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Processo n.º 78/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional:
A., mostrando-se inconformado com as decisões condenatórias proferidas na
Relação do Porto, recorreu para o Tribunal Constitucional 'ao abrigo do artigo
20º e demais disposições da Constituição da República, mormente do artigo 32º
n.º 1, que assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso', por
entender que os 'acórdãos aqui proferidos, a começar pelo douto acórdão
condenatório, serão manifestamente inconstitucionais logo em face do disposto no
artigo 12º n.º 1 da mesma Constituição'.
Ainda na Relação do Porto o recorrente foi notificado, nos termos do n.º 5 do
artigo 75º-A da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, para indicar a alínea do n.º 1
do artigo 70º da mesma LTC ao abrigo da qual pretendia recorrer. Esclareceu, em
resposta a este convite, que o recurso era interposto nos termos da 'alínea d)
(in fine)' do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
O recurso foi então admitido, e o processo subiu a este Tribunal.
No entanto, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento, nos termos
do n.º 1 do artigo 78º da LTC, com o seguinte fundamento:
Nos termos desta alínea [alínea d), in fine, do n.º 1 do artigo 70º da LTC],
cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais 'que
recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na
sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da
república.'
Ora, é patente que as decisões impugnadas não desaplicaram qualquer norma
regional, pois se limitaram a condenar o arguido recorrente pela prática de um
crime de ofensa à integridade física simples, pp pelo artigo 143º n.º 1 do
Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 7 euros, além de
quantia económica a título de indemnização. Nem se vê qual a norma regional que
caberia aplicar ao caso, dado que nenhuma conexão existe que possa determinar
essa aplicação. Por outro lado, é bem sabido que, tratando-se de um recurso de
natureza normativa, não pode ser interposto para sindicar directamente decisões
jurisdicionais, como também parece pretender o recorrente.
Não se verificam, portanto, os requisitos que habilitam a recorrer ao abrigo da
alínea d) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Nos termos do n.º 1 do artigo 78º da LTC decide-se, portanto, não conhecer do
objecto do recurso.
Inconformado, o recorrente reclama para a conferência nos seguintes termos:
1- Vem a presente reclamação da douta decisão sumária do Ex.mo Conselheiro
Relator em que se decidiu não conhecer do objecto do recurso. Aliás,
2 - A nosso ver mal, salvo sempre o devido respeito por diferente opinião.
3 - O recurso foi interposto, sim, com anterior referência a vários preceitos da
Constituição da República (ao seu art. 32.º, n.º 1 e à 'lei geral da Republica'
referida ('in fine'- sic) no art. 70.º, n.º 1, al. d) da Lei 28/82, ou seja, no
caso, ao Cod. Proc. Penal, cuja constitucionalidade também já anteriormente se
suscitara no processo à luz daquele preceito.
4 - Não tinha, nem tem, nem nada poderia evidentemente ter pois que ver, pelo
menos no critério do recorrente, com a violação de qualquer diploma regional.
Insiste-se:
5- O que está (e apenas pode estar) em causa nestes autos (ou melhor, no
presente recurso) é a interpretação que se faça do art. 379.º, n.º1 do Cod.
Processo Penal ('lei geral' da República) à luz de preceitos constitucionais
expressos, mormente o já citado art. 32.º, n.º 1, conjugado e corroborado pelos
art.s 12.º, n.º 1 e 34.º n.º 1.
6- O recorrente não pretende, pois, rigorosamente, que este Colendo Tribunal
Constitucional proceda a uma sindicância das infelicíssimas decisões da 1ª e da
2ª instância, com que aliás não se pode conformar. E senão vejamos:
7- Ele viu o logradouro do seu domicílio invadido, por vários energúmenos, foi
nele perseguido, agredido e compelido assim, a defender-se, em desespero de
causa, depois de ter fugido enquanto pôde; pelo menos um dos seus agressores
confirma isso mesmo perante o Juiz da 1ª instância (que até logo reconhece,
publicamente que afinal o ora recorrente apenas se defendeu) mas, no final,
ei-lo condenado! Criminal e civilmente! E numa pesada indemnização!
8- Condenado na 1ª instância, com a condenação confirmada na 2ª onde todavia se
não procedeu à legalmente requerida reapreciação da prova, toda ela devidamente
gravada, inclusive com o citado comentário do Mmo Juiz incluído.
9- Ao ponto de admitir hoje a própria Relação que assim possa ter cometido um
erro de julgamento, como dos autos se vê, mas que diz não poder reparar, como
logo lhe fora pedido, e apesar de a infelicíssima decisão ainda nem sequer ter
transitado em julgado.
10- E este é justamente o cerne do problema para que se pede a superior atenção
deste Colendo Tribunal Constitucional.
Em suma:
11 - A interpretação e aplicação que assim se fez do art. 379º n.º1, c) do C.P.P
é contrária, violou e viola os art.s 12.º n.º1 e 30.º n.º1 da Constituição da
República devendo ser declarada inconstitucional e ordenada portanto a total
reapreciação da prova no dito Tribunal da Relação, uma vez que só assim se
asseguram 'todas as garantias de defesa, incluindo o recurso' a que o arguido
tem direito.
De todo inconformado, com a clamorosa injustiça que o atingiu, o ora recorrente
quer manter o direito à esperança neste Pais que ainda é o nosso Portugal de
Abril; e por isso vos pede, Senhores Juízes Conselheiros, a revogação do Julgado
nos termos e pelos fundamentos expostos, para lhe ser feita
JUSTIÇA
no pleno acatamento da nossa bela Constituição, ora violada!
O representante do Ministério Público neste Tribunal entende que a reclamação é
manifestamente improcedente.
Vejamos.
O requerimento de interposição do recurso de inconstitucionalidade define o
âmbito e o objecto do recurso. O recorrente, convidado e esclarecer precisamente
as características do recurso que pretendia interpor, declarou, na Relação do
Porto, que o recurso era interposto 'ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea d) (in
fine) da Lei n.º 28/82'. Foi esse o recurso admitido.
A partir de então, o recurso tem que ser entendido como visando impugnar a
decisão do Tribunal recorrido que tenha recusado 'a aplicação de norma constante
de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto
da região autónoma ou de lei geral da República'. Aliás, tendo o recorrente
precisado que o seu recurso era interposto com fundamento na 'alínea d), in
fine', a conclusão a tirar é que pretendia sindicar a decisão recorrida em
virtude de nela, se haver desaplicado uma norma constante de diploma regional,
com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei geral da República.
Neste contexto, a decisão sumária agora reclamada limitou-se a constatar que a
Relação do Porto, na decisão recorrida, não desaplicara qualquer norma regional,
e que nem era sequer possível determinar qual a norma regional que caberia
aplicar ao caso, dado que nenhuma destas normas fora indicada pelo recorrente no
seu requerimento, e que nenhuma conexão existia que pudesse determinar essa
aplicação.
Ao sustentar-se inovadoramente, na reclamação em análise, que o acórdão
recorrido procedera a uma interpretação e aplicação inconstitucional do artigo
379º n.º 1 c) do Código de Processo Penal, e que essa seria a matéria a analisar
no presente caso, o reclamante está, por esta via, a deslocar o seu recurso para
o âmbito do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, o que,
no entanto, não lhe é permitido, nesta fase, fazer.
Para além disto, o que com utilidade se retira dessa reclamação é a confirmação
de que o acórdão recorrido não desaplicou qualquer norma regional, razão pela
qual é, na verdade, descabido o recurso interposto pelo recorrente ao abrigo da
alínea d) n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, mantendo a decisão de não
conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se em 20 UCs a taxa de justiça.
Lisboa, 29 de Março de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos