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Processo n.º 1047/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Após ter sido notificada do acórdão do Tribunal Constitucional n.º
190/06, de 9 de Março (fls. 39 a 43), no qual foi decidido, em conferência,
indeferir o pedido de “aclaração/reforma”do acórdão n.º 119/06, de 8 de
Fevereiro – em que este Tribunal indeferira a reclamação por si deduzida da
decisão através da qual o Tribunal da Relação de Lisboa não admitira o recurso
de constitucionalidade que pretendia interpor –, A. veio, sem invocar qualquer
disposição legal, recorrer para o Plenário (requerimento de fls. 48 e seguinte).
O requerimento é do seguinte teor:
“A., reclamante nos autos à margem em epígrafe, não se conformando
com o douto acórdão de fls. que, decidindo indeferiu a reclamação por si
interposta, dele vem recorrer para o plenário, nos termos da lei adjectiva
aplicável,
Porquanto tal acórdão está em manifesta oposição, no domínio da mesma questão
fundamental – aplicação da norma constante na al. b) do n.º 1 do art° 70º da LTC
– entre outros, com os seguintes Acórdãos desse Tribunal Constitucional, já
transitados em julgado: Acórdão n.º 3/83 (proc. 55/83 da 1ª secção), Acórdão n.º
706/98 (proc. n.º 537/98 da 1ª Secção) e Acórdão n.º 709/98 da 1ª Secção) nos
quais foi deferida a reclamação contra a não admissão do recurso interposto por
o reclamante ter suscitado a questão de inconstitucionalidade durante o
processo. Na verdade,
É um facto e está documentado nos autos que o ora requerente deduziu a questão
de inconstitucionalidade «durante o processo» (cfr. fls. 1361 dos autos), nos
precisos termos da norma constante na al. b) do n.º 1 do art° 70° da LTC. De
resto, se ainda hoje não há transito em julgado da decisão condenatória, muito
mais quando a questão de inconstitucionalidade foi levantada.
E a questão de inconstitucionalidade aqui em apreço prende-se com uma nulidade
insanável, como foi referido de forma expressa, a qual obriga a que a expressão
«durante o processo» mereça uma interpretação consentânea, em especial com o
conhecimento oficioso que sobre tal nulidade deverá recair.
Também no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional
(cfr. fls. 1381) é indicada qual a alínea do n.º 1 do art° 70° da LTC ao abrigo
da qual o recurso foi interposto e a norma cuja inconstitucionalidade se
pretende o Tribunal Constitucional aprecie.
Sendo também certo que, se por um lado, o momento oportuno para fazer alegações
não é a fase de interposição de recurso, por outro, o ordenamento jurídico
prescreve que «se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum
dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a
prestar essa indicação no prazo de cinco dias (cfr. n.º 5 do artº 75°-A da
LTC).
Ou seja, o recurso foi devidamente interposto, em fase própria e cumprindo os
requisitos exigidos, deveria, por conseguinte, ter sido admitido.
Mas, a não ser assim, o que apenas à cautela e por mero dever de patrocínio se
concebe, então houve omissão por parte do tribunal, ao não ter cumprido tal
disposição legal (cfr. n.º 5 do artº 75º-A da LTC), omissão essa que fere o
processado do vício de nulidade, implicando a repetição de todo o processado
posterior, a qual aqui se argui para todos os legais efeitos. Aliás, há
abundante jurisprudência desse Tribunal Constitucional, relativamente à qual
existe oposição do acórdão proferido nos presentes autos. A título meramente
exemplificativo refira-se que o acórdão proferido nos presentes autos está em
manifesta oposição, no domínio da mesma questão fundamental – aplicação da norma
constante no n.º 2 do art° 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional – entre
outros, com o Acórdão desse Tribunal Constitucional, já transitado em julgado,
proferido no processo n.º 516/94 – 2ª Secção, no qual o recorrente foi convidado
a prestar esclarecimentos.
Termos em que, requer a Vª Exª seja admitido presente recurso, seguindo os autos
seus demais termos até final, como é de inteira Justiça.”.
Cumpre decidir.
2. Interessa reter os seguintes elementos do presente processo:
a) No 4º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Lisboa,
foi o arguido A. condenado, como autor material de um crime de abuso de
confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punível pelos artigos 105º,
n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e 30º, n.º 2, e 79º do Código
Penal, na pena de 24 meses de prisão; nos termos conjugados dos artigos 50º do
Código Penal e 14º, n.º 1, da referida Lei n.º 15/2001, decidiu-se suspender a
execução da pena pelo período de 5 anos, sob condição do pagamento pelo arguido
à Administração Fiscal, no mesmo prazo de 5 anos, da quantia de 164.983.763$00
(a converter em euros), acrescida de juros legais, de acordo com determinado
plano, estabelecido na decisão (sentença de 19 de Novembro de 2004).
b) Na motivação do recurso que interpôs para o Tribunal da
Relação de Lisboa, o ora reclamante concluiu que “a decisão recorrida erra por
violação de lei, ao não ter considerado a legislação vigente, entre o plano das
normas e princípios constitucionais e o da aplicação concreta, violando, entre
outras do douto suprimento desse Tribunal da Relação, as normas contidas nos
art.°s 29°, n.º 4 da CRP; 4°, n.º 2, 13°, 15°, 40°, 50°, 70°, 71 ° e 77° do CP;
6°, n.º l, 11º, n.ºs 6 e 7 e 24°, n.ºs 1, 2 e 5 do RJIFNA; 6°, n.º 1 e 105°,
n.ºs 1, 2, 4 e 5 do RGIT; 1°, 4°, 14°, 19°, 25°, 26°, 28°, n.º 1, al. b) e e),
35° e 36°, n.ºs 1 e 2, 40°, n.º 1, al. a), 71° do Código do IVA”.
c) O Tribunal da Relação de Lisboa concedeu provimento
parcial ao recurso, condenando o arguido A., como autor material do mencionado
crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, na pena de 20 meses de
prisão, substituindo, nesta parte, a pena de 24 meses de prisão fixada na
sentença recorrida, e mantendo-a, quanto ao mais (acórdão de 15 de Junho de
2005).
d) Tendo sido requerida pelo ora reclamante “a
aclaração/reforma” do acórdão, foi o pedido indeferido por acórdão de 28 de
Setembro de 2005.
e) A. apresentou requerimento dirigido ao Tribunal da
Relação de Lisboa, em que – “porque do texto do acórdão desse Tribunal da
Relação resultam fortes indícios da existência de inconstitucionalidade
/ilegalidade da interpretação dada às normas constantes nos art.ºs 50º do CP e
14º do RGIT, por violação do constante nos art.ºs 209º, n.º 1, al. b) e 212º, nº
3 da CRP; porque a questão é actual e útil; tendo tal questão sido suscitada na
aclaração de fls. e reportando-se a mesma a nulidade insanável nos termos da al.
e) do artº 119º do Código de Processo Penal” – requerer, “nos termos da CRP e
nos termos da al. b) do n.º 1 do artº 70º da LOFPTC”, a “apreciação das
referidas normas, segundo a interpretação dada no douto acórdão” (requerimento
de fls. 1381).
f) O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de
Lisboa emitiu parecer, pronunciando-se, no sentido de que “a questão da
inconstitucionalidade apenas foi suscitada no requerimento de aclaração, o que
porventura não obedecerá aos requisitos do art. 75º, n.º 2, da LTC” e de que “a
decisão sobre a respectiva admissibilidade caberá ao Tribunal Constitucional e
não a esta Relação”.
g) O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu indeferir o
requerimento, por entender que “a apreciação de inconstitucionalidade, através
de meio próprio, tempestivamente, e por quem possua legitimidade, compete, não
ao Tribunal da Relação, mas sim, ao Tribunal Constitucional, nos termos dos
arts. 69° e ss, da Lei n.º 28/82, de 15/11” (acórdão de 16 de Novembro de 2005).
h) A. veio, ao abrigo do disposto no artigo 76º, n.º 4, da
Lei do Tribunal Constitucional, deduzir reclamação do despacho de não admissão
do recurso para o Tribunal Constitucional.
i) A Desembargadora Relatora proferiu despacho em que
manifesta o entendimento de que “o requerimento de fls. 1381 não configura um
recurso interposto para o Tribunal Constitucional”, razão por que “foi proferido
o acórdão de fls. 1384 e 1385”, concluindo que “todavia, face ao preceituado nos
arts. 76º, n.º 4, e 77º da Lei n.º 28/82, com a finalidade de evitar processado
dilatório, deverá a presente reclamação ser remetida ao Tribunal Constitucional
para apreciação”.
j) O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional emitiu parecer em que, depois de afirmar ser “duvidoso que o
requerimento apresentado a fls. 1381 corporize, em termos inteligíveis, a
manifestação da vontade de interpor um recurso de fiscalização concreta perante
este Tribunal Constitucional”, tendo, aliás, sido “tratado no Tribunal «a quo»
como suscitação de mais um incidente pós-decisório, rejeitado em conferência”,
considerou ser “manifesta a improcedência da reclamação ora deduzida, por não se
mostrar suscitada, em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base a interposição de um
recurso de fiscalização concreta”.
k) Pelo acórdão n.º 119/06, de 8 de Fevereiro, o Tribunal
Constitucional, considerando que “decorre claramente dos autos que o ora
reclamante não suscitou, durante o processo, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa”, decidiu indeferir a reclamação.
l) Notificado do acórdão n.º 119/06, de 8 de Fevereiro de
2006, veio o reclamante A., sem invocar qualquer disposição legal, requerer a
“aclaração/reforma” do mencionado acórdão, insistindo que “o recurso foi
devidamente interposto, em fase própria e cumprindo os requisitos exigidos,
deveria, por conseguinte, ter sido admitido”.
m) Pelo acórdão n.º 190/06, de 9 de Março, o Tribunal
Constitucional, verificando que “da argumentação utilizada decorre tão somente
que o reclamante manifesta a sua discordância em relação à decisão proferida
pelo Tribunal Constitucional nos presentes autos, no acórdão reclamado”,
indeferiu o pedido de “aclaração/reforma”.
n) Notificado do acórdão n.º 190/06, de 9 de Março, veio o
reclamante A., sem invocar qualquer disposição legal, interpor recurso para o
Plenário.
3. A sequência processual que precedeu este requerimento e as razões
invocadas pelo reclamante revelam ser manifesto que, com o pedido agora
apresentado, se pretende obstar ao cumprimento da decisão proferida no processo.
Há, por isso, que pôr termo a esta actuação processual, como se
prevê no artigo 84º, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucional.
4. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 84º, n.º 8, da Lei do Tribunal
Constitucional, conjugado com o artigo 720º do Código de Processo Civil,
decide-se:
a) Ordenar que o pedido agora apresentado seja processado em
separado, depois de pagas as custas em que o reclamante foi condenado no
Tribunal Constitucional;
b) Ordenar que se extraia traslado das seguintes peças do
presente processo:
– dos acórdãos n.ºs 119/06 (fls. 15 a 26)e 190/06 (fls.
39 a 43);
– do requerimento de fls. 48 e seguinte;
– do presente acórdão.
c) Ordenar que, extraído o traslado, os autos de recurso
sejam imediatamente remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para aí
prosseguirem os seus termos.
Lisboa, 29 de Março de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos