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Processo n.º 68/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. A. solicitou ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito
do recurso que interpôs para aquele Tribunal, que o julgamento da revista
ocorresse 'com intervenção do plenário das Secções Cíveis', nos termos do artigo
732º-A do Código de Processo Civil.
A pretensão foi, no entanto, indeferida, por despacho de 16 de Dezembro de 2005,
com fundamento no n.º 1 do citado preceito do Código de Processo Civil por ter
sido apresentada quando 'já tinha sido proferido o acórdão a julgar o recurso'.
Para assim decidir, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça entendeu não
dever pronunciar-se sobre a querela suscitada pelo requerente a propósito do
momento processual em que ocorrera o julgamento do recurso, por ser 'tema que
extravasa da competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça',
bastando-se com a circunstância de o acórdão ter sido proferido 'sem que antes
tenha sido requerido o julgamento ampliado'.
Do despacho interpôs o interessado recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, 'para declaração da
inconstitucionalidade e ilegalidade dos artigos 732º-A n.ºs 1 e 2, e 668º e 669º
n.º 1 do Código de Processo Civil...'
No Tribunal Constitucional o recorrente foi convidado, ao abrigo do disposto no
n.º 5 do artigo 75º-A da LTC, a enunciar as normas que, em concreto, pretendia
impugnar no recurso, pois omitira a indicação do 'sentido exacto com que as
mesmas foram interpretadas e aplicadas na decisão recorrida.'
Respondeu nos seguintes termos:
1ª As normas aplicadas pelo STJ, que no entender do Recorrente deverão ser
declaradas inconstitucionais são respectivamente o art. 732° -A, 668° e 669°-1
todos do CPC, nomeadamente, porque a interpretação feita pelo Tribunal
recorrido, fere,
2º Os dispositivos constitucionais previstos na CRP como art. 20° e 62°,
aplicação feita,
3º No Despacho que foi proferido a fls. 426 e 434 dos Autos.
E assim é porque, no modesto entender do Recorrente, o dever de Uniformização da
Jurisprudência não será discricionário, é outrossim uma exigência do Estado de
Direito e um Imperativo Constitucional previsto no seu art. 20°. No caso em
apreço foi negado esse Direito ao Recorrente, não porque não tivesse tutela
legal mas porque se considerou por um lado intempestivo já que existia um
Acórdão, esse sim proferido intempestivamente, e por tal motivo nulo, e ainda
porque se considera que o Exmo Senhor Presidente do STJ, tem um poder
discricionário de proceder ao Julgamento Ampliado ou não.
Devido a esta interpretação, sobre a mesma questão de Direito há pelo menos um
Acórdão do STJ, que tem um entendimento diferente daquele que se discute no
Processo em Recurso, mais concretamente o preenchimento do conceito impreciso de
'escritório', aliás uma longa e 'vexata quaestio'. Ora, porque sendo para o
Direito necessária a defesa dos valores da segurança e certezas jurídicas, esta
seria a oportunidade para que na Ordem Jurídica Portuguesa, em definitivo, se
uniformizasse a interpretação até hoje feita de modo díspar nos nossos Tribunais
Superiores. Assim, o art. 732° -A do C.PC., não pode ser interpretado do modo
como o fez o STJ. Deste modo feriu-se objectivamente o conteúdo do art. 20° da
CRP , assim como o do art. 62° , ficando o Recorrente prejudicado no seu sagrado
Direito de Propriedade que, não é fruído de igual modo por todos os Portugueses.
Para alguns, interpreta-se escritório de um modo amplo e actualizado; para
outros, como os subscritores do Acórdão Recorrido, escritório será igual ao
conceito clássico, restritivo e anacrónico do romano “tablinum”.
Foi então proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com o
seguinte fundamento:
O recurso não pode, contudo, ter seguimento.
Na verdade, o recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC cabe
das decisões que apliquem, para decidir, normas anteriormente acusadas de
desconformidade constitucional.
Acontece que o requerimento dirigido ao Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça pelo recorrente é totalmente omisso quanto à suscitação de qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa.
Além disso, o despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferido em
16 de Dezembro de 2005 não aplicou manifestamente qualquer norma contida nos
artigos 668º, 669º n.º 1 e 732º-A n.º 2 do Código de Processo Civil, pois apelou
apenas ao comando contido no n.º 1 do artigo 732º-A do mesmo diploma para
decidir. O recorrente, apesar do convite adrede formulado, não foi capaz de
definir – como lhe competia – a dimensão normativa extraída deste preceito que
teria sido aplicada na decisão recorrida, o que logo também determinaria o não
conhecimento do recurso, por não se mostrar definido o seu objecto. Todavia, se,
por hipótese, a norma questionada se reportasse àquela que estabelece o termo do
prazo dentro do qual é admissível que o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça determine o julgamento ampliado, seria bem manifesta a improcedência do
recurso, pois em vão se procuraria nos artigos 20º e 62º da Constituição, que o
recorrente convoca, ou em qualquer outro, norma ou princípio a impor solução
diversa.
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78-A da LTC, decide-se
não conhecer do recurso, por lhe faltarem os necessários pressupostos.
2. Contra esta decisão reclama, nos termos do n.º 3 do artigo 78º-A da
LTC, o recorrente, dizendo:
Salvo melhor entendimento, a questão suscitada em sede de Recurso para esse
Tribunal, insere-se na questão já largamente admitida do Tribunal Constitucional
tutelar a evitabilidade das decisões surpresa. De facto, o processo sub judice
decorreu dentro dos limites da legalidade constitucional até que chegou ao
Supremo Tribunal de Justiça.
Aqui, naturalmente, chegava-se ao patamar da hierarquia dos Tribunais
Portugueses, onde a questão de fundo deveria, a favor ou contra o interesse do
Recorrente, ser decidida. Recordando-se, a questão de direito implícita nos
Autos era a da qualificação jurídica de um consultório médico face ao termo
utilizado no titulo constitutivo da propriedade horizontal onde se previa como
destino das fracções 'escritório'. Sendo esta questão há muito discutida no STJ,
tem esse Tribunal proferido acórdãos que se contrariam. É este o momento para se
proceder à Uniformização de Jurisprudência, sede porém que, ao arrepio da lei
processual, fazendo dela tábua rasa, o STJ, através de uma decisão extemporânea,
cerceou no entender do Reclamante o seu interesse legítimo em ver o seu processo
e a sua questão de direito discutida e pacificada na ordem jurídica portuguesa.
Aliás, salvo outra opinião, julga-se que existem interesses públicos a tutelar,
que vão muito além do interesse subjectivo do Reclamante. Na realidade, e como
se sublinhou aquando do Requerimento de Recurso para esse Tribunal, o que fica
directamente em causa é a não apreciação de um Recurso Ampliado, constituindo um
quase (mutatis mutandis) 'venire contra factum proprio' cometido pelo STJ -
explicitando-se: o STJ não admite o Recurso ampliado, porque a decisão/acórdão
havia sido proferido, mas antes do legalmente possível. Por outras palavras:
nega-se o Direito do Recorrente/Reclamante de obter um Acórdão para
Uniformização de Jurisprudência, estribando-se numa ilegalidade processual
cometida pelo próprio Autor do acto praticado - o STJ. Foi esta a decisão
surpresa que se considera inconstitucional, pois, com ela ficou cerceado o
direito à justiça. Claramente, é só com este acto que se comete a arguida
inconstitucionalidade. Cumulada à que se acaba de descrever comete-se uma outra,
a saber, o entendimento que o Exmo Senhor Conselheiro Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça tem que o direito previsto no art. 732°-A do C.P.C., ser um
direito discricionário. Ora, e sempre com maior respeito, também essa
interpretação dos poderes do Presidente do STJ configurados no art. 732°-A do
C.P.C., terá de ser claramente considerada inconstitucional.
Sendo estas as questões substantivas do Recurso apresentado, largamente
expendidos no Requerimento feito a convite do Exmo Senhor Conselheiro Relator
desse Tribunal, com a devida vénia jurídica, parecem que estão preenchidos os
Requisitos para o Julgamento do Recurso, não se aceitando o afirmado na página 2
da decisão sumária, de facto o Exmo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça ao ratificar o entendimento do Exmo Senhor Conselheiro Relator,
incorporou-o no seu despacho, o que legitima o presente Recurso.
Nestes termos se conclui pelo preenchimento dos requisitos 'ad substantiam' para
o conhecimento do objecto do recurso, Requerendo-se que sobre o Despacho seja
proferido o competente Acórdão.
3. Cumpre decidir.
3.1. Recorde-se que no requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional (peça pela qual o recorrente define o tipo de recurso e
o seu âmbito) o recorrente visou o despacho do Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça, impugnando normas contidas nos artigos 732º-A n.ºs 1 e 2, e 668º e 669º
n.º 1 do Código de Processo Civil.
No esclarecimento adicional prestado a convite do Tribunal, o mesmo recorrente
expôs a questão jurídica que pretendia ver solucionada no Tribunal
Constitucional, sem, no entanto, definir uma regra dotada de generalidade e
abstracção eventualmente aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi,
violadora de norma ou princípio constitucional.
Face a estes elementos, a decisão sumária começou por fazer notar que o presente
recurso, previsto da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, tem natureza
normativa e apresenta, como pressuposto, a atempada suscitação da questão de
inconstitucionalidade que constitui seu objecto, concluindo que, no caso
presente, para além de não ter ocorrido a suscitação prévia de qualquer questão
de constitucionalidade, também se apurava que o recorrente não pretendia pôr em
causa uma norma jurídica aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi.
3.2. Na reclamação em análise, o recorrente pretende justificar a não
suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade alegando que o julgamento
da revista em conferência constituiu uma 'decisão surpresa'. Por outro lado, diz
ainda, a norma questionada (artigo 732-A do Código de Processo Civil) teria sido
aplicada no despacho recorrido com o sentido de conferir ao Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça um 'direito discricionário' que seria 'claramente'
inconstitucional.
3.3. Mas não tem razão.
Na verdade, o recorrente começa por apresentar duas questões que não podem aqui
ser tratadas conjuntamente por força das regras próprias que disciplinam o
presente recurso: uma é a matéria relacionada com a pretensa antecipação,
alegadamente ilegal, do julgamento da revista (a dita 'decisão surpresa'). Ora,
conforme, aliás, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça prontamente
esclareceu no seu despacho, a questão da aferição da legalidade do acórdão
(designadamente, a avaliação da invocada irregularidade de que resultaria a
invalidade desse aresto) não poderia ser conhecida pelo próprio Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, razão pela qual não a tratou naquele seu despacho.
E, na verdade, uma vez que o recorrente não impugnou, pelo meio processualmente
correcto, a decisão tomada em conferência quanto ao momento do julgamento do
recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, essa questão ficou
decidida, e não é, agora, possível ressuscitá-la através da impugnação do
despacho recorrido, que dela não curou.
A outra matéria diz respeito ao despacho do Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça, que é a decisão aqui recorrida.
Ora bem; em primeiro lugar, deve notar-se que o reclamante parece já aceitar que
o despacho recorrido não fez qualquer aplicação do disposto artigos 668º, 669º
n.º 1 e 732º-A n.º 2 do Código de Processo Civil, conforme se afirmara na
decisão sumária reclamada. Na realidade, o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça não aplicou tais normas no seu despacho, pois apelou apenas ao comando
contido no n.º 1 do artigo 732º-A do mesmo diploma para decidir, como também se
afirma na reclamada decisão sumária.
Depois, cumpre sublinhar que o reclamante revela agora pretender sindicar a
norma, retirada do aludido n.º 1 do artigo 732º-A do Código de Processo Civil,
que conferiria ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça um poder
discricionário na determinação dos casos que seriam objecto de um julgamento
ampliado, norma que seria 'claramente' inconstitucional.
Mas a verdade é que uma tal norma não foi aplicada no despacho recorrido.
Isto é: o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não fundamentou o
indeferimento da pretensão formulada mediante um juízo de conveniência; o que
fez foi invocar o disposto no n.º 1 do artigo 732º-A do Código de Processo Civil
para concluir que o poder que lhe é conferido pelo preceito se esgotara, em
momento anterior, com a prolação do acórdão. Não houve, portanto, qualquer juízo
sobre a conveniência da satisfação do pedido do reclamante, antes se entendeu
que a competência para satisfazer esse pedido já não existia.
4. É, assim, de indeferir a reclamação. Decide-se, por isso, manter a
decisão sumária de não conhecimento do objecto do pedido.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 3 de Maio de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos