constante do Capítulo XI do ACTV para o Sector Bancário.
[...].”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. A decisão sumária reclamada, que não tomou conhecimento do objecto do recurso, invocou como fundamento o não preenchimento de pressupostos processuais do recurso interposto.
Observou-se, em primeiro lugar, nessa decisão sumária que no requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade não era definido o respectivo objecto, já que o pedido apresentado pelo então recorrente ao Tribunal Constitucional se dirigia à apreciação de todo o capítulo XI do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário.
Entendeu-se todavia que, no caso dos autos, se revelava inútil proferir despacho de aperfeiçoamento, nos termos do artigo 75º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional, atendendo a que “um dos pressupostos processuais do recurso manifestamente não se encontra preenchido, o que logo determina a impossibilidade de conhecimento do respectivo objecto”.
Na verdade, de acordo com a orientação maioritária perfilhada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, as cláusulas das convenções colectivas de trabalho não estão sujeitas à fiscalização concreta da constitucionalidade a cargo deste Tribunal, pois que não integram o conceito de norma utilizado na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição (e, consequentemente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional).
Com base na fundamentação utilizada em acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional – e designadamente no acórdão n.º 172/93, de 10 de Fevereiro (publicado no Diário da República, II Série, n.º 141, de 18 de Junho de 1993, p. 6454), que parcialmente se transcreveu –, decidiu-se na decisão sumária reclamada não tomar conhecimento do objecto do recurso.
5. Na reclamação agora apresentada, o reclamante começa por sustentar que “a constitucionalidade e a legalidade destas normas deve ser sempre sindicável em tribunal, por força do «estatuto público» do regime do ACT” – embora ao mesmo tempo afirme que, “tratando-se de normas de um acordo colectivo de trabalho, podem ser alteradas pelas partes”.
Pretendendo depois suprir a insuficiência do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, o reclamante refere que “em relação
às normas que se consideram inconstitucionais e que, por lapso, não foram referidas no requerimento de interposição de recurso, as mesmas dizem respeito à forma de cálculo da reforma, pelo que se restringem às cláusulas 136° a 144° do ACTV”.
6. Os argumentos aduzidos na reclamação em apreciação nada trazem de inovatório relativamente aos que foram considerados nos acórdãos mencionados na decisão sumária reclamada e não são, por isso, susceptíveis de alterar a jurisprudência maioritária deste Tribunal segundo a qual as cláusulas das convenções colectivas de trabalho não estão sujeitas à fiscalização concreta da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.
Assim, independentemente da questão de saber se as “cláusulas 136° a
144° do ACTV”, agora identificadas pelo reclamante, foram aplicadas na decisão recorrida (dado que nelas se inclui a disciplina de “doença ou invalidez”,
“diuturnidades”, “verificação do estado de doença ou invalidez”, “reconhecimento de direitos em caso de cessação do contrato de trabalho”, “junta médica”,
“falecimento”, “tempo de serviço prestado na função pública”, “assistência médica”) – e independentemente também da questão de saber se o ora reclamante suscitou, durante o processo, perante o tribunal recorrido, a questão de inconstitucionalidade que através do presente recurso pretende submeter ao julgamento do Tribunal Constitucional –, certo é que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do presente recurso, por ele não ser constituído por normas, na acepção da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Nada mais resta pois do que confirmar o decidido.
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão reclamada que não tomou conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 19 de Janeiro de 2005
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Maria João Antunes (vencida, tomaria conhecimento do recurso pelas mesmas razões invocadas pelo Excelentíssimo Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos) Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, tomaria conhecimento do recurso, no essencial pelas razões constantes do Acórdão nº 214/94 deste Tribunal, a que fundamentalmente adiro. Artur Maurício
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050026.html ]