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Processo n.º 877/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A. e B. e mais seis requerentes requereram, no Tribunal
do Trabalho de Lisboa, contra C., L.da, e D., ACE, providência cautelar de
suspensão de despedimento, aduzindo, em suma, o seguinte: (i) os requerentes
celebraram com a primeira requerida contratos de trabalho temporário, mediante
os quais passaram a prestar trabalho a diversas empresas utilizadoras, todas
pertencentes ao grupo de sociedades do Banco E., sendo que, pelo menos a partir
de Fevereiro de 2003, prestaram o seu trabalho à segunda requerida (com excepção
de uma requerente, que celebrou contrato de trabalho temporário com a primeira
requerida em 29 de Julho de 2003 e, desde então, prestou trabalho à segunda
requerida); (ii) apesar de os recibos de retribuição serem emitidos pela
primeira requerida, os requerentes prestaram trabalho sob as ordens, direcção e
fiscalização da segunda requerida, sem que existisse qualquer contrato de
utilização e, mesmo que existisse, o mesmo teria sido celebrado fora dos casos
tipificados no artigo 90.º do Decreto‑Lei n° 358/89, de 17 de Outubro; (iii) em
1 de Julho de 2004 foi celebrado, entre a primeira e a segunda requeridas,
contrato de prestação de serviços, mediante o qual a primeira requerida se
obrigava a desempenhar determinadas tarefas junto da segunda requerida, sua
cliente; (iv) porém, tal contrato não é um contrato de utilização de trabalho
temporário; (v) inexistindo contrato de utilização de trabalho temporário
celebrado entre a primeira e a segunda requeridas, nos termos do artigo 11.º do
Decreto‑Lei n° 358/89, e tendo os trabalhadores continuado ao serviço da
segunda requerida, sem que tivessem celebrado qualquer contrato com esta última
que legitimasse essa prestação de trabalho, tem aplicação o disposto no artigo
10.º do referido diploma legal, ou seja, os requerentes são considerados como
trabalhadores da segunda requerida, por tempo indeterminado; (vi) no dia 3 de
Janeiro de 2005, quando se preparavam para reentrar ao serviço nas instalações
da segunda requerida, os requerentes foram impedidos de entrar pelo “segurança”
e foi‑lhes comunicado que, por ordens da direcção, os requerentes estavam
impedidos de entrar nas instalações da segunda requerida, pois já não
trabalhavam para a mesma; (vii) tal constitui, no entender dos requerentes, um
despedimento ilícito, uma vez que não foi invocada pela entidade empregadora
alguma das causas de caducidade do contrato de trabalho, não foi promovido o
seu despedimento com justa causa, nem foi sequer instaurado procedimento
disciplinar – pelo que requereram que seja decretada a suspensão do
despedimento de que foram alvo por parte da segunda requerida.
Mais aduziram os requerentes – para a hipótese de se vir
a concluir pela inexistência de vínculo laboral entre eles e a segunda
requerida – que: (i) considerando‑se que tinham um contrato de trabalho com a
primeira requerida, na medida em que os contratos de trabalho temporário que com
ela celebraram não contêm a menção concreta dos factos e circunstâncias que
integravam esse motivo e, por outro lado, foram objecto de mais do que duas
renovações ou duraram mais do que três anos, pelo que se converteram em
contratos de trabalho sem termo, o que foi admitido pela primeira requerida;
(ii) no dia 3 de Janeiro de 2005 foi comunicado pela primeira requerida aos
requerentes que estes já não eram seus trabalhadores, tendo‑lhes sido recusada
a prestação de trabalho por alegadamente a posição de entidade empregadora se
ter transmitido para uma outra sociedade denominada Redware; (iii) tal recusa
consubstancia um despedimento de facto ilícito – pelo que requereram
subsidiariamente que fosse decretada a suspensão do despedimento de que foram
alvo por parte da primeira requerida.
A providência requerida foi liminarmente indeferida, por
despacho de 14 de Janeiro de 2005, do Juiz do 3.º Juízo do Tribunal do Trabalho
de Lisboa, com a seguinte fundamentação:
“Há que apreciar, liminarmente, se o procedimento cautelar instaurado se adequa
à situação dada a conhecer pelos requerentes (cf. artigos 234.º‑A, n.º 1, e
234.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo
1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho e ainda artigo 32.º,
n.º 1, corpo, do Código de Processo do Trabalho).
O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de fixação de jurisprudência n.°
1/2003, de 1 de Outubro de 2003, publicado no Diário da República, I Série‑A,
de 12 de Novembro de 2003, pág. 7647 e seguintes, pronunciou‑se sobre o âmbito
de aplicação do procedimento cautelar de suspensão de despedimento. Aí se
pondera que «a concessão da providência cautelar tem de se bastar com uma
summario cognitio da situação através de um procedimento – o procedimento
cautelar – simplificado e rápido. Ou, por outras palavras, tem de se contentar
com a existência de fumus boni juris. A necessidade de celeridade e a natureza
provisória de providência cautelar sobrepõem‑se, necessária e inelutavelmente,
a um mais profundo e necessariamente mais moroso apuramento da existência,
natureza e dimensão do direito a tutelar, o que só é praticável na acção de que
o procedimento cautelar é dependente. Na vigência do CPT de 1981, era
entendimento comum, jurisprudencial e doutrinalmente, que o procedimento
cautelar de suspensão de despedimento só era admissível quando se verificassem
cumulativamente dois pressupostos: a inquestionável existência de um contrato de
trabalho entre requerente e requerido e a existência de inequívoco despedimento
levado a cabo pela entidade patronal. Daqui a inadmissibilidade da providência
nos casos em que as partes questionassem a natureza jurídica do contrato (de
trabalho ou de prestação de serviços) ou a qualificação da causa da sua cessação
(caducidade ou despedimento).» Face ao novo Código de Processo do Trabalho,
aprovado pelo Decreto‑Lei n° 480/99, de 9 de Novembro, o STJ considera não haver
razões para alterar esse entendimento. Segundo o STJ, o facto de no artigo 35.°
do Código de Processo do Trabalho se passar a autorizar a produção de outras
provas, que não a meramente documental, nos casos em que se invoque um
despedimento não antecedido de processo disciplinar, «apenas facilita a
constatação da existência do despedimento e não a indagação sobre se, invocada
outra causa para cessação da relação laboral pela entidade empregadora, ela é
ou não real e, se o não for, se não se está perante um verdadeiro despedimento
que, como tal, seja merecedor da providência cautelar da sua suspensão». Assim,
o STJ adere à jurisprudência contida no acórdão fundamento – do Tribunal da
Relação de Lisboa, de 6 de Março de 2002 – segundo a qual a providência cautelar
de suspensão de despedimento «só pode ser requerida e concedida quando for
indiscutível a existência de um contrato de trabalho a que a entidade
empregadora pôs fim por despedimento e não por invocação de qualquer outra
causa de cessação da relação laboral, por exemplo, por caducidade».
Daí que o Supremo Tribunal de Justiça tenha uniformizado a jurisprudência no
sentido de que «o trabalhador despedido (individual ou colectivamente) pode
socorrer‑se do procedimento cautelar de suspensão de despedimento desde que
esta seja a causa invocada pela entidade patronal para cessação da relação
laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um
despedimento».
No caso dos autos, os requerentes dizem que foram objecto de
despedimento, sem justa causa nem antecedência de processo disciplinar, por
parte da sua entidade patronal, a segunda requerida. Só que essa é uma conclusão
jurídica que retiram a partir de uma situação complexa e controvertida, que
descrevem, que se inicia pela celebração de contratos de trabalho temporário
entre os requerentes e outra entidade (a primeira requerida), com base nos quais
os requerentes foram colocados a prestar trabalho para a segunda requerida. Em
parte alguma os requerentes alegam que entre eles e a suposta entidade
patronal, a segunda requerida, foi celebrado voluntária e conscientemente um
contrato de trabalho, ou que a segunda requerida se assumiu como sua entidade
patronal, ou seja, aceitou que entre os requerentes e a segunda requerida
vigorava um contrato de trabalho. Assim, também não resulta dos factos alegados
pelos requerentes que a recusa da segunda requerida em continuar a receber o seu
trabalho constituiu a manifestação de intenção, por parte da segunda requerida,
de os despedir, ou seja, de pôr termo a uma relação de trabalho subordinado
existente entre ela e os requerentes. Em vez da simples análise sobre se os
trabalhadores foram despedidos pela entidade empregadora sem antecedência de
processo disciplinar, ou mediante um processo disciplinar nulo, ou sem justa
causa, a qual constitui o objecto do procedimento cautelar de suspensão de
despedimento individual (artigo 39.º, n.º 1, do Código de Processo do
Trabalho), nestes autos os requerentes começam por forçar a indagação de
questões prévias e controvertidas, como é a da própria existência de um contrato
de trabalho entre os requerentes e a segunda requerida, contra quem é proposto
o procedimento cautelar a título principal. Prevendo a eventualidade de a
resposta a essa indagação lhes ser desfavorável, então os requerentes
apresentam, como questão a investigar subsidiariamente, e que também ela é
controvertida, que é a de os contratos de trabalho temporário celebrados com a
primeira requerida se terem convertido em contratos de trabalho sem termo e de
a declaração de não aceitação de trabalho por parte da primeira requerida
constituir um despedimento.
O objecto do litígio apresentado pelos requerentes a este tribunal não se
coaduna com a natureza e o objecto próprios do procedimento cautelar de
suspensão de despedimento, conforme constitui jurisprudência obrigatória fixada
pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Conforme se acrescenta no citado acórdão do STJ, «se não se puderem socorrer do
procedimento cautelar de suspensão do despedimento – singular ou colectivo – não
deixam os trabalhadores de poder obter uma adequada providência cautelar,
através dos procedimentos cautelares – comum e especificados – regulados no
Código de Processo Civil, e que, pela natureza do conflito, sejam aplicáveis no
foro laboral». Para tanto terão de alegar os respectivos pressupostos,
nomeadamente a ocorrência de «lesão grave e dificilmente reparável ao seu
direito», que a providência possa adequadamente evitar (artigo 381.º n.° 1, do
Código de Processo Civil) – lesão essa que, aliás, neste procedimento cautelar
os requerentes não alegaram.”
Os requerentes agravaram deste despacho para o Tribunal
da Relação de Lisboa, terminando as respectivas alegações com a formulação das
seguintes conclusões:
“1. A decisão recorrida, ao interpretar o artigo 39.° do Código de Processo do
Trabalho no sentido segundo o qual a providência cautelar de suspensão de
despedimento só pode ser requerida e concedida quando seja indiscutível a
existência de um contrato de trabalho a que a entidade empregadora tenha posto
fim por despedimento e não por invocação de qualquer outra causa de cessação da
relação laboral, é manifestamente inconstitucional, por violação dos artigos
20.º, 13.º e 53.º da Constituição da República Portuguesa.
2. O artigo 39.° do CPT, interpretado de acordo com a Constituição, jamais
poderia excluir do seu campo de aplicação relações laborais e despedimentos
encapotados igualmente merecedores de uma tutela jurisdicional efectiva e
cautelar.
3. A interpretação do artigo 39.°, n.° 1, do CPT, levada a cabo pelo tribunal a
quo, acaba por criar uma desigualdade de cariz substantivo: Passa a haver
trabalhadores de 1.ª, que merecem a tutela cautelar do seu direito,
constitucionalmente consagrado, de proibição dos despedimentos sem justa causa,
e os outros trabalhadores, que, por terem sido vítimas das manobras fraudulentas
da entidade patronal, não são merecedores de tutela cautelar.
4. Tal interpretação da lei desemboca, inelutavelmente, numa clara violação do
direito à igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13.° da CRP.
5. O Tribunal da Relação de Lisboa deverá, pois, em sede de fiscalização
concreta da constitucionalidade, desaplicar a norma resultante da errónea
interpretação que foi dada ao artigo 39.°, n.º 1, do CPT pelo Tribunal a quo.
6. Nem se diga, como faz o Tribunal a quo, que tais trabalhadores não ficam
desprotegidos uma vez que «se não se puderem socorrer do procedimento cautelar
de suspensão de despedimento – singular ou colectivo –, não deixam de poder
obter uma adequada providência cautelar, através dos procedimentos cautelares –
comum e especificados – regulados no Código de Processo Civil e que, pela
natureza do conflito, sejam aplicáveis no foro laboral».
7. Com efeito, em tais casos, não é possível invocar o perigo de lesão, uma vez
que, como vai sendo uma constante na nossa jurisprudência, «Se essa cessação foi
ilegal, então o direito do requerente já sofreu a lesão que tinha que sofrer,
não sendo concebível, pela própria natureza das coisas, o perigo de ocorrerem
novas violações».
8. Mal andou a decisão recorrida quando refere: «Em parte alguma os requerentes
alegam que entre eles e a suposta entidade patronal, a segunda requerida, foi
celebrado voluntária e conscientemente um contrato de trabalho, ou que a
segunda requerida se assumiu como a sua entidade patronal, ou seja, aceitou que
entre os requerentes e a segunda requerida vigorava um contrato de trabalho».
9. Bastará atentar ao alegado pelos ora agravantes nos artigos 111.º e seguintes
da petição de providência cautelar apresentada, para facilmente concluir que os
agravantes, contrariamente ao que é afirmado na decisão recorrida, não se
limitaram a invocar uma conclusão jurídica.
10. Invoca ainda a decisão recorrida: «(...) também não resulta dos factos
alegados pelos requerentes que a recusa da requerida em continuar a receber o
seu trabalho constituiu a manifestação de intenção, por parte da segunda
requerida, de os despedir, ou seja, de pôr termo a uma relação de trabalho
subordinado existente entre ela e os requerentes».
11. Bastaria atentar no alegado pelos agravantes nos artigos 137.° e seguintes
da petição de providência cautelar, maxime no alegado pelos agravantes no
artigo 139.°, para que o Tribunal a quo se desse conta da falta de pertinência
da questão suscitada.
12. Ao julgar manifestamente improcedente a petição de providência cautelar
requerida pelos agravantes, a decisão recorrida procedeu a uma errada
interpretação do disposto no artigo 234.º‑A do Código de Processo Civil.
13. Com efeito, a decisão recorrida não poderia ter julgado a providência
cautelar inevitavelmente vetada ao fracasso antes de ouvidas as requeridas e
produzida prova sumária dos factos alegados.
14. Por outro lado, a decisão recorrida, ao indeferir liminarmente a petição
de providência cautelar, acolhendo a tese segundo a qual a providência cautelar
só pode ser requerida e concedida quando for indiscutível a existência de um
contrato de trabalho a que a entidade empregadora pôs fim por despedimento e
não por invocação de qualquer outra causa de cessação da relação laboral, não
permitindo a produção de prova sobre os factos invocados pelos agravantes,
procedeu a uma errada interpretação dos artigos 35.º e 39.°, n.° 1, do CPT,
violando as referidas normas legais.”
A este recurso foi negado provimento pelo acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Julho de 2005, com a seguinte
fundamentação:
“Afigura‑se nos que a decisão recorrida não merece qualquer censura,
sendo acertada.
Na verdade, como refere, na contra‑alegação, a recorrida C., dos
factos articulados pelos requerentes, para que o Tribunal possa apreciar se
existiu ou não um despedimento sem justa causa, terá de se debruçar previamente
sobre a questão da validade ou invalidade dos contratos de trabalho temporário
celebrados entre os requerentes e a requerida C. e sobre o vínculo jurídico
existente entre esta e a segunda requerida (D.).
Nos termos em que os requerentes configuram a situação jurídica
controvertida, é impossível ao Tribunal apreciar a questão do despedimento,
sem resolver previamente as questões relacionadas com o trabalho temporário.
Só apreciando estas questões será possível averiguar quem é
efectivamente a entidade patronal dos requeridos, se existiu ou não um
despedimento em sentido próprio e se o mesmo ocorreu com ou sem justa causa.
O procedimento cautelar de suspensão do despedimento é o meio
próprio para o trabalhador reagir contra um despedimento ilícito e obter um
reconhecimento provisório do seu direito.
Este procedimento só tem razão de ser e só é, portanto, aceitável
nos casos de cessação do contrato de trabalho em que se discuta a justa causa
(ou a falta dela).
Como procedimento cautelar, obedece aos mesmos requisitos gerais dos
procedimentos cautelares previstos no Código de Processo Civil, ou seja, tem de
existir a aparência do direito invocado (fumus boni juris) e tem de ser feita a
prova do periculum in mora.
Com base nestes elementos, o juiz fará um juízo de mera
probabilidade de existência do direito invocado (summaria cognitio).
Este juízo de mera probabilidade incide unicamente sobre o facto de
saber se o trabalhador foi despedido com ou sem justa causa, não se coadunando
com a resolução de outras questões atinentes à relação laboral.
No âmbito do procedimento cautelar de suspensão do despedimento não
cabe, pois, discutir questões inerentes à qualificação do contrato existente
[entre] as partes, à forma de cessação dessa relação, à falta de motivação do
contrato e à sua conversão em contrato sem termo (cf. Albino Mendes Baptista,
Código de Processo do Trabalho Anotado, Quid Juris, 2000, pág. 84).
Para que se possa recorrer a este meio processual, é necessário
pressupor a existência de um contrato de trabalho e de uma efectiva situação
de despedimento, com exclusão das situações emergentes da simples caducidade do
contrato de trabalho ou da nulidade do mesmo (neste sentido, António Abrantes
Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV, pág. 351).
Este é, de resto, o entendimento jurisprudencial unânime (a título
exemplificativo, entre outros, Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de Janeiro de
1980, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 297, pág. 402; Acórdão da Relação
de Évora, de 11 de Julho de 2000, Colectânea de Jurisprudência, 2000, tomo IV,
pág. 287; Acórdão da Relação de Lisboa, Colectânea de Jurisprudência, tomo III,
pág. 54; Acórdão da Relação de Lisboa, de 4 de Junho de 2003, rec. n.°
9089/02-4.ª Secção, e Acórdão da Relação de Lisboa, de 28 de Janeiro de 2004,
rec. n.º 7471/03‑4.ª Secção).
E nem se argumente que o disposto no artigo 35.º do CPT, quanto aos
meios de prova admissíveis no âmbito deste procedimento, pode indiciar uma
interpretação contrária.
Os meios de prova consentidos pelo citado artigo 35.º destinam-se
exclusivamente a fundar a verosimilhança de um despedimento, nos casos em que
o mesmo não foi precedido de processo disciplinar.
Não foi intenção do legislador permitir a discussão da natureza da
relação jurídica existente entre requerente(s) e requerido(s), mas tão‑somente
permitir a produção de meios de prova complementares nos casos em que o
despedimento não seja precedido de processo disciplinar (neste sentido Acórdão
de Uniformização de Jurisprudência, proferido pelo pleno da Secção Social do
STJ em 1 de Outubro de 2003 – Jurisprudência n° 1/2003, proc. n.º 3073/2002, 4.ª
Secção, Diário da República, I Série, de 12 de Novembro de 2003).
Deste modo, para que o Tribunal conheça do pedido de suspensão do
despedimento são necessárias, à partida, três condições sine qua non, ou seja,
é necessário (i) que tenha havido um verdadeiro despedimento; (ii) que se saiba,
sem quaisquer dúvidas, quem praticou o acto qualificável como despedimento e,
finalmente, (iii) que seja líquida a existência de um contrato de trabalho
entre o despedido e a entidade que despede (neste sentido, Acórdão da Relação de
Lisboa, de 21 de Janeiro de 1998, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 473,
pág. 556).
O procedimento cautelar de suspensão do despedimento é inadequado
para nele se averiguar a verificação destas condições.
No caso vertente, é notório que as mesmas não se verificam, não
sendo possível, por isso, realizar um juízo indiciário sobre se ocorreu ou não
um despedimento sem justa causa.
Desde logo, não é linear que exista um contrato de trabalho sem
termo entre os requerentes e as requeridas, dependendo tal questão da apreciação
da validade dos contratos de trabalho temporário celebrados.
Por outro lado, não se descortina qual das duas requeridas terá
procedido efectivamente ao alegado despedimento.
Nem, tão‑pouco, é liquido que tenha ocorrido efectivamente um
despedimento.
De salientar que, quanto à segunda requerida, não é sequer alegado
qualquer facto susceptível de consubstanciar um despedimento por parte desta.
Assim, é indiscutível que a apreciação do alegado despedimento dos
requeridos depende da discussão de questões várias, que se reconduzem, em última
análise, à questão da apreciação da validade dos contratos de trabalho
celebrados entre as partes.
Estas considerações correspondem aos dados existentes nos autos, bem
como à doutrina e à jurisprudência, que pensamos serem maioritárias sobre a
questão, acolhidas no citado Acórdão, proferido no processo n.° 3073/2002 da 4.ª
Secção do STJ, de 1 de Outubro de 2003, que uniformiza a jurisprudência
(Jurisprudência n.° 1/2003).
Alegam ainda os recorrentes que a decisão recorrida, na
interpretação que fez do artigo 39.º, n.° 1, do CPT, violou as normas dos
artigos 13.° – princípio da igualdade, 20.° – negação do acesso ao direito e
aos tribunais, e 53.° – segurança no emprego e proibição dos despedimentos sem
justa causa – todos da Constituição da República Portuguesa.
Também esta alegação, a nosso ver, é desprovida de fundamento.
Em síntese, diremos apenas o seguinte:
No caso, não existe violação do princípio da igualdade, porquanto
não se pode equiparar a situação de alguém que intenta uma providência cautelar
de suspensão de despedimento, ancorado na existência de indiscutido contrato de
trabalho subordinado e de indiscutido despedimento, com a situação dos
requerentes, em que a natureza do contrato e a existência de despedimento são
discutíveis e que exigiriam discussão e apreciação prévias, que não são
compagináveis com a natureza da providência cautelar referida, que tem
natureza provisória e «tem de se bastar com uma summaria cognitio da situação
através de um procedimento – o procedimento cautelar – simplificado e rápido»,
como refere o citado Acórdão do STJ uniformizador da jurisprudência.
De qualquer modo, aos recorrentes não estava vedado o eventual recurso a outros
procedimentos cautelares previstos na legislação processual civil, por força do
disposto no artigo 47.° do Código de Processo do Trabalho e, genericamente, pela
alínea a) do n.° 2 do artigo 1.º do mesmo Código.
Finalmente, podem os recorrentes instaurar acção declarativa, em que poderão
também discutir as referidas questões prévias da existência e natureza do
contrato, bem como da qualificação dos actos dos requeridos – se os mesmos se
traduzem em despedimento –, por forma a poderem defender, eficazmente, os seus
eventuais direitos.
Não se verifica, assim, a violação do princípio constitucional da igualdade.
Simplesmente, as situações em que os requerentes fundamentam a providência
cautelar não são lineares, são complexas e dependem de apreciação e decisão de
questões prévias fundamentais, que não cabem na natureza daquela providência
cautelar.
Aliás, os requerentes contrataram tais situações e não outras (que denotassem
claramente a celebração de contratos de trabalho subordinado), não se podendo
agora queixar da situação para a qual também deram o seu contributo.
As considerações precedentes valem igualmente para se dizer que a decisão
recorrida não negou aos recorrentes o acesso ao direito e aos tribunais e,
assim, também não se verifica a violação do artigo 20.° da CRP.
Finalmente, a alegação da violação do artigo 53. ° da CRP – segurança no emprego
e proibição dos despedimentos sem justa causa – não tem qualquer consistência,
porquanto a decisão recorrida não apreciou nem decidiu as questões fundamentais
da natureza do contrato e da sua existência, bem como se foi praticado o
despedimento, que, como já se referiu, são questões prévias que ultrapassam e
não cabem no âmbito da providência cautelar de suspensão de despedimento,
tendo‑se o M.mo Juiz limitado a considerar inadequada a providência cautelar
que foi instaurada, pelo que a indeferiu liminarmente.
Pelo exposto, improcedem as conclusões do recurso.”
É contra este acórdão que pelas requerentes A. e B. vem
interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos
artigos 13.º, 20.º, n.º 5, e 53.º da Constituição da República Portuguesa
(CRP), da norma do artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro (CPT), interpretada no sentido de que a
providência cautelar de suspensão de despedimento só pode ser requerida e
concedida quando seja indiscutível a existência de um contrato de trabalho a que
a entidade empregadora tenha posto fim por despedimento e não por invocação de
qualquer outra causa de cessação da relação laboral.
Neste Tribunal, as recorrentes apresentaram alegações,
no termo das quais formularam as seguintes conclusões:
“1. O artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho, na
interpretação que lhe foi dada pelo [Tribunal] recorrido, segundo a qual a
providência cautelar de suspensão de despedimento só pode ser requerida quando
seja indiscutível a existência de um contrato de trabalho a que a entidade
empregadora tenha posto fim por despedimento e não por invocação de qualquer
outra causa de cessação da relação laboral, sem que seja dada a oportunidade às
requerentes de provarem a existência de contrato de trabalho e de
verosimilhança com despedimento ilícito, é manifestamente inconstitucional por
violação dos artigos 20.º, 13.º e 53.º da Constituição da República Portuguesa.
2. O acesso ao direito e aos tribunais postula uma tutela
jurisdicional cautelar e efectiva.
3. O acórdão recorrido, ao alvitrar uma outra via processual –
procedimentos cautelares comuns – que também está fechada, acaba por consentir
numa denegação do ordenamento jurídico.
4. Ao interpretar o artigo 39.º, n.º 1, do CPT, afastando do seu
âmbito de protecção trabalhadores cuja entidade patronal não reconhece como tal
(quando nem sequer lhe foi dada a oportunidade de o reconhecer, nem às
recorrentes de provar a existência da alegada relação laboral), entidade
patronal essa que, sem invocar qualquer causa de cessação, recusa a prestação de
trabalho (sem sequer ser dada oportunidade às requerentes de provar a
verosimilhança de tal recusa como despedimento ilícito), o Tribunal recorrido
violou o artigo 20.º da Constituição da Republica Portuguesa.
5. O princípio da igualdade postula que todos os trabalhadores
mereçam tratamento igual.
6. O princípio da segurança no trabalho e da proibição de
despedimentos sem justa causa vale para todos os trabalhadores e não apenas
para aqueles que contratem situações que denotem claramente a celebração de
contratos de trabalho subordinado.
7. Ao interpretar o artigo 39.º, n.º 1, do CPT no sentido segundo o
qual só merecem protecção cautelar os trabalhadores que tenham celebrado
claramente contratos de trabalho subordinado viola o princípio da igualdade, da
segurança no emprego e da proibição de despedimentos sem justa causa,
constitucionalmente consagrados, respectivamente, nos artigos 13.º e 53.º da
Constituição da República Portuguesa.
8. Uma interpretação do artigo 39.º, n.º 1, conforme à Constituição
impunha que o Tribunal recorrido concedesse provimento ao agravo e revogasse a
decisão recorrida, determinando a sua substituição por outra que viabilizasse o
procedimento cautelar de suspensão do despedimento.”
A recorrida D., ACE, contra‑alegou, concluindo:
“1. É sabida a ampla e vasta discussão que se tem gerado em tomo do princípio da
igualdade, sendo certo que é, de longe, o princípio constitucional mais debatido
na doutrina e na jurisprudência.
2. De forma lapidar definiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 433/87, in
Boletim do Ministério da Justiça, n.º 371, que a igualdade «consiste em tratar
por igual o que é essencialmente igual e em tratar diferentemente o que
essencialmente for diferente. A igualdade não proíbe, pois, o estabelecimento
de distinções; proíbe, isso sim, as distinções arbitrárias ou sem fundamento
bastante».
3. No que se refere à interpretação dada ao artigo 39.º do Código de Processo do
Trabalho, quer pelo Acórdão recorrido, quer mesmo pelo Acórdão de fixação de
jurisprudência n.º 1/2003, de 1 de Outubro de 2003, publicado no Diário da
República, I Série‑A, de 12 de Novembro de 2003, seguido de perto pelos
Meritíssimos Julgadores das instâncias, não existe qualquer violação do
princípio da igualdade, porquanto a situação dos recorrentes não é comparável
com a de alguém que intenta uma providência cautelar de suspensão de
despedimento, ancorado na existência de indiscutido contrato de trabalho
subordinado e indiscutido despedimento.
4. Não existiu, também, qualquer violação do artigo 20.º da Constituição, dado
que sempre a mesma poderia ser obtida através da propositura da acção
declarativa, que seria o meio adequado para fazer valer o direito invocado.
5. Não se vislumbra, ainda, qualquer violação do artigo 53.º da Constituição,
dado que a decisão recorrida não apreciou quaisquer questões relacionadas com o
alegado despedimento, muito pelo contrário, a decisão recorrida julgou
inadequado o procedimento cautelar de suspensão de despedimento, razão pela qual
confirmou o indeferimento liminar proferido pelo Meritíssimo Juiz da primeira
instância.
6. Assim, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido sustentar que foi
violado o princípio constitucional da segurança no emprego.”
Por seu turno, a recorrida C., L.da, também apresentou
contra‑alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
“1. É jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça que o
procedimento cautelar de suspensão do despedimento só pode ser requerido se for
inequívoca a existência de um contrato de trabalho, de um despedimento em
sentido próprio e a certeza de quem praticou o acto qualificável como
despedimento.
2. O procedimento cautelar de suspensão do despedimento não é o meio adequado
para nele se aferir qualquer destas circunstâncias, na medida em que pressupõe
um juízo sumário que não se coaduna com a investigação de tais questões.
3. Não existe identidade entre a situação em que é indiscutível a existência de
um contrato de trabalho, um despedimento e a entidade que o levou a cabo e a
situação das recorrentes.
4. O facto de não puderem recorrer àquele procedimento cautelar em concreto não
impedia as recorrentes de fazerem valer os seus direitos através de outros meios
processuais ao seu dispor.
5. A interpretação feita pelo Tribunal de 1.ª instância e pelo Tribunal da
Relação do n.º 1 do artigo 39.º do CPT apenas levou a concluir que o meio usado
pelas recorrentes não era o meio adequado para fazer valer o direito que
pretendiam ver reconhecido.
6. Tal interpretação não viola qualquer princípio constitucional, nomeadamente
os constantes dos artigos 13.º, 20.º e 53.º.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de
uniformização de jurisprudência, de 1 de Outubro de 2003 (Diário da República,
I Série‑A, n.º 262, de 12 de Novembro de 2003, p. 7647), cuja doutrina as
decisões das instâncias afirmaram seguir, contém uma desenvolvida explanação
sobre a figura da providência cautelar de suspensão do despedimento, desde a sua
introdução no nosso ordenamento jurídico, pela Lei n.º 48/77, de 11 de Julho,
passando à sua consagração no Código de Processo do Trabalho de 1981 (aprovado
pelo Decreto‑Lei n.º 272‑A/81, de 30 de Setembro), ao alargamento ao
despedimento colectivo (pelo artigo 25.º do Regime Jurídico da Cessação do
Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de
Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 64‑A/89, de 27 de Fevereiro) e à
cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador ao posto de
trabalho (pelo artigo 9.º do Decreto‑Lei n.º 400/91, de 16 de Outubro), até à
sua regulação pelo Código de Processo do Trabalho de 1999 (aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 480/99, aplicável ao caso dos presentes autos), no âmbito do
qual surgiram as divergências jurisprudenciais a que se visou pôr cobro.
Não cabe, obviamente, no âmbito do presente recurso a
reedição dos argumentos em que se basearam as correntes jurisprudenciais em
confronto, mas apenas registar que, de acordo com a formulação final da
jurisprudência assim uniformizada, acolhida pela decisão ora recorrida, “o
trabalhador despedido (individual ou colectivamente) pode socorrer‑se do
procedimento cautelar de suspensão de despedimento desde que esta seja a causa
invocada pela entidade patronal para cessação da relação laboral ou, na sua não
indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento”. Sublinhou‑se esta
expressão final porque ela se afasta de algumas formulações de acórdãos
inseridos nessa corrente, que aparentavam bastar‑se com o questionamento, pelo
requerido, da existência de um contrato de trabalho e de um despedimento, para
afastar a admissibilidade do recurso à providência cautelar de suspensão de
despedimento. O que resulta do acórdão de uniformização de jurisprudência é que
o procedimento em causa pode ser usado sempre que a causa expressamente invocada
pela entidade patronal para a cessação do contrato de trabalho seja o
despedimento, mas ainda quando, apesar de o requerido não apelidar de laboral a
relação mantida com o requerente e/ou não apelidar de despedimento o acto pelo
qual procede à cessação da relação, “se configure a verosimilhança de um
despedimento”. Isto é: se, apesar de a entidade requerida afirmar, por exemplo,
que o contrato que a liga ao requerente não é um contrato de trabalho, mas antes
um contrato de prestação de serviço, ou, reconhecendo tratar‑se de um contrato
de trabalho, sustentar que foi diversa da do despedimento a sua causa de
cessação (por exemplo, a caducidade), basta que ao tribunal se configure a
verosimilhança de um despedimento para que o uso da providência cautelar de
suspensão de despedimento seja admitido.
2.2. Feita esta precisão, cumpre apreciar se a
interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido viola, como sustentam as
recorrentes, o direito de acesso aos tribunais, o princípio da igualdade e a
garantia da segurança no emprego, consagrados, respectivamente, nos artigos
20.º, 13.º e 53.º da CRP.
2.2.1. Em conformidade com o preceituado no artigo 20.º
da CRP, “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa
dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada
por insuficiência de meios económicos” (n.º 1), e “todos têm direito a que uma
causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante
processo equitativo” (n.º 4).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem
salientado (cf., entre outros, o Acórdão n.º 440/94) que o direito de acesso aos
tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma protecção
jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo
abrange nomeadamente: (a) o direito de acção, no sentido do direito subjectivo
de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o
direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação
daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se
pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial
sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro
dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei,
dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d)
o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da
sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela
falta de medidas de defesa expeditas.
Aceitando‑se que “a tutela jurisdicional efectiva
postula a adopção de um sistema de providências cautelares que acautele o
efeito útil da acção, impedindo uma lesão grave e dificilmente reparável do
direito ou interesse legalmente protegido que se pretende defender em tribunal”
(Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra,
2005, p. 203), não menos certo é que, embora vinculado a criar meios
jurisdicionais de tutela efectiva dos direitos e interesses ofendidos dos
cidadãos, “o legislador não deixa de ser livre de os conformar, não sendo de
todo o modo obrigado a prever meios iguais para situações diversas, considerando
ainda que a identidade ou diversidade das situações em presença há‑de resultar
de uma perspectiva global que tenha em conta a multiplicidade de interesses em
causa, alguns deles conflituantes entre si” (Acórdão n.º 63/2003).
Estes princípios implicam que, no caso dos presentes
autos, às recorrentes devesse ser conferida a faculdade, não só de accionarem
judicialmente as suas pretensões, mas também de lançarem mão de meio cautelar
que assegurasse o efeito de eventual provimento da acção principal, mas já não
que fosse constitucionalmente imposto que tivessem acesso a um específico meio
cautelar, que, segundo o critério normativo acolhido pelas instâncias, era
inaplicável ao presente litígio.
Ora, o que as instâncias entenderam, em consonância com
o referido Acórdão uniformizador de jurisprudência, foi que, sendo inadmissível,
no caso, o procedimento cautelar específico da suspensão de despedimento,
regulado nos artigos 34.º a 40.º do Código de Processo do Trabalho, às
requerentes estava aberta a possibilidade de utilização do procedimento
cautelar comum, regulado nos artigos 32.º e 33.º do mesmo Código.
Não se evidenciando que este procedimento cautelar comum
seja imprestável para a consecução da tutela efectiva das pretensões das
recorrentes, não se pode dar por verificada a alegada afectação do direito de
acesso aos tribunais.
2.2.2. Do que já se referiu resulta também a não
violação do princípio da igualdade.
Na verdade, mostra‑se materialmente fundada a
diferenciação de meios cautelares postos pelo legislador à disposição dos
interessados, em conformidade com a diversidade das situações subjacentes: o
procedimento cautelar específico da suspensão de despedimento, nos casos em que
“o despedimento seja a causa invocada pela entidade patronal para cessação da
relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um
despedimento”; e o procedimento cautelar comum, nos casos em que o requerido
não invoque o despedimento como causa de cessação da relação que o vinculava ao
requerente, nem ao tribunal se configure a verosimilhança de um despedimento.
Não é constitucionalmente desconforme que, para além de
diferenças de tramitação processual, os critérios decisórios não sejam
coincidentes: naquela primeira situação, para o deferimento da providência
basta que o tribunal constate que não foi instaurado procedimento disciplinar,
que este é nulo ou que há probabilidade séria de inexistência de justa causa
(artigo 39.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), enquanto que no segundo
grupo de situações se segue o critério geral de que a providência deve ser
decretada quando haja probabilidade séria da existência do direito invocado pelo
requerente e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão, a menos
que o prejuízo que da providência resultar para o requerido exceda
consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar (n.ºs 1 e 2 do
artigo 387.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 32.º do Código de
Processo do Trabalho).
Considera‑se, assim, não ocorrer violação do princípio
da igualdade.
2.2.3. Também não ocorre violação do princípio da
segurança no emprego.
Este princípio não impede a existência de despedimentos,
desde que fundados em razões constitucionalmente atendíveis. Aliás, no caso, não
está em causa a licitude, em termos substantivos, da cessação das relações que
ligavam as recorrentes às recorridas, mas apenas os meios adjectivos postos à
disposição daquelas para defesa dos seus interesses e interesses legítimos. Ora,
esses meios, como já se apurou, não se revelam insuficientes para assegurar uma
tutela jurisdicional efectiva das pretensões das recorrentes e a diferenciação
de meios processuais mostra‑se constitucionalmente aceitável.
Improcedem, assim, na totalidade, as alegações das
recorrentes.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 39.º do
Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 480/99, de 9 de
Novembro, interpretado no sentido de que a providência cautelar de suspensão de
despedimento só pode ser utilizada quando o despedimento seja a causa invocada
pela entidade patronal para cessação da relação laboral ou, na sua não
indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento; e, em
consequência,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida, na parte impugnada.
Custas pelas recorrentes, fixando‑se a taxa de justiça
em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Maio de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Silva Rodrigues
Rui Manuel de Moura Ramos