Imprimir acórdão
Processo n.º 909/04
1.ª Secção Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como reclamante A. e como reclamado o Ministério Público, foi proferida decisão, a fls. 77 e s., de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional. O ora reclamante pretendeu interpor este recurso, ao abrigo das alíneas a) e b), do nº 1, do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Março de 2004, que negou provimento aos recursos do arguido, confirmando as decisões do Tribunal de Júri da 5ª Vara Criminal de Lisboa.
2. Tendo o ora reclamante interposto recurso de constitucionalidade sem ter cumprido o disposto no artigo 75º-A da LTC, foi convidado a indicar os elementos em falta, ao abrigo e nos termos do disposto nº 5 deste artigo, por despacho do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2004, do qual destacamos:
'(…) A invocada al. a) refere-se às decisões que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade e a al. b) às decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Dispõe o Art.º 75.ºA. que, no requerimento de interposição de recurso, deve indicar-se a al. do n.º 1 do Art.º 70.º ao abrigo do qual é interposto o recurso e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie (n.º 1) e, perante a invocação da al. b), deve indicar-se a norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade (n.º2). Sucede que o recorrente não indica qual a norma cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade [al. a)] e qual a norma ou princípio constitucional que considera violado e a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade (n.º 2). Nem indica com clareza qual ou quais as normas cuja constitucionalidade pretende ver apreciadas no recurso que interpõe (…)'.
3. Da resposta do reclamante a este despacho, importa dar relevo ao seguinte:
'(…) no caso e no Acórdão proferido por esse V.S.T.J. foi feita uma interpretação ao disposto pelos Artigos 432°, alínea d), 433° e 434°, todos do Código de Processo Penal, que se deve ter por inconstitucional, por contender com o disposto no Artigo 32° n° 1, 2 e 9 da Constituição da República Portuguesa
(…).
4. De igual forma, e sempre do ponto de vista do Arguido, a interpretação feita e apresentada, no Acórdão de que ora se pretende recorrer, ao preceituado pelos Artigos 127°, 379º, n° 1 alínea c) e Artigo 410, n° 2 alínea c), todos do Código de Processo Penal, é ela, também, inconstitucional por contender com as garantias e direitos constitucionalmente consagrados em sede de 'garantias do Processo criminal';
5. Designadamente com o consignado sob os números 1, 2 e 9 do Artigo 32° da C.R.P.
6. Donde, a interpretação feita no Aresto, embora Douto, e aquele que é dada às supra mencionadas disposições legais, se demonstra ferida de inconstitucionalidade, por violação de tais preceitos.
7. Preceitos que, se interpretados, nos sentidos em que o foram, deverão ser tidos e declarados inconstitucionais por colidirem com o disposto na Lei Fundamental.
8. E, nestes termos deverá o presente Recurso, ser admitido, ordenando-se a sua subida ao V. Tribunal Constitucional;
9. Sendo nessa sede conhecidas e declaradas inconstitucionais as disposições processuais penais mencionadas - Artigos 432°, alínea d); 433°; 434°, 127°,
379º, n° 1 alínea c) e Artigo 410º, n° 2 alínea c), todos do Código de Processo Penal, se interpretadas, no sentido em que o foram, por esse V. S. Tribunal de Justiça, seja no sentido de não conhecer de questões que lhe foram submetidas a apreciação, por se considerar tratar-se de um Tribunal de revista e, as mesmas se limitarem ao âmbito do disposto no Artigo 127° do Código de Processo Penal, caso em que lhe não é, possível sindicá-las'.
