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Processo n.º 213/06
2.ª Secção
Relator – Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. e B. intentaram acção judicial com processo ordinário para efectivação de
responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra Companhia de
Seguros C., S.A., pretendendo que fosse esta condenada, respectivamente, no
pagamento das quantias de Esc. 50.150.000$00 e Esc. 40.000.000$00, acrescidas de
juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, a título de
indemnizações pelos danos sofridos com a morte de seu filho D., em acidente de
viação exclusivamente imputável ao condutor de veículo seguro na demandada
companhia de seguros.
O Tribunal Judicial de Estarreja julgou a acção parcialmente procedente e
condenou a demandada ao pagamento de € 37.653,83 (deduzida a quantia de €
2.250,00, entretanto já recebida) ao demandante pai, e de € 39.903,83 à
demandante mãe, ambas as quantias acrescidas de juros à taxa legal desde a
citação.
Inconformados, os demandantes recorreram para o Tribunal da Relação do Porto
que, por acórdão de 7 de Dezembro de 2004, julgou parcialmente procedentes ambos
os recursos e condenou a demandada a pagar “ao A. a quantia de € 52.617,76 e à
B. a quantia de € 54.867,76, mantendo-se inalterada a condenação em juros”.
Dessa decisão recorreram os demandantes para o Supremo Tribunal de Justiça que,
por acórdão de 14 de Junho de 2005, negou provimento aos recursos de revista
interpostos. Pode ler-se no referido aresto:
«Os mesmos Autores pedem ainda revista.
A A. B. insiste no pedido global de € 149.639,97 (30 mil contos) a resultar da
soma dos 30 mil (metade), 10 mil e 10 mil contos (metade) em que devem ser
valorados a perda do direito à vida, os danos morais próprios e os danos
sofridos pela vida antes do decesso.
Por sua vez, o A. A. acusa de exíguas as compensações que lhe vê atribuídas a
título de danos não patrimoniais e reclama, como dano patrimonial futuro, por
perda de alimentos, a quantia de Esc. 30.000.000$00.
Argúi, ainda, a decisão de inconstitucional, por violação do princípio da
igualdade (art.º 13.° da CRP), por os nossos tribunais terem, noutros casos,
arbitrado indemnizações superiores.
A Recorrida apresentou resposta em apoio do julgado.
2. – As questões propostas por ambos os Autores relativamente aos montantes
indemnizatórios atribuídos traduzem-se na total reposição das que foram
colocadas perante a 2.ª instância pelas mesmas Partes.
Também as referentes à indemnização reclamada por danos futuros e
inconstitucionalidade da decisão, colocadas pelo A. A. são a mera repetição das
postas à Relação.
3. – No uso da faculdade prevista no n.º 6 do art.º 713.° do CPC, remete-se para
decisão da matéria de facto, nos termos em que ficou definitivamente fixada pelo
Tribunal da Relação, dando-a aqui por reproduzida.
4. 1. – Como se deixou já referido, as questões ora colocadas sobre a fixação do
montante dos danos não patrimoniais foram, nos mesmos precisos termos,
suscitadas perante a Relação nos recursos de apelação.
No acórdão recorrido foram devidamente apreciadas e decididas, sendo clara e
exaustiva a fundamentação utilizada, quer quanto aos elementos factuais que lhe
serviram de base, quer quanto aos critérios de valoração, que assentam
exclusivamente em juízos de equidade e às referências jurisprudenciais
utilizadas.
As divergências dos Recorrentes assentam em alegadas divergências de
entendimento relativamente a tais critérios, sem que acrescentem qualquer
argumentação relevante à que haviam invocado perante a Relação.
Ora, tendo em consideração que os montantes compensatórios achados não divergem
dos que, em casos afins, vêm sendo adoptados na jurisprudência menos
parcimoniosa deste STJ (cfr., v.g. os acs. de 2/12/04 e 9/12/04, procs.
3097/04-2 e 3718/04-2), concorda-se e sufraga-se toda a fundamentação do acórdão
impugnado, bem como as decisões a que, como seu corolário lógico, se chegou.
4. 2. – Também não se diverge do decidido quanto à não atribuição de
indemnização por danos patrimoniais ao Recorrente A. por privação de prestações
alimentares (art.º 495.°, n.º 3, do C. Civil) e quanto à constitucionalidade.
Como se diz na decisão impugnada a questão alimentar estava ligada à da
alteração da matéria de facto da qual dependia e não se provaram os respectivos
pressupostos, ou seja, nem se provou que a vítima comparticipasse nas despesas
do pai, nem, sobretudo, que este não tivesse “outra fonte de rendimento” ou que
tivesse necessidade de alguma contribuição do filho com expressão económica.
Relativamente à invocada inconstitucionalidade, além de, como vem notado, se não
identificarem e fornecerem os elementos de comparação alegados sobre a
identidade de situações relativamente à da decisão recorrida, acrescenta-se que
não se argúi a inconstitucionalidade de qualquer norma nela aplicada ou a
interpretação dela feita, sendo que, ao menos pelo fundamento invocado, a
decisão não enfermará, ela própria, de inconstitucionalidade.
4. 3. – Nestes termos, concordando-se, como se concorda, inteiramente com a
decisão proferida pela Relação e com os fundamentos que a suportam, ao abrigo do
disposto nos art.ºs 726.° e 713.°, n.º 5, do CPC, remete-se para os fundamentos
da decisão impugnada.»
2.O demandante A. interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional ao
abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), dizendo:
“A., nos autos de Revista, supracitados, não se conformando com o acórdão de
fls., por não ter respeitado o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º
da Constituição Portuguesa, vem, ao abrigo da al. a) do artigo 70.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro – Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional – alterada pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, e pela Lei
Orgânica n.º 85/89, de 7 de Setembro, dele interpor recurso para o Tribunal
Constitucional.”
O recurso de constitucionalidade não foi admitido no Supremo Tribunal de
Justiça, por despacho de 6 de Julho de 2005, com o seguinte teor:
“O recorrente A. interpõe recurso para o Tribunal Constitucional invocando
violação do princípio da igualdade, por violação, digo, ao abrigo do art.º 70.º,
al. a), da Lei n.º 28/82 (recusa de aplicação de norma, com fundamento em
inconstitucionalidade).
Acontece que, ao longo do processo, o recorrente não arguiu a
inconstitucionalidade de qualquer norma aplicada nas decisões proferidas, nem
nestas foi recusada a aplicação de qualquer norma a pretexto de violação da Lei
Fundamental.
Limita-se, isso sim, a alegar desigualdade entre a indemnização atribuída e as
(supostamente) atribuídas, em concreto, noutros processos.
Consequentemente, o fundamento invocado não se ajusta aos requisitos legais do
recurso de constitucionalidade interposto.
Por isso, não se admite.”
3.Vem agora o recorrente reclamar deste despacho para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, nos
seguintes termos:
«A., nos autos de revista à margem identificados, não lhe tendo sido admitido,
pelo despacho de fls. 609, o recurso para o Tribunal Constitucional que interpôs
do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pretende reclamar, ao abrigo do
disposto no n.º 4 do artigo 76.° da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com os
fundamentos seguintes:
1.°
O ora reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional por não concordar com a
decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto à
inconstitucionalidade invocada.
2.°
Está em causa a desigualdade de critérios usada, para a fixação da indemnização,
no caso em apreço, quer na decisão da 1.ª Instância, Tribunal de Estarreja, quer
no acórdão proferido pela Relação do Porto, quer na decisão proferida pelo
Supremo Tribunal de Justiça, e a utilizada em decisões proferidas noutros
processos, citando-se entre outros, os que ficaram conhecidos como da
“Aquaparque” em Lisboa, do “Very Light” no Estádio Nacional, do derrube do
prédio da Rua Alferes Malheiro, no Porto, no qual a Câmara Municipal foi
condenada, no do “Semáforo” também em Lisboa e ainda um recentemente no Montijo,
de uma criança que caiu num esgoto, e tantos outros, onde foram arbitradas
indemnizações que atingiram 50, 80 e 100 mil contos, que nada têm de comparável
com aquela que foi fixada nos presentes autos pela morte do D., filho do
reclamante.
3.°
Os acidentados nos referidos processos eram, tal como o D. era, jovens ou até,
em alguns desses casos, crianças, que não tinham qualquer rendimento ou
vencimento.
4.°
O D. trabalhava, auferia um vencimento e tinha uma promissora carreira política
à sua frente.
5.°
Utilizando-se um critério de igualdade e de equidade, a indemnização, pela morte
do D., terá que ser fixada em valores iguais ou semelhantes aos atrás referidos.
6.°
Não foi assim entendido pelo Tribunal de 1.ª Instância, Tribunal Judicial de
Estarreja, pelo Tribunal da Relação do Porto e agora pelo Supremo Tribunal de
Justiça, tendo sido usados, para justificar o indeferimento, argumentos de mero
formalismo, como seja, a não identificação dos processos. Será que é obrigatória
para os indicar como termo de comparação, identificar a Secção, o Juízo e o
Tribunal por onde correram termos esses processos e qual foi o número que lhes
atribuíram?
7.°
As decisões proferidas nos presentes autos acarretam uma desigualdade tão
gritante em relação às indemnizações arbitradas nos aludidos processos, que
levou o ora reclamante a invocar a inconstitucionalidade de tais decisões por
violarem o princípio da igualdade de tratamento e aplicação da justiça a que
todos os cidadãos portugueses têm direito, tal como está consagrado na
Constituição da República Portuguesa, artigo 13.°, e na Declaração Universal dos
Direitos do Homem.
8.°
Como violada ficou a dignidade da pessoa humana quando na decisão da 1.ª
Instância se comparou o valor da vida de um jovem, o D., ao valor de um carro.
9.º
Esse princípio de igualdade não foi respeitado nas decisões proferidas nos
presentes autos e daí o ora reclamante pretender recorrer para o Tribunal
Constitucional para que seja apreciada a inconstitucionalidade de que estão
feridas essas decisões.
10.°
Esta inconstitucionalidade foi invocada pelo reclamante nos diversos recursos
das decisões da 1.ª Instância, da Relação e agora do Supremo Tribunal de
Justiça.
11.°
Acontece que, pelo despacho de fls. 609, não foi admitido o recurso para o
Tribunal Constitucional
Assim e em
Conclusão:
a) As decisões proferidas nos presentes autos, 1.ª Instância, Relação e Supremo,
não respeitaram o princípio da igualdade consagrada no artigo 13.° da
Constituição da República Portuguesa e na Declaração Universal dos Direitos do
Homem, quando arbitraram a indemnização pela morte do filho do ora reclamante.
b) Isto tendo em conta as indemnizações fixadas em outros processos,
indicando-se, entre tantos outros, os atrás referidos, os quais são do
conhecimento da generalidade das pessoas, dado que foram publicitados em toda a
imprensa, quer falada, quer escrita.
c) Ora, se não for respeitado tal princípio de igualdade pelos nossos Tribunais
para que servem as garantias dadas pela nossa Constituição e pela Declaração
Universal dos Direitos do Homem?
d) O reclamante, porque espera que se faça justiça, pretende recorrer para o
Tribunal Constitucional para que seja apreciada a inconstitucionalidade das
decisões referidas na al. a), que violaram o disposto no artigo 13.° da
Constituição da República Portuguesa.
e) Acontece que tal recurso não lhe foi admitido pelo despacho de fls. 609.
Pelo exposto e pelo que será doutamente suprido, deve dar-se provimento à
presente reclamação mandando-se admitir o recurso interposto a fls., para o
Tribunal Constitucional.»
Já no Tribunal Constitucional, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da
manifesta falta de fundamento da reclamação, dizendo:
“A presente reclamação é manifestamente infundada: na verdade – e como resulta
da própria argumentação do reclamante – o recurso interposto carece obviamente
de base normativa, sendo inidóneo o seu objecto. Acresce que não se verificam
ostensivamente os pressupostos do recurso tipificado na alínea a) do n.º 1 do
art.º 70.º da Lei n.º 28/82, já que o acórdão recorrido não recusou aplicar
qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4. Importa começar por sublinhar que não pode estar em causa na presente
reclamação a apreciação de qualquer inconstitucionalidade de normas aplicadas na
decisão de que o ora reclamante pretendeu recorrer, nem, sequer, a alegada
violação do princípio da igualdade resultante de invocadas disparidades
gritantes de montantes indemnizatórios em caso de lesão de que proveio a morte
da vítima. Apenas se pode tratar da questão, processual, de saber se o recurso
de constitucionalidade em causa devia ou não ter sido admitido, designadamente,
por se reunirem todos os requisitos processuais para tanto.
Ora, pode adiantar-se desde já que a presente reclamação não pode obter
provimento: mesmo abstraindo de eventuais insuficiências do requerimento de
recurso, não se justificava sequer que fosse proferido qualquer despacho de
convite para o aperfeiçoar, já que, em qualquer caso, não poderia o Tribunal
Constitucional tomar conhecimento do recurso interposto pelo reclamante, por
falta dos requisitos legais necessários para tanto.
Com efeito, o reclamante tentou interpor recurso de constitucionalidade ao
abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional
sem, no entanto, identificar no respectivo requerimento de recurso qualquer
norma legal, ou dimensão normativa, cuja aplicação tivesse sido recusada na
decisão recorrida, com fundamento na sua inconstitucionalidade. É este último um
pressuposto indispensável para se poder tomar conhecimento de um recurso de
constitucionalidade interposto ao abrigo de tal alínea – não bastando a
invocação da “não aplicação”, ou violação, do princípio da igualdade, se não se
tiver verificado a recurso de aplicação de uma norma infra‑constitucional, com
fundamento na sua inconstitucionalidade.
Ora, não só o reclamante não indica no seu requerimento de recurso, ou na sua
reclamação para este Tribunal, qual seja essa norma cuja aplicação teria sido
recusada, como não se vislumbra, pela leitura das decisões das várias
instâncias, a recusa de aplicação de qualquer norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade.
Aquilo que o reclamante verdadeiramente pretendia através do recurso de
constitucionalidade era, antes, que fosse feita uma reavaliação do montante da
indemnização que lhe foi atribuída pela morte do seu filho D. – isto é, o que
ele contestou, por considerar ter violado o princípio constitucional da
igualdade, foi a decisão judicial em si mesma considerada que fixou o montante
daquela indemnização. Daí que tenha concluido a presente reclamação dizendo:
“(…)
a) As decisões proferidas nos presentes autos, 1.ª Instância, Relação e Supremo,
não respeitaram o princípio da igualdade consagrada no artigo 13.° da
Constituição da República Portuguesa e na Declaração Universal dos Direitos do
Homem, quando arbitraram a indemnização pela morte do filho do ora reclamante.
b) Isto tendo em conta as indemnizações fixadas em outros processos,
indicando-se, entre tantos outros, os atrás referidos, os quais são do
conhecimento da generalidade das pessoas, dado que foram publicitados em toda a
imprensa, quer falada, quer escrita.
c) Ora, se não for respeitado tal princípio de igualdade pelos nossos Tribunais
para que servem as garantias dadas pela nossa Constituição e pela Declaração
Universal dos Direitos do Homem?
d) O reclamante, porque espera que se faça justiça, pretende recorrer para o
Tribunal Constitucional para que seja apreciada a inconstitucionalidade das
decisões referidas na al. a), que violaram o disposto no artigo 13.° da
Constituição da República Portuguesa. (…)”
No entanto, não cabe ao Tribunal Constitucional, nem controlar o modo como a
matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, nem sequer controlar o
mérito da decisão recorrida em si mesma, ou, sequer, apurar se as normas nela
aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No recurso de
constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da República e pela
Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de fiscalização da
constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa interpretação
enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada (ou
desaplicada) na decisão recorrida. Se o recorrente entendia que a decisão de que
pretendia recorrer tinha aplicado uma norma inconstitucional, deveria tê-la
identificado e impugnado – o que não fez –, interpondo recurso ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 1, alínea b) – e não da alínea a) – da Lei do Tribunal
Constitucional.
Como é dito no despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, “o
fundamento invocado [pelo reclamante] não se ajusta aos requisitos legais do
recurso de constitucionalidade interposto”, pelo que, não se podendo verificar
os pressupostos indispensáveis para se tomar conhecimento do recurso interposto
ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional
– já que não foi recusada, na decisão recorrida, a aplicação de qualquer norma
com fundamento na sua inconstitucionalidade –, não se justificava sequer um
aperfeiçoamento do respectivo requerimento, antes devendo o recurso interposto
ser logo indeferido.
Por conseguinte, a presente reclamação tem também de ser indeferida.
III. Decisão
Pelo fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar
o reclamante em custas, com 20 ( vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 2 de Maio de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos