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Processo n.º 2/2005
3.ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de Abril de 2003, de fls.
191, foi negada a apelação interposta da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Peso da Régua de 14 de Setembro de 2001, de fls. 154, que, por sua vez, julgara improcedente a acção de execução específica, devidamente identificada nos autos, instaurada por A. e mulher, B., e outros, contra C. e mulher, D.. Os autores vieram então, sem êxito, requerer a reforma do acórdão, e interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso, porém, não foi admitido no Tribunal da Relação do Porto, pelo despacho de fls. 232, de 6 de Outubro de
2003, despacho que, na sequência de reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, decidida por despacho do Vice-Presidente do mesmo Tribunal, de fls. 298, veio a ser substituído pelo despacho de fls. 300, que admitiu o recurso. Pelo despacho de fls. 337, o Relator no Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de que “torna-se manifesta a inadmissibilidade de conhecimento do objecto da revista requerida pelos AA, pelo que, por tal motivo, dê cumprimento ao preceituado no n.º 1 do art. 704º do CPC, aqui aplicável por força do disposto no art. 726º do mesmo diploma”. Após resposta das partes, foi decidido, pelo despacho de fls. 354, “não tomar conhecimento da (...) revista”.
2. Vieram então os autores recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do “douto acórdão que decidiu não tomar conhecimento da Revista”, nos seguintes termos:
“A – Art. 678º-2 do CPC B – Art. 804º e 830º do Código Civil C – Art. 62º-1 da CRP D – Art. 20º-1, 202º-2, 204º e 205º, todos da CRP Efectivamente,
1. A interpretação que se faz no STJ do art. 678º-2 do CPC, tanto no despacho liminar como no douto acórdão que o sufragou, distinguindo-se ali aquilo que o legislador não distinguiu, dando sempre às partes a possibilidade de recorrerem sempre que haja violação do caso julgado material ou simplesmente formal
2. A interpretação que se faz no STJ, (...), das normas consignadas nos arts.
442º-2 e, sobretudo, do art. 804º, todas do Código Civil, sendo que esta última
é manifestamente inconstitucional, na medida em que o facto de o 1º A. não ter designado data para outorga do contrato promessa e de ter interpelado os RR cerca de 12 anos após, apenas o teria feito incorrer em simples mora, mas nunca na situação de incumprimento e, muito menos, incumprimento definitivo de todos os AA.
3. Ao decidir-se ali que a simples mora do 1º A. fez precludir um direito que já se radicara na esfera jurídica de todos os AA (...), com manifesta violação de um direito que lhes vem garantido no art. 62º-1 da CRP.
(...)
4. Entendemos, assim, que a recusa por parte da Relação, primeiro, e depois, pelo STJ em aplicar os Assentos (...) está ferida de inconstitucionalidade
(...)”. O recurso não foi admitido, porque “neste Supremo, o poder jurisdicional reside no órgão colegial – art- 37º n.º 1 da LOFTJ – atendendo a que não houve lugar à prolação de qualquer Acórdão, mas sim e apenas de um despacho do respectivo relator, é inadmissível o recurso do mesmo para o Tribunal Constitucional – arts. 700º, n.ºs 3 e 5 do CPC e 69º e 70º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 28/82”.
3. Não se conformando, A. e mulher reclamaram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82 sustentando, para o que agora releva, que só “por lapso mais do que evidente” afirmaram que recorriam de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, quando estavam a recorrer de um despacho; que nada há na LTC que distinga os despachos das sentenças e dos acórdãos, para efeitos de recurso para o Tribunal Constitucional”; que optaram por recorrer imediatamente para o Tribunal Constitucional, em vez de reclamar primeiro para a conferência, o que significa que renunciaram tacitamente a tal reclamação; assim, “por força das disposições combinadas nos art.ºs 681.°-3 do CPC e 70.°-4 da LTC, é irrecusável que o despacho do Exmo Relator que o rejeitou, pelas razões que do mesmo constam, é sempre susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional, na medida em que, à luz daquele segundo normativo, aquando da sua prolação, já se achavam esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.° 2, por os recorrentes terem renunciado tacitamente à reclamação para a conferência”. Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que a reclamação “carece ostensivamente de fundamento”, por diversas razões: porque recorreram para o Tribunal Constitucional “sem terem provocado, no Tribunal recorrido, a prolação de uma decisão colegial – acórdão – impugnável pela via de recurso, suscitando perante a conferência as ‘inconstitucionalidades’ que tivessem por pertinentes e adequadas”; porque o recurso “não tem em rigor, como objecto qualquer questão de inconstitucionalidade ‘normativa’, relativa às normas que fundaram a rejeição da admissibilidade da revista; e porque não suscitam “durante o processo e em termos processualmente adequados”, tendo tido oportunidade para o fazer, “qualquer questão de inconstitucionalidade de
‘normas’ ”.
4. Com efeito, a reclamação é improcedente, por diversas razões. Em primeiro lugar, pelo motivo apontado pelo despacho de não admissão do recurso, não tendo os ora reclamantes qualquer possibilidade de opção entre cumprirem ou não cumprirem as regras de processo aplicáveis. Como já por diversas vezes o Tribunal Constitucional observou, e recorrendo aos termos utilizados, por exemplo, no seu Acórdão n.º 132/95 (Diário da República, II série, de 19 de Junho de 1995), que se mantêm plenamente aplicáveis ao caso,
«para que se possam utilizar os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa previstos nos artigos 280º, números 1, 2 e 5, da Constituição, e 70º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, mister é que as decisões, que se pretendem censurar através dessa forma impugnativa, sejam passíveis de recurso. Daí que, inquestionavelmente, haja, em primeira linha, de saber se um despacho proferido por um relator de um tribunal superior, tribunal no qual as decisões são tomadas colegial ou colectivamente, é passível de recurso. A resposta a esta questão é, sem que dúvidas a esse respeito se possam suscitar, patentemente negativa. De facto, da interpretação dos preceitos constantes dos números 3 e 4 do artº
700º do Código de Processo Civil claramente se extrai que, ressalvada a situação contemplada no artigo 688º do mesmo corpo de leis (e não era esta que estava agora em questão nestes autos), se um despacho proferido por um relator de um tribunal for, na óptica de uma «parte», susceptível de a prejudicar, não poderá essa «parte» impugnar tal despacho mediante recurso. Terá, isso sim, que requerer que sobre o despacho recaia um acórdão que, e agora do ponto de vista da parte que entende ser a prejudicada, a manter o mesmo despacho, poderá ser objecto de recurso.»
Como neste mesmo acórdão se observa, «nos tribunais superiores o poder jurisdicional resid[e] no órgão colegial», não colhendo, agora como então,
«a argumentação» dos reclamantes «segundo a qual, tratando-se de recursos com vista à «'apreciação de constitucionalidade', não seria de aplicar o que deflui das citadas disposições processuais civis.
É que, de uma banda, nenhuma estatuição constante da Lei nº 28/82 para tanto aponta; de outra, é de ponderar que aquela Lei, no seu artº 69º, subsidiariamente manda aplicar à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional as normas do Código de Processo Civil; e, ainda de outra, que só as decisões dos tribunais são recorríveis para este órgão de fiscalização da constitucionalidade, o que aponta para que, tratando-se de um tribunal superior, a decisão passível de ser impugnada há-de ser aquela que foi emitida no exercício de um poder jurisdicional (e, como se disse já, esse poder, em tais tribunais, está cometido ao órgão colegial).»
Apenas se acrescenta que nada altera a este regime o disposto no n.º
4 do artigo 70º da Lei nº 28/82, por não ser manifestamente aplicável ao caso dos autos.
Este fundamento é, por si só, suficiente para concluir pela improcedência da reclamação. Sempre se acrescenta, todavia, que, tal como observa o Ministério Público, os reclamantes não definiram, ao recorrer para o Tribunal Constitucional, qualquer questão normativa, susceptível de ser apreciada pelo mesmo Tribunal; antes é à decisão de que recorrem que aparecem atribuídas as inconstitucionalidades que apontam. E, de acordo com isso, não suscitaram oportunamente a inconstitucionalidade de qualquer norma, nos termos exigidos pelo art. 70º, n.º
1, b), da Lei nº 28/82.
Assim, indefere-se a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Artur Maurício
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050038.html ]