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Processo n.º 1059/05
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional:
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro (LTC), do acórdão
proferido no Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Novembro de 2005 pelo qual o
seu recurso foi julgado improcedente; pretende ver apreciada a
inconstitucionalidade dos artigos 37º n.º 5 e 50º do Código Cooperativo e do
artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais, 'na interpretação que aos mesmos
foi dada pelo acórdão recorrido' a qual, em seu entender, 'viola frontal e
ostensivamente o disposto no artigo 32º n.º 10 da Constituição'.
A convite do Tribunal, formulado nos termos do n.º 1 do artigo 75º-A da LTC,
para que fosse concretizada e definida a norma concretamente aplicada que seria
desconforme com a Constituição, esclareceu:
A., Recorrente nos autos à margem identificados, tendo sido notificado do
Despacho de V. Exa. de fls. o qual, atento o disposto no art. 75°-A, n.º 5 da
LTC, veio convidar o Recorrente a enunciar as normas que, em concreto, pretende
impugnar vem, em aditamento ao seu requerimento de interposição de recurso, que
aqui dá por reproduzido para todos os efeitos legais, expor e requerer a V. Exa.
o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do
Art. 70° da Lei n.º 28/82de 15/11;
Assim,
2. Pretende o Recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade dos Artigos 37°,
n.º 3 e 5 e 50° do Código Cooperativo e do Artigo 56° do Código das Sociedades
Comerciais face ao que se dispõe no art. 32°, n.º 10 da CRP já que, em seu
entender, a interpretação e aplicação dada às invocadas disposições legais,
sustentada pelo Acórdão sub judice, viola frontal e ostensivamente o disposto no
mencionado preceito constitucional;
3. A questão controvertida ou thema dedidendum sobre o qual o Tribunal Recorrido
foi chamado a pronunciar-se prendia-se, essencialmente, com a qualificação
invalidade da Deliberação da Cooperativa, aqui Recorrida, de 18/12/1998 (que
determinou a exclusão do Recorrente), decorrente dos vícios por este assacados à
mesma;
4. No entender do Recorrente - e porque, embora precedida de processo escrito,
foram neste omitidas diligências fundamentais para a descoberta da verdade
(tendo sido recusadas todas as diligências de prova por si requeridas,
designadamente de prova testemunhal - cfr. al. I) da matéria de facto assente,
fls. 5 do Acórdão Recorrido), além do que não lhe foi, tão-pouco, possível
apresentar a sua defesa na mencionada Assembleia Geral -, a invalidade
decorrente dos vícios assacados à Deliberação em apreço, quer em face do que se
dispõe no C. Cooperativo, quer atento o regime da invalidade das deliberações
decorrente do CSC, não pode deixar de ser a nulidade sendo a mencionada
Deliberação, por esse motivo, impugnável a todo o tempo.
Efectivamente ,
Tal conclusão - da nulidade da deliberação - é válida quer se entenda que esta
forma de invalidade decorre, de forma expressa, do disposto no art. 37°, n.º 5
do C. Cooperativo (que estabelece a nulidade insuprível para a violação de
direitos de matriz constitucional, como são os direitos de audiência e defesa
dos arguidos concretizados nas suas diversas alíneas), quer se entenda, perante
o art. 50° do C. Cooperativo, estar-se perante a existência de uma eventual
lacuna havendo que recorrer, neste caso, ao art. 56°, nº 1, al. d) do CSC que,
igualmente, estipula a nulidade das deliberações cujo conteúdo seja ofensivo de
preceitos legais que não possam ser derrogados.
5. Resulta do art. 32°, n.º 10 da Constituição que 'Nos processos de
contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são
assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.';
6. O processo de exclusão de cooperador, previsto no art. 37° do C. Coop., ao
exigir que a deliberação de exclusão se funde em violação grave e culposa do C.
Coop., legislação complementar aplicável, estatutos ou regulamentos internos da
Cooperativa e ao exigir que a exclusão tenha de ser precedida de processo
escrito, configura um processo sancionatório abrangido, portanto, pelo disposto
no invocado n.º 10 do art. 32° da CRP;
7. As alíneas do n.º 5 do mencionado art. 37° mais não são, aliás, do que a
concretização dos direitos e garantias (de audiência e defesa dos arguidos)
resultantes do invocado preceito da Constituição;
8. Os casos enumerados (taxativamente enumerados) nas referidas alíneas não se
resumem, pois, a meros vícios de forma. Tratam-se, bem ao invés, de
concretizações de direitos e garantias fundamentais constitucionalmente
consagrados;
9. Daí, aliás, a forma de invalidade estipulada para a preterição do disposto em
qualquer das mencionadas alíneas do art. 37°, n.º 5 do C. Coop. - a nulidade
insuprível única compatível, ou suficientemente forte, para sancionar a violação
de um direito de matriz constitucional, como é aquele perante o qual nos
encontramos nestes autos.
Neste sentido - e, nessa medida, refutando o entendimento oposto, ora sustentado
pelo Acórdão Recorrido - pronunciou-se o Tribunal de 1ª Instância, citado a fls.
8 da Decisão sub judice, ao referir que 'O propósito do legislador em
estabelecer a nulidade insuprível para a violação de um direito de matriz
constitucional (art. 32°, n.º 10 da Constituição) não se coaduna com um regime
de mera anulabilidade.', pois 'Entendimento diverso levaria a que nulidade
insuprível acabasse por poder ser 'suprida' por uma deliberação formalmente
válida.', pelo que, impõe-se concluir, que 'o legislador, ao estabelecer o
regime de nulidade insuprível no processo disciplinar pretendeu consagrar a
nulidade da deliberação subsequente a essa nulidade. Tanto mais que o processo
disciplinar não pode ser objecto de impugnação autónoma.', entendimento que, na
íntegra, se subscreve.;
10. Contrariamente, porém e a este propósito, decidiu o Tribunal Recorrido que:
a) 'Como decorre do art. 9° do C. Coop., o recurso ao regime do CSC pressupõe a
existência de uma lacuna de regulamentação.' o que, refere-se, '...face ao
disposto no art. 50º C. Coop. não é claro que efectivamente ocorra.'. Porém,
'...mesmo se só se considerar numa perspectiva sistemática, é, a outro tempo,
ponto assente que no n.º 1 do art. 56º CSC, se contém enumeração taxativa...'
(cfr. parágrafos 9, 10 e 11 de fls. 9 do Acórdão Recorrido).
b) '...ainda quando se considere ocorrer efectivamente nulidade insuprível
disciplinar que imperativamente precede conforme n. ° 3 do art. 37° C. Coop., a
deliberação de exclusão, sobra exacto não decorrer da lei que a nulidade do
processo disciplinar contagie de igual vício a deliberação subsequente”, “Nem
tal verdade, se coaduna com a lógica do sistema em que domina a regra da mera
anulabilidade das deliberações...' (cfr. parágrafos 12 e 13 de fls. 9 do Acórdão
Recorrido embora com sublinhados nossos);
c) 'Em si mesma considerada, porém, a deliberação impugnada não colide. no seu
conteúdo com o art. 37°. n.º 5 do C. Coop. nem com o art. 32° n.º 10 da
Constituição...” 'O art. 32° n.º 10 da Constituição não explicita, aliás, a
espécie de invalidade que a sua eventual infracção determina.' (cfr. parágrafos
2 e 3 de fls. 10 do Acórdão em apreço; sublinhados nossos);
d) Mais se refere resultar do art. 37°, n.º 3 do C. Coop. '...realmente, a
indissociabilidade da deliberação de exclusão do processo disciplinar que
necessariamente a precede (...).
Não assim também, no entanto, o contágio de eventual nulidade, mesmo se
insuprível, desse processo à deliberação subsequente em termos de poder ser
arguida a todo o tempo,' (cfr. parágrafo 4 de fls. 10 do Acórdão em referência;
sublinhados nossos);
e) 'Referida a al. d) do n.º 1 do art. 56° CSC às deliberações cujo conteúdo,
directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja
ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados,
nem sequer por vontade unânime dos sócios, é sem dúvida alguma a deliberação em
si mesma considerada, e não o seu processo de formação que há que ter em
consideração.' pelo que, 'Num tal quadro, é, realmente. ao interessado que cabe
reclamar oportunamente a anulabilidade de deliberação de exclusão precedida de
processo disciplinar inquinado por nulidade insuprível.' (cfr. parágrafo 7 de
fls. 10 do Acórdão em apreço; sublinhados nossos);
f) ' Se no art. 37°, n.º 5, C.Coop. o legislador tivesse querido (. . .)
reportar-se, ao arrepio do falado princípio geral da anulabilidade das
deliberações, à nulidade da própria deliberação, tê-lo-ía, sem dúvida, dito
expressamente, nesse mesmo artigo, ou no art.50.º' (cfr. parágrafo 9 de fls. 10
do Acórdão Recorrido).
Contudo,
11. Ao interpretar os artigos 37°, nºs 3 e 5 e 50° do C. Coop. e, ainda, o art.
56° do CSC nos termos que antecedem é manifesta a inconstitucionalidade dos
mesmos face ao preceituado no art. 32° n.º 10 da Constituição,
Designadamente,
a) Ao interpretar o art. 37° do C. Cooperativo, designadamente os seus n.ºs 3 e
5, no sentido de que '…ainda quando se considere ocorrer efectivamente nulidade
insuprível do processo disciplinar que imperativamente precede, conforme n.º 3
do art. 37° C.Coop., a deliberação de exclusão, sobra exacto não decorrer da lei
que a nulidade do processo disciplinar contagie de igual vício a deliberação
subsequente', é manifesta a inconstitucionalidade dos mencionados preceitos
legais atento o n.º 10 do art. 32° da Constituição;
b) Ao decidir que 'Em si mesma considerada, (...) a deliberação impugnada não
colide. no seu
conteúdo, com o art. 37°, n.º 5 do C. Coop.. nem com o art. 32°. n.º 10 da
Constituição…' e que
“ o art. 32º n.º 10 da Constituição não explicita, aliás, a espécie de
invalidade que a sua eventual infracção determina' é, de igual modo, manifesta a
preterição do disposto na invocada norma constitucional ;
c) Mais, ao interpretar o art. 37°, n.º 3 do C. Coop. no sentido de que muito
embora resulte do mesmo '…a indissociabilidade da deliberação de exclusão do
processo disciplinar que necessariamente a precede...' tal não significa, no
entanto, '...o contágio de eventual nulidade. mesmo se insuprível. desse
processo à deliberação subsequente em termos de poder ser arguida a todo o
tempo. ' resulta ostensiva, de igual modo, a invocada inconstitucionalidade face
ao art. 32°, n.º 10 da CRP;
d) Ainda, ao entender que, o que há que ter em consideração na al. d) do n.º 1
do art. 56° CSC - que se refere às deliberações cujo conteúdo, directamente ou
por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons
costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por
vontade unânime dos sócios - '…é sem dúvida alguma a deliberação em si mesma
considerada. e não o seu processo de formação...' pelo que, 'Num tal quadro, é,
realmente, ao interessado que cabe reclamar oportunamente a anulabilidade de
deliberação de exclusão precedida de processo disciplinar inquinado por nulidade
insuprível.”, resulta igualmente clara a preterição, pela invocada disposição
legal, do preceituado no n.º 10 do art. 32° da Lei Fundamental;
e) Finalmente, ao interpretar os artigos 37°, n.º 5 e 50° do C. Coop. no sentido
de que 'Se no art. 37°, n.º 5, C. Coop. o legislador tivesse querido (...)
reportar-se (...) à nulidade da própria deliberação, tê-lo-ia, sem dúvida, dito
expressamente, nesse mesmo artigo, ou no art. 50º', é ainda patente a
inconstitucionalidade das referidas normas atento o que se dispõe no invocado
art. 32º da CRP
12. Impugna-se, pois, no presente recurso o disposto nos artigos 37°, n.º 3 e 5
e 50° do C. Coop. e, ainda, 56° do CSC, atenta a frontal oposição dos mesmos com
o que se dispõe no art. 32°, n.º10 da CRP, na interpretação, acima transcrita,
que aos mesmos foi dada pelo Acórdão sub judice;
13. Tal interpretação é expressa e ostensivamente incompatível com a
Constituição, designadamente com o seu art. 32°, n.º 10 já que permite a sanação
de um vício (que o próprio legislador, aliás, declarou insuprível) decorrente da
preterição de um direito de matriz constitucional.
Acresce que,
14. Aos direitos de audiência e defesa consagrados no preceito constitucional em
apreço é aplicável o regime dos direitos liberdades e garantias (ex vi do
disposto no art. 17° da CRP), designadamente aquele que resulta do seu art. 18°,
Ora,
15. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e
garantias têm aplicação directa vinculando tanto entidades públicas, como
privadas, a lei só os pode restringir nos casos expressamente previstos na
Constituição e dentro dos limites necessários para salvaguardar outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos. Finalmente, as leis restritivas de
direitos, liberdades e garantias não podem diminuir a extensão e o alcance do
conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (cfr. art. 18° da CRP).
16. Pelo que, ainda, a interpretação dos mencionados preceitos legais,
sustentada pelo Tribunal Recorrido, ao permitir que pelo mero decurso do tempo
se possa suprir, por via de uma deliberação formalmente válida, uma nulidade
insuprível (como é a decorrente do invocado art. 37°, n.º 5 do C. Coop.), sempre
consubstanciará uma diminuição quer da extensão, quer do alcance do conteúdo
essencial do art. 32°, n.º 10 da CRP.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser admitido o presente recurso
seguindo-se os ulteriores termos do processo até final.
2. Proferiu então o relator decisão sumária de não conhecimento do
recurso, com os seguintes fundamentos:
[…] Todavia, este recurso não pode ser conhecido.
Em primeiro lugar, é manifesto que o recorrente não pretende questionar uma
qualquer norma jurídica, conforme impõe no artigo 79º-C da LTC, mas directamente
o julgamento efectuado no Supremo Tribunal de Justiça quanto à qualificação do
pretenso vício de que enfermaria a deliberação questionada. Visa-se sindicar, em
suma, a aplicação da norma ao caso concreto, actividade que constitui
tipicamente a tarefa jurisdicional não sindicável através do recurso previsto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro (LTC), já que
indissociavelmente ligada às particularidades do caso concreto. Aliás, é patente
a dificuldade do recorrente – tanto no requerimento de interposição do recurso,
como no esclarecimento adicional – em isolar uma formulação normativa que possa
constituir, mantendo as características de generalidade e de abstracção, o
objecto do recurso.
Mas, decisivamente, a decisão recorrida assentou na constatação de que se não
provara o carácter essencial das diligências requeridas pelo recorrente, além de
que também não ficara demonstrado que o recorrente tivesse ficado
impossibilitado de apresentar a sua defesa na já referida assembleia geral da
sociedade.
Quer isto dizer que, mesmo que fosse possível a este Tribunal julgar procedente
a questão de constitucionalidade, permaneceria incólume o veredicto do Supremo
Tribunal de Justiça que julgara não demonstrados os vícios invocados, pois
sempre seria indiferente, para o desfecho da acção, apurar que consequência
acarretaria a sua eventual verificação.
Em face do exposto, nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do recurso. […]
3. Inconformado, o recorrente reclama para a Conferência, ao abrigo do
n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, dizendo:
1. O Reclamante era, até 1998, Cooperante da Cooperativa de Habitação …;
2. Por Deliberação desta Cooperativa datada de 18/12/1998 foi aprovada a sua
exclusão;
3. Em 5/04/1999 o ora Reclamante intentou acção declarativa com processo comum,
na forma ordinária, contra a mencionada Cooperativa tendo pedido, para o que ora
releva, fosse declarada a nulidade desta Deliberação atenta a preterição da
mesma do disposto no art. 37°, n.º 5 do Cód. Cooperativo (omissão de diligências
essenciais à descoberta da verdade);
4. Entre outros fundamentos alegou, para o efeito, terem sido indeferidas - no
processo escrito que precedeu e no qual se funda tal Deliberação - todas as
diligências de prova por si requeridas, o que constitui matéria de facto assente
nestes autos;
5. Na primeira instância foi dado como provado, e para o que ora releva, que:
«2.13. Refutando todas as imputações que lhe foram dirigidas, [o A.] apresentou,
em 18 de Novembro de 1998, a sua resposta à nota de culpa, requerendo a
realização de um conjunto de diligências probatórias que reputava essenciais à
sua defesa, bem como à descoberta da verdade; 2.14. O instrutor do processo
disciplinar, sob invocação da sua desnecessidade, recusou todas as diligências
de prova requeridas, designadamente, de prova testemunhal, tendo concluído pela
prova dos factos e imputações assacadas ao A.» (cfr. f1s. 6 da Sentença de
13/04/2004 embora, com itálico nosso);
6. Em face de tais factos e atendendo a que «...o propósito do legislador em
estabelecer [no art. 37°, n.º 5 do Cód. Coop.] a nulidade insuprível para a
violação de um direito de matriz constitucional (art. 32°, n.º 10 da
Constituição) não se coaduna com um regime de mera anulabilidade...», por
Sentença de 13/04/2006 foi a acção em apreço julgada parcialmente procedente e,
em consequência, declarada a nulidade da Deliberação de 18/12/1998, de exclusão
do A. como cooperante da Cooperativa de Habitação … (adiante, CH…);
7. Inconformada a CH… interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa;
8. Na sua resposta ao mencionado Recurso, o aqui Reclamante sublinhou a questão
da inconstitucionalidade dos arts. 37°, n.º 5 e 50° do Cód. Coop. e, ainda do
art. 56°, al. d) do CSC decorrente de qualquer interpretação e aplicação dada
aos mencionados preceitos em sentido diverso daquele que havia sido perfilhado
pela Primeira Instância (neste sentido, vejam-se as Alíneas U) a J') das
Conclusões das Contra Alegações do ali Apelado para as quais se remete);
9. Não obstante, atendendo a que tal solução não violava o disposto no invocado
art. 32°, n.º 10 da CRP «...não beliscando, em nada, os direitos de audiência e
defesa do arguido.», por Acórdão de 1/02/2005, decidiu o Tribunal da Relação de
Lisboa «...conceder provimento à 1ª apelação interposta, por procedência da
invocada excepção peremptória de caducidade, absolvendo-se, consequentemente, a
Cooperativa de Habitação …, CRL 'do pedido de declaração de nulidade da
deliberação...' (cfr. Acórdão de fls.);
10. Desta feita foi o aqui Reclamante quem, inconformado com tal Acórdão,
interpôs Recurso de Revista para o STJ;
11. Entre outras questões relevantes, suscitou o ora Reclamante, nas suas
Alegações de Recurso, novamente, a questão da inconstitucionalidade dos art.
37°, n.º 5 e 50° do C. Coop. e, ainda, do art.º 56° do CSC;
12. Com efeito, conforme se retira das Conclusões U) a G') das referidas
Alegações:
«U) A propósito da natureza do interesse protegido e tutelado pelo disposto no
citado art. o 37º n.º 5 do C. Coop., importa considerar que as suas diversas
alíneas não constituem meras disposições legais destinadas a proteger interesses
individuais dos sócios ou cooperantes visam, ao invés, tutelar princípios gerais
e fundamentais de direito, de matriz constitucional (cfr. Art. 32º n.º 10 da CRP
e, igualmente, o Acórdão do STJ de 11/01/1996 atrás citado);
V) Estamos aí em presença de princípios aplicáveis e salvaguardados em todo e
qualquer ramo de direito - administrativo, criminal, laboral, civil, fiscal - e
a que o código cooperativo se não exime e, bem ao invés, acolhe de forma
expressa no seu art. 37º, n.º5.
X) Trata-se, no caso dos autos, da salvaguarda dos princípios do contraditório e
dos direitos de defesa do arguido, tutelados em todo e qualquer processo
sancionatório e que visam, por isso, prima facie proteger um interesse público;
Z) A Deliberação em apreço colide, pois, com uma norma legal (o art. 37º n.º 5
do C. Coop.) que constitui uma concretização de um preceito constitucional, que
tutela interesses primacialmente públicos e, como tal, indisponíveis e
inderrogáveis tanto bastando para que se subsuma na previsão contida na citada
al. d) do Art.° 56° do CSC;
A‘) De facto, o processo ou procedimento que culminou com a deliberação
expulsiva em apreço não pode deixar de ser tido como um processo sancionatório
nos termos e para os efeitos previstos no citado art. 32º n.º 10 da CRP;
B’) As garantias consagradas nas diversas alíneas do art.° 37 n.° 5 do C. Coop.,
v.g. nas suas alíneas a) e d), constituem uma concretização do direito de
audiência e defesa dos arguidos, consagrado no invocado Art.° 32º n° 10 da
Constituição pelo que, atenta a protecção e garantia dada pela Lei Fundamental,
só a cominação da nulidade da Deliberação sub judice se compagina com a violação
de tais direitos;
C’) A Deliberação da Cooperativa Recorrida não se limita, pois, a ofender um
preceito legal (Art.º 37°, n° 5 do C. Coop.), ela ofende frontalmente o disposto
numa norma constitucional pelo que, seja por via da aplicação directa do
disposto no Art ° 37 n° 5 do C. Coop., seja por via da aplicação do preceituado
na al. d) do Art. 56° do CSC, em qualquer caso, tal deliberação sempre será
nula por ferir, de forma manifesta, o art. 32º n.º 10 da CRP;
D’) Qualquer entendimento diverso será manifestamente ofensivo do disposto no
citado art. 32º n.º10 da Constituição;
E’) É designadamente patente a inconstitucionalidade dos artigos 37º n ° 5 e 50°
do C. Coop. e, ainda, do art. 56° do CSC, em face interpretação e aplicação que
aos mesmos é emprestada pelo Acórdão aqui Recorrido;
F’) O Acórdão Recorrido, ao interpretar o art. 37º n ° 5 do C. Coop. no sentido
de que o mesmo, ao cominar o vício da nulidade insuprível para as situações
previstas nas suas diversas alíneas, 'apenas tem em vista o processo
disciplinar, não tomando posição quanto à natureza do vício que inquina a
deliberação...', torna patente a inconstitucionalidade de tal preceito por
preterição do art.° 32, n.°10 da CRP;
G’) Mais, ao interpretar os artigos 50° do C. Cooperativo e 56° do CSC no
sentido de que tendo os mesmos natureza taxativa não são aplicáveis ao caso dos
autos, resultando da Deliberação em apreço a sua mera anulabilidade, não podem
os referidos preceitos deixar de se reputar de inconstitucionais por expressa e
frontal violação do disposto no citado art. 32º n. ° 10 da CRP.»;
13. Apesar disso, subscrevendo o entendimento de que, «...ainda quando se
considere ocorrer efectivamente nulidade insuprível do processo disciplinar que
imperativamente precede, conforme n.º 3 do art. 37° do Cód. Coop., a deliberação
de exclusão, sobra exacto não decorrer da lei que a nulidade do processo
disciplinar contagie de igual vício a deliberação subsequente.», decidiu o
Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 17/11/2005, negar a Revista para
aquele interposta;
14. Para tanto, entre outros fundamentos, entendeu aquele Supremo Tribunal a
propósito da questão da inconstitucionalidade dos invocados preceitos legais
face ao disposto no art. 32°, n.º 10 da CRP, que:
A) Quanto à indicação da alínea do n.º 1 do art. 70º ao abrigo da qual o recurso
é interposto:
«1. (...) o presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na al. b) do n.º
1 do art. 70° da Lei n.º 28/82 de 15/11.» (cfr. Ponto 1 do seu Requerimento de
Recurso de 5/12/2005);
B) Quanto à indicação da norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se
pretende que o Tribunal aprecie:
«2. Pretende o Recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade dos Artigos 37°,
nº 5 e 50º do Código Cooperativo e do Artigo 56° do Código das Sociedades
Comerciais na interpretação que aos mesmos foi dada pelo Acórdão Recorrido.»
(...) 9. Daí que, ao interpretar o art. 50º do C. Cooperativo e, bem assim, o
art. 56° do CSC, no sentido de que tendo tais normas natureza taxativa e não
sendo aplicáveis ao caso concreto, a única invalidade decorrente da deliberação
sub judice é a anulabilidade, a Decisão Recorrida atenta frontalmente contra o
estatuído no invocado art. 32º n.º 10 da CRP;
(...) 16. As alíneas do citado n.º 5 do art. 37° do C. Cooperativo mais não são
que a concretização do princípio constitucional consagrado no art. 32°, n.º 10
da CRP da garantia de audiência e defesa dos arguidos em quaisquer processos
sancionatórios;
(...) 17. Os casos aí enumerados não se resumem a meros vícios formais,
tratam-se, antes, de princípios e garantias fundamentais constitucionalmente
consagradas;
(...) 18. Não pode, pois, ter acolhimento o entendimento sustentado pelo Acórdão
sub judice de que a Deliberação em apreço seja meramente anulável atenta a não
subsunção do caso dos autos, quer ao disposto no art. 50° do C. Cooperativo,
quer à al. d) do n.º 1 do art. 56º do CSC (aplicável subsidiariamente atento o
disposto no art. 9° do C. Coop.);
(cfr. Pontos 2, 9, 16, 17 e 18 do seu Requerimento de Recurso de 5/12/2005);
C) Quanto à indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se
encontra violado:
«3. Em seu entender, a interpretação e aplicação dada às invocadas disposições
legais, sustentada pelo Acórdão sub judice, viola frontal e ostensivamente o
disposto no art. 32°, n.º 10 da CRP.
(...) 4. Na verdade, perante tal preceito constitucional, é inquestionável a
garantia dos direitos de audiência e defesa do arguido em todo e qualquer
processo sancionatório;
(...) 23. A prolação do Acórdão em apreço, na interpretação que faz dos Artigos
37°, n.º 5, 50° do C. Cooperativo e 56º, n.º 1, al. d) do CSC, provoca a
autonomização da questão da (in)constitucionalidade de tais normas - perante o
invocado art. 32°, n.º 10 da CRP - e permite o destacamento processual hábil à
fiscalização concreta que ora se requer;» (cfr. Pontos 2 e 23 do seu
Requerimento de Recurso de 5/12/2005);
D) Quanto à indicação da peça processual em que o recorrente suscitou a questão
da inconstitucionalidade ou ilegalidade:
«22. O Requerente vem invocando, nos presentes autos, como fundamento de
recurso, de forma expressa e perante tal interpretação, a inconstitucionalidade
dos referido preceitos legais, o que fez designadamente nas suas Alegações de
Recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa e, subsequentemente, nas suas
Alegações de Recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, ora Recorrido;»
(cfr. Ponto 22 do seu Requerimento de Recurso de 5/12/2005);
19. Apesar disso, uma vez que «Quando o recorrente questiona uma norma jurídica
aplicada na decisão recorrida impõe-se que indique o sentido exacto em que a
mesma foi interpretada explicitando qual o sentido que é incompatível com a
Constituição.» foi o mesmo notificado para, em dez dias, responder ao convite
formulado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator no Despacho de 16/01/2006 para, em
consequência « …enunciar as normas que, em concreto, pretende impugnar»
(sublinhados nossos);
Daí que,
20. Acedendo ao mencionado convite, veio o ora Reclamante, no seu Requerimento
do passado dia 31/01/2006 (que aqui se dá, igualmente, por reproduzido),
esclarecer, em suma, que:
«5. Resulta do art. 32º n.º 10 da Constituição que nos processos de
contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são
assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”;
6. O processo de exclusão de cooperador, previsto no art. 37º do C. Coop., ao
exigir que a deliberação de exclusão se funde em violação grave e culposa do C.
Coop., legislação complementar aplicável, estatutos ou regulamentos internos da
Cooperativa e ao exigir que a exclusão tenha de ser precedida de processo
escrito, configura um processo sancionatório abrangido, portanto, pelo disposto
no invocado n.º 10 do art. 32º da CRP;
7. As alíneas do n.º 5 do mencionado art 37º mais não são, aliás, do que a
concretização dos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente
consagrados;
8. Os casos enumerados (taxativamente enumerados) nas referidas alíneas não se
resumem, pois, a meros vícios de forma. Tratam-se, bem ao invés, de
concretizações de direitos e garantias fundamentais constitucionalmente
consagrados;
9. Daí, aliás, a forma de invalidade estipulada para a preterição do disposto em
qualquer das mencionadas alíneas do art. 37°, n.º 5 do C. Coop. - a nulidade
insuprível - única compatível, ou suficientemente forte, para sancionar a
violação de um direito de matriz constitucional, como é aquele perante o qual
nos encontramos nestes autos»,
21. Por outro lado, mais concretizou o ora Reclamante, quanto à indicação do
'sentido exacto em que a norma jurídica aplicada na decisão foi interpretada',
que:
«11. Ao interpretar os artigos 37°, nºs 3 e 5 e 50° do C. Coop. e, ainda, o art.
56° do CSC nos termos que antecedem é manifesta a inconstitucionalidade dos
mesmos face ao preceituado no art. 32° n.° 10 da Constituição.
Designadamente:
a) Ao interpretar o art. 37° do C. Cooperativo, designadamente os seus nºs 3 e
5, no sentido de que '…ainda quando se considere ocorrer efectivamente nulidade
insuprível do processo disciplinar que imperativamente precede, conforme n.º 3
do art. 37° C. Coop., a deliberação de exclusão, sobra exacto não decorrer da
lei que a nulidade do processo disciplinar contagie de igual vício a deliberação
subsequente', é manifesta a inconstitucionalidade dos mencionados preceitos
legais atento o n.º 10 do art. 32° da Constituição;
b) Ao decidir que “Em si mesma considerada, (...) a deliberacão impugnada não
colide, no seu conteúdo, com o art. 37º, n.º 5 do C. Coop., nem com o art. 32º
n.º 10 da Constituição...' e que 'O art. 32°, n.º 10 da Constituição não
explicita, aliás, a espécie de invalidade que a sua eventual infracção
determina”', é, de igual modo, manifesta a preterição do disposto na invocada
norma constitucional;
c) Mais, ao interpretar o art. 37°, n.º 3 do C. Coop. no sentido de que muito
embora resulte do mesmo '…a indissociabilidade da deliberação de exclusão do
processo disciplinar que necessariamente a precede...' tal não significa, no
entanto, '...o contágio de eventual nulidade mesmo se insuprível desse processo
à deliberação subsequente em termos de poder ser arguida a todo o tempo' resulta
ostensiva, de igual modo, a invocada inconstitucionalidade face ao art.° 32°,
n.° 10 da CRP;
d) Ainda, ao entender que, o que há que ter em consideração na al. d) do n. ° 1
do art. 56º CSC - que se refere às deliberações cujo conteúdo, directamente ou
por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons
costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por
vontade unânime dos sócios - '… é sem dúvida alguma a deliberação em si mesma
considerada e não o seu processo de formação...' pelo que, 'Num tal quadro, é,
realmente, ao interessado que cabe reclamar oportunamente a anulabilidade de
deliberação de exclusão precedida de processo disciplinar inquinado por nulidade
insuprível', resulta igualmente clara a preterição, pela invocada disposição
legal, do preceituado no n.° 10 do art.° 32° da Lei Fundamental;
e) Finalmente, ao interpretar os artigos 37°, n.º 5 e 50° do C. Coop. no sentido
de que 'Se no art. 37°, n.º 5, C. Coop. o legislador tivesse querido (...)
reportar-se (...) à nulidade da própria deliberação, tê-lo-ia, sem dúvida, dito
expressamente, nesse mesmo artigo, ou no art. 50°', é ainda patente a
inconstitucionalidade das referidas normas atento o que se dispõe no invocado
art. ° 32° da CRP.
22. Eis porém que, na sequência desta sua resposta, foi o ora Reclamante
notificado da Decisão Sumária proferida em 9/02/2006 pelo Exmo. Senhor Juiz
Conselheiro-Relator na qual se decidiu que o presente recurso não pode ser
conhecido;
23. Para tanto considerou-se:
a) «...ser manifesto que o recorrente não pretende questionar uma qualquer norma
jurídica, conforme impõe no art. 79º-C da LCT, mas directamente o julgamento
efectuado no Supremo Tribunal de Justiça quanto à qualificação do pretenso vício
de que enfermaria a deliberação questionada. Visa-se sindicar, em suma, a
aplicação da norma ao caso concreto, actividade que constitui tipicamente a
tarefa jurisdicional não sindicável através do recurso previsto na al. b) do n.º
1 do art. 70° da Lei 28/82 de 15 de Novembro (LTC), já que indissociavelmente
ligada às particularidades do caso concreto. …» ;
b) «Mas, decisivamente, a decisão recorrida assentou na constatação de que se
não provara o carácter essencial das diligências requeridas pelo recorrente,
além do que também não ficara demonstrado que o recorrente tivesse ficado
impossibilitado de apresentar a sua defesa na assembleia geral da sociedade.»,
pelo que, conclui-se, «…mesmo que fosse possível a este Tribunal julgar
procedente a questão de constitucionalidade, permaneceria incólume o veredicto
do Supremo Tribunal de Justiça que julgara não demonstrados os vícios invocados,
pois sempre seria indiferente, para o desfecho da acção, apurar que consequência
acarretaria a sua eventual verificação»;
Ora,
24. Salvo o devido respeito, padece a Decisão em apreço de manifesta
ilegalidade, razão pela qual deverá ser revogada;
Com efeito,
25. Em face de quanto se referiu supra (designadamente dos pontos 16 a 21 da
presente Reclamação que, para este efeito, se dão por reproduzidos), o
Reclamante interpôs o presente recurso de forma processualmente adequada, dando
total e expresso cumprimento ao preceituado no art. 75°-A, n.ºs 1 e 2, além do
que ao abrigo do n.º 5 do mesmo preceito, deu ainda inteiro cumprimento ao
convite que lhe foi formulado por este Tribunal;
Acresce que,
26. Quanto à conclusão de que o recorrente visa sindicar, «…em suma, a aplicação
da norma ao caso concreto, actividade que constitui tipicamente a tarefa
jurisdicional não sindicável através do recurso previsto na al. b) do n.º 1 do
art. 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro», não pretendendo «…questionar uma
qualquer norma jurídica (…), mas directamente o julgamento efectuado no Supremo
Tribunal de Justiça.», sendo embora certo que o mencionado julgamento não possa
ser sindicável directamente por este Tribunal, a verdade é que o juízo de
inconstitucionalidade ou ilegalidade que aqui se impõe, de acordo com o
preceituado no art. 79°-C da LTC, se há-de reportar - sempre - a normas que uma
dada 'decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja
recusado aplicação'.
27. A censura do Recorrente - como aliás resulta manifesto, quer do respectivo
requerimento de recurso, quer, posteriormente, do seu requerimento apresentado
na sequência do convite formulado por este Tribunal - foi e vai dirigida,
obrigatória e inexoravelmente, contra as normas legais que expressamente
indicou, aplicadas e interpretadas num determinado sentido - que, igualmente,
explicitou - na Decisão Recorrida, aplicação e interpretação essas que são, em
seu entender, inconstitucionais por preterição, no caso concreto, do n.º 10 do
art. 32° da CRP;
28. Sem prejuízo de - como fez - impugnar normas legais, concreta e
expressamente por si indicadas (e não, como se refere na presente Decisão,
directamente, o julgamento efectuado pelo STJ), a verdade é que o juízo de
censura quanto à inconstitucionalidade das mesmas não pode deixar de se reportar
a uma dada dimensão interpretativa, àquelas emprestada, pela Decisão Recorrida;
29. E, essa compatibilização entre uma e outra perspectivas - necessariamente
distintas - será aquela em que se admita, nos termos do disposto no n.º 2 do
art. 72° da LTC, a censura da inconstitucionalidade dirigida a determinados
preceitos legais na interpretação e aplicação que a Decisão Recorrida faz dos
mesmos;
30. A este propósito refere a Jurisprudência do Tribunal Constitucional (in,
www.dgsi.pt, Acórdãos do Tribunal Constitucional) o seguinte:
«II. Independentemente da formulação verbal utilizada, tendo sido questionada a
conformidade constitucional da interpretação de uma norma na sua aplicação ao
caso concreto na decisão recorrida, esta questão tem sido entendida como questão
de constitucionalidade da competência do Tribunal Constitucional; III. Daí que
se considere verificado o pressuposto do recurso de constitucionalidade de
suscitação da inconstitucionalidade de uma norma jurídica, na interpretação
perfilhada pelo tribunal recorrido.» (N.º Convencional: ACTC00003858, de
3.03.1993, Proc. n.º 92-0412);
«II. (...) a questão de inconstitucionalidade pode respeitar não apenas a norma,
ou a uma sua dimensão parcelar, considerada 'em si', mas também, e mais
restritamente, a interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso
concreto e aplicada na decisão recorrida, nem sempre se recortando nitidamente a
fronteira entre norma e decisão. III. A jurisprudência deste Tribunal,
fortemente sedimentada, distingue entre a directa estatuição de certa norma e
uma determinada interpretação de que a mesma seja susceptível, da impugnação de
decisão propriamente dita, só neste último caso não abrindo via para o recurso
previsto no artigo 70°, n.º 1, al. b) da Lei n.º 28/02;» (N.º Convencional:
ACTC00004778, de 22.03.1994, Proc. n.º 93-0715)
31. Neste sentido e contrariamente ao entendimento sustentado pelo Exmo. Juiz
Conselheiro Relator, entende o ora Reclamante - repete-se - ter suscitado de
modo 'processualmente adequado' a questão da inconstitucionalidade;
Acresce que,
32. Não pode, tão-pouco proceder o entendimento, ora sustentado, de que
«...decisivamente a decisão recorrida assentou na constatação de que se não
provara o carácter essencial das diligências requeridas pelo recorrente...» pelo
que «...mesmo que fosse possível a este Tribunal julgar procedente a questão de
constitucionalidade, permaneceria incólume o veredicto do Supremo Tribunal de
Justiça…» ;
Efectivamente,
33. Contrariamente ao que se refere, a Decisão Recorrida não se fundou
'decisivamente' na mencionada constatação para decidir como decidiu.
O que ali se refere, a dado passo, é que «O juízo da desnecessidade da
inquirição formulada pelo instrutor do processo disciplinar, que a 1ª instância
rejeitou com indicados, aliás, razoáveis, fundamentos de ordem geral, cobra
razão aparente no quadro da Nota de culpa (...). Está, como quer que seja, por
demonstrar a essencialidade das diligências por ele requeridas, sempre, na
realidade, a avaliar em concreto.»;
Trata-se, pois, em primeiro lugar, indubitavelmente, de um argumento a latere.
34. Por outro lado, e na senda do que se decidiu no referido Tribunal de
Primeira Instância, «…a decisão de não ouvir qualquer das testemunhas indicadas
pelo arguido carece de fundamento válido, sendo legítimo presumir que poderiam
trazer contributos importantes para o apuramento da verdade (e garantiria
certamente o exercício do contraditório)», pedra de toque de qualquer direito de
defesa.
35. Donde, perante a comprovada recusa de todas e quaisquer diligências de
prova, designadamente testemunhal, não há que apurar nem ajuizar da sua alegada
desnecessidade pois, de todo o modo, sempre resultaria comprometido, quanto mais
não fosse, o direito do arguido de exercer o contraditório e, nessa medida, um
seu direito fundamental ex vi do art. 32°, n.º 10 da CRP.
36. Finalmente, não se compreende, nem se aceita que, por um lado se censure o
Reclamante por, alegadamente, ter dirigido o seu juízo de censura relativamente
ao julgamento efectuado no STJ (o que não se admite, porque não ocorreu) e,
apesar disso, vir a Decisão Reclamada, ela sim, fundar a rejeição do presente
recurso em argumentos atinentes às particularidades do caso concreto e ao
julgamento efectuado pelo referido Supremo Tribunal, afastando-se da natureza
genérica e abstracta com que se impunha apreciasse a presente questão.
Termos em que deve ser julgada procedente a presente Reclamação e,
consequentemente, conhecido o presente recurso.
4. Apesar da sua extensão, a reclamação não rebate, substancialmente, os
argumentos invocados na decisão sumária para decidir não conhecer do recurso.
Na verdade, a questão essencial em causa no recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, era a da qualificação do vício de que pretensamente padeceria a
deliberação social impugnada.
Ora, na análise da questão, o Supremo Tribunal de Justiça socorreu-se de
determinados factos, adquiridos no processo, que imporiam, em seu julgamento, a
não verificação dos vícios invocados; assim, no acórdão recorrido, começou-se
por reconhecer que em causa estava apenas a análise de duas matérias: a relativa
à alegada omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, que
inquinaria o processo disciplinar, e a relativa à alegada impossibilidade de
apresentação de defesa na assembleia geral que deliberou o acto expulsivo.
Pois bem.
Quanto à primeira, o acórdão diz o seguinte: 'Está, como quer que seja, por
demonstrar – e o ónus dessa prova recaía indubitavelmente, consoante artigo 342º
n.º 1 do Código Civil, sobre o A. – a essencialidade das diligências por ele
requeridas, sempre, na realidade, a avaliar em concreto.' O que significa este
trecho não oferece dúvida, quanto a saber se o Tribunal deu ou não como provado
o facto nuclear da invocação do correspondente vício: não deu.
Quanto à segunda, diz o mesmo aresto: 'Vale, a esse respeito, o considerado na
1ª instância: a sede própria para a apresentação da defesa em toda a sua
extensão é o processo disciplinar, não se podendo afirmar que o A. ficou
impossibilitado de apresentá-la na assembleia geral [...] improcede, pois, este
fundamento'.
Em consequência, por mais que se diga que as normas agora impugnadas ofendem a
Constituição, por qualificarem erradamente os vícios invocados, sempre se
imporia a solução já consagrada no aresto recorrido, mercê da constatação de que
os factos dados por assentes na decisão recorrida, que o Tribunal Constitucional
não pode, nessa parte, sindicar, levam a concluir pela não verificação de
qualquer um dos aludidos vícios de que alegadamente padecia a deliberação em
crise.
Tal é o suficiente para determinar o não conhecimento do recurso.
5. Nestes termos, improcede a reclamação, decidindo-se manter a decisão
de não conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 29 de Março de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos