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Processo n.º 629/05
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A fls. 307 dos presentes autos foi proferida a seguinte decisão sumária:
A. foi condenada no Tribunal Judicial da Figueira da Foz, pela prática de um
crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 180 dias de multa, à taxa de
4€ e ao pagamento ao ofendido do montante de 965€, acrescido de juros de mora.
Inconformada, interpôs recurso para a Relação de Coimbra que, por acórdão
proferido em 13 de Abril de 2005, confirmou aquela sentença.
A recorrente recorre para este Tribunal do acórdão da Relação de Coimbra, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), invocando:
A arguida pretende que seja declarada a inconstitucionalidade da interpretação
feita na sentença de primeira instância e mantida em sede de recurso da norma
constante do artigo 11º n.º1 e 3 da Lei do Cheque na interpretação de que é a
arguida quem tem de provar que o ofendido não teve prejuízo patrimonial com o
não pagamento do cheque. Esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada,
pela arguida, em alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra e em
arguição de nulidade do Acórdão.
A arguida pretende que seja declarada a inconstitucionalidade da interpretação
feita do artigo 374º n.º 2 do Cód. Processo Penal de que inexiste a obrigação de
se pronunciar sobre todas as questões suscitadas pelos sujeitos processuais,
interpretação esta que não é expressa mas que se retira do Acórdão por falta de
resposta às questões concretas suscitada no decurso do processo em alegações de
recurso. Além disso, essa interpretação viola o princípio do acusatório e o
dever de fundamentação decisões, Sentenças ou Acórdãos, dos Tribunais, violando
os artigos 32.º n.º 21, 5 e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Esta questão foi suscitada em arguição da nulidade do Acórdão do Tribunal da
Relação. Não houve resposta quanto à questão do prejuízo patrimonial supra
enunciada, bem como ao princípio do in dubio pro reo, que tinha sido suscitada
em alegações de recurso.
Quanto à questão da não reapreciação da prova, suscitada em arguição da nulidade
do Acórdão, a interpretação feita do artigo 127.º do Cód. Proc. Penal de que o
Tribunal da Relação só verifica a regularidade do julgamento, é inconstitucional
viola o artigo 32.º n.º 5 da CRP e o princípio do acusatório na medida em que
impede que o critério fornecido pela arguida para aquilatar da correcta
apreciação da prova seja apreciado sem uma resposta concreta e bem assim viola o
dever de fundamentação das sentenças e acórdãos imposto pelos artigos 32.º n.º 1
e 205.º n.º 1 da CRP:
As normas constitucionais que foram violadas foram as dos artigos: 3.º n.º3,
32.º n.º 1, 2, 5, 204.º, 205.º n.º1 todos da Constituição da República
Portuguesa, tendo sido, no Acórdão recorrido, violados os princípios da
constitucionalidade, o princípio do in dubio pro reo, o princípio do acusatório.
O recurso foi admitido por decisão que não vincula este Tribunal (n. 3 do artigo
76º da LTC).
O recurso de fiscalização concreta em causa incide obrigatoriamente sobre normas
jurídicas aplicadas na decisão recorrida como seu fundamento, cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo de modo
processualmente adequado (alínea b) do n. 1 do artigo 70º, e n. 2 do artigo 72º
da LTC).
A inconstitucionalidade imputada a uma interpretação normativa reporta-se,
necessariamente, a um critério normativo dotado de generalidade que possa ser
aplicado a outros casos, e não à aplicação de uma norma à especificidade do caso
e a ele indissociavelmente ligado.
Sucede, porém, que no recurso em análise o recorrente não visa obter a
apreciação da conformidade constitucional de normas, pois questiona,
manifestamente, a conformidade constitucional da decisão jurisdicional. Para
além disso, as formulações normativas que questiona não foram aplicadas na
decisão recorrida.
No que respeita à primeira questão suscitada pela recorrente, ela só
aparentemente é uma questão de inconstitucionalidade normativa. Como resulta da
leitura das alegações apresentadas perante a Relação de Coimbra, ao suscitar tal
questão a recorrente mais não pretende do que expressar a sua discordância
relativamente à subsunção a que o tribunal recorrido procedeu, uma vez que se
contesta que perante os factos dados como provados, o tribunal recorrido possa
concluir que a recorrente havia cometido determinado crime; é esta subsunção ou
qualificação que a recorrente questiona.
Pretende-se, portanto, que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a
conformidade constitucional da decisão que julgou preenchidos os elementos
definidores de um certo crime, embora sob a aparência de pretender questionar a
norma constante do artigo 11 n.º 1 e 3 da Lei do Cheque. Ora, conforme o
Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente, o controlo de
constitucionalidade que, nos recursos das decisões dos outros tribunais, lhe é
atribuído, só pode ter por objecto as normas jurídicas (ou a sua interpretação)
que tais decisões tenham aplicado. O modo como as decisões judiciais operam a
subsunção dos factos à norma não pode ser objecto de tal controlo. E ainda que
efectivamente o Tribunal recorrido tivesse aplicado a norma
Conclui-se, em suma, que o Tribunal não pode tomar conhecimento, nesta parte, do
objecto do recurso.
Relativamente à segunda questão de constitucionalidade colocada,
independentemente de se saber se tal questão foi suscitada durante o processo e
de modo processualmente adequado, o certo é que o Tribunal também não pode dela
conhecer, uma vez que, mais uma vez, a matéria não representa uma verdadeira
questão de constitucionalidade normativa. Na verdade, afirma a recorrente,
relativamente a tal questão, na peça em que é arguida a nulidade do acórdão do
Tribunal da Relação:
'[...]
i) assim, a interpretação que se faz do artigo 374º n.º 2 do Cód. Proc. Penal de
que inexiste a obrigação de se pronunciar sobre todas as questões suscitadas
pelos sujeitos processuais, interpretação esta que não é expressa mas que se
retira da falta de resposta à questão concreta suscitada no decurso do processo
em alegações de recurso, é inconstitucional por violar o princípio do acusatório
e o dever de fundamentação das decisões, sentenças ou Acórdãos, dos Tribunais,
artigos 32º n.º 5 e 205º n.º 1 e 32º n.º 1, respectivamente, todos da
Constituição da República Portuguesa.
Se a arguida suscitou a questão do prejuízo patrimonial e se forneceu o critério
de resolução do problema, o mínimo que esperava é que lhe fosse explicado o
porquê do critério que forneceu estar certo ou errado. Em vez disso, nada a esse
respeito se diz. Por isso, o Acórdão cuja nulidade se argui pelo presente meio,
padece de fundamentação, artigos 205º n.º 1, 32º n.º 1 da CRP e viola o disposto
no artigo 374º n.º 2 constituindo nulidade do Acórdão e viola o princípio do
acusatório que existe ao longo de todo o processo, artigo 32º n.º 5 da
Constituição da República Portuguesa.'
Resulta claramente do que se acabou de transcrever que a recorrente considera
que a decisão recorrida é ilegal – por desrespeito das exigências legais de
fundamentação – e inconstitucional – por violação de normas constitucionais
atinentes à fundamentação das decisões jurisdicionais –, dirigindo, portanto, a
censura directamente à decisão impugnada.
Por último, no que respeita à terceira questão suscitada, e também sem curarmos
de saber se questão de constitucionalidade foi suscitada durante o processo e de
modo processualmente adequado, a verdade é que a norma do artigo 127º do Código
de Processo Penal não foi aplicada pelo tribunal recorrido com o sentido que a
recorrente lhe imputa. É o que se pode concluir do seguinte trecho do acórdão
recorrido:
Na instância de recurso o que é relevante é a apreciação da regularidade do
julgamento e não já um segundo julgamento, sendo que, como refere o art. 430 do
CPP, só é permitida a renovação da prova quando se verificarem os vícios do art.
410 nº2.
Face ao teor da transcrição nada nos permite concluir que o julgador chegou a
uma conclusão sobre a matéria de facto que não era possível retirar da prova
produzida, ou contra ela. [...]
Na sentença recorrida, e fazendo a análise crítica de toda a prova produzida em
audiência se diz o motivo porque se atendeu a uns depoimentos (convincentes) em
detrimento de outros (tidos por não convincentes). [...]
Por isso, que a matéria dada como apurada, resulta da conjugação de todos os
depoimentos, que interpretados segundo as regras da experiência e livre
convicção do julgador – art. 127 do CPP – mereceram credibilidade ao tribunal.
Na conjugação dos depoimentos com a credibilidade que cada um merece e as
inferências daí resultantes, partiu para a operação intelectual de formação da
convicção, resultando a prova dos factos.
Temos que não se verifica qualquer erro, a convicção do julgador tem suporte nos
depoimentos e documentos.
A falta deste requisito determina por si só que se não possa conhecer do objecto
do recurso, mas a ele acresce que, verdadeiramente, a recorrente não põe em
causa uma interpretação normativa mas, antes, discorda da avaliação da prova
feita pela 1ª instância e confirmada no tribunal da relação, o que se reconduz a
uma crítica à decisão. Também neste caso não poderá o Tribunal Constitucional
conhecer do objecto do recurso.
Nestes termos, e ao abrigo do n. 1 do artigo 78-A da LTC, decide-se não conhecer
do objecto do presente recurso.
Contra esta decisão reclama a interessada A., nos seguintes termos:
a) A arguida foi condenada no Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz
pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão. Inconformada
recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou aquele Acórdão.
b) A arguida suscitou a questão da inconstitucionalidade da sentença para o
Tribunal da Relação e depois, em arguição da nulidade do Acórdão, a arguida
suscitou mais inconstitucionalidades.
c) A arguida interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo
70.º n.º 1 da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
d) São três as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela arguida. A
saber:
- A arguida pretende que seja declarada a inconstitucionalidade:
1.ª - da interpretação feita na sentença de primeira instância e mantida em sede
de recurso da norma constante do artigo 11º n.º1 e 3 da Lei do Cheque na
interpretação de que é a arguida quem tem de provar que o ofendido não teve
prejuízo patrimonial com o não pagamento do cheque. Esta inconstitucionalidade
foi suscitada em sede de alegações de recurso e em arguição de nulidade do
Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação;
2.ª - da interpretação feita no artigo 374º n.º2 do Cód. Processo Penal de que
inexiste a obrigação de se pronunciar sobre todas as questões suscitadas pelos
sujeitos processuais, interpretação essa que não é expressa mas que se retira do
Acórdão por falta de resposta às questões concretas suscitadas no decurso do
processo em alegações de recurso.
Além disso esta interpretação viola o princípio do acusatório e o dever de
fundamentação das decisões, Sentenças ou Acórdãos, dos tribunais, violando os
artigos 32.º n.º 2, 5 e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Esta questão foi suscitada em arguição de nulidade do Acórdão proferido pelo
Tribunal da Relação de Coimbra e as questões que a arguida colocou e que não
tiveram resposta foram: a questão do prejuízo patrimonial e a violação do
princípio in dubio pro reo;
3.ª - quanto à questão da não reapreciação da prova suscitada em arguição de
nulidade do Acórdão, a interpretação feita do artigo 127.º do Cód. Proc. Penal
de que o Tribunal da Relação só verifica a regularidade do julgamento é
inconstitucional, violando o artigo 32.º n.º5 da CRP e o princípio do acusatório
na medida em que impede que o critério fornecido pela arguida para aquilatar da
correcta apreciação da prova seja apreciado sem uma resposta concreta e bem
assim viola o dever de fundamentação das sentenças e acórdãos imposto pelos
artigos 32º n.º 1 e 205 n.º1 da CRP.
e) A decisão sumária proferida em que se decide não conhecer do objecto do
recurso interposto pela arguida para o Tribunal Constitucional, sem indicar
qualquer disposição legal, o que toma o despacho nulo, estriba-se no seguinte,
no que às duas primeiras inconstitucionalidades supra citadas tange:
e - 1 “A inconstitucionalidade imputada a uma interpretação normativa
reporta-se, necessariamente, a um critério normativo dotado de generalidade que
possa ser aplicado a outros casos, e não à aplicação de uma norma à
especificidade do caso e a ele indissociavelmente ligado.
Sucede, porém, que no recurso em análise o recorrente não visa obter a
apreciação da conformidade constitucional de normas, pois questiona,
manifestamente a conformidade constitucional da decisão jurisdicional'.
e - 2 Mais se diz que da leitura das alegações apresentadas perante a Relação de
Coimbra, ao suscitar a primeira inconstitucionalidade a arguida mais não
pretende do que expressar a sua discordância relativamente à subsunção a que o
tribunal recorrido procedeu…Afirma-se que o Tribunal Constitucional não pode
apreciar o modo como as decisões judiciais operam a subsunção dos factos à
norma, mas só as normas jurídicas e a sua interpretação.
e - 3 A segunda inconstitucionalidade que a arguida invocou não representa uma
verdadeira questão de constitucionalidade normativa.
e - 4 No que respeita à terceira inconstitucionalidade suscitada pela arguida
diz-se na decisão sumária proferida que a norma do artigo 127.º do Cód. Proc.
Penal não foi aplicada pelo tribunal recorrido com o sentido que a recorrente
lhe imputa e mais uma vez se diz que a recorrente não põe em causa uma
interpretação normativa.
f) O nosso sistema compreende por órgãos de fiscalização da constitucionalidade,
quer o Tribunal Constitucional, que, nos termos do artigo 221.º da CRP , é o
órgão a que compete a administração da justiça de natureza
jurídico-constitucional, e os tribunais comuns que, também, nos termos do artigo
204.º, da CRP, apreciam e decidem das questões de inconstitucionalidade ou da
não inconstitucionalidade que se suscitarem nos casos que estejam a decorrer .
“Trata-se de tirar todas as consequências do princípio da primazia da norma
constitucional, devendo os tribunais «preferir» a norma da lei fundamental,
devendo para o efeito deixar de aplicar as normas infraconstitucionais
incompatíveis com aquela”, J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Fundamentos da
Constituição, nota 15, pág.244/5.
g) Existe um princípio que se apelida do princípio da constitucionalidade, que
implica a conformação material e formal de todos os actos com a constituição.
Neste sentido se fala da “constitucionalidade da lei” da “constitucionalidade da
jurisprudência” e da “constitucionalidade da administração””, J.J. Gomes
Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 5.ª
edição, pág. 277.
h) Por direito processual constitucional entende-se o conjunto de regras e
princípios positivados na Constituição e noutras fontes de direito, leis e
tratados, que regulam os procedimentos juridicamente ordenados à solução de
questões de natureza jurídico-constitucional, pelo Tribunal Constitucional (cfr.
CRP artigo 221.º), J.J . Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 955.
i) “Ao lado da Constituição, a fonte das mais importantes do direito processual
constitucional é a Lei de Organização,. funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, abreviadamente designada por LTC (Lei n.º 28/82 de 15 de
Novembro, alterada pelas Leis n.º 143/85 de 26-11, 85/89, de 7-9, 88/95, de 1-9,
13-A/98 de 26/2). É nesta lei que: (1) se densifica a disciplina jurídica
referente à competência, organização e funcionamento do Tribunal Constitucional;
(2) se individualizam e regulam os vários processos constitucionais,
designadamente os processos de fiscalização da constitucionalidade e
legalidade”, J.J. Gomes Canotilho, ob. cit. pág. 958.
j) O direito processual constitucional não é um fim em si mesmo, servindo para a
realização do direito constitucional material.
“Através dos processos constitucionais garante-se, desde logo, a Constituição.
Garantir a constituição contra normas inconstitucionais significa proteger a
ordem constitucional objectiva. Daí a inserção dos processos de fiscalização da
constitucionalidade (e de legalidade reforçada) na Parte IV referente à garantia
(e revisão) da Constituição. A garantia da Constituição como ordem
constitucional objectiva não exclui a incidência de dimensões subjectivas
relacionadas com a protecção dos direitos subjectivos das pessoas físicas e
colectivas', J.J. Gomes Canotilho, ob. cit. pág. 959.
k) Continuando com o Professor Canotilho, ob. cit., pág. 960, “O direito
constitucional processual cumpre a função de garantia da funcionalidade do
próprio sistema de controlo da constitucionalidade. Através dele, clarificam-se
as regras do jogo da jurisdição constitucional, seleccionando-se os princípios
processuais estruturantes e fornece-se a abertura para através do processo, se
legitimar o Estado constitucional e se dinamizar a jurisdicidade do Estado de
direito”.
l) “Se quisermos registar em termos sintéticos, o objecto do direito processual
constitucional, diríamos que nele cabem três núcleos centrais: a jurisdição
constitucional, os processos constitucionais e a magistratura constitucional”.
m) Para que se possa suscitar um incidente de inconstitucionalidade é necessária
a verificação de certos requisitos e circunstâncias que na doutrina processual
geral se designam por requisitos ou pressupostos processuais.
n) A questão da inconstitucionalidade deve ser levantada num feito submetido a
julgamento perante um tribunal.
o) A questão suscitada perante o juiz tem de ser uma questão de
inconstitucionalidade, ou seja, tem de colocar-se o problema de conformidade ou
desconformidade de uma norma com a constituição. A inconstitucionalidade tem de
suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria que
a inconstitucionalidade respeita.
Por outro lado, “não há qualquer restrição quanto à natureza das normas
impugnadas: podem ser normas materiais ou processuais, podem incidir sobre o
mérito da causa ou apenas sobre meios probatórios ou pressupostos processuais,
podem lesar ou não direitos fundamentais ou interesses legítimos das partes”,
J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 978.
p) A aplicação da norma ou a desaplicação por inconstitucionalidade não tem que
ser expressa, podendo ser implícita (cfr. Acs. TC 406/87, 429/89, 119/90,
354/91)”, J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 977. Continuando com o Ilustre
Professor, ob. e loc. cits., 'os tribunais continuam com o direito de «judicial
review» (cfr. art. 204.º), ou seja, têm acesso directo à Constituição, aplicando
ou desaplicando normas cuja constitucionalidade foi impugnada no feito submetido
a decisão judicial. Sendo assim, o juiz a quo não se limita a conhecer do
incidente da inconstitucionalidade e a reenviá-lo par o Tribunal Constitucional;
decide o caso, interpretando a norma a aplicar como constitucional ou
inconstitucional, independentemente do recurso posterior, restrito à questão da
inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional. A solução contrária
conduziria, em todo o seu rigor, a eliminar a fiscalização concreta do
ordenamento constitucional português'.
q) “Das decisões dos tribunais relativas à questão inconstitucionalidade cabe
recurso para o Tribunal Constitucional. É o chamado recurso de
constitucionalidade. O objecto do recurso não é a decisão do tribunal a quo
sobre o mérito da questão ou do facto submetido a julgamento, mas apenas o
segmento da decisão judicial relativo à questão da inconstitucionalidade. Por
outras palavras: objecto do recurso não é a decisão judicial em si mesma, mas
apenas parte dessa decisão em que o juiz a quo recusou a aplicação de uma norma
por motivo de inconstitucionalidade ou aplicou uma norma cuja
constitucionalidade foi impugnada. O objecto do recurso em sentido substantivo
(e não meramente processual) é, pois, uma norma à qual se reporta a questão da
inconstitucionalidade e não a decisão judicial do tribunal a quo. Todavia,
trata-se sempre de uma norma interpretativamente mediatizada pela decisão
recorrida, porque a norma deve ser apreciada no recurso segundo a interpretação
que lhe foi dada nessa decisão”, J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 979. Neste
sentido também Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI,
Inconstitucionalidade e Garantia da Constituição, Coimbra Editora, pág. 158.
r) A regulamentação processual destes recursos, das decisões judiciais para o
Tribunal Constitucional em que se vai reapreciar a ilegalidade da norma aplicada
ou não aplicada está contida nos artigos 280.º da norma normarum e nos artigos
69.º e seguintes da Lei 28/82.
s) O direito de acesso aos tribunais implica o direito ao processo o que se
traduz no direito a uma decisão final incidente sobre o fundo da causa sempre
que se hajam cumprido e observado os requisitos processuais da acção ou recurso.
t) O direito à tutela jurisdicional, que também é alcançada pelo recurso pelos
pleiteantes para o Tribunal Constitucional, reconduz-se ao direito de obter uma
decisão fundada no direito sempre que se cumpram os requisitos legalmente
exigidos. 'Aqui, porém, surge uma nova e importante afloração do due process: o
direito à tutela jurisdicional não pode ficar comprometido em virtude da
exigência legal de pressupostos processuais desnecessários não adequados ou
desproporcionados. Compreende-se, pois, que o direito ao processo implique: (1)
a proibição de requisitos processuais desnecessários ou desviados de um sentido
conforme ao direito fundamental de acesso aos tribunais; (2) a exigência de
fixação legal prévia dos requisitos e pressupostos processuais dos recursos e
acções; (3) a sanação de irregularidades processuais como exigência do direito à
tutela judicial', J.J Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 492.
u) Em bom rigor, nem a Constituição da República Portuguesa nem a Lei 28/82
exigem para que um recurso possa ser admitido para o Tribunal Constitucional
que: “a inconstitucionalidade imputada a uma interpretação normativa reporta-se,
necessariamente, a um critério normativo dotado de generalidade que possa ser
aplicado a outros casos, e não à aplicação de uma norma à especificidade do caso
e a ele indissociavelmente ligado.
Sucede, porém, que no recurso em análise o recorrente não visa obter a
apreciação da conformidade constitucional de normas, pois questiona,
manifestamente a conformidade constitucional da decisão jurisdicional'.
v ) Ora, o sentido de qualquer decisão do Tribunal Constitucional é
insindicável, quer perante o próprio Tribunal quer perante outros. 'Todavia, a
decisão considerada em si mesma, pode conter erros materiais ou nulidades
processuais ou até infringir as normas constitucionais e legais que balizam a
sua formação ou o seu âmbito (a decisão, enquanto tal, e não a decisão enquanto
reportada a esta ou aquela norma constitucional', Jorge Miranda, ob. cit., pág.
185.
w) Conforme já alegado nesta reclamação, existe a possibilidade de se arguir no
plano concreto ou do caso concreto, a inconstitucionalidade da norma ou da
interpretação da norma, seja de natureza substantiva ou adjectiva, conforme
dispõe o artigo 280.º n.º 1 a) e b) da Constituição da República Portuguesa, ou
seja,
'1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais:
a) que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade;
b) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo'.
x) Ora perante estas disposições e conjugando-as com o disposto no artigo 75.º-A
n.º 5 da Lei 28/82, ao interpor recurso para o Tribunal Constitucional, se o
requerimento de interposição de recurso não indicar algum dos elementos
previstos no artigo 75.º-A, deverá ser proferido despacho a convidar o
recorrente a prestar essa indicação.
y) Mas estas normas só se aplicam no que aos recursos de inconstitucionalidade a
interpor para o Tribunal Constitucional tange. Estas normas da Lei 28/82, sobre
a organização, funcionamento e processo Tribunal Constitucional não se aplicam à
arguição de inconstitucionalidades nos outros Tribunais.
Para se poder recorrer para o Tribunal Constitucional é necessário que os
Tribunais apliquem uma norma ao caso concreto, norma essa cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, conforme preceitua
o artigo 280º n.º 1 b) da CRP.
z) Depois, na decisão sumária proferida, não se tem em linha de conta que a
fiscalização concreta da inconstitucionalidade ao caso concreto, passe a
redundância, existe e é possível de ser feita quer nos Tribunais comuns quer no
Tribunal Constitucional e, bem assim, que a regulamentação da Lei 28/82 só se
aplica nos recursos para o Tribunal Constitucional e não nos recursos onde se
argua a inconstitucionalidade de normas jurídicas, perante outros tribunais. O
que se exige é a arguição efectiva da inconstitucionalidade nesses outros
tribunais.
aa ) É que, conforme já se explicou antes, no recurso para o Tribunal
Constitucional só está em causa a parte da inconstitucionalidade da norma e não
se discute toda a causa. Por isso, não se pode verificar a inconstitucionalidade
arguida nas peças dos processos onde foi suscitada e daí extrapolar que essa
alegação corresponde à alegação feita para o Tribunal Constitucional. E muito
menos se pode concluir como a decisão sumária o faz, sobre o que se pretende com
o recurso para o Tribunal Constitucional se a arguida só interpôs o recurso e
ainda não alegou. É que como já antes se disse o objecto do recurso em sentido
substantivo ( e não meramente processual) é, pois, uma norma à qual se reporta a
questão da inconstitucionalidade e não a decisão judicial do tribunal a quo. Tem
de se esperar para que a recorrente venha proferir as suas alegações para o
Tribunal Constitucional, onde aí irá explicar e concretizar melhor e somente o
porquê da inconstitucionalidade das normas que arguiu se verificar.
bb) A decisão sumária não indica qualquer norma, sendo por isso nula a mesma por
falta de fundamentação.
cc) A interpretação feita de que não se conhece do recurso interposto pela
arguida para o Tribunal Constitucional porque a alegação da
inconstitucionalidade que se fez perante o Tribunal da Relação não é conforme a
regulamentação processual que se aplica somente ao Tribunal Constitucional é ela
própria inconstitucional violando o disposto no artigo 20º n.º 4 transformando o
processo num processo que não é equitativo.
dd) O artigo 280 n.º1 b) da CRP impõe somente que se suscite no decurso do
processo a inconstitucionalidade da norma para se poder recorrer da decisão
final dos tribunais para o Tribunal Constitucional.
Estabelecerem-se critérios sem estarem ancorados na lei como se faz nesta
decisão sumária onde não se conhece do recurso interposto apesar das
inconstitucionalidades terem sido suscitadas e de na mesma decisão se pretender
aplicar as regras sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal
Constitucional a todos os processos nos outros tribunais onde se discuta a
inconstitucionalidade da norma, é contra o que a lei diz, nomeadamente a norma
normarum no dito artigo e no artigo 20 n.º 4. Ora, estabelecerem-se os ditos
critérios proibidos que na prática inviabilizam o direito à apreciação do
recurso, pois o artigo 20. n.º 4 estatui o due process que se traduz na
proibição de requisitos processuais desnecessários ou desviados de um sentido
conforme ao direito fundamental de acesso aos tribunais. Assim, a interpretação
feita aos artigos 20º n.º 4 e 280º n.º 1 b) na decisão sumária proferida é ela
mesmo violadora da Constituição e por isso inconstitucional o que se arguiu e
deverá ser declarada pelo presente meio.
Com Jorge Miranda, ob. cit. pág. 185, 'a decisão considerada em si mesma, pode
conter erros materiais ou nulidades processuais ou até infringir as normas
constitucionais e legais que balizam a sua formação ou o seu âmbito', o que é
manifestamente este o caso uma vez que a própria decisão em si mesma infringe as
normas constitucionais nos termos supra dissertados.
ee ) Apesar do recurso perante o Tribunal Constitucional não ser um recurso de
amparo, a verdade é que é um recurso que existe e que deve aquilatar as
inconstitucionalidades arguidas. Por isso, a decisão proferida é ininteligível
não se sabendo com ela qual o modo como se deve interpor recursos para o
Tribunal Constitucional e suscitar as inconstitucionalidades nos outros
tribunais.
ff) As inconstitucionalidades foram suscitadas pela arguida durante o processo.
O requerimento de interposição de recurso da decisão do Tribunal da Relação para
o Tribunal Constitucional foi feito com base no que a lei estabelece. A arguida
pretende que neste Tribunal seja analisada a inconstitucionalidade das normas e
não uma reapreciação do caso todo. Mas para isso tem que alegar e poder fazer a
exposição do que entende ser necessário. É que também no Tribunal Constitucional
existe a fase das alegações, não se podendo retirar essa alegação do alegado
noutros tribunais.
Termos em que a presente reclamação deverá ser deferida e aceite o recurso, como
é da mais elementar, sã, democrática, justa, JUSTIÇA !
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal responde à reclamação
nos termos seguintes:
1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 - Na verdade, as longas, prolixas e genéricas considerações do reclamante não
têm na devida conta a sedimentada jurisprudência constitucional, nomeadamente no
que toca à delimitação dos ónus que justificadamente incidem sobre a parte que
pretende garantir o uso do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70°
da Lei nº 28/82: a suscitação, durante o processo e em termos processualmente
adequados, de uma questão de inconstitucionalidade normativa, questionando o
critério normativo acolhido pela decisão impugnada.
3 - E sendo evidente que a legítima imposição de tais ónus ao recorrente em nada
colide com as normas e princípios constitucionais em vigor .
4 - Acresce que - como dá nota a decisão reclamada - o acórdão proferido pela
Relação nem sequer aplicou, como 'ratio decidendi', as interpretações
especificadas dos artigos 347°, nº 2, e 127° do Código de Processo Penal: como é
evidente, a Relação não erigiu como critério normativo da decisão o de que
estaria 'dispensada de se pronunciar' sobre as questões suscitadas pelo
recorrente e incluídas no objecto do recurso, tal como não fez apelo ao
entendimento de que só lhe cabe verificar a 'regularidade do julgamento'.
Importa decidir.
Na decisão reclamada ponderou-se, essencialmente, que a matéria que a recorrente
apresenta à decisão do Tribunal não concretiza qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, tal como é exigido pela alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC, ao abrigo da qual o recurso é interposto.
A alegação que a reclamante apresenta não põe em causa aquele julgamento, razão
pela qual se decide manter a referida decisão sumária nos seus precisos termos.
Em consequência, indefere-se a reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a
taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos