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Processo nº 107/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que
são recorrentes A. e B. e é recorrido o Ministério Público, foram interpostos
recursos para o Tribunal Constitucional. O do primeiro, ao abrigo do disposto no
artigo 70º, nº 1, alíneas b) e c), da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC) e o do segundo, por invocação da
alínea d) do nº 1 deste artigo da LTC.
2. Em 15 de Fevereiro de 2006, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do
previsto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, pela qual se entendeu não conhecer do
objecto dos recursos interpostos.
É a seguinte a fundamentação constante desta decisão:
«1. Aferindo do preenchimento dos requisitos do recurso interposto por A., ao
abrigo da alínea c) do nº 1 do artigo 70º da LTC, por forma a decidir se deve ou
não conhecer-se do respectivo objecto, importa concluir que o acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça não recusou a aplicação de norma constante de acto
legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado. Para tal concluir, é suficiente o confronto do teor desta alínea da
LTC com a norma cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada –
o artigo 340º do Código de Processo Penal.
A conclusão no sentido do não conhecimento do objecto do recurso mantém-se se
considerarmos que o mesmo foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da LTC, uma vez que não se verifica um dos requisitos do recurso de
constitucionalidade aqui previsto: a aplicação pela decisão recorrida, como
ratio decidendi, da norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o
processo. Com efeito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça aplicou o artigo
400º, nº 1, alíneas c) e f), do Código de Processo Penal e não o artigo 340º do
mesmo Código.
Justifica-se, assim, a prolação da presente decisão sumária (artigo 78º-A, nº 1,
da LTC).
2. Convidado a indicar a alínea do nº 1 do artigo 70º da LTC, ao abrigo da qual
interpunha o recurso de constitucionalidade, o recorrente B. indicou a alínea
d).
A alínea d) do nº 1 do artigo 70º da LTC dispõe que cabe recurso para o Tribunal
Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma
constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do
estatuto da região autónoma ou de lei geral da República.
Confrontado o teor desta alínea com as norma mencionadas na resposta ao convite
ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal
– os artigos 412º, nºs 3 e 4, e 379º, nº 1, alínea c), do Código Penal [quer
referir-se, certamente, o Código de Processo Penal] – é manifesto que não se
mostram preenchidos os requisitos do recurso interposto».
3. Desta decisão vêm agora os recorrentes reclamar para a conferência, ao abrigo
do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC.
A. alega o seguinte:
«1 – O ora suplicante interpôs, oportunamente, recurso para o Venerando Tribunal
Constitucional do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/03/2005,
que lhe negou a pretendida revista, não reconhecendo a invocada
inconstitucionalidade da violação conjunta do art.º 340.º do Código do Processo
Penal e do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa.
2 – Na sua petição de recurso, o requerente alegou que o recurso era interposto
ao abrigo da alínea c), do n.º 1 do art.º 70.º e da alínea b), do n.º 1 do art.º
72° da mencionada Lei do Tribunal Constitucional.
3 – Aceite o recurso no Venerando Supremo Tribunal de Justiça e enviado por este
para o Venerando Tribunal Constitucional, a Excelentíssima Conselheira Relatora
chamou a si o processo e proferiu decisão sumária, por meio da qual decidiu o
seguinte:
“(...) Com efeito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça aplicou o artigo
400º n° 1, alíneas c) e f), do Código de Processo Penal e não o artigo 340° do
mesmo Código.
Justifica-se, assim, a prolação da presente decisão sumária (artigo 78°-A, n° 1,
da LTC). (...)”
“(...) III. Decisão
Pelo exposto, decide-se, nos termos do artigo 78°-A, n° 1, da LTC, não tomar
conhecimento do objecto dos recursos interpostos para este Tribunal. (...)”
4 – É desta decisão que o suplicante vem agora reclamar para a Conferência, nos
termos do disposto nos art.ºs 78.º-B, nº 2 e 78.º-A, n.ºs 3 e 4, da Lei 28/82 de
15/11.
5 – Como forma de justificar a presente Reclamação, o reclamante entende por bem
esclarecer o seguinte;
6 – Tanto o Tribunal de 1.ª Instância, como o Venerando Tribunal da Relação de
Évora, como o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, recusaram ao caso em
concreto a aplicação da norma constante do acto legislativo.
7 – É certo que não recusaram formal e expressamente a respectiva norma
constante de acto legislativo.
8 – A sua recusa está implícita na omissão de aplicação dessa norma;
9 – E, como qualquer omissão não tem expressão formal, os ditos Venerandos
Tribunais não fundamentaram obviamente as razões da sua omissão.
10 – Mas, o que está implícito na referida omissão de aplicação da Lei que vamos
passar a referir, só pode ser o pretexto da sua ilegalidade por violação de
qualquer Lei pré-existente.
11 – No caso em concreto, o Tribunal de 1.ª Instância, o Venerando Tribunal da
Relação de Évora e o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, impediram que o
recorrente e aqui suplicante carreasse para os autos provas que se encontravam
na posse de outrem, e que podiam provar a sua inocência.
12 – O indeferimento, sistemático e constante, dos requerimentos do suplicante
ao longo do processo, levou a que nenhum pedido de provas que estavam em poder
de terceiros fosse deferido, ver fls. 2644 a 2654, fls. 3762 a 3882, fls. 3880 a
3886, fls. 4289 a 4290, entre outras dos autos.
13 – Ora, este indeferimento sistemático indicia a preterição de um direito
consagrado no C.P.P. e na C.R.P
14 – Ao omitir essa realidade jurídica, os ditos Venerandos Tribunais violaram
por omissão o disposto no art.º 340.º do C.P.P. e art.º 32.º C.R.P..
15 – Com esta violação por omissão, os referidos Tribunais violaram também, por
ser imanente ao referido acto de omissão, o disposto no art.º 70.º, n.º 1, al.
c) última parte, da Lei do Tribunal Constitucional».
B. sustenta que:
«1)- Como se pode ver, aliás, a fls. , dos autos, foi interposto recurso
para o Tribunal de Relação de Évora, do acórdão condenatório proferido na 1ª.
instância;
No qual, aliás, era reclamada a reapreciação da matéria de facto, dada como
provada.
Para tanto, o arguido especificou, então, as muitas e significativas
contradições que – no seu modesto entender – justificariam decisão diversa da
proferida na Acórdão recorrido.
Tendo posto, assim, em crise o depoimento do co-arguido Fadista; cujas
declarações – na nossa modesta opinião –, não podem merecer total credibilidade,
pelas razões expostas na motivação de recurso e, que aqui se dão integralmente
por reproduzidas
Facto, aliás, que – só por si – parece justificar a pretendida reapreciação da
matéria de facto.
2) - Não obstante, o certo é que, aquele Venerando Tribunal, louvando-se
na livre apreciação da prova pelo julgador que proferiu a decisão recorrida,
absteve-se de reexaminar a matéria de facto.
E, tudo isto, apesar de ser conhecida, como é, diminuída credibilidade do
depoimento de um qualquer co-arguido.
Na verdade, “o depoimento de co-arguido, não sendo em abstracto uma prova
proibida em Direito Português, é no entanto um meio de prova particularmente
frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito
menos uma condenação” – como ensina, aliás, a Professora Teresa Pizarro Beleza.
In, Revista do Ministério Público, n°.74, Ano 19 Abr./Jun., pg.39 e sgs.).
3) - Assim, inconformado, desta vez, com o, aliás, mui douto Acórdão do
Tribunal da Relação, interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça;
O qual, aliás, não conheceu do interposto recurso, por entender – em síntese –
que, o mesmo não é admissível (...);
E, isto, apesar de ter sido arguida a nulidade do citado Acórdão do Tribunal da
Relação de Évora.
4) - Ora – com o respeito devido, que é muito –, afigura-se-nos, pois,
existir, no caso dos autos, uma evidente inconstitucionalidade por omissão.
Daí o presente recurso para este Venerando Tribunal, visando a apreciação da
violação do art°.32°, nº.1 da Constituição da República Portuguesa, face à
recusa de aplicação do disposto no art°.412°, nºs.3 e 4 do Cód.Penal e, a
alegada ilegalidade na apreciação do disposto no art°.379°. n°.1, alínea c) – do
mesmo diploma legal.
Sendo certo que, a invocada ilegalidade foi suscitada na motivação do recurso
interposto para o Supremo Tribunal de Justiça a fls. , dos autos,
5) - Assim sendo, como é – e, sempre com o devido respeito, que é muito
–, entendemos, pois, que este Venerando Tribunal sempre deverá admitir-se o
presente recurso, atenta – na nossa modesta opinião – a violação daqueles
citados artigos do Cód.Proc.Penal».
4. Notificado destas reclamações, o Ministério Público junto deste Tribunal
respondeu nos seguintes termos:
«1 – As reclamações deduzidas carecem obviamente de fundamento sério – só
podendo, aliás, explicar-se pelo absoluto – e indesculpável – desconhecimento
dos reclamantes sobre a fisionomia e objecto normativo dos recursos de
fiscalização concreta.
2 – Termos em que deverá confirmar-se inteiramente a decisão reclamada».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Os fundamentos da decisão reclamada em nada são abalados pelas presentes
reclamações.
A do reclamante A. em nada demonstra que o tribunal recorrido tenha recusado a
aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua
ilegalidade por violação de lei com valor reforçado (artigo 70º, nº 1, alínea
c), da LTC), e que o artigo 340º do Código de Processo Penal tenha sido, de
facto, aplicado, como ratio decidendi, pelo Supremo Tribunal de Justiça; e a do
reclamante B. é bem significativa de que não está em causa uma decisão que
recusou a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na
sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da
República (artigo 70º, nº 1, alínea d), da LTC).
Como bem conclui o Ministério Público junto deste Tribunal, as reclamações
deduzidas carecem obviamente de fundamento.
Resta, assim, concluir pelo indeferimento das reclamações.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir as reclamações e, em consequência, confirmar a
decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades
de conta.
Lisboa, 14 de Março de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício