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Processo n.º 418/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária, ao abrigo do n.º 1
do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
“1. A., expropriada nos autos de expropriação em que é expropriante ICOR –
Instituto para a Construção Rodoviária, inconformada com o acórdão do Tribunal
da Relação de Guimarães, de 16 de Março de 2005, que julgou improcedente o
recurso de apelação por si interposto – confirmando a sentença do Tribunal
Judicial de Arcos de Valdevez, que fixou a indemnização a apagar à expropriada
em € 5.826,66, actualizada nos termos do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do
Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2001, de 12 de Julho de 2001 –, dele veio
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do
nº 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, destinado à apreciação
da inconstitucionalidade material das normas constantes dos art.ºs 8º, n.º2,
23º, n.º1, 27º, n.º3, e 29º, n.º2 da Lei n.º 168/99, de 18/9, na interpretação
que lhes foi dada pelo referido aresto, a qual conduziu à aplicação de critérios
avaliativos que ofendem os princípios da igualdade da proporcionalidade e da
justa indemnização plasmados nos art.ºs. 13/1, 18/2 e 62/2 da C.R.P.
E, acrescenta, que a questão da inconstitucionalidade invocada foi expressa e
sucessivamente suscitada pela recorrente no decurso do processo e,
designadamente, em sede de requerimento de interposição de recurso da decisão
arbitral (cfr. P. ex., 11.6), de alegações finais produzidas ao abrigo do art.º
64 do Cód. Das Expropriações (cfr. 3.2.4.) e, bem assim, em sede de conclusões
produzidas na alegação da apelação que terminou com o douto acórdão recorrido
(cfr. P. ex., conclusão 8ª).
2. Entende-se não poder tomar-se conhecimento do objecto do recurso, sendo caso
de proferir decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º
28/82, por não ocorrerem os respectivos pressupostos de admissibilidade.
3. Com efeito, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade,
interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional, implica, para que possa ser admitido e conhecer-se do
seu objecto, a congregação de vários pressupostos, entre os quais a aplicação
pelo Tribunal recorrido, como sua ratio decidendi, de norma cuja
(in)constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta
norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação,
mediatizada pela decisão recorrida.
4. Porém, o recorrente não suscitou durante o processo, ou seja, de forma
processualmente adequada perante o Tribunal recorrido (n.º 2 do artigo 72.º da
LTC), qualquer questão de constitucionalidade reportada às normas e/ou
interpretações normativas aplicadas pelo acórdão recorrido, como se conclui da
análise das suas alegações da apelação, cujas conclusões se transcrevem:
«1ª A douta sentença recorrida errou na apreciação das provas, sendo certo que
do processo constam todos os meios probatórios concretos que impõem decisão
diversa da impugnada;
2ª Deve, por isso, o venerando Tribunal da Relação alterar e ampliar a decisão
sobre matéria de facto, ao abrigo do disposto no art.º 712/1/a) do C.P.C., nos
exactos termos que foram referidos supra em A.2.3., A.2.3.1., A.3.5., A.4.3.,
A.5.2., A.5.3., A.5.4. e A.5.5.
3ª Acresce que a douta sentença recorrida é ilegal, a vários títulos;
4ª Em primeiro lugar, ela é ilegal porque não classificou nem avaliou a Parcela
expropriada como solo apto para a construção, tendo assim violado,
designadamente, o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 25º do C.E. 99.
5ª Em segundo lugar, ela é ainda ilegal porque não atendeu ao prejuízo
decorrente da constituição de servidão “non aedificandi”, tendo assim violado o
disposto no art.º 29/2 do C.E. 99.
6ª Em terceiro lugar, ela é ilegal porque também não atendeu ao chamado prejuízo
ambiental decorrente da construção da obra da IC 28, tendo assim igualmente
violado o disposto no art.º 29/2 do C.E. 99.
7ª O único relatório e laudo apresentado pelos Srs. Peritos que está conforme à
lei e que está rigorosa e exaustivamente fundamentado é aquele que foi subscrito
pelo Eng. B., perito indicado pela Expropriada, sendo ainda certo que a
indemnização que foi atribuída por ele é tendencialmente susceptível de reparar
o dano integral infligido pela expropriação, o que vale por dizer que o valor
encontrado preenche a justa indemnização.
8ª Para além das violações já discriminadas supra, a douta sentença recorrida
violou ainda o disposto no art.º 23º do C.E. 99, sendo também notório que o
critério avaliativo que utilizou é ainda inconstitucional na medida em que
ofende os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização,
plasmados nos art.ºs 13/1, 18/2 e 62/2 da C.R.P., uma vez que o valor atribuído
é de tal modo baixo, irrisório e irrealista que é insusceptível de reparar o
dano integral infringido pela expropriação.»
5. Na verdade, o que o recorrente questionou perante o Tribunal da Relação, com
referência a normas ou princípios constitucionais foi a decisão judicial em si
mesma considerada, a qual considerou ser ilegal, por violar as normas do Código
das Expropriações cuja apreciação agora pretende em sede de recurso de
constitucionalidade, e por ter utilizado um critério avaliativo inconstitucional
(cfr. Conclusão 8ª), sem, contudo suscitar a inconstitucionalidade das normas
e/ou interpretações que sustentaram esse critério avaliativo.
Deste modo, não tendo sido acolhida pelo legislador nacional uma via de recurso
equiparável ao da acção constitucional de defesa dos direitos fundamentais ou ao
recurso de amparo, há que concluir pela impossibilidade de se tomar conhecimento
do objecto do recurso, por falta do referido pressuposto de admissibilidade.
6. Nestes termos, decide-se, ao abrigo do n.º1 do artigo 78.º-A da Lei n.º28/82,
de 15 de Novembro, não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de
conta.”
2. A recorrente reclama desta decisão, ao abrigo do n.º 3 do artigo
78.º-A da LTC, argumentando nos seguintes termos:
“3. Dispõe o artº 70/2 da Lei n° 28/82, de 15/11 que os recursos que tenham por
objecto a fiscalização concreta da constitucionalidade “só podem ser interpostos
pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
4. Significa isto que é requisito de apreciação pelo Tribunal Constitucional da
questão da inconstitucionalidade que essa mesma questão tenha sido suscitada
pelo recorrente de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido.
5. O objecto dos recursos perante os tribunais superiores é delimitado, como é
aliás jurisprudência pacífica, pelas conclusões da alegação do recorrente
(C.P.C., artº 684/3 e 690(1), sendo nelas sintetizados os fundamentos pelos
quais ele pede a revogação da decisão recorrida.
6. Nas conclusões da alegação do recorrente não é de exigir mais do que a
indicação sumária das questões que a parte põe em crise e pretende ver
sindicadas no seu recurso, sendo que o desenvolvimento dos fundamentos deste
não pode ser vasado nas respectivas conclusões sob pena de estas serem
complexas, havendo então lugar ao convite do relator para as sintetizar, nos
termos do artº 690/4 do C.P .C..
7. Vejamos então se a recorrente suscitou de modo processualmente relevante a
questão da inconstitucionalidade perante o tribunal da Relação de Guimarães.
8. Na conclusão 8ª (fls. 369v. e 370) o que a recorrente quis dizer no recurso
para a Relação de Guimarães (e que é seguramente o sentido que lhe é atribuído
por um declaratário normal colocado na posição da recorrente) foi que a sentença
de 1ª instância tinha feito uma interpretação redutora das normas do artº 8/2,
23/1 e 29/2 do Código de Expropriações de 99, aprovado pela Lei n° 168/99, de
18/9, na medida em que o critério ava1iativo utilizado, quer por aplicação
directa daquelas normas quer por desaplicação delas, conduziu à atribuição de
indemnizações parciais de valor baixo, irrisório e irrealista, insusceptíveis
de reparar o dano integral inflingido pela expropriação, o que, no entender da
recorrente, configura uma inconstitucionalidade material por ofensa aos
princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização,
plasmados nos artºs 13/1, 18/2 e 62/2 da C.R.P..
9. Conjugado o que a recorrente alegou na referida conclusão 8ª com o que
sustentou na alegação de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães (cfr.
B.1., a fls. 365) e que foi no sentido de que dava por reproduzido tudo o que
tinha antes sustentado em sede de Alegação apresentada ao abrigo do artº 64º do
C. Exp. 99, é de concluir que a recorrente e ora reclamante suscitou,
designadamente no n° 3.2.4., a fls. 308 v. e nas alíneas A. E B. do n° III do
requerimento de interposição de recurso de fls. 161 v. a 163 para as quais
remeteu, a questão da interpretação e da aplicação inconstitucional feita pela
sentença de 1ª instância (uma vez que aderiu de pleno ao relatório e laudo
maioritário) das normas dos artºs 8/2, 23/1 e 29/2 do C. Exp. 99, na medida em
que, não tendo atendido ao prejuízo decorrente da constituição de servidão “non
aedificandi” nem ao prejuízo ambiental, aquela sentença de lª instância acabou
por não indemnizar a expropriada pelo dano integral, do que resultou uma
violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa
indemnização, consagrados nos artºs 13/1,18/2 e 62/2 da C.R.P.”
3. Em síntese, a recorrente sustenta que a conclusão 8ª das alegações que
apresentou perante a Relação (acima transcrita), lida em conjugação com as
remissões nela implicadas para anteriores intervenções processuais, é suficiente
para que deva considerar-se cumprido o ónus de suscitar, perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, a questão de constitucionalidade das normas que
quer ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
3.1. Comecemos, então, por pôr em evidência essas peças processuais.
Na alínea B.1 (fls. 365) das alegações de recurso a recorrente,
depois de afirmar que a sentença de 1ª instância não deveria ter aderido ao
relatório e laudo maioritário dos peritos porque “estes contêm flagrantes
violações à lei, para além de se terem afastado de forma sensível do critério da
justa indemnização”, acrescentou o seguinte: fls. 365
“A este propósito, a Apelante aproveita para dar aqui por reproduzido tudo o que
sustentou já em sede da Alegação que apresentou ao abrigo do artº 64 do C.
Expropriações de 99 (C.E. 99);”
No n.º 3.2.4 das alegações produzidas perante o tribunal de comarca,
ao abrigo do artigo 64.º do Código das Expropriações, para onde esta referência
remete, a reclamante afirmou:
“3.2.4. Mas não foi só neste particular que aquele relatório e laudo maioritário
violaram a lei: é que, para além da invocada violação à lei ordinária, aquele
relatório e laudo também violaram a lei constitucional, na medida em que a
indemnização atribuída não é susceptível de reparar o dano integral que adveio
para a Expropriada, tendo assim postergado o princípio constitucional da justa
indemnização (C.R.P., artº 62).
Com efeito, aquele relatório e laudo maioritários não atenderam aos seguintes
prejuízos directamente decorrentes da expropriação:
a) Não atenderam ao decorrente da constituição de servidão “non aedificandi”; e
b) Não atenderam ao decorrente da depreciação das qualidades ambientais.
Sobre esta matéria a Expropriante remete para o que alegou já nas alíneas A e B
do n.º III do seu requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral,
permitindo-se apenas enfatizar agora, na esteira do que sustenta o Prof.
Fernando Alves Correia in R.L.J. ano 132, pag. 302, nota 61, a
inconstitucionalidade material do artº 8/2 do C. Exp. 99 por violação do
princípio da igualdade (C.R.P., artº 13/1) e do princípio da justa indemnização
por expropriação, entendida no sentido de expropriação de sacrifício ou
substancial (C.R.P., art.º 62/2).”
No último lugar desta invocada cadeia de remissões, nas alíneas A. E
B. (fls. 161v a 163) do recurso da decisão arbitral, a ora recorrente escreveu:
“A. DA SERVIDÃO ‘NON AEDIFICANDI’
Assim, de entre a primeira espécie de prejuízos incidentes sobre a área ou Parte
Sobrante do prédio que continua a pertencer à Expropriada assinala-se o
decorrente de aquela área sobrante ter ficado onerada com uma servidão “non
aedificandi”, pelo que a proprietária jamais poderá proceder nela à construção
urbana.
A constituição da dita servidão administrativa “non aedificandi”, apesar de
decorrer directamente da lei em consequência da construção do IC 28, confere à
Expropriada o direito a ser indemnizada do prejuízo especial e anormal que
irrecusavelmente sofre na respectiva esfera jurídica (neste sentido, vide Prof.
Fernando Alves Correia, in R.L.J., ano 132, pg. 302, nota 61, que advoga mesmo a
inconstitucionalidade material do artº 8/2 do Cod. Exp. 99, por violação do
princípio do Estado de direito democrático (C.R.P. artº.s 2º e 9/b)), do
princípio da igualdade (C.R.P., artº 13/1) e do princípio da justa indemnização
por expropriação, entendida no sentido de expropriação de sacrifício ou
substancial (C.R.P., artº 62/2).
Acresce que a atendibilidade deste prejuízo também decorre do disposto no artº
29/2 do Cod. Exp. 99, pelo que a Expropriante entende e defende que esta
desvalorização da parte sobrante decorrente da constituição da servidão “non
aedificandi” não poderá ser computada em valor inferior a
Esc. 20.000.000$00, correspondente a
€99.759,40 (Noventa e nove mil setecentos e cinquenta e nove euros e quarenta
cêntimos).
B. DO PREJUÍZO AMBIENTAL
1. O Sr. Perito Permanente destacou, na vistoria “ad perpetuam rei memoriam”,
que:
“A expropriação delimitada a sudoeste passa junto à casa de habitação da
proprietária, podendo as obras de construção da estrada afectar a sua
estabilidade. A habitação ficará necessariamente desvalorizada pois passará a
ter a poente uma estrada de grande tráfego, afectando a habitabilidade e a
qualidade de vida da expropriada”.
2. Ou seja, como é exemplarmente reconhecido pelo Sr. Perito Permanente, a
Expropriada possuía, antes da expropriação, uma moradia unifamiliar, onde sempre
viveu, que, pela sua localização, estava totalmente ao abrigo da poluição sonora
e atmosférica, detinha uma invejável qualidade ambiental, assim como
proporcionava uma excelente qualidade de vida, sendo certo que todas essas
características ou valências da Parte Sobrante ficaram anuladas ou desapareceram
em consequência da construção da obra do IC 28 que determinou a expropriação.
Na verdade, a moradia passou a confinar com o Nó rodoviário de acesso ao IC 28,
em Ponte da Barca, sendo notório que a elevada poluição sonora e atmosférica
provocadas pelo intenso tráfego rodoviário que passou a existir no local,
depreciaram acentuadamente os elevados níveis de bem-estar, sossego e repouso
que a Parte Sobrante proporcionava antas da expropriação e da construção da
estrada que aquela teve em vista.
3. A significativa diminuição dos níveis de qualidade ambiental provocados pela
confinância da moradia existente na Parte Sobrante com o Nó Rodoviário de acesso
ao IC 28 constitui um dano indemnizável (neste sentido, vide Ac. Rel. Évora,
11.3.93, C.J., Ano XVIII, 1993, tomo II, pg.261), sendo que a Expropriada
computa esse prejuízo em valor nunca inferior a
Esc. 10.000.000$00,
Corresponde a € 49,879,70 (Quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros
e setenta cêntimos).”
3.2 Não está aqui colocada uma questão de constitucionalidade
normativa perante o Tribunal da Relação, de modo a satisfazer a exigência do n.º
2 do artigo 72.º da LTC.
Em primeiro lugar, cumpre salientar que não basta ter sido
suscitada, num qualquer momento anterior do processo, uma questão que, em si
mesmo, pudesse ser objecto idóneo de apreciação pelo Tribunal Constitucional,
para que deva dar-se por verificado o pressuposto que agora se discute. O
sujeito processual que tenha suscitado determinada questão de
constitucionalidade em 1ª instância tem o ónus de voltar a colocá-la, de modo
processualmente adequado, perante o tribunal superior de cuja decisão pretenda
recorrer (ou, por força do ónus de esgotamento dos meios ordinários, possa
recorrer) para o Tribunal Constitucional. É exigência que anteriormente era
controvertida, mas que na actual redacção do n.º 2 do artigo 72.º da LTC,
resultante da Lei Orgânica n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, se tornou
indiscutível.
Em segundo lugar, importa lembrar que, como constitui jurisprudência
constante do Tribunal, só pode considerar-se suscitada a questão de
constitucionalidade de modo processualmente adequado se o interessado tiver
colocado o tribunal perante uma argumentação que seja referida à desconformidade
de determinada norma de direito ordinário com regras ou princípios
constitucionais e que apresente um mínimo de substanciação, de tal modo que o
tribunal saiba ou deva saber, antes de esgotado o seu poder jurisdicional sobre
a matéria que deva ser decidida por aplicação da norma cuja conformidade à
Constituição se quer pôr em causa, que tem uma questão dessa natureza para
decidir, isto é, que se pretende que faça uso do poder que lhe confere o artigo
204.º da Constituição e que, em consequência, recuse aplicação à norma (ou a
esse identificado sentido normativo), no caso concreto, com esse fundamento. A
colocação da questão de constitucionalidade deve ser clara, de tal modo que
possa dizer-se que a sua eventual não consideração na decisão constitua uma
infracção ao dever de conhecimento de todas as questões submetidas a apreciação,
exceptuadas aquelas cuja resolução esteja prejudicada, que o n.º 2 do artigo
660.º do Código de Processo Civil impõe ao juiz (Cfr. Também o n.º 2 do artigo
713.º do CPC). Não se exigem fórmulas sacramentais, mas é indispensável que se
confronte o juiz da causa – e também a contraparte, no exercício do
contraditório – com o problema de não poder aplicar determinada norma ( ou
determinado sentido dessa norma) sem afastar o obstáculo da sua desconformidade
com a Constituição.
Ora, a transcrita afirmação da alínea B.1 das alegações de recurso é
manifestamente insuficiente para satisfazer esta exigência. Com efeito, essa
referência insere-se nas afirmações introdutórias quanto ao “erro de direito” da
sentença do tribunal de comarca. A partir desse ponto, em que nada de
substancial é dito que possa valer como colocação de uma questão de
constitucionalidade, a recorrente passa à análise crítica da sentença. E não se
vislumbra, em todo esse texto que se segue, algo que possa chamar o Tribunal da
Relação a decidir uma questão de conformidade de quaisquer normas de direito
ordinário com a Constituição. Tudo se resume ao confronto da sentença, ou do
laudo pericial em que esta se apoiou, com normas de direito ordinário, que
considera violadas. Consequentemente, a conclusão 8.ª, que no seu teor literal
reporta a violação da Constituição ao “critério avaliativo” adoptado pela
sentença e não a quaisquer normas precisas, não pode ir buscar ao texto da
alegação matéria de que constitua proposição conclusiva no sentido da colocação
de uma questão de constitucionalidade normativa.
E esta constatação não é substancialmente abalada pelo recurso à
invocada cadeia de remissões para fases anteriores do processo. Ainda que fosse
entendido que essa referência remissiva era suficiente para satisfazer o ónus de
renovação da questão de constitucionalidade perante o tribunal superior – e, se
o fosse, só teria préstimo quanto à norma do n.º 2 do artigo 8.º do CE99, que é
o versado na opinião doutrinária em que faz presa – o que sempre fica é que a
questão de constitucionalidade que agora se quer submeter ao Tribunal nunca foi,
afinal, verdadeiramente suscitada no processo, em termos tais que sobre ela
devesse ter recaído decisão dos tribunais da causa. Efectivamente, a mera
referência, en passsant e para abonar o que se entende ser a melhor
interpretação e aplicação do direito ordinário à luz do princípio constitucional
da justa indemnização, a um artigo de doutrina ou de crónica jurisprudencial
sobre a indemnizabilidade da diminuição de valor das partes sobrantes decorrente
de servidões non aedificandi constituídas na sequência de um processo
expropriativo, sem a precisa indicação do sentido que, no caso, se tem por
inconstitucional, não é modo processualmente adequado de suscitar uma questão de
constitucionalidade.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação e condenar a
reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) Ucs, sem prejuízo
do benefício de apoio judiciário.
Lisboa, 6 de Março de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício