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Processo n.º 79/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Tábua, foi o ora reclamante,
A., condenado, pela prática do crime de corrupção passiva para acto ilícito, na
pena de 3 (três) anos e 6 (meses) de prisão e na proibição de exercer a função
de examinador por um período de quatro anos. Inconformado com esta decisão o
arguido, ora recorrente, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra
que julgou improcedente o recurso.
2. Novamente inconformado o arguido tentou recorrer para o Supremo Tribunal de
Justiça, recurso que, todavia, não foi admitido. Reclamou, então o arguido para
o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, invocando, nomeadamente, o
seguinte:
“[...] XXV Com efeito é manifesto que este processo é um processo por crime a
que é aplicável pena de prisão superior a oito anos - o crime de branqueamento
de capitais, punível com pena de quatro a doze anos de prisão.
XXVI A norma do artigo 400 n.° 1 f) do Código de Processo Penal, interpretada no
sentido de que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em
recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância que condenou o
arguido por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos,
mesmo que no processo o arguido tenha sido acusado, pronunciado e julgado por
crime a que é aplicável pena de prisão superior a oito anos, é inconstitucional,
por violar o direito ao recurso previsto no artigo 32 n.° 1 da Constituição da
República. [...]”.
3. A reclamação foi indeferida por despacho fundamentado nos seguintes termos:
“[...] Na hipótese em análise, está em causa um acórdão condenatório proferido
pelo Tribunal da Relação de Coimbra, confirmativo da decisão da 1ª instância que
condenou o arguido como autor na forma continuada e consumada de um crime de
corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelos arts. 26.º, 30.º, n.º 2, 65.º
a 68.º, 372.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, alínea c), todos do CP, na pena de três
anos e seis meses de prisão e na proibição de exercer a função de examinador por
um período de quatro anos.
Cabe, assim, a situação dos autos na previsão da alínea f) do n.º 1 do art. 400º
do CPP, por haver uma dupla condenatória conforme, na circunstância respeitante
a crime que não é punível com pena superior a 8 anos.
O referido artigo, quando se refere a acórdãos condenatórios proferidos em
recurso pelas relações que confirmem decisão de 1 a instância, em processo por
crime a que seja aplicável pena de multa ou de prisão não superior a oito anos,
não tem em vista o crime constante da pronúncia, uma vez que esta, não obstante
delimitar o objecto do processo, apenas releva para o julgamento a que o arguido
é submetido nas instâncias.
No respeitante à inconstitucionalidade imputada ao art. 400.º, n.º 1, alínea f),
do CPP refere-se que as garantias de defesa do arguido em processo penal não
incluem o terceiro grau de jurisdição, por a Constituição, no seu art. 32.º, se
bastar com um segundo grau, já concretizado no caso dos autos, aquando do
julgamento pela Relação.
Não se julga, assim, inconstitucional a norma do art. 400.º, n.º 1, alínea f),
do CPP. [...]”
4. Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade, através de
requerimento em que se afirmava, nomeadamente, o seguinte:
“[...] 14 O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70 da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro (Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional).
15 Como já se disse, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie é a constante da alínea f) do nº 1 do artigo 400
do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que não é admissível
recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que
confirmem decisão de 1ª instância que condenou o arguido por crime a que seja
aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo que no processo o
arguido tenha sido acusado, pronunciado e julgado por crime a que é aplicável
pena de prisão superior a oito anos.
16 O recorrente considera violada a norma do nº 1 do artigo 32 da Constituição
da República, segundo a qual 'o processo criminal assegura todas as garantias de
defesa, incluindo o recurso. [...]”
5. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte relevante, o seu teor:
“[...] 6. A questão a decidir é simples. Na verdade, o Tribunal Constitucional
já teve oportunidade de apreciar a constitucionalidade da norma impugnada pelo
recorrente, face aos princípios e preceitos constitucionais por este invocados,
tendo-se pronunciado no sentido da não inconstitucionalidade de tal norma. Assim
aconteceu, nomeadamente, nos acórdãos nºs 189/2001, 369/2001, 435/2001,
451/2003, 102/2004, 610/2004, 640/2004 e 104/2005 (todos disponíveis na página
Internet do Tribunal Constitucional, no endereço
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm).
Mais recentemente, pelo Acórdão n.º 64/2006 (tirado em Plenário e ainda não
disponível), decidiu o Tribunal, uma vez mais, “não julgar inconstitucional a
norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo
Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto
apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação
que, confirmando a decisão da 1ª Instância, o tenha condenado numa pena não
superior a oito anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável
pena superior a esse limite”. Para tal considerou, nomeadamente, que:
“[...] como repetidamente o Tribunal tem afirmado, a Constituição não impõe um
triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal.
Não se pode, portanto, tratar a questão de constitucionalidade agora em causa na
perspectiva de procurar justificação para uma limitação introduzida pelo direito
ordinário a um direito de recurso constitucionalmente tutelado.
A norma que constitui o objecto do presente recurso, e que define, nos termos
expostos, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça,
releva, assim, do âmbito da liberdade de conformação do legislador.
Como se afirmou no acórdão n.º 640/2004, não é arbitrário nem manifestamente
infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de
recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no
caso, possa ser aplicada.
A norma em apreciação não viola, pois, qualquer direito constitucional ao
recurso ou qualquer regra de proporcionalidade.
7. Também não ocorre uma eventual violação do princípio da igualdade,
considerado isolada ou conjugadamente com o direito ao recurso.
Com efeito, e para além do que se disse já, o critério utilizado para definir a
admissibilidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça – a possibilidade
de ser aplicada uma pena mais grave do que um determinado limite – torna
irrelevante saber quem pode ou não tomar a iniciativa de a provocar (o arguido,
o Ministério Público, ou o assistente).
Acresce que, interposto recurso com o objectivo do agravamento da pena aplicada
em 2ª instância, o arguido, como recorrido, tem as mesmas possibilidades de
pugnar pela redução da pena ou pela absolvição de que disporia se fosse ele o
recorrente.
8. Finalmente, e também pelas razões já apontadas, também não procede o
argumento de que seria constitucionalmente imposto que o arguido soubesse, no
momento em que é notificado do acórdão da 2ª instância, se tem ou não direito de
recorrer e em que condições o pode exercer. Note-se, aliás, que se não vê como a
norma em apreciação o impeça.
O mesmo se diga, aliás, da hipótese de se considerar constitucionalmente exigido
esse conhecimento em momento ainda anterior.”
É esta jurisprudência que, por merecer concordância e ser integralmente
transponível para o caso dos autos, aqui se reitera. Assim, pelos fundamentos
constantes dos acórdãos citados, reafirma-se que a norma questionada não viola o
disposto no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, não padecendo, por conseguinte,
da inconstitucionalidade apontada pelo recorrente.”
7. Notificado desta decisão, o recorrente apresentou um requerimento em que se
limita a afirmar que “não se conformando com a douta decisão sumária nos mesmos
[autos] proferida vem dela reclamar para a conferência, nos termos do disposto
no n.º 3 do artigo 78-A da Lei 28/82 de 15 de Novembro”.
8. O Ministério Público, recorrido, por seu turno, respondeu o seguinte:
“1. A presente reclamação, deduzida sem que o reclamante trate sequer de
fundamentar minimamente as razões porque discorda da decisão reclamada, é
manifestamente improcedente.
2. Termos em que deverá confirmar-se por inteiro aquela decisão.”
II - Fundamentação.
9. – Como é jurisprudência pacífica deste Tribunal (cfr., por exemplo, os
acórdãos n.ºs 293/2001 e n.º 120/2005, ambos disponíveis na página Internet do
Tribunal Constitucional, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/),
a reclamação prevista no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional
carece de ser fundamentada, sendo necessário que o reclamante exponha as razões
pelas quais discorda da decisão sumária reclamada.
No presente caso, o reclamante limita-se a afirmar que “vem dela reclamar para a
conferência, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 78-A da Lei 28/82 de 15
de Novembro”.
Ora, assim sendo, é manifesto que a reclamação não contém quaisquer razões de
discordância relativamente à decisão reclamada, pelo que nada mais resta do que
confirmar o decidido.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada de não conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 2 de Março de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício