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Processo nº 178/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é
reclamante A. e reclamado o Ministério Público, vem o primeiro reclamar,
conforme previsto no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido naquele
Tribunal, em 26 de Janeiro de 2006, que decidiu não admitir recurso interposto
para o Tribunal Constitucional.
2. No dia 13 de Dezembro de 2005, foi proferido nos autos que originaram a
presente reclamação, e em que é arguido o ora reclamante, acórdão pelo qual o
Tribunal da Relação de Évora decidiu rejeitar recurso interposto para aquele
tribunal pelo arguido, por se ter entendido que o recorrente, convidado por
despacho a formular conclusões de que o recurso carecia, não procedeu à síntese
da motivação que apresentara inicialmente, limitando-se a reformular aquela
motivação, a numerar os comentários elaborados, apresentando-os como
“conclusões”.
3. Notificado do teor do acórdão, o arguido apresentou então o seguinte
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional:
«A., Recorrente nos autos em epígrafe referenciados, notificado que foi do douto
Acórdão proferido nos mesmos, porque com o mesmo não se pode conformar vem mui
respeitosamente, nos termos do disposto na al.s b) f) e g) do n,º 1 do art.º
70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, requerer interposição de recurso para
o Tribunal Constitucional, com os efeitos e regime de subida que Vossas
Excelências certa e Doutamente fixarão».
4. Sobre tal requerimento recaiu o despacho agora reclamado, com o seguinte
teor:
«A decisão recorrida rejeitou o recurso do recorrente, pelo que não foi
aplicada, naquela sede, qualquer norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada por via de recurso para esta Relação.
Nesta conformidade, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 75-A, nº 2 e
76º nº 2 da Lei 28/82 de 15 de Novembro, indefere-se o requerimento de recurso».
5. O recorrente reclamou deste despacho, com a fundamentação que aqui se
transcreve:
«1 - No dia 23.9.2004, o ora Reclamante interpôs recurso para o Tribunal da
Relação de Évora de sentença proferida em processo comum singular (227/01.8
GDFAR) pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Faro;
2 - Tal recurso foi admitido, com subida imediata, por despacho proferido a fls.
217 em 25.11.2004;
3 - Por Douto despacho proferido em 7.6.2005, pelo Excelentíssimo Senhor Doutor
Juiz-Desembargador, Relator, foi o ora reclamante notificado para apresentar as
conclusões do recurso interposto. Sendo verdade que, por mero lapso nosso - pelo
qual humildemente nos penitenciamos - o recurso interposto não continha as
imprescindível conclusões. Posteriormente,
4- Em 24.6.2005, O ora Reclamante apresentou então as conclusões, tal como
Doutamente determinado por Douto despacho que havia convidado a tal acto. Fê-lo,
5 - Apresentando as seguintes conclusões (…)
6 – Salvo mais Douta opinião, não se vislumbra que não se tenha cumprido
integral e intransigentemente a determinação para formular conclusões. Ainda que
as conclusões apresentadas, na Douta opinião da Veneranda Relação de Évora,
7 – Não cumprissem com todas as obrigações decorrentes do art.º 412.º do CPP, no
nosso humilde entendimento sempre se devia ter lançado mão do entendimento
vertido no Acórdão desse Alto Tribunal n.º n.º 323/03, de 2.7.2003, proferido no
Processo n.º 195/03 pela 2.ª Secção (Ac. publicado em
www.tribconstitucional.pt/jurisprudencia.htm). Ou seja,
8 – Entendemos nós que, sem perder de vista a Douta Jurisprudência vertida no
Douto Acórdão supra citado, se não for o recorrente notificado para indicar as
conclusões, o despacho que rejeite o recurso por esse motivo, tornam-se as
normas vertidas nos art.ºs 411.º, n.º 3, 412.º, n.º 1, e 420.º do Código de
Processo Penal, segundo a qual deve ser liminarmente rejeitado o recurso do
arguido cuja motivação não contenha conclusões, sem previamente se lhe facultar
o suprimento dessa omissão, por violação do artigo 32.º, n.º 1 da CRP. Ora, por
maioria de razão, e pelo mesmo raciocínio,
9 – Também há-de violar o disposto no art.º 32.º n.º 1 da CRP, o entendimento
segundo o qual, para cumprir com o disposto nos art.ºs 412.º e 420.º n.º 1,
ambos do CPP, o Recorrente tem que adivinhar qual a exacta extensão que o
Tribunal de Recurso considera adequada para cumprir com tais normas. No nosso
humilde entendimento,
10 – No caso de entender o Tribunal de Recurso que as conclusões apresentadas
são demasiado extensas, antes de rejeitar o recurso, a fim de ser observado o
disposto no art.º 32.º n.º 1 da CRP, deverá indicar ao recorrente o sentido
concreto que entende ser adequada a extensão das conclusões, bem como entende
que adequadamente as mesmas sejam suficientemente claras e sintéticas. Pois que,
11 – Se assim não for, obviamente que o recorrente se poderá sempre ver na
contingência de todas as conclusões serem sempre “pouco sintéticas” ou “muito
extensas”. Ou seja, sistematicamente, fica a possibilidade de se ver um recurso
ser rejeitado por as conclusões não serem as que o Tribunal e Recurso entende
ser adequadas. Por muita razão que tenha!
12 – Com todo o respeito, que é muito, o Alto Tribunal da Relação de Évora, não
podia tomar a decisão que tomou, pois que a mesma é uma manifesta
“decisão-surpresa”, pois que o Recorrente nunca soube, em termos de “extensão”
ou “sintetização”, qual a forma de formular, para aquele Julgador em concreto,
adequadamente as suas conclusões.
13 – Por outro lado, tudo o que extravasar a matéria cognoscível pelo Tribunal
de recurso, sempre se poderá e deverá ter como não escrito. Rejeitar tudo, sem
mais, é que não os parece ser a solução mais adequada para interpretar os
preceitos contidos nos art.ºs 412.º e 420.º n.º 1 do CPP, à luz do art.º 32.º
n.º 1 da CRP, sob pena de violação do direito ao recurso.
14 – Por outro lado, e uma vez que a matéria sobre a qual havia incidido o
recurso sobre (in)constitucionalidade normativa, foi expressamente suscitada nos
seguintes termos - sic:
Violação da Constituição:
O despacho de aprovação do IPQ publicado no DR III Série, n.º 233 de 25/9/96 e
DR III, n.º 54 de 5/98, bem como o despacho n.º 001/DGV/98 de 6 de Agosto,
sempre que aplicados em momento posterior à entrada em vigor da Portaria n.º
1006/98, de 30.11, porque contrários às normas nesta contidas, violam normas
constitucionais, v.g., 266.º, n.º 2, ou mesmo o princípio da plenitude da ordem
jurídica (não podem actos da administração pública prevalecer sobre actos
normativos, designadamente Portarias).
O Tribunal a quo ao fazer prevalecer os supra citados despachos da administração
pública (aprovação pelo IPQ e autorização pela DGV) sobre um Decreto
Regulamentar (in casu, 24/98, de 30.10), viola o disposto nos art.ºs 204.º e
205.º da CRP.
Com o devido respeito por eventual opinião diversa, no nosso ordenamento
jurídico é totalmente inadmissível que se julgue que existem normas legais
(previstas em Portarias ou Decretos normas Regulamentares) que tenham carácter
meramente indicativo ou facultativo. Se assim for, será o mesmo que reconhecer o
direito a cada um de nós cidadãos, também escolhermos as normas que consideremos
meramente indicativas. Lá se ia de vez o nosso Estado de Direito!
Resumindo e concluindo,
a) A decisão ora reclamada, configura uma verdadeira “decisão-surpresa”, pois
que, nunca o recorrente teve oportunidade de saber previamente, segundo o Alto
critério do Tribunal de recurso, qual a “extensão” e “sintetização” adequadas ao
cumprimento do art.º 412.º do CPP. Razão pela qual,
b) Antes de ser o recurso rejeitado, devia o recorrente ser convidado a corrigir
as deficiências das conclusões, pois que só assim se cumpria o disposto no art.º
32.º n.º 1 da CRP. Ou seja,
c) A interpretação normativa dada aos art.ºs 412.º e 420.º n.º 1 do CPP, bem
como a “decisão-surpresa” de rejeição do recurso, violam o direito ao recurso
constitucionalmente consagrado no art.º 32.º n.º 1 da CRP.
d) Por outro lado, a considerarem-se as conclusões demasiado extensas, sempre
algumas delas se poderiam ter como não escritas, logo, não sujeitas a que o
Tribunal de recurso sobre elas se tivesse que pronunciar ou conhecer. Sempre
seria uma solução mais adequada com o art.º 32.º n.º 1 da CRP.
Assim, nos termos das razões e fundamentos supra apontados, deverá ser anulado o
douto despacho proferido a fls. 302, substituindo-se o mesmo por outro que
admita o recurso interposto para esse Alto Tribunal (…)».
6. Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou pela forma seguinte:
«A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, o recorrente, ao interpor o recurso de constitucionalidade, não
cumpriu minimamente o ónus de nele incluir os requisitos exigidos pelo art.
75º-A da Lei nº 28/82 – sendo certo que não compete a este Tribunal, no âmbito
da presente reclamação, convidá-lo a suprir tal deficiência.
Por outro lado, nem sequer tais elementos resultam do teor da reclamação
apresentada, não tendo o reclamante aproveitado tal impugnação para dar
cumprimento adequado ao dito preceito legal – particularmente, indicando a
concreta dimensão ou interpretação normativa que pretendia questionar, por essa
via delimitando o objecto do recurso que havia, de modo deficiente, interposto.
Importa salientar que, no caso dos autos, o recorrente já havia beneficiado, na
Relação, de oportunidade processual para suprir os vícios da motivação do
recurso interposto, sendo convidado a integrar naquela peça processual as
conclusões que havia omitido – e sendo inquestionável que o princípio
constitucional das garantias de defesa não implica que ao recorrente devam ser
formulados sucessivos convites ao suprimento de deficiências que, de forma
indesculpável, inquinam as peças processuais que sucessivamente vai produzindo».
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
Analisado o teor do requerimento pelo qual o ora reclamante intentou interpor
recurso para o Tribunal Constitucional (ponto 3. do Relatório), resulta
manifesto que esta peça processual não observa, de todo, os requisitos
constantes do artigo 75º-A, da LTC, como bem assinala o Ministério Público.
Em relação aos recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da
LTC, no requerimento de interposição de recurso não é indicada a norma ou
princípio constitucional ou legal que se considera violado nem a peça processual
em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade
(nº 2 do referido artigo 75º-A) – aspecto destacado na decisão reclamada –, nem
tão pouco é indicada a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se
pretende que o Tribunal aprecie (nº 1 do mesmo preceito).
Relativamente ao recurso previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC, não
foi identificada a decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão
Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional ou ilegal a norma
aplicada pela decisão recorrida (nº 3 do artigo 75º-A).
O reclamante não cumpriu, pois, o disposto nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 75º-A da
LTC. Como este Tribunal tem vindo a entender, “o cumprimento destes ónus não
representa simples observância do dever de colaboração das partes com o
Tribunal; constitui, antes, o preenchimento de requisitos formais essenciais ao
conhecimento do objecto do recurso” (cf. o Acórdão nº 200/97, não publicado, e,
entre outros, o Acórdão nº 462/94, Diário da República, II Série, de 21 de
Novembro de 1994, o Acórdão nº 243/97, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.
36º, p. 609, os Acórdãos nºs 137/99, 207/2000 e 382/2000, não publicados). E daí
que a LTC faça corresponder à não satisfação dos requisitos do artigo 75º-A, a
consequência do indeferimento do requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional (artigo 76º, nº 2, da LTC).
Assim sendo, o recurso não pode ser admitido.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 14 de Março de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício