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Processo n.º 952/04
1.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 621 e seguintes, não se tomou conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A. e mulher, pelos seguintes fundamentos:
“[...] Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (supra, 6.), constitui seu pressuposto processual a invocação pelo recorrente, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Considera-se, nos termos do artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei, que tal pressuposto só se encontra preenchido se o recorrente tiver suscitado a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. Ora, no presente processo, verifica-se que os recorrentes só suscitaram uma questão de inconstitucionalidade (sem, aliás, a terem reportado a qualquer norma legal em concreto), no requerimento em que pediram a aclaração e arguiram nulidades do acórdão ora recorrido (supra, 5.). Fizeram-nos, pois, num momento em que já se havia extinguido o poder jurisdicional do tribunal recorrido, pois que o acórdão que julgou a causa já havia sido proferido (cfr. artigo 666º do Código de Processo Civil). Dito de outro modo, fizeram-no num momento em que a questão de inconstitucionalidade
(que agora reportam ao artigo 456º do Código de Processo Civil, mas que na altura, repete-se, nem sequer reportaram a qualquer norma legal em concreto), já não podia ser conhecida pelo tribunal recorrido. Os recorrentes não cumpriram, assim, o ónus a que se referem os artigos 70º, n.º
1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, não se mostrando preenchido um dos pressupostos processuais do presente recurso. Consequentemente, não pode o Tribunal Constitucional dele tomar conhecimento.
[...].”
2. Notificados desta decisão sumária, A. e mulher dela vieram reclamar para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando o seguinte (fls. 639 e seguintes):
“[...] AS RAZÕES DA RECLAMAÇÃO;
1. Apreciando o requerimento de arguição nulidade, onde voltaram a reproduzir-se as razões que já haviam sido alegadas nas alegações da Apelação, o douto acórdão proferido pela Relação não justifica a razão da condenação dos recorrentes como litigantes de má fé.
2. O requerimento em que se arguiu a nulidade da Apelação, por falta de fundamentação, é ainda peça processual capaz de abarcar a suscitação da questão da constitucionalidade do artigo 456° do CPC quando interpretado no sentido de que não ocorre nulidade, apesar de faltar, de todo, qualquer fundamentação
(objectivamente inteligível, perceptível, justificada e lógica) para a conclusão de que a não prova dos factos alegados é suficiente para a conclusão de que se actua com negligência grave e se deduziram pretensões cuja falta de fundamento não se devia ignorar, pressuposto da condenação como litigantes de má fé.
3. O requerimento em que se arguiu a nulidade e/ou aclaramento da Apelação, por falta ou grosseira ininteligibilidade de fundamentação, é ainda peça processual capaz de abarcar a suscitação da questão da constitucionalidade do disposto no artigo 456° do CPC, na interpretação segundo a qual, a não prova dos factos alegados é suficiente para a conclusão de que se actua com negligência grave e se deduziram pretensões cuja falta de fundamento não se devia ignorar, pressuposto da condenação como litigantes de má fé.
4. É manifesto que a inconstitucionalidade de tal norma, se reconhecida no acórdão que apreciou o requerimento de arguição de nulidade e/ou aclaramento determinaria o suprimento da nulidade arguida, determinaria o provimento, pelo menos em parte, da Apelação e, por isso, era da máxima relevância.
5. Finalmente, salvo o devido respeito, do facto de o acórdão de proferido pela Relação não tomar – até tomou! – conhecimento da inconstitucionalidade da norma suscitada no requerimento que apreciou, não resulta a preclusão do recurso para o Tribunal Constitucional questão é que a norma inconstitucional tenha sido aplicada, como o foi. EM CONCLUSÃO, parece demonstrado que a questão da constitucionalidade foi suscitada oportunamente, se for reconhecida – como deve – terá o máximo reflexo na decisão proferida pela Relação, ao ponto de inverter a respectiva conclusão e o direito ao recurso constitucional exige a suscitação da inconstitucionalidade das normas no tribunal recorrido e a aplicação destas, mas não exige o conhecimento da questão da inconstitucional no recorrido [assim, no original]. Pelo que, decidindo no sentido do conhecimento do recurso VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO JUSTIÇA.
[...].”
Os recorridos não responderam (fls. 648).
Cumpre apreciar.
II
3. Na decisão sumária ora impugnada (supra, 1.), concluiu-se no sentido do não conhecimento do objecto do recurso para o Tribunal Constitucional em virtude do não cumprimento, pelos recorrentes, do ónus a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional. Considerou-se, em síntese, que os recorrentes só haviam suscitado uma questão de inconstitucionalidade num momento em que tal questão já não podia ser conhecida pelo tribunal recorrido e que, além disso, não reportaram a questão de inconstitucionalidade a qualquer norma legal em concreto.
Assim sendo, a presente reclamação só poderia proceder se os reclamantes lograssem demonstrar que, contrariamente ao sustentado na decisão sumária, haviam suscitado a questão de inconstitucionalidade num momento em que tal questão ainda podia ser conhecida pelo tribunal recorrido e que, além disso, a questão de inconstitucionalidade tinha sido reportada a uma concreta norma legal.
Sucede, porém, que os reclamantes não fizeram tal demonstração. Na verdade, limitaram-se a referir que o requerimento em que haviam arguido a “nulidade da Apelação, por falta de fundamentação”, bem como o requerimento em que haviam arguido a “nulidade e/ou aclaramento da Apelação, por falta ou grosseira ininteligibilidade de fundamentação”, eram ainda peças processuais capazes de
“abarcar a suscitação da questão da constitucionalidade”, sem explicarem minimamente as razões desta asserção.
As restantes considerações tecidas pelos reclamantes não se relacionam sequer com o teor da fundamentação da decisão sumária, pelo que são irrelevantes para a sua apreciação no presente contexto.
Não tendo os reclamantes abalado a fundamentação da decisão sumária reclamada, não existem motivos para a sua revogação.
III
4. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária reclamada que não tomou conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 19 de Janeiro de 2005
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050031.html ]