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Processo nº 559/2005
2ª Secção
Relatora.: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que
figura como recorrente o Ministério Público e como recorrido A., o juiz do
Tribunal Judicial da Comarca de Tomar proferiu o seguinte despacho:
Uma vez que a assistente prescindiu da testemunha, não resultando dos autos que
do depoimento da mesma se possa mostrar necessário para a descoberta da verdade,
julgo validamente prescindida, não a condeno em multa por considerar
inconstitucional o artigo 116°, do Código de Processo Penal, quando interpretado
no sentido de que a condenação em multa tem lugar mesmo que julgada validamente
prescindida a testemunha faltosa por violação do princípio de proporcionalidade.
O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, ao abrigo da alínea a) do n°
1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, concluindo do seguinte modo:
1 – A norma constante do artigo 116° do Código de Processo Penal deve ser
interpretada em conformidade com a Constituição, não comportando o
sancionamento, com multa processual, da testemunha faltosa que foi válida e
regularmente prescindida pela parte ou sujeito processual que a arrolou, sem que
o juiz haja determinado a sua comparência para inquirição oficiosa.
2 – Na verdade, neste caso seria desproporcionada a imposição de multa a quem,
com a sua falta, nenhum prejuízo determinou para o andamento do processo,
constituindo “justificação” da falta a própria declaração de renúncia à
inquirição.
Cumpre apreciar.
2. Na decisão recorrida, foi recusada a aplicação do artigo 116°, n° 1, do
Código de Processo Penal, quando tal preceito seja interpretado no sentido de
determinar a aplicação de uma sanção processual à testemunha faltosa da qual o
sujeito processual que a apresentou prescindiu.
Quando o sujeito processual prescinde da testemunha que arrolou, a comparência
desta perde utilidade. Com efeito, se o sujeito não pretende, renunciando, o
depoimento dessa testemunha, e se não existem razões para ordenar a sua
inquirição oficiosamente, nenhuma razão existe para exigir a respectiva
comparência.
Nessa medida, a falta da testemunha da qual o sujeito processual prescinde não
pode obrigar à imposição de uma consequência sancionatória, quando tudo indica
que a sua comparência seria inútil.
De resto, é esta a solução do Código de Processo Civil, que no artigo 651º, n°
6, determina que não será necessário justificar a falta da “pessoa de cuja
audição prescinda a parte que a indicou”.
Na verdade, o dever de comparência não existe quando a parte (ou o sujeito
processual) prescinde da testemunha, pelo que nenhuma sanção pode existir.
Veja‑se, ainda, paralelamente, a solução do n° 5 do artigo 629° do Código de
Processo Civil, de acordo com o qual também não haverá lugar à justificação da
falta da testemunha quando o julgamento é adiado por razão diversa da respectiva
falta, desde que a parte se comprometa a fazê-la comparecer na nova data.
A solução expressamente consagrada no Código de Processo Civil é evidentemente
aplicável no Processo Penal. Desde logo, por força do artigo 4° do Código de
Processo Penal, que determina a aplicação nos casos omissos das normas do
Processo Civil que se harmonizem com o Processo Penal. Mas também em razão dos
princípios gerais aplicáveis no processo penal.
Dificilmente seria aceitável uma solução que implicasse a aplicação necessária
de uma sanção processual a uma testemunha faltosa mas da qual o sujeito
processual que a indicou prescindiu e cujo depoimento o Tribunal não considerou
necessário à descoberta da verdade. Traduzir-se-ia, tal interpretação, numa
violação do princípio da proporcionalidade, e colidiria ainda com os princípios
de celeridade, de economia processual e de proibição da prática de actos
inúteis, já que levaria a comparecer em audiência um interveniente cuja
participação no processo nenhuma razão justifica.
Desse modo, conclui‑se pela inconstitucionalidade do artigo 116º, nº 1, do
Código de Processo Penal, por violação do princípio da proporcionalidade
resultante dos artigos 2º e 18º da Constituição, interpretado no sentido de
determinar a aplicação obrigatória de uma sanção processual à testemunha faltosa
da qual o sujeito processual que a apresentou veio a prescindir – o que se
verificou no caso – confirmando‑se o juízo de inconstitucionalidade constante da
decisão recorrida com este fundamento.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide confirmar o juízo de
inconstitucionalidade constante da decisão recorrida, concluindo‑se pela
inconstitucionalidade do artigo 116º, nº 1, do Código de Processo Penal, por
violação do princípio da proporcionalidade resultante dos artigos 2º e 18º da
Constituição, interpretado no sentido de determinar a aplicação obrigatória de
uma sanção processual à testemunha faltosa da qual o sujeito processual que a
apresentou veio a prescindir.
Lisboa, 8 de Março de 2006
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos