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Processo n.º 819/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Em 15 de Junho de 2005, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu
acórdão decidindo, entre o mais, reduzir a pena que fora aplicada pelo tribunal
então recorrido ao arguido A. (fls. 225 e seguintes).
2. Deste acórdão recorreu A. para o Supremo Tribunal de Justiça (fls.
478 e seguintes).
Tal recurso não foi, porém, admitido, por despacho do relator na
Relação de Lisboa, do seguinte teor (fls. 548):
“[…]
– O Recorrente A. vem interpor recurso do n/ acórdão de 15/5/05 (cfr. 21º vol.)
para o S.T.J.;
– Contudo, esse n/ acórdão «confirmou» os factos, a sua qualificação jurídica e
baixou-lhe a pena única aplicada na 1ª instância de 9 para 7 anos de prisão;
– Aliás, sendo as penas «parcelares» «aplicáveis», relativas aos crimes de
falsificação de documentos e de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 256º,
n.ºs 1-a) e 3 e 218º, n.º 2-a) do C. Penal, respectivamente até 5 anos de prisão
e até 8 anos de prisão; e se na 1ª instância tinham sido aplicadas as penas
«parcelares» de 4 e de 7 anos de prisão; estas passaram a ser de 3 e de 6 anos
de prisão;
– Em suma, como vem sendo jurisprudência maioritária do S.T.J. (note-se que não
houve recurso do Mº Pº, quer na 1ª instância, quer nesta 2ª instância); nos
termos da alínea f) do art. 400º do Cód. Proc. Penal, não é admissível recurso
para o S.T.J.
– Neste sentido vejam-se, entre muitos, os Acs. S.T.J. de 12/6/2003 (Proc.
2283/03 – 5ª Sec., Relator P. Madeira).
– Pelo exposto, indefiro o requerido […].”.
3. Deste despacho que não lhe admitiu o recurso reclamou A. para o
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, entre o mais, a
inconstitucionalidade da interpretação que nele se havia adoptado da norma do
artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal – e que era a de que
“o Acórdão proferido em recurso pelas relações confirma a decisão de 1ª
instância quando mantém os factos provados, a qualificação jurídica, mas altera
a medida concreta das penas parcelares e unitária, revogando parcialmente a
decisão de 1ª instância” (cfr. fls. 567)
–, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição (fls. 561 e seguintes).
Por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi
a reclamação desatendida, pelos seguintes fundamentos (fls. 573):
“1) A lei é bem clara quando refere [artigo 400º, n.º 1, alínea f), do C.P.P.]
que não é admissível recurso de «acórdãos condenatórios proferidos, em recurso,
pelas Relações, que confirmem as decisões de 1ª instância, por crimes a que seja
aplicável pena não superior a oito anos de prisão, mesmo havendo concurso de
infracções».
2) A Relação, neste caso, confirmou os factos indiciários dos crimes de
condenação e baixou a pena para sete anos.
A determinação do critério da admissibilidade do recurso é feita – só pode ser
razoavelmente feita, na configuração exposta de confirmação dos factos – em
razão da pena aplicada efectivamente, ou seja, de sete anos.
3) Consequentemente indefere-se o pedido de recurso.
[…].”.
A. ainda arguiria a nulidade deste despacho do Vice-Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, suscitando nova questão de inconstitucionalidade (fls. 576
e seguintes). A arguição de nulidade veio a ser deferida, por decisão de fls.
585 e seguintes, na qual se julgou improcedente a questão de
inconstitucionalidade suscitada.
4. Do transcrito despacho do Vice-Presidente do Supremo interpôs A.
recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos (fls. 580 e
seguintes):
“[…]
2. Este recurso visa a fiscalização concreta da constitucionalidade do artigo
400°, n.º 1, al. f) e dos artigos 400°, n.º 2 e 403°, n.ºs 1, 2, al. e) e 3,
todos do Código de Processo Penal.
3. O arguido/recorrente tem legitimidade para recorrer nos termos do disposto na
alínea b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 72º da Lei de Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional.
4. O recurso é tempestivo e interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo
do n.º 1 do artigo 75º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional e da alínea b)
do n.º 1, n.º 4 do artigo 280º da Constituição da República Portuguesa.
5. Porque se verificam os pressupostos previstos no artigo 70º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, a
arguida/recorrente pretende ver apreciadas, e declaradas, as
inconstitucionalidades que infra se enunciam, tempestiva, oportuna e
adequadamente suscitadas.
6. O arguido pretende ver apreciada e declarada a constitucionalidade do
normativo insíto no artigo 400º, n.º 1, al. f) do C.P.P. na interpretação que
lhe é dada pelo Tribunal a quo.
7. O Tribunal da Relação de Lisboa adoptou o seguinte sentido interpretativo da
alínea f) do n.º 1 do art. 400° do Código de Processo Penal, o qual foi
plenamente acolhido e confirmado pela posterior decisão do Supremo Tribunal de
Justiça, no sentido de que o Acórdão proferido em recurso pelas relações
confirma a decisão de 1ª instância quando mantém os factos provados, a
qualificação jurídica, não obstante alterar a medida concreta das penas
parcelares e unitária, revogando parcialmente a decisão de 1ª instância.
8. O Tribunal da Relação de Lisboa, ao não admitir o recurso interposto para o
Supremo Tribunal de Justiça por considerar que, não obstante a alteração da
decisão proferida pela 1ª instância, houve «confirmação» dos factos e da
qualificação jurídica, e o Supremo Tribunal de Justiça ao confirmar esta decisão
de rejeição de acordo com a interpretação normativa dada à alínea f) do art.
400º do CPP, cuja inconstitucionalidade suscitou e ignorando todas as questões
atempada e devidamente suscitadas, assumem uma posição manifesta e
intoleravelmente inconstitucional, tendo desta extraído consequências também
legal e constitucionalmente vedadas, o que deverá ser devidamente apreciado por
V. Ex.as.
9. A interpretação dada aos sobreditos normativos processuais penais num
primeiro momento, pelo Tribunal da Relação de Lisboa e posteriormente pelo
Supremo Tribunal de Justiça, na decisão que a confirma aderindo aos respectivos
fundamentos, viola e contende com os preceitos constitucionais plasmados nos
artigos 18º, 20º, 32º, 202º, n.º 2, 203º, 204º, 205º, 282º, todos da
Constituição da República Portuguesa, interpretação cuja inconstitucionalidade
deverá ser declarada, extraindo-se todas as legais e constitucionais
consequências.
10. Tal interpretação normativa do disposto na al. f) do n.º 1 do art. 400° do
CPP, aceitando viola directamente o valor constitucional definido no art. 32º,
n.º 1, da Lei Fundamental, por determinar uma limitação ao direito de recorrer
que não está legalmente prevista.
11. No presente caso, a interpretação normativa do art. 400°, n.º 1, alínea f),
do Código de Processo Penal, foi efectuada desvinculada da exigência imposta
pela referida norma constitucional, pelo que impôs limites ao direito de recurso
contrários à interpretação constitucionalmente adequada.
12. O art. 32º, n.º 1, da C.R.P., que consagra o direito de defesa do arguido,
impõe, quer ao nível da técnica legislativa, quer ao nível da interpretação
jurídica, um complexo de valores e de mecanismos técnicos de defesa, o que
significa que na compreensão de normas comuns que delimitam poderes ou meios de
defesa, deve o interprete referir-se com precisão ao princípio da defesa do
arguido.
13. Assim, a referida norma constitucional determina que, na interpretação da
linguagem jurídica, se pondere necessariamente o princípio da defesa quando se
analisa matéria relativa à execução de garantias de defesa.
14. O sentido que deveria ter sido adoptado nas decisões proferidas na
interpretação da norma do art. 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo
Penal, em harmonia com a referida norma constitucional, é o seguinte:
O Acórdão condenatório proferido em sede de recurso, pelas relações, que
determine a revogação parcial da decisão de 1ª instância, no âmbito da medida
concreta da pena, não pode ser considerado como confirmação da decisão de 1ª
instância.
15. Pelo que está ferida de inconstitucionalidade a interpretação do disposto no
art. 400º, n.º 1 al. f) do C.P.P. efectuada, a qual se pretende ver apreciada e
declarada.
16. Deve ser, igualmente, declarado por V. Ex.as que o conceito de confirmação
in mellius não é constitucionalmente adequado, constituindo uma forma
interpretativa inconstitucional de negar a recorribilidade de uma decisão ao
abrigo do art. 400°, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
17. As questões da inconstitucionalidade da norma supra referida foram devida e
fundamentada e adequadamente suscitadas, perante as anteriores instâncias
decisórias e agora perante V. Ex.as., em cumprimento do disposto no n.º 2 do
artigo 72º e do n.º 2 do artigo 75º-A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, pelo que devem ser apreciadas e declaradas.
[…].”.
O recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido por despacho
de fls. 586 e seguinte.
A. interpôs um segundo recurso para o Tribunal Constitucional (fls.
589 e seguintes; fls. 594 e seguintes), admitido por despacho de fls. 593, que
deu origem à decisão sumária da ora relatora, de fls. 601 e seguintes, já
transitada em julgado (fls. 617), e que, como tal, não será agora apreciado.
5. Nas alegações que produziu no Tribunal Constitucional (fls. 629 e
seguintes), concluiu assim o recorrente:
“1. O arguido pretende ver apreciada e declarada a constitucionalidade do
normativo insíto no artigo 400º, n.º 1, al. f) do C.P.P. na interpretação que
lhe é dada pelo Tribunal a quo no despacho proferido.
2. A interpretação dada ao sobredito normativo processual penal num primeiro
momento, pelo Tribunal da Relação de Lisboa e posteriormente pelo Supremo
Tribunal de Justiça, na decisão que a confirma aderindo aos respectivos
fundamentos, viola e contende com o direito ao recurso plasmado no artigo 32º,
n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, interpretação cuja
inconstitucionalidade deverá ser declarada, extraindo-se todas as legais e
constitucionais consequências.
3. O Tribunal da Relação de Lisboa, ao não admitir o recurso interposto para o
Supremo Tribunal de Justiça e este último, ao indeferir a reclamação apresentada
pelo arguido/recorrente com fundamento no disposto na al. f) do n.º 1 do art.
400° do C.P.P., não obstante admitirem o parcial provimento do recurso do
recorrente, consideraram como abrangida na expressão legal do art. 400°, n.º 1,
al. f) do C.P.P. «confirmem decisão de primeira instância» as hipóteses em que a
divergência da Relação com o decidido, se situa apenas no quantum punitivo
advindo da 1ª instância.
4. O acto jurisdicional de confirmar decisão implica manter a estrutura
decisória, conservar as respectivas consequências, dispositivo e alcance,
significa revalidar a decisão, reafirmar a sua integridade.
5. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por inequivocamente
determinar a revogação parcial da decisão de 1ª instância, não confirma a
decisão originária do tribunal de audiência de julgamento.
6. A confirmação parcial não respeita à realidade prevista no normativo em
questão, pois nada permite afirmar que este sentido tenha sido desejado pelo
legislador.
7. O que o legislador pretendeu afastar da possibilidade de recurso quer na al.
d) quer na alínea f) do n.º 1 do art. 400° do C.P.P. foi apenas aquela decisão
que corresponde à revalidação e reafirmação da decisão originária, absolutória
ou condenatória, que se mantém incólume, íntegra, isenta de qualquer derrogação.
8. O Tribunal a quo na decisão proferida interpretou o normativo da alínea f) do
n.º 1 do art. 400° do Código de Processo Penal com o seguinte sentido: o Acórdão
proferido em recurso pelas relações confirma a decisão de 1ª instância quando
mantém os factos provados, a qualificação jurídica, não obstante alterar a
medida concreta das penas parcelares e unitária, revogando parcialmente a
decisão de 1ª instância.
9. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, apesar de condenatória, não
confirmou a decisão de 1ª instância, decretando, sim, a sua revogação parcial,
pelo que o sentido com que foi interpretado pelo Tribunal a quo o normativo da
alínea f) do n.º 1 do art. 400° do Código de Processo Penal viola directamente a
norma do art. 32, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa por definir uma
limitação ao direito de recorrer que não está prevista legalmente e que não
esteve na intenção do legislador.
10. O art. 32, n.º 1, da C.R.P., que consagra o direito de defesa do arguido,
impõe, quer ao nível da técnica legislativa, quer ao nível da interpretação
jurídica, um complexo de valores e de mecanismos técnicos de defesa.
11. A referida norma constitucional determina que, na interpretação da linguagem
jurídica, se pondere necessariamente o princípio da defesa quando se analisa
matéria relativa à execução de garantias de defesa.
12. O Supremo Tribunal de Justiça, ao confirmar e aderir à decisão proferida
pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre a não admissão do recurso interposto,
interpretou, tal como este, a norma do art. 400°, n.º 1, alínea f), do Código de
Processo Penal, desvinculado da exigência imposta pela referida norma
constitucional, pelo que impôs limites ao direito de recurso contrários à
interpretação constitucionalmente adequada.
13. O sentido que deveria ter sido adoptado nas decisões proferidas, na
interpretação da norma do art. 400°, n.º 1, alínea f), do Código de Processo
Penal, em harmonia com a referida norma constitucional, é o seguinte: o Acórdão
condenatório proferido em sede de recurso, pelas relações, que determine a
revogação parcial da decisão de 1ª instância, no âmbito da medida concreta da
pena, não pode ser considerado como confirmação da decisão de 1ª instância.
14. Encontrando-se ferida de inconstitucionalidade a interpretação normativa do
disposto no art. 400°, n.º 1 al. f) do C.P.P. nos termos adoptados na decisão
proferida pelos Tribunais da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de
Justiça, por violação do sentido imposto pela norma constitucional do art. 32°,
n.º 1, da Lei Fundamental, deve ser a mesma declarada por V. Ex.as.
15. Deve ser, igualmente, declarado por V. Ex.as que o conceito de confirmação
in mellius não é constitucionalmente adequado, por violar directamente o valor
constitucional definido no art. 32°, n.º 1, da Lei Fundamental, constituindo uma
forma interpretativa inconstitucional de negar a recorribilidade de uma decisão
ao abrigo do art. 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
[…].”.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional produziu as contra-alegações de fls. 641 e seguintes, que
concluiu assim:
“1 - Não constitui interpretação normativa violadora do n.º 1 do artigo 32° da
Constituição a que se traduz em qualificar como confirmatório da decisão
condenatória, proferida em 1ª instância, o acórdão da Relação que – sem
qualquer alteração ou convolação dos fundamentos essenciais ou substanciais – se
limite – em mera «redução quantitativa» – a atenuar a medida concreta da pena
aplicada ao arguido, reduzindo a que lhe havia sido cominada na 1ª instância,
por diversa reponderação do quadro de circunstâncias atenuantes.
2- Termos em que deverá improceder o presente recurso.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
6. Determina o artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo
Penal:
“Artigo 400º
(Decisões que não admitem recurso)
1. Não é admissível recurso:
[…]
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que
confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável
pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de
infracções;
[…].”.
O objecto do presente recurso, conforme a delimitação efectuada pelo
recorrente (supra, 4.), é constituído pela norma do preceito acabado de
transcrever, interpretado no sentido de que “o acórdão proferido em recurso
pelas relações confirma a decisão de 1.ª instância quando mantém os factos
provados e a qualificação jurídica, não obstante alterar a medida concreta das
penas parcelares e unitária, revogando parcialmente a decisão de 1.ª instância”.
Considerando, todavia, que no caso dos autos – como salienta o
Ministério Público nas contra-alegações (cfr. fls. 643-644) – “a Relação [se
limitou] a graduar a medida concreta da pena, em termos mais favoráveis ao
arguido, reduzindo (sem alterar a fundamentação essencial da condenação) tais
penas, por outorgar maior relevo ao quadro de circunstâncias atenuantes”, a
interpretação normativa a apreciar no presente recurso carece de uma delimitação
suplementar, a fim de coincidir com o sentido exacto adoptado pelo tribunal
recorrido (cfr. o artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional).
Mais propriamente, o objecto do presente recurso deverá ser
entendido como constituído pelo artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de
Processo Penal, interpretado no sentido de que o acórdão proferido em recurso
pelas relações confirma a decisão de 1.ª instância quando mantém os factos
provados e a qualificação jurídica, não obstante reduzir a medida concreta das
penas parcelares e unitária, revogando parcialmente a decisão de 1.ª instância.
Será tal interpretação normativa inconstitucional por violação do
artigo 32º, n.º 1, da Constituição, como pretende o recorrente?
7. Antes de responder a esta questão, cumpre observar que a concreta
interpretação normativa que constitui o objecto do presente recurso ainda não
foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, embora a norma do artigo 400º, n.º
1, alínea f), do Código de Processo Penal, noutras dimensões interpretativas, já
tenha sido várias vezes julgada não inconstitucional: vejam-se, a este
propósito, os Acórdãos n.ºs 189/2001, de 3 de Maio, 369/2001, de 19 de Julho,
435/2001, de 11 de Outubro, 451/2003, de 14 de Outubro, 490/2003, de 22 de
Outubro, 102/2004, de 11 de Fevereiro, 610/2004, de 19 de Outubro, e 104/2005,
de 25 de Fevereiro (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 451/2003 e 102/2004, o Tribunal
Constitucional considerou não inconstitucional a norma do artigo 400º, n.º 1,
alínea f), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual,
aplicando o Tribunal da Relação, em recurso de condenação, uma pena de prisão de
sete anos por crime cuja moldura abstracta é superior a oito anos de prisão, não
é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o recurso for
interposto apenas no interesse da defesa.
Em sentido divergente pronunciar-se-ia apenas o Acórdão n.º 628/2005, de 15 de
Novembro (consultável no referido sítio), que decidiu julgar inconstitucional,
por violação do direito ao recurso conjugado com o princípio da igualdade
(artigos 32º, n.º 1, e 13º, n.º 1, da Constituição), a norma constante da alínea
f) do n.º 1 do artigo 400° do Código de Processo Penal, na interpretação segundo
a qual não é admissível o recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo
Tribunal de Justiça, quando a pena de prisão prevista no tipo legal de crime for
superior a oito anos, mas a pena concretamente aplicada ao arguido –
insusceptível de agravação por força da proibição da reformatio in pejus –
tenha sido inferior a oito anos.
De todo o modo, há um ponto que ressalta dessa jurisprudência e que
se afigura decisivo para a resolução da presente questão de constitucionalidade:
o de que a Constituição não garante, em processo penal, um terceiro grau de
jurisdição, isto é, a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, relativamente a quaisquer questões. Sobre este aspecto, disse o
Tribunal no mencionado Acórdão n.º 189/2001:
“[…]
Embora o direito de recurso conste hoje expressamente do texto constitucional, o
recurso continua a ser uma tradução das garantias de defesa consagradas no n.º 1
do artigo 32º (O processo criminal assegura todas as garantias de defesa,
incluindo o recurso). Daí que o Tribunal Constitucional não só tenha vindo a
considerar como conformes à Constituição determinadas normas processuais penais
que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de determinados despachos ou
decisões proferidas na pendência do processo (v.g., quer de despachos
interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos n.ºs 118/90, 259/88, 353/91,
in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.ºs 15º, pg. 397; 12º, pg. 735 e 19º,
pg. 563, respectivamente, e Acórdão n.º 30/2001, sobre a irrecorribilidade da
decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação
particular quando o Ministério Público acompanhe tal acusação, ainda inédito),
como também tenha já entendido que, mesmo quanto às decisões condenatórias, não
tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de jurisdição, assim se
garantindo a todos os arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo
STJ (veja-se, neste sentido, o Acórdão n.º 209/90, in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 16º. V., pg. 553).
Uma tal limitação da possibilidade de recorrer tem em vista impedir que a
instância superior da ordem judiciária accionada fique avassalada com questões
de diminuta repercussão e que já foram apreciadas em duas instâncias. Esta
limitação à recorribilidade das decisões penais condenatórias tem, assim, um
fundamento razoável.
[…]
O artigo 400º do CPP foi alterado pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, diploma
que veio introduzir modificações no processo penal e deu à alínea f) a redacção
que ainda mantém. De acordo com a proposta de revisão do processo penal (Lei n.º
157/VII, Diário da Assembleia da República, IIª Série-A, n.º 27, de 28 de
Janeiro de 1998), as modificações introduzidas na legislação processual penal
visavam obter melhorias nos objectivos de economia processual, de eficácia e de
garantia, que já informavam a anterior regulamentação.
Assim, e nos termos da exposição de motivos daquela proposta de lei,
introduziram-se modificações destinadas a dar mais consistência e eficácia aos
meios disponíveis, de entre elas se assinalando as de maior relevo para o caso:
pretendeu-se restituir ao STJ a função de tribunal que apenas conhece de
direito, mas com excepções; manteve-se a tramitação unitária dos recursos, mas
sem haver um único modelo de recurso; faz-se um uso discreto do princípio da
«dupla conforme», harmonizando objectivos de economia processual com a
necessidade de limitar a intervenção do STJ a casos de maior gravidade;
retoma-se a ideia da diferenciação orgânica, apenas fundada no princípio de que
os casos de pequena e média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo
Tribunal de Justiça, etc. (cf. Sobre esta matéria, Maia Gonçalves, Código de
Processo Penal Anotado, 12ª Edição, pg. 754).
[…]
Como já se referiu, mesmo em processo penal, a Constituição não impõe ao
legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer
acto do juiz e, mesmo admitindo-se o direito a um duplo grau de jurisdição como
decorrência, no processo penal, da exigência constitucional das garantias de
defesa, tem de aceitar-se que o legislador penal possa fixar um limite acima do
qual não seja admissível um terceiro grau de jurisdição: ponto é que, com tal
limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
Ora, no caso dos autos, o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido
consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso, mas não
abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma
instância superior.
Existe, assim, alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos
graus de recurso. No caso, o fundamento da limitação – não ver a instância
superior da ordem judiciária comum sobrecarregada com a apreciação de casos de
pequena ou média gravidade e que já foram apreciados em duas instâncias – é um
fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado e que corresponde aos
objectivos da última reforma do processo penal.
[…].”
No também já referido Acórdão n.º 451/2003 reitera-se, com
particular clareza, que à questão de saber “[…] quais os limites de conformação
que o artigo 32º n.º 1 da CRP impõe ao legislador ordinário, em matéria de
recurso penal” deve responder-se “no sentido de não haver vinculação a um triplo
grau de jurisdição e de ser constitucionalmente admissível uma restrição ao
recurso se ela não for desrazoável, arbitrária ou desproporcionada”.
Partindo, portanto, do pressuposto de que o artigo 32º, n.º 1, da
Constituição, quando estabelece que “o processo criminal assegura todas as
garantias de defesa, incluindo o recurso”, não consagra a garantia de um triplo
grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, o que
tem de perguntar-se é se será desrazoável, arbitrário ou desproporcionado não
admitir o recurso para o Supremo nos casos, como o dos autos, em que a Relação
mantém os factos provados e a qualificação jurídica, não obstante reduzir a
medida concreta das penas parcelares e unitária (esta última para sete anos),
revogando parcialmente a decisão de 1.ª instância.
Dito de outro modo: a questão de inconstitucionalidade colocada pelo
recorrente não pode ser resolvida com a mera invocação da garantia de um
terceiro grau de jurisdição, pois que, não podendo essa garantia ser reconhecida
em todos os casos, tal resolução exige necessariamente a ponderação da
razoabilidade, arbitrariedade ou desproporcionalidade da não admissão desse
terceiro grau, no caso concreto.
Ora, realizando tal ponderação, dir-se-á que não é constitucionalmente
censurável que a exclusão do terceiro grau de jurisdição resulte de se
“qualificar como confirmatório da decisão condenatória, proferida em 1ª
instância, o acórdão da Relação que – sem qualquer alteração ou convolação dos
fundamentos essenciais ou substanciais – se limite, em mera «redução
quantitativa», a atenuar a medida concreta da pena aplicada ao arguido,
reduzindo a que lhe havia sido cominada na 1ª instância, por diversa
reponderação do quadro de circunstâncias atenuantes”.
E dir-se-á também que não é desrazoável tratar do mesmo modo os casos em que a
Relação, aplicando pena não superior a oito anos, confirma totalmente a decisão
da 1.ª instância, e os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a
oito anos, reduz a pena aplicada pela 1.ª instância.
Como sublinha o Ministério Público nas contra-alegações:
“[…]
Seria, aliás, numa perspectiva teleológica ou funcional, aberrante que o arguido
pudesse aceder ao Supremo para rediscutir, v.g., uma possível atenuação da pena
de 5 anos de prisão que a Relação lhe aplicou, reduzindo a que lhe fora cominada
na 1ª instância – estando-lhe, todavia, vedado tal acesso se a Relação
[certamente por lapso, refere-se «se o Supremo»] se tivesse limitado a manter,
integral e estritamente, a sentença que o havia condenado, por exemplo, na pena
de 7 anos de prisão. Na verdade, tal solução legislativa, a existir, careceria
provavelmente de suporte material adequado, originando uma evidente e
inquestionável disfuncionalidade, traduzida em vedar injustificadamente o
acesso, em via de recurso, ao Supremo Tribunal de Justiça ao arguido que tivesse
sido condenado pelas instâncias em pena mais gravosa – permitindo tal acesso num
caso de «redução quantitativa» de tal pena privativa da liberdade, realizada em
seu benefício na 2ª instância.
[…].”.
Não procedem, assim, as razões invocadas pelo recorrente quanto à questão de
inconstitucionalidade apreciada.
III
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2006
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Artur Maurício