4. Sobre a resposta do ora reclamante recaiu o despacho do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Julho de 2004, que concluiu o seguinte:
'O recorrente, apesar do convite endereçado, não veio indicar a norma cuja aplicação teria sido recusada por inconstitucionalidade. Daí que fique totalmente afastado o fundamento da alínea a) do art. 70.º n.º 1 da L O F T C. Quanto ao fundamento da alínea b) do mesmo artigo, não identificou o recorrente qual a peça processual em que suscitou a inconstitucionalidade das normas que agora indica, nem alega que a decisão recorrida constitui, nesse aspecto, uma decisão surpresa. E o certo é que o recorrente configurou o recurso para o S T J como de revista alargada, não suscitando na sua motivação o conhecimento pelo Supremo da questão de facto fora daquele enquadramento, designadamente com recurso ao dispositivo dos nºs 3 e 4 do art. 412.º do C P P, incluindo a sindicância do uso feito do art. 127.º do C P P. Nestes termos não admito o recurso para o Tribunal Constitucional'.
5. É deste despacho de não admissão do recurso interposto que A. vem agora reclamar, ao abrigo do disposto no artigo 76º, nº4, da LTC, alegando que:
'1. Com efeito, por Despacho exarado nos Autos a folhas 1379 a 1380, foi o Recorrente, ora Reclamante convidado, ao abrigo do disposto pelo n.° 5, do Artigo 75° A, da Lei do Tribunal Constitucional para, no prazo aí indicado, vir ao Processo indicar os elementos em falta (...).
3. Assim, convidado a fazê-lo, veio o ora Reclamante responder a tal convite, tudo conforme melhor consta do seu Requerimento enviado por fax a esse Tribunal em 04 de Julho de 2004, decorrendo do mesmo, salvo melhor opinião, e entre o mais ao que o Recorrente deveria completar e/ou aperfeiçoar, as normas jurídicas violadas e cuja inconstitucionalidade se suscitava, face à interpretação oferecida por esse V.S.T.J e para cujo teor se remete na íntegra. Não obstante, na óptica do Arguido e Recorrente oferecerem-se e indicarem-se os elementos em falta, nos termos do disposto pelo Artigo 75º A n° 5 da Lei em causa... Foi proferido o Despacho de não admissão de Recurso do qual, aqui, se reclama
(...)'.
6. Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se manifestou no sentido da reclamação carecer 'ostensivamente de qualquer fundamento sério', invocando os fundamentos que se seguem:
'Na verdade, fundando-se o recurso interposto simultaneamente nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, é manifesto:
- que o recorrente não identifica nenhuma norma cuja aplicação haja sido recusada, por inconstitucionalidade, no acórdão recorrido;
- no que respeita ao recurso alicerçado na referida alínea b), o recorrente não aproveitou a oportunidade processual que lhe foi conferida para completar o requerimento de interposição de recurso, mencionando os elementos exigidos pelo nº 2 do art. 75º A da mesma Lei, nomeadamente indicando a peça processual em que suscitou a questão de constitucionalidade, o que naturalmente determina a rejeição do recurso, nos termos do n.º 2 do art.º 76º'.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação Vem a presente reclamação interposta do despacho do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Julho de 2004, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na não indicação da norma cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade e da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade. Recurso interposto ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 70º da LTC. Com efeito, não obstante ter sido convidado a suprir as omissões constantes do requerimento de interposição de recurso, ao abrigo do disposto no artigo 75º-A, nº 5, da LTC, o reclamante continuou a não indicar a norma cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade ou ilegalidade e a peça processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade, não cumprindo os
ónus impostos pelos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da LTC. Como este Tribunal tem vindo a entender, 'o cumprimento destes ónus não representa simples observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes, o preenchimento de requisitos formais essenciais ao conhecimento do objecto do recurso' (cf. o Acórdão nº 200/97, não publicado, e, entre outros, o Acórdão nº 462/94, Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 1994, o Acórdão nº 243/97, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.
36º, p. 609, os Acórdãos nºs 137/99, 207/2000 e 382/2000, não publicados). E daí que a LTC faça corresponder à não satisfação dos requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento previsto no seu nº 5, a consequência do indeferimento do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional – artigo
76º, nº 2. Assim, como bem se decidiu no despacho reclamado, o recurso não pode ser admitido.
III. Decisão Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 de Janeiro de 2005
Maria João Antunes Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050001.html ]