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Processo nº 501/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 5 de Junho de 2006 o relator proferiu a seguinte
decisão: –
“1. O arguido A. – que foi detido pelas autoridades
espanholas e entregue às autoridades portuguesas perante um mandado de detenção
internacional emitido na sequência de decisão instrutória e de acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa que sobre ela se pronunciou em via de recurso –
veio, no acto de apresentação à Juíza do Tribunal de Instrução Criminal de
Lisboa, arguir a nulidade do despacho proferido por aquela Juíza em 10 de
Novembro de 2005 e que determinou a notificação do mesmo arguido da acusação, da
decisão instrutória e do referido acórdão e, bem assim, veio arguir a nulidade
destes últimos actos processuais, para tanto tendo invocado que estes, que
comportariam ‘mais de 500 folhas”’ ‘não foram traduzidas para a língua materna
do detido, o castelhano’, peticionando, em consequência, que fosse de imediato
restituído à liberdade.
A indicada Juíza, por despacho exarado no auto de
interrogatório do arguido ocorrido em 11 de Novembro de 2005, disse, no que ora
interessa: –
‘(…)
É evidente que o arguido é de nacionalidade
espanhola, razão pela qual se providenciou pela presença de intérprete para este
acto. Resulta também dos autos que ao arguido não foi entregue cópia traduzida
da decisão instrutória nem da acusação para a qual a mesma remete. Todavia,
entendemos que tal não implica a impossibilidade de realização do primeiro
interrogatório judicial de arguido detido.–
Na verdade, nos termos do disposto no art.º
92º n.º 1 do C.P.P., a língua a utilizar nos actos processuais é a língua
portuguesa; como resulta do n.º 2 do mesmo preceito, é assegurado que a pessoa
que não domina a língua portuguesa é assistid[a] por intérprete, quando houver
de intervir no processo. Foi o que aconteceu nestes autos: o arguido encontra-se
presente para ser sujeito a primeiro interrogatório judicial, e assistido por
intérprete.–
Afirma o arguido não lhe ser possível ter
um conhecimento exacto dos factos pelos quais foi detido, por não lhe ter sido
facultada cópia traduzida da decisão instrutória e da acusação. Afigura-se-nos
evidente que para posterior preparação da defesa do arguido – designadamente em
julgamento – tal peça traduzida é essencial. Não obstante, e no que ao primeiro
interrogatório diz respeito, o conhecimento dos factos é dado ao arguido através
do Juiz que preside à diligência conforme resulta do disposto no n.º 4 do art.º
141º do C.P.P.. Nada obsta a que este conhecimento seja facultado de uma forma
sintética, desde que bastante para a defesa do arguido sendo que a diligência
tem, neste caso, o objectivo essencial da aplicação da medida de coacção. [Em]
nossa opinião, e salvo o devido respeito, não se nos afigura que os arguidos
tenham de ser imediatamente restituídos à liberdade seja qual for a gravidade
das imputações que lhes sejam feitas, apenas como consequência da não tradução
da acusação, sendo certo que, como se disse, nesta sede [o] conhecimento dos
factos é dado ao arguido pelo Juiz.–
Ainda que fosse nula a notificação, não é
nula a detenção, razão pela qual também não há lugar à restituição do arguido
imediatamente à liberdade.–
Assim, improcede a arguida nulidade,
indeferindo-se o requerido e passando-se de imediato à realização de primeiro
interrogatório judicial de arguido detido. ---’
Do despacho de que parte se encontra extractada recorreu o
arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Na motivação adrede produzida, o mesmo disse, em dados
passos, e formulou as seguintes «conclusões», para o que agora releva: –
‘1. O arguido é de nacionalidade espanhola e não fala nem domina a língua
portuguesa, A tal facto o Tribunal a quo não é alheio.
2. Todas as decisões supra indicadas foram entregues ao arguido sem estarem
traduzidas para a língua castelhana.
3. O que não permite ao arguido alcançar os factos que lhe são imputados e
consequentemente os crimes pelos quais vem pronunciado.
4. O arguido não podia assim prover a sua defesa, conforme lhe é assegurado pela
lei Processual Penal, Constituição da República Portuguesa e Convenção Europeia
dos Direitos do Homem.
(…)
O artº 92º, nº 1 do CPP exige, sob pena de
nulidade, que nos actos processuais, escritos ou orais, se empregue a língua
portuguesa.
O nº 2 do mesmo normativo, assegura no
entanto que, à pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, seja
nomeado intérprete idóneo, sem encargo para ela.
Sendo certo que o nº 2 assegura a nomeação
de intérprete no que respeita a actos escritos ou orais.
(…)
Tal direito, de conhecer os factos que lhe
são imputados e assim preparar a sua defesa, começando logo pelo facto de poder
optar ou não pela abertura da fase de instrução criminal, é assegurado ao
arguido pelo artº 32º da CRP e pelos artºs 5º e 6º da Convenção Europeia d[os]
Direitos do Homem.
(…)
Ora, tal tradução é essencial para que o
arguido promova a sua defesa. Num primeiro momento, para que possa decidir ou
não pela abertura de Instrução.
Note-se que é a partir da notificação da
acusação que começa a correr o prazo do artº 287º, nº 1 do CPP, para que se
possa requerer a abertura de instrução.
Mas uma vez que nessa notificação todas as
decisões estão em língua que o arguido não compreende e não domina, não pode tal
prazo começar a correr enquanto o arguido não for notificado das mesmas em
língua castelhana. Pois só nesse momento alcançará os factos que lhe são
imputados. Assim, o Mmº Juiz, deveria ter dado sempre sem efeito a notificação
feita ao arguido, ordenando a tradução de tais decisões para a língua
castelhana, bem como a posterior notificação de tais decisões ao arguido, só
nesse momento se iniciando a contagem de prazo para os vinte dias que se
encontram consagrados no artº 287º, nº 1 do CPP.
(…)
Assim, o Mmº Juiz a quo violou o disposto
nos artºs 92º, nº 2, artº 120º, nº 2, alínea c), artº 121º, nºs 2 e 3, artº 97º,
nº 4, todos do CPP, artº 32º da CRP e artºs 5º e 6º da Convenção Europeia d[os]
Direitos do Homem.
(…)
CONCLUSÕES:
I. Vem o presente recurso interposto da douta decisão que indeferiu a nulidade
da notificação da acusação, da decisão instrutória, do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa que alterou esta decisão instrutória, da decisão proferida em
cumprimento do ordenado por este Venerando Tribunal, bem como da omissão de
pronúncia quanto ao pedido de tradução de tais decisões para a língua
castelhana.
II. Andou mal o Mmº Juiz de Instrução Criminal ao indeferir a nulidade suscitada
uma vez que todas as decisões supra indicadas, foram entregues ao arguido sem
estarem traduzidas para a língua castelhana, quando o Tribunal não desconhece
que o arguido tem nacionalidade espanhola, facto que não lhe permite exercer a
sua defesa nos termos consagrados na Lei Processual Penal, Constituição da
República Portuguesa e Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou seja, num
primeiro momento, optar ou não pela abertura de Instrução Criminal.
(…)
V. O artº 92º, nº 1 do CPP exige, sob pena de nulidade, que nos actos
processuais, escritos ou orais, se empregue a língua portuguesa. O nº 2 do mesmo
normativo, assegura no entanto que, à pessoa que não conhecer ou não dominar a
língua portuguesa, seja nomeado intérprete idóneo, sem encargo para ela.
VI. O Tribunal a quo, não descurou a nomeação de intérprete para o acto da
notificação, ou seja, o arguido ficou apenas a tomar conhecimento que naquele
acto lhe eram entregues todas as decisões supra referidas, mas somente isto.
Porque as decisões que lhe foram entregues encontram-se todas redigidas na
língua portuguesa, e o arguido não a domina – conceitos fácticos e de direito
utilizados – tendo ficado impossibilitado de preparar a sua defesa.
(…)
IX. Tal tradução é essencial para que o arguido promova a sua defesa. Num
primeiro momento, para que possa decidir pela abertura ou não da instrução.
X. Note-se que é a partir da notificação da acusação que começa a contar o prazo
do artº 287º, nº 1 do CPP, para que se possa requerer a abertura de instrução.
XI. Mas uma vez que dessa notificação todas as decisões estão em língua que o
arguido não compreende e não domina, não pode tal prazo começar a correr
enquanto o arguido não for notificado das mesmas em língua castelhana. Pois só
nesse momento alcançará os factos que lhe são imputados. Assim, o Mmº Juiz,
deveria ter dado sempre sem efeito a notificação feita ao arguido, ordenando a
tradução de tais decisões para a língua castelhana, bem como a posterior
notificações de tais decisões ao arguido, só nesse momento se iniciando a
contagem do prazo para os vinte dias que se encontram consagrados no artº 287º,
nº 1 do CPP.
XII. O Mmº Juiz a quo, omitiu pronúncia sobre tal pedido de tradução (tendo
apenas constatado, na decisão proferida que essa tradução era essencial para a
defesa posterior do arguido), nada tendo decidido sobre a mesma.
XIII. O Mmº Juiz a quo violou o disposto nos artºs 92º, nº 2, artº 120º, nº 2,
alínea c), artº 121º, nºs 2 e 3, artº 97º, nº 4, todos do CPP, artº 32º da CRP e
artºs 5º e 6º da Convenção Europeia d[os] Direitos do Homem.
(…)’
Anote-se, por outro lado, que no «teor» da falada
motivação, nos passos em que acima se não efectuou transcrição, não se
surpreende qualquer asserção de onde, directa ou indirectamente, explícita ou
implicitamente, resulte que é assacado a um dado preceito ínsito no ordenamento
jurídico (ainda que alcançado por uma via interpretativa) o vício de
desconformidade com a Constituição, sendo certo que tal «teor» se encontra,
praticamente, vertido, na sua totalidade, nas «conclusões» formuladas.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 4 de Abril
de 2006, negou provimento ao recurso, carreando, para tanto, a seguinte
fundamentação: –
‘(…)
‘ … As conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e
considerou ao longo das alegações, devendo constituir um discurso lógico, uma
síntese das razões, quer de facto quer de direito, explanadas ao longo da
alegação ... (in Ac. Trib. Const. nº 189/2003, de 2003-04-08 – Proc. nº.
266/2000, in DR II série, de 2003-06-24) e ainda,
– ‘... são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. As conclusões devem
ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que
hão-de ser objecto de decisão.’(Cfr. Prof. Figueiredo, in ‘Curso de Processo
Penal’, Vol. 111, Verbo 2000, pág. 350 e 351).
Com efeito, a questão suscitada tem sido objecto de várias decisões
jurisprudenciais, todas no sentido de a lei não impor, aquando da notificação de
decisões judiciais, a entrega ao arguido, de nacionalidade estrangeira, de
tradução das mesmas, na respectiva língua materna, salientando-se as seguintes:
– ‘1 – Nos artigos 5° e 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem impõe-se
que qualquer pessoa presa tenha de ser informada, em língua que compreenda, das
razões da sua prisão e de qualquer acusação formulada contra si, daqui se não
podendo concluir que uma decisão em que se aplique a prisão preventiva a quem
não conheça a nossa língua, tenha de ser traduzida na sua língua nacional
– 2 – A assistência graciosa de intérprete ao detido que não domine a nossa
língua previsto no art. 92° do C.F.F. harmoniza-se com as exigências dessa
convenção, sendo certo que, comunicando-se a prisão preventiva à competente
representação estrangeira no nosso país, sempre estas poderão prestar auxílios
nesse âmbito’ – A.C. da R.L. de 24.01.01 (Proc.11478/00-3a.Secção, Rel.: –
Santos Monteiro, disponível em www.pgdlisboa.pt); e
– ‘I – Nenhum dispositivo legal impõe que a notificação pessoal da acusação ou
do arquivamento dos autos a arguido estrangeiro, tenha de ser efectuada através
da entrega do respectivo texto traduzido na língua estrangeira que o arguido
compreende.
II – Para tanto basta que a nomeação de intérprete idóneo, e tendo este sido
nomeado e desempenhado fielmente as suas funções, não se cometeu qualquer
nulidade ou irregularidade, ao notificar[-]se a acusação a arguido estrangeiro
através de intérprete sem entrega de tradução do texto’ – A.C. da R.L. de
01.07.98 (Proc. 0045483, Rel.:-Adelino Salvado, disponível em www.dgsi.pt);
Também no A.C. do T.C. nº 547/98, de 23 de Setembro de 1998 (Rel.:-Artur
Maurício, disponível em www.pgdlisboa.pt) foi sublinhado que ‘não existe
qualquer dispositivo legal que expressamente imponha que a notificação da
acusação a um cidadão estrangeiro seja efectuada através da entrega do
respectivo texto traduzido na língua estrangeira que o arguido compreende’aí se
frisando que, para além do disposto no art.92°., n°.2 do C.P.P., cujo texto
expressamente estatui que:
‘ Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a
língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que
a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais
conheçam a língua por aquela utilizada’, nenhuma outra norma do CPP respeitante
quer às notificações em geral, quer à notificação da acusação ao arguido dispõe
sobre a intervenção de intérprete quando o notificando desconhecer ou não
dominar a língua portuguesa’.
A citada norma ínsita no nº 2 do artigo 92º do CPP é, porém, suficientemente
ampla para compreender a exigência de nomeação e intervenção de intérprete,
quando houver lugar à notificação do arguido naquelas circunstâncias.
Aí se acrescentou que ‘Já o que a norma não concretiza é o conteúdo da
intervenção processual do intérprete. Não se pondo em dúvida que o intérprete
há-de verter para a língua estrangeira adequada o acto a notificar, a lei
processual não expressa, com efeito, se essa versão deve ser integral e em que
termos (escritos ou orais) se impõe que ela se materialize’ (...) ‘Do ponto de
vista da conformidade com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente
consagradas no artigo 32º nº 1 da CRP, a questão que se coloca é, afinal, a de
saber se, no caso de arguido que desconheça a língua portuguesa, a entrega de
cópia da acusação escrita em português, acompanhada da transmissão oral do seu
conteúdo, por intérprete, na língua conhecida pelo notificando, assegura, de
igual modo, os direitos do arguido (...) ‘a perfeita equiparação do cidadão
estrangeiro ao cidadão português postularia que, tal como a este é entregue
cópia da acusação em língua que ele compreende, ao primeiro devesse igualmente
ser entregue cópia da mesma peça vertida na língua por ele conhecida. Trata-se,
no entanto, de uma argumentação de pendor formalista que não atende à
necessidade de uma regulação adaptada a realidades irredutivelmente diferentes e
que não contenda com outros bens e valores igualmente protegidos, esquecendo que
essa pretendida equiparação, entendida em termos substanciais, sempre se poderá
alcançar, ainda que por meios diversos, desde que, em concreto, os direitos
igualmente concedidos a nacionais e estrangeiros possam por estes ser plenamente
exercidos. A verdade é que não se vê qualquer obstáculo de ordem constitucional
a que as garantias de defesa do arguido, genericamente asseguradas pelo artigo
32º nº 1 da CRP, se traduzam, no caso, na consagração de normas processuais
distintas, desde que elas igualmente assegurem que o fim da garantia em causa –
o de permitir uma defesa eficaz, desde logo com a tomada das decisões já acima
referidas com base no conhecimento minucioso da matéria da acusação, possa ser
alcançado. Já não estará aqui em questão a igualdade formal com o direito do
cidadão português, mas a possibilidade ou impossibilidade de serem conformes à
CRP outras formalidades de notificação da acusação, adaptadas aos casos de
cidadãos sem conhecimento da língua portuguesa, diversas da formal equiparação
que constituiria, para estes últimos, a entrega de tradução escrita da peça
acusatória – o parâmetro de constitucionalidade reside, agora e só, no princípio
consagrado no artigo 32º nº 1 da CRP. Sendo a fórmula do nº 1 do artigo 32º da
CRP uma expressão condensada das restantes normas do mesmo artigo, ela não deixa
de traduzir uma cláusula geral que abrange garantias não especificadas nos
números seguintes mas igualmente reclamadas por uma tutela eficaz dos direitos
de defesa dos arguidos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ‘Constituição da
República Anotada’, nota II ao artigo 32º, p. 202)’.
Conclui-se, em tal aresto, que ‘a tradução oral da acusação, por intérprete, não
compromete as garantias de defesa do arguido consagradas no comando
constitucional com a assinalada dimensão.
Na verdade, esta forma de notificação não obsta a que o arguido, por exemplo, vá
colhendo da leitura as notas (escritas) que entender convenientes, peça
esclarecimentos ao intérprete ou solicite repetições sobre trechos eventualmente
mais complexos, tudo no sentido de uma percepção completa, minuciosa e profunda
da peça acusatória. Competindo ao funcionário encarregado da notificação a
transmissão fiel do conteúdo da acusação, o desempenho perfeito da função de
interpretação há-de permitir ao arguido os procedimentos referidos em termos que
o apetrechem com o conhecimento necessário e suficiente para gizar a estratégia
de defesa subsequente. Se assim não for, não é já uma questão de desconformidade
da norma ínsita nos artigos 92º nº 2 e 111º nº 1 al. c) do CPP, interpretada nos
termos em que o foi, que se coloca, mas uma outra, aqui sim – de irregularidade
ou deficiência no desempenho da função de intérprete’.
No caso sob recurso, constata-se, que:
– em 10 de Novembro de 2005, pelas 16h30m, por se encontrar presente no
Tribunal, foi o intérprete notificado de que deveria comparecer no dia
subsequente, data em que se realizaria o interrogatório judicial do
arguido/recorrente (f1s.22);
– este último e a respectiva defensora foram, na mesma data de 10 de Novembro,
notificados de que o interrogatório se realizaria no dia imediato, tendo o
primeiro recebido cópias das supra mencionadas peças processuais;
– no dia 11 de Novembro de 2005, após ter proferida a decisão de indeferimento
(cujo teor ficou exarado em acta) relativamente à invocada nulidade daquela
notificação, por falta de tradução das peças processuais respectivas, e à
pretendida imediata restituição do arguido à liberdade, a Mma. JIC ‘comunicou
(ao recorrente) os motivos (da detenção) e expôs-lhe os factos que lhe são
imputados (cfr. fls.34), tendo procedido ao interrogatório judicial daquele,
tudo na presença do intérprete ao mesmo nomeado, tendo o arguido/recorrente
respondido detalhadamente sobre a matéria objecto dos autos, sem que, em
momento, algum haja por si sido suscitada sequer qualquer incompreensão
relativamente ao tema de tal interrogatório, nomeadamente decorrente da falta de
tradução integral das peças processuais de que, na véspera, lhe haviam sido
fornecidas cópias em língua portuguesa.
Da circunstância de, no decurso do aludido interrogatório, haver sido
comunicados ao arguido/recorrente, com o necessário detalhe, os factos cuja
prática lhe era imputada, sempre na presença do intérprete nomeado, decorre,
assim, que o seu direito de defesa pode, na íntegra ser exercido, sem que a
falta de entrega de tradução das mencionadas peças processuais possa ser
invocada como traduzindo uma limitação ou compressão, por mínima que fosse, ao
exercício de tal direito de defesa, sendo certo que, encontrando-se o arguido
assistido, no acto, por defensor, também as acções de defesa tidas por adequadas
poderiam desde logo ser desencadeadas, tarefa facilitada, aliás, pela afinidade
existente entre as línguas espanhola e portuguesa, o que possibilitou ao
arguido, com toda a facilidade, apreender todo o alcance da matéria objecto da
acusação que sobre si impendia, ainda para mais estando presente um intérprete.
Inexistindo preceito legal invocável no sentido da imposição de entrega de
cópias traduzi das peças processuais em referência, a pretensão formulada nesse
sentido pelo arguido/recorrente não poderia deixar de ser desatendida, como foi,
por nenhum vício poder ser assacado à notificação, de que o mesmo foi alvo, do
mesmo modo que não poderá o mesmo beneficiar de qualquer alargamento dos prazos
processuais, que eventualmente se encontrem em curso.
Mesmo uma eventual nulidade, que pudesse ser arguida ao
acto de notificação ocorrido no dia 10.11.05, sempre se encontraria sanada por
força do interrogatório judicial entretanto ocorrido.
Pelo que se conclui, dever improceder o recurso.
(…)’
Do aresto amplamente transcrito acima interpôs o arguido
recurso para o Tribunal Constitucional, o que fez mediante requerimento com o
seguinte teor: –
‘A., recorrente nos autos à margem
identificados, notificado do acórdão que negou provimento ao recurso
jurisdicional, proferido a fls... , e não se conformando com o mesmo, vem dele
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no artº
75º da Lei do Tribunal Constitucional (L TC).
O presente recurso é interposto ao abrigo das
disposições dos artºs 70º, nº 1, al. b) e 75°-A da LTC.
O recorrente suscitou a questão da
inconstitucionalidade em sede de recurso do despacho do Tribunal Instrução
Criminal, que indeferiu a nulidade, por si arguida, da notificação da acusação,
da decisão instrutória, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e do
despacho de pronúncia em cumprimento da decisão deste Tribunal superior.
Explanou o recorrente no seu recurso que, a
interpretação feita pelo Tribunal de Instrução Criminal ao artº 92º, nº 2 do
CPP, é materialmente desconforme ao disposto no artº 32º da CRP, que estabelece
as garantias de defesa do arguido.
O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que,
tendo sido detalhadamente comunicados ao arguido, ora recorrente, os factos cuja
prática lhe era imputada, no âmbito do primeiro interrogatório a que aquele foi
sujeito, e sempre na presença do intérprete nomeado, a falta de entrega das
mencionadas peças processuais não prejudicava o seu direito de defesa.
Baseou, para tanto, a sua posição num acórdão
do Tribunal Constitucional, de 23/09/1998, que explana que a tradução oral da
acusação, por intérprete, não compromete as garantias de defesa do arguido
consagradas constitucionalmente.
Contudo, seria o referido acórdão do Tribunal
Constitucional adequado para fundamentar a tese da Relação de Lisboa, caso se
estivesse perante uma situação de tradução oral das peças processuais, de forma
integral, o que não foi, efectivamente, o caso.
O Tribunal Constitucional não foi, no âmbito
do referido acórdão, chamado a pronunciar-se directamente sobre a questão de se
saber se poderá ser considerada válida a notificação sintética da acusação, mas
sendo, indubitavelmente, tal questão determinante, a ela se referiu do seguinte
modo:
‘Já o que a norma não concretiza é o conteúdo
da intervenção processual do intérprete. Não se pondo em dúvida que o intérprete
há-de verter para a língua estrangeira adequada o acto a notificar, a lei
processual não expressa, com efeito, se essa versão deve ser integral e em que
termos (escritos ou orais) se impõe que ela se materialize. O acórdão recorrido
não se pronuncia sobre o primeiro aspecto, certamente por os autos não
documentarem o que o recorrente sempre deixou mais ou menos explicitamente
alegado que a interpretação não fora integral. Não pode, por isso, este Tribunal
conjecturar o que no acórdão recorrido se não pressupôs no juízo efectuado sobre
a constitucionalidade da norma em causa e que, consequentemente, não abarca
qualquer pronúncia sobre a conformidade da mesma norma à CRP quando interpretada
no sentido da suficiência de uma versão parcial ou sintética do acto da
acusação’.
Destarte, para que a tese do Tribunal da
Relação de Lisboa pudesse proceder com base no acórdão do Tribunal
Constitucional em apreço, seria imprescindível que tivesse sido discutida a
questão da validade da notificação sintética da acusação.
Como bem sabe a Relação de Lisboa, a acusação,
composta por mais de 500 folhas, não foi integralmente traduzida, tendo sido
meramente traduzidas, oralmente, as partes indicadas pela Juiz do Tribunal de
Instrução Criminal de Lisboa, que, recorrendo ao disposto o nº 4 do artº 141° do
CPP, entendeu que no âmbito do primeiro interrogatório o conhecimento dos factos
podia ser dado ao arguido através do Juiz, de uma forma sintética, aliás como
decorre do despacho impugnado.
Salvaguardando o devido respeito, houve aqui
um claro enleio do que pode ser dado conhecimento ao arguido de uma forma
sintética, sem pôr em causa as garantias de defesa constitucionalmente previstas
no artº 32º da CRP.
O artº 283º, nº 3 do CPP estabelece,
peremptoriamente, os elementos que toda a acusação deve conter, consagrando a
sua nulidade na falta de algum deles.
Estabelece, concretamente, a al. b) do nº 3 do
artº 283º do CPP, que a acusação deve conter ‘a narração, ainda que sintética,
dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida
de segurança’.
Daqui resulta que, os factos de que o arguido
fica acusado podem, na verdade, ser descritos na acusação de uma forma
sintética, mas o que, indubitavelmente, não poderá ser aceitável é a descrição
sintética dos próprios factos enumerados na acusação.
A tese do Tribunal da Relação de Lisboa de
que, não há qualquer obstáculo legal a que a notificação seja feita oralmente
através da intervenção de intérprete, só seria admissível se, na verdade, a
tradução oral do teor da acusação não tivesse sido feita de forma sintética, o
que, in casu, não aconteceu.
Se não existe nenhum preceito que
expressamente imponha a notificação da acusação a um cidadão estrangeiro na sua
língua materna, a verdade é que há um preceito constitucional inultrapassável
que determina que o processo criminal terá que assegurar todas as garantias de
defesa do arguido.
Recorrendo aos, doutos, ensinamentos dos
Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, ‘Todas as garantias de defesa
engloba[m] indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e
adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a
radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada
no poder institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante
específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas’.
Acresce que o recorrente teve conhecimento que
tem sido promovida a tradução das peças processuais em questão, a outros
arguidos, pelo que a interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao
artº 92º, nº 2 do CPP, viola também o artº 13º da CRP, que estabelece o
princípio da igualdade.
Assim, o artº 92º, nº 2 do CPP tem de ser
interpretado no sentido de que a tradução da acusação, decisão instrutória e
outras que alterem estas duas, em processo penal, têm de ser traduzidas
integralmente, e não de forma sintética, para a língua materna do arguido
estrangeiro, sob pena de, se assim não for, se estar perante uma flagrante
violação das garantias de defesa do arguido, previstas no artº 32º da CRP.
Esgotadas as instâncias de recurso, vem o
recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por entender que a
interpretação que é feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao artº 92º, nº 2
do CPP, é materialmente desconforme ao disposto no artº 32º da CRP.
Porque tem legitimidade e está em tempo, deve
o presente recurso ser admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e
com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artsº 72º, al. b) e 78º da
LTC.’
O recurso foi admitido por despacho lavrado em 12 de Maio
de 2006 pela Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo os
autos sido remetidos ao Tribunal Constitucional em 29 do mesmo mês.
2. Porque um tal despacho não vincula este Tribunal (cfr.
nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o
recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A
da mesma Lei, a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento do
objecto da presente impugnação.
Deflui do relato supra efectuado que, contrariamente ao
agora sustentado no requerimento de interposição de recurso, na motivação
atinente ao recurso incidente sobre o despacho de 11 de Novembro de 2005, não
foi suscitada qualquer questão de desarmonia constitucional do preceito
precipitado no nº 2 do artº 92º do diploma adjectivo criminal, quando ele
comportasse determinada dimensão interpretativa.
Na verdade, o que se brandiu em tal motivação foi que a
Juíza autora daquele despacho, ao decidir do modo como decidiu, violou, quer os
artigos 92º, nº 2, 97º, nº 4, 120º, nº 2, alínea c), 121º, números 2 e 3, este
como aqueles do Código de Processo Penal, quer o artigo 32º da Lei Fundamental e
artigos 5º e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Isso significa, inquestionavelmente, que a imputação do
vício de contraditoriedade com o Diploma Básico foi dirigida, não a um dado
preceito (que até foi considerado violado no despacho então impugnado – nº 2 do
artº 92º) ou a um concreto sentido interpretativo que fora adoptado no despacho
a submeter à censura do Tribunal da Relação de Lisboa, mas sim a este mesmo
despacho.
Ora, sendo objecto dos recursos visando a fiscalização
concreta da constitucionalidade as normas insertas no ordenamento jurídico
ordinário e não outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as
decisões judiciais qua tale consideradas, haverá, forçosamente, que concluir-se
que, na situação sub specie, não foi, na referida motivação, impostada qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa.
Por outro lado, não se pode passar em claro, em primeiro
lugar, que o aresto intentado impugnar perante o Tribunal Constitucional,
verdadeiramente, assentando em matéria de facto que não pode ser objecto de
censura por este órgão jurisdicional, concluiu, neste específico ponto, que, no
acto de interrogatório, foram comunicados ao arguido os motivos que conduziram à
sua detenção e expostos os factos que lhe eram imputados, na presença de um
intérprete. Em segundo lugar, o acórdão aduziu um outro fundamento que, por si
só, bastava para a improcedência do recurso.
Efectivamente, no dito aresto foi consignado que, mesmo a
admitir-se a ocorrência da nulidade que foi arguida e a que não fora dado
atendimento do despacho então impugnado, um tal vício encontrar-se-ia sanado,
justamente pelas razões que acima se indicaram.
Neste contexto, mesmo que este órgão de fiscalização
concreta da constitucionalidade normativa viesse a pronunciar-se pela desarmonia
constitucional de uma dimensão interpretativa do nº 2 do artº 92º do Código de
Processo Penal tal como teria sido operada pelo acórdão desejado impugnar e que
agora se pretende explicitar no requerimento de interposição de recurso, esse
juízo nenhuma relevância teria na decisão tomada pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, pois que, nessa hipótese, havendo o aresto, na sequência da pronúncia do
Tribunal Constitucional, de reformar a sua decisão em termos de reconhecer ter
existido nulidade procedimental (o que, aliás, até admitiu como fundamento de
raciocínio, como acima se viu), sempre manteria o juízo de improcedência do
recurso, por entender estar um tal vício sanado.
Sabido que é que os recursos de fiscalização concreta tem
natureza instrumental, por sorte a poder a decisão do Tribunal Constitucional
repercutir-se utilmente na causa de onde emergiram, se o decidido no tribunal a
quo igualmente repousou num outro fundamento – que só por si conduzia à solução
adoptada – que não aquele motivante, do ponto de vista normativo, do recurso
para este órgão jurisdicional, é patente que este recurso se apresentará como
inútil.
Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do
recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de
justiça em seis unidades de conta.”
Relativamente à transcrita decisão veio o arguido requerer
a sua «aclaração», o que fez por via de requerimento com o seguinte teor: –
“A., recorrente nos autos à margem identificados, notificado da decisão sumária
proferida a fls. 109 a 120, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no
artº 669º, nº 1, al. a) do CPC, aplicável por força do disposto no artº 69º da
LTC, requerer a aclaração da mesma, o que faz nos termos e com os seguintes
fundamentos:
1. Em 20/04/2006 o recorrente interpôs recurso para este douto Tribunal,
arguindo a inconstitucionalidade da norma do artº 92, nº 2 do CPP, quando
interpretada no sentido de permitir uma sintética tradução oral da acusação, por
intérprete.
2. O recorrente explanou que a interpretação feita pelo Tribunal recorrido ao
artº 92, nº 2 do CPP, era materialmente desconforme ao disposto no artº 32º da
CRP, que estabelece as garantias de defesa do arguido.
3. Mais indicou o recorrente que, a questão da inconstitucionalidade, foi
suscitada em sede de recurso do despacho do Tribunal de Instrução Criminal.
4. Entendeu, contudo, este douto Tribunal que a inconstitucionalidade arguida em
sede de recurso não foi atribuída a um dado preceito ou a um concreto sentido
interpretativo adoptado, mas sim ao despacho do qual se recorria.
5. No entanto, tendo alegado o recorrente que o Tribunal do qual se recorria, ao
decidir do modo como decidiu, violou o artº 92, nº 2 do CPP, arguiu
indubitavelmente a inconstitucionalidade daquele artigo quando interpretado no
sentido de permitir uma sintética tradução oral da acusação, por intérprete.
6. Sendo a Constituição da República Portuguesa um complexo de directivas
políticas, todas as normas legais têm de ser elaboradas conformemente às normas
e princípios ali estabelecidos.
7. Desta forma, as normas legais têm que ser interpretadas de forma concertada
com as normas e princípios constitucionais.
8. A consideração de que uma determinada norma aplicada pelo Tribunal foi por si
violada na sua aplicação, implica, necessariamente, que se considera que foi
feita uma interpretação da norma desconforme à Lei Fundamental e que,
consequentemente, esta foi violada.
9. Não se lobriga, destarte, a razão pela qual este douto Tribunal considerou
que o presente recurso não deveria ter sido admitido, dado que se verifica,
indubitavelmente, o preenchimento do requisito previsto na al. b), do nº1, do
artº 70 da LTC.
10. Acresce que, apesar de não competir a este douto Tribunal a pronúncia sobre
a alegada sanação da nulidade arguida em sede de primeiro interrogatório
judicial de arguido detido, veio, ainda assim, este Tribunal pronunciar-se sobre
a alegada sanação.
11. Entendeu este Tribunal que a se ter, efectivamente, verificado uma nulidade,
esta estaria sanada por força do interrogatório judicial decorrido.
12. Conforme o recorrente explanou no seu requerimento de interposição de
recurso, no acto de interrogatório judicial só foram traduzidas, oralmente, as
partes indicadas pela Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
13. Assim, esperava o recorrente que, nos termos do disposto no artº 79º- C da
LTC, este douto Tribunal se pronunciasse sobre a inconstitucionalidade do artº
92º, nº 2 do CPP, quando interpretado no sentido de permitir uma sintética
tradução oral da acusação, por intérprete.
14. Determina o disposto no artº 79º- C da LTC, que os poderes de cognição deste
douto Tribunal, em sede de recursos de fiscalização concreta, limitam-se a
julgar a inconstitucionalidade da norma que a decisão recorrida tenha aplicado,
com base na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos
daqueles cuja violação foi invocada.
15. Nos termos do disposto no artº 2º da LTC, as decisões do Tribunal
Constitucional são obrigatórias para os tribunais a quo.
16. Não descortina, por isso, o recorrente a razão pela qual este douto Tribunal
entende que o recurso ora interposto se apresenta como inútil por considerar que
a sua decisão não teria nenhuma relevância na decisão tomada pelo Tribunal a
quo.
17. A douta decisão deste Tribunal é, por tudo o que fica exposto,
manifestamente obscura, atentos os dispositivos legais citados, que ela
claramente contradiz.
18. Pelo exposto, requer que se esclareça:
a) A razão pela qual este douto Tribunal considerou que
o presente recurso não deveria ter sido admitido, dado que se verifica,
indubitavelmente, o preenchimento do requisito previsto na al. b), do nº1, do
artº 70 da LTC;
b) A razão pela qual este douto Tribunal entende que o recurso ora interposto se
apresenta como inútil por considerar que a sua decisão não teria nenhuma
relevância na decisão tomada pelo Tribunal a quo, pois que, por um lado, não lhe
compete julgar relativamente à questão da alegada sanação da nulidade de acordo
com o disposto no artº 79º-C da LTC, e de outro lado, a decidir pela
inconstitucionalidade do artº 92º, nº 2 do CPP de acordo com a interpretação que
lhe foi dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o que ainda se crê, a
obrigatoriedade de tal decisão (vd. artº 2º da LTC) implicaria necessariamente a
revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo.”
Entendendo-se que o «pedido de aclaração» vertido no
requerimento supra transcrito, representa, verdadeiramente – atenta a forma como
se encontra redigido e não obstante, formalmente, conter uma solicitação de
esclarecimento –, um inconformismo com a decisão de 5 de Junho de 2006, foi
determinado que prosseguissem os autos como se uma reclamação atinente a tal
decisão tivesse sido apresentada.
Ouvido o Representante do Ministério Público junto deste
Tribunal, pronunciou-se o mesmo no sentido de ser manifestamente infundada a
pretensão do arguido, pois que a decisão em causa “é perfeitamente clara e
insusceptível de dúvida objectiva sobre o que nela se decidiu acerca da
inverificação dos pressupostos do recurso interposto”.
Cumpre decidir.
2. Na óptica deste órgão de administração de justiça, a
decisão ora em apreço é suficientemente clara na corte de fundamentos que
conduziram à não tomada de conhecimento do objecto do recurso intentado
interpor.
Não colhe, assim, o argumento utilizado pelo arguido e
segundo o qual, se bem se entende o que fez escrever no supra transcrito
requerimento, bastará, para se abrir a via de recurso de fiscalização concreta
da constitucionalidade a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei
nº 28/82, de 15 de Novembro, que se esgrima com a circunstância de na decisão
judicial pretendida impugnar perante o Tribunal Constitucional ter sido levada a
efeito, do mesmo passo, uma violação da Lei Fundamental e de determinado
preceito de direito ordinário, pois que, ainda na perspectiva do ora impugnante,
isso equivale implicitamente a sustentar um ponto de vista de harmonia com o
qual a norma aplicada por aquela decisão é ofensiva da Constituição.
Na verdade, são realidades distintas a prolação de uma
decisão judicial que se afigure por si como contraditória com o Diploma Básico e
a enfermidade constitucional da norma que serviu de ratio juris a essa prolação.
Ora, recursos do jaez do presente só são admissíveis,
constitucional e legalmente [cfr. alínea b) do nº 1 do aludido artº 70º e alínea
b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição] quando haja, precedentemente ao
proferimento da decisão judicial querida recorrer perante o Tribunal
Constitucional, a suscitação do acto do poder normativo que serviu de esteio à
decisão e não, como se assinalou na decisão em crise, o acto do poder público
consubstanciado na decisão judicial como tal considerada.
Aliás, tem este Tribunal, por diversas vezes, sublinhado
que, quando, do mesmo passo, se esgrime com o fundamento de que uma dada decisão
violou certo preceito da lei ordinária e a Constituição, o vício de
inconstitucionalidade não pode deixar de estar a ser imputado à decisão.
Efectivamente, postar-se-ia como contraditório sustentar que a decisão deveria
ser reformada por não ter observado determinado preceito e, ao mesmo tempo,
invocar que esse preciso preceito era desarmónico com a Lei Fundamental (cfr.,
verbi gratia, os Acórdãos números 489/2004, 710/2004 e 128/2005, disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt.).
No que tange aos fundamentos carreados a partir do último
parágrafo de fls. 118 dos autos (fls. 10 da decisão em análise) e com os quais o
impugnante manifesta discordância, somente se dirá que as razões escritas nos
dois últimos parágrafos de fls. 119 do processo (fls. 11 da decisão) são
perfeitamente claras.
Delas decorre que não foi minimamente afirmado que o juízo
da «sanação» da «irregularidade» haveria de ser efectuado pelo Tribunal
Constitucional ou que era a este que competiria pronunciar-se sobre a sanação de
uma eventual «irregularidade» cometida nos tribunais das várias ordens. O que
resulta inequivocamente, isso sim, foi que o acórdão recorrido é que afirmou
que, admitindo ter ocorrido essa «irregularidade», ela sempre se encontraria
sanada.
E, com base nesse juízo, formulado pelo Tribunal a quo,
como se disse na decisão em causa, mesmo que o Tribunal Constitucional se viesse
a pronunciar sobre a enfermidade constitucional de uma eventual dimensão
interpretativa do nº 2 do artº 92º do Código de Processo Penal – que, também
eventualmente, teria sido operada pelo Tribunal da Relação de Lisboa – a decisão
constante do seu acórdão de 4 de Abril de 2006 manter-se-ia, pois que foi este
próprio aresto que decidiu que, a admitir ter ocorrido o «vício» decorrente
daquela «irregularidade», o mesmo encontrar-se-ia já sanado.
Neste contexto, não só se não descortina qualquer
ambiguidade ou obscuridade naquilo que foi dito na decisão de 5 de Junho de
2006, como não merece censura o juízo aí levado a cabo.
Consequentemente, é de indeferir o que se peticiona,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em vinte unidades de conta.
Lisboa, 22 de Junho de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos