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Processo nº 222/2006
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 348 foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2006, de
fls. 336, foi negado provimento ao recurso que A. interpusera do acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Dezembro de 2005, de fls 302.
Este último acórdão deferira o pedido da sua extradição «para a República
Federativa do Brasil, para nesse país responder judicialmente pela prática, em
autoria material e em concurso real, no âmbito do processo n.º 105980044421, que
corre termos pela Vara Criminal da Comarca de Governador Valadares, no Estado de
Minas Gerais, de dois crimes de homicídio qualificado, previstos e puníveis pelo
artigo 121º, § 2º, incisos I, III, IV e V do Código Penal Brasileiro, no âmbito
do processo 4397/99, que corre termos pela Vara Única da Comarca de Galileia, no
Estado de Minas Gerais, pela prática, em autoria moral, do crime de homicídio
qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelo artigo 121º, § 2º,
incisos I, II e IV e pelo artigo 14º, inciso II, § único, ambos do Código Penal
Brasileiro, e no âmbito do processo n.º 4663/00, que corre termos pela Vara
Única da Comarca de Galileia, no Estado de Minas Gerais, pela prática, em
autoria moral, do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e
punível pelo artigo 121º, § 2º, incisos I, II e IV e pelo artigo 14º, inciso II,
inciso § único, ambos do Código Penal Brasileiro, pelos quais está indiciado».
Nas alegações então apresentadas, o ora recorrente formulou as seguintes
conclusões:
«1 – A decisão recorrida implica o afastamento do recorrente da sua família, em
particular da sua filha menor;
2 – Questão que ali não foi apreciada;
3 – E que por aplicação do artº 18º n.º 2 da Lei 144/99 de 31 de Agosto,
deveria impor a negação da cooperação internacional;
4 – Em obediência aliás aos artºs 36º, em especial o seu n.º 6, e 67º n.º 1 da
CRP;
5 – Preceitos que foram violados pela decisão em crise».
2. Para negar provimento ao recurso, o Supremo Tribunal de Justiça, e agora
apenas na parte que neste momento releva, pronunciou-se nos seguintes termos:
«Passando ao conhecimento do fundamento material do recurso, dir-se-á que o n.º
2 do artigo 18º, ao prever a possibilidade de negação do pedido de extradição
quando este possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão
da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, faz depender
a denegação facultativa da cooperação internacional, não só das consequências
que a mesma, no caso a extradição, possa implicar para a pessoa visada (em
função da idade, estado de saúde ou outros motivos de carácter pessoal), mas
também de um juízo de ponderação de interesses entre o facto criminoso e aquelas
consequências.
É o que decorre da hermenêutica do preceito ao estatuir que: 'Pode ainda ser
negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o
deferimento do pedido possa implicar consequências graves…'.
Ponderação essa em que assume particular relevância o confronto entre a
gravidade do facto e a gravidade das consequências da extradição para o visado.»
E, procedendo a tal ponderação, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que as
«alegadas consequências da extradição – afastamento do requerido da sua família,
em particular da sua filha menor de 17 anos de idade» não implicavam «lesão ou
prejuízo de grau superior» ao que o deferimento do pedido de extradição
normalmente provoca, tendo em conta «a gravidade do facto, traduzido na suspeita
de cometimento de quatro crimes de homicídio qualificado, dois na forma
tentada».
Para além disso, o Supremo Tribunal de Justiça observou ainda que o respeito
pela vida privada e familiar não assume a natureza de um direito absoluto, não
impedindo intervenções da autoridade pública em circunstâncias como as do caso
presente (quando, «numa sociedade democrática, seja necessária para o bem-estar
económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a
protecção da saúde ou da ordem moral, ou a protecção dos direitos e das
liberdades de terceiros»).
E concluiu afirmando que «a própria Constituição, limitando embora a extradição
à aplicação de penas ou de medidas de segurança privativas ou restritivas da
liberdade de carácter não perpétuo ou de duração definida, admite-a
expressamente no n.º 4 do artigo 33º».
3. Veio então A. recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, «por a
decisão recorrida, na interpretação adoptada, fazer aplicação do artº 18º n.º 2
da Lei 144/99 de 31 de Agosto, que fere os artºs 36º e 67º n.º 1 da CRP, como
alegado em sede de recurso».
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do
artigo 76º da Lei nº 28/82).
4. O Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do presente recurso,
por não ter sido suscitada «durante o processo», como exige a alínea b) do n.º 1
do citado artigo 70º da Lei nº 28/82, a inconstitucionalidade de qualquer norma
contida no n.º 2 do artigo 18º da Lei n.º 144/99.
Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade
de normas interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
Lei nº 28/82, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie a
conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que
foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido
suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada), e
não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da
lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de
exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da
República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de
1995 e 16 de Maio de 1996).
Como resulta do disposto no nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82, para que se
possa considerar que a inconstitucionalidade da norma que se pretende ver
apreciada foi “suscitada durante o processo” (citada al. b) do nº 1 do artigo
70º), é necessário que a questão da inconstitucionalidade dessa mesma norma
tenha sido colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Ora, no caso presente, o recorrente não suscitou perante o Supremo Tribunal de
Justiça a inconstitucionalidade de norma alguma, antes se limitando a afirmar
que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não cumprira, nem a lei ordinária
– o n.º 2 do artigo 18º da Lei n.º 144/99 –, nem a Constituição – em especial,
os seus artigos 36º, n.º 6 e 67º, n.º 1.
Acusou assim tal acórdão de violar a lei e a Constituição; mas não apontou a
nenhuma norma contida no n.º 2 do artigo 18º da Lei n.º 144/99 qualquer
contrariedade com a Constituição.
5. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão
sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.'
2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto
no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão
sumária, nos seguintes termos:
'1- Observa a douta decisão (…) que o Recorrente não apontou a nenhuma norma
contida no n.º 2 do artº 18º da Lei n.º 144/99 qualquer contrariedade com a CRP.
2- Porém, tal não é assim.
3- O Recorrente sustenta que o artº 18º do n.º 2 da Lei 144/99 de 31 de Agosto,
na interpretação sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, fere os artºs 36º e
67º n.º 1 da CRP.
4- Ora, tem sido aceite que a questão da inconstitucionalidade tanto pode
respeitar a uma norma, a uma sua dimensão parcelar, como também à interpretação
ou sentido em que ela foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão
recorrida (p. ex Acórdãos 683/99, 156/00 e 219/00).
5- É o que sucede na situação dos autos.
6- Pelo que deve ser admitido o presente recurso'.
Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentida da
manifesta improcedência da reclamação, porque, 'não tendo o recorrente suscitado
em termos processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, idónea para servir de base ao recurso interposto, é evidente a
inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto'.
3. Com efeito, a reclamação é improcedente. O reclamante, aliás, não contrapõe
nenhum argumento ao motivo que realmente conduziu à decisão de não conhecimento
do recurso.
Na verdade, da leitura da decisão ora reclamada resulta claramente que o
reclamante retirou do contexto uma afirmação feita para esclarecer a verdadeira
razão desse não conhecimento: não ter sido suscitada, 'durante o processo', como
exige a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, a
inconstitucionalidade de qualquer norma contida no n.º 2 do artigo 18º da Lei
n.º 144/99.
Não há, assim, nada a acrescentar à decisão reclamada, que se confirma.
4. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não
conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 28 de Março de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício