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Processo n.º 585/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1.Notificado do acórdão n.º 65/2006, de 24 de Janeiro de 2006, pelo qual se
decidiu desatender a reclamação para a conferência e confirmar a decisão sumária
de 21 de Novembro de 2005, que decidira não tomar conhecimento do recurso
interposto por A. (ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, e visando a
apreciação da constitucionalidade dos artigos 387.º, n.º 3, e 156.º, n.º 1, do
Código de Processo Civil), com fundamento, em relação à norma do artigo 387.º,
n.º 3, do Código de Processo Civil, na falta de suscitação adequada perante o
tribunal recorrido dessa questão de constitucionalidade, e ainda, em relação à
norma do artigo 156.º, n.º 1, do mesmo Código, na falta de aplicação, pelo
tribunal recorrido, dessa norma como ratio decidendi da decisão, veio aquele
dizer:
«1. Por requerimento dirigido ao Exm.º Juiz Conselheiro Relator nos autos supra,
apresentado nesse Tribunal em 9.12.2005, cujo teor aqui se dá por integralmente
reproduzido, o requerente pediu a final:
· 10. Sintetizando o que acima ficou exposto, pede o reclamante, ao
Exm.º Juiz Conselheiro Relator, que:
· a) Supra as nulidades decorrentes da omissão dos actos previstos nos
art.ºs 704.º, n.º 1, do CPC, e 75.º-A, n.º 5, na sua dimensão conforme à
Constituição, da LTC, em conformidade com o determinado no art.º 201.º, n.º 1,
do CPC, ordenando a notificação do recorrente para os respectivos efeitos,
· b) Anule todo o processado subsequente de forma a eliminar a
falsidade arguida, ou, subsidiariamente, dela conheça nos termos e com os
efeitos previstos no art.º 549.º do CPC.
1.1. As nulidades arguidas são nulidades processuais.
1.2. A anulação do processado é determinada pelo art.º 201.º, n.º 2, do CPC.
1.3. A falsidade arguida é a falsidade de documento em que se encontra exarada a
decisão sumária, explicitada nos termos da parte IV do dito requerimento de
9.12.2005.
2. O requerimento de 9.12.2005, não é dirigido à CONFERÊNCIA. Nele não se
formula nenhum pedido para ser apreciado em CONFERÊNCIA. Inexiste norma legal
que autorize ou permita a avocação pela CONFERÊNCIA de requerimento dirigido ao
Relator sobre matérias que são da competência legal deste.
Pelo que, e salvo o devido respeito,
3. O Acórdão n.º 65/2006 não é vinculativo para:
· o arguente de nulidade processual cometida na tramitação do recurso nesse
Alto Tribunal,
· o arguente de falsidade de documento nele integrado subsumível ao disposto
nos art.ºs 372.º, n.º 2, do Código Civil, e 551.°-A, n.ºs 2 e 3, e 549.° do CPC,
ex vi art.º 69.º da LTC.
Atento o disposto nos art.ºs 3.°, n.ºs 1 e 2, e 264.°, n.ºs 1 e 2, do CPC,
aplicáveis ex vi art.º 69.° da LTC, mais cumpre ao arguente de 9.12.2005 dizer o
seguinte:
4. O processo de fiscalização sucessiva concreta de constitucionalidade
normativa, encontra-se subordinado ao PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO.
Tal aplicação é imposta pelas normas constitucionais e legais seguintes:
4.1. Dos artigos 280.°, n.º 1, alínea b), da Constituição, e 70.°, n.º 1, alínea
b), e 72.°, n.º 2, da LTC, segundo a qual o recurso de constitucionalidade
normativa depende de iniciativa do recorrente suscitando, durante o processo, a
inconstitucionalidade de norma aplicada na decisão recorrida.
4.2. Do artigo 75.°, n.ºs 5, 6 e 7, da LTC, segundo as quais o prosseguimento do
recurso para o Tribunal Constitucional depende de o recorrente responder ao
convite nelas previsto, dentro do prazo de 10 dias.
5. O princípio do dispositivo, consagrado na lei processual civil,
subsidiariamente aplicável ao processo de fiscalização sucessiva concreta de
constitucionalidade normativa, integra o direito fundamental,
constitucionalmente assumido, de respeito pela dignidade da pessoa humana.
5.1. Tal princípio encontra-se consagrado no artigo 1.° da Constituição, segundo
o qual Portugal é uma República baseada na dignidade da pessoa humana. Integram
este princípio, as garantias constitucionais de acesso ao direito e aos
tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos, mediante processo equitativo (cf. artigo 20.°, n.ºs 1 e 4, da
Constituição).
Segundo o Ilustre Conselheiro Messias Bento :
· Num Estado baseado na dignidade da pessoa humana, o direito de acção
processual civil há-de continuar a ter raiz vincadamente subjectiva,
· a ser personalista – que o mesmo é dizer que os seus alicerces devem
continuar assentes no princípio do dispositivo.
· Numa ordem jurídica que deve estar ao serviço do homem, e numa área
em que o titular do direito pode, em regra, dispor dele, a iniciativa e o
impulso processual hão-de continuar a pertencer às partes.
· E, isso, não apenas para o efeito de serem elas a desencadear a
intervenção do tribunal,
· mas, também, para o de serem elas igualmente, a modelar o thema
decidendum com o pedido e a defesa, e bem assim com os factos que carrearam para
o processo.
(cf. acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 934/96, DR, II Série, de 10.12.96).
Segundo o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 491/2003, publicado no DR, II
Série, de 11.2.2004, por força do princípio do dispositivo:
· são as partes que conduzem o processo
(Note-se que tal acórdão é subscrito pelos Ilustres Conselheiros Benjamim
Rodrigues, Paulo Mota Pinto, Maria Fernanda Palma e Rui Manuel Gens Moura
Ramos).
De acordo com a doutrina:
· o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação
valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo constitucional.
(cf. Constituição da República anotada pelos Prof.s Gomes Canotilho e Vital
Moreira, p. 70).
· a dignidade da pessoa humana funciona como princípio preceptivo que não
pode ser ofendido quer por entidades públicas quer pelos particulares.
(cf. Prof. Jorge Miranda, in Estudos sobre a Constituição, 2.° vol. p. 17).
5.2. O princípio do dispositivo em processo civil e constitucional, decorrente
da garantia constitucional da dignidade da pessoa humana, é tutelado também pela
garantia constitucional do respeito e a garantia de efectivação dos direitos e
liberdades fundamentais, integrantes do princípio constitucional do Estado de
direito democrático consignado no art.º 2.° da Lei Fundamental.
5.3. A sanção constitucional dos actos que violem os fundamentos constitucionais
da República Portuguesa é a de invalidade de tais actos, consignada no artigo
3.°, n.º 3, da Constituição. Esta invalidade só pode corresponder ao conceito
jurídico civil de inexistência jurídica também consagrado no texto
constitucional.
6. Os juízes do Tribunal Constitucional, na administração da justiça em matérias
de natureza jurídico-constitucional, estão apenas sujeitos à lei, e não podem
aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela
consignados (cf. artigos 203.° e 204.° da Lei Fundamental).
Os juízes do Tribunal Constitucional estão, pois, vinculados ao respeito pelo
princípio do dispositivo em processo civil-constitucional:
· enquanto emanação do princípio do respeito pela dignidade da pessoa
humana,
· enquanto concretização do respeito e garantia de efectivação dos direitos
e liberdades fundamentais.
E as suas decisões estão sujeitas à cominação do artigo 3.°, n.º 3, da
Constituição.
7. Os poderes do Relator, em processo de fiscalização sucessiva concreta de
constitucionalidade normativa, encontram-se balizados pelo disposto nos artigos
75.°-A, n.ºs 6 e 7, 78.°-A e 78.°-B da LTC, e, subsidiariamente, nos art.ºs
700.°, n.º 1, do CPC. Deles decorre o poder de o relator julgar os incidentes
suscitados. Nestes se inclui a apreciação e decisão sobre nulidade processual e
sobre falsidade de acto judicial, cometidas no âmbito do recurso de
constitucionalidade.
8. As reclamações para a conferência previstas nos artigos 78.°-A, n.º 3, e
78.°-B, n.º 2, da LTC, constituem faculdades do recorrente. Tais normas legais
conferem-lhe um poder que só ele pode exercer. Trata-se de um direito conferido
por lei, pessoal e intransmissível, ressalvadas as circunstâncias previstas no
art.º 270.° do CPC.
9. A arguição de falsidade de acto judicial não se encontra prevista na LTC.
Pelo que, por força do disposto no art.º 69.° da LTC, o seu regime legal de
apreciação e julgamento é o dos art.ºs 551.°-A, n.ºs 2 e 3, e 549.° do CPC. Nos
termos deste último, a decisão proferida sobre a arguição, tem de ser notificada
ao Ministério Público.
Assim,
10. Encontrando-se por decidir pelo Exm.º Relator Mota Pinto, o requerimento
apresentado pelo arguente, em 9.12.2005, e nada tendo sido requerido, por este,
à CONFERÊNCIA, ou que a esta tenha de ser obrigatoriamente submetido,
· o acórdão n.º 65/2006 não o vincula,
· o seu direito a uma decisão do Exm.º Relator Mota Pinto encontra-se por
satisfazer,
· o arguente não renunciou nem renuncia a tal direito
· só uma decisão do Exm.º Conselheiro Relator, e eventual investigação do
Exm.º Procurador-Geral da República poderá evitar que ocorra denegação de
justiça.»
Respondeu a entidade recorrida, nos seguintes termos:
«1. O requerimento do Recorrente – onde nada de concreto é sequer requerido – é
de todo impertinente e manifestamente improcedente.
2. Na verdade, como as Recorridas desde logo sublinharam na sua resposta ao
anterior requerimento do Recorrente – pelo qual este visara arguir uma pretensa
nulidade processual e suscitar uma descabida questão de falsidade documental –,
o único meio legalmente disposto para a impugnação das decisões sumárias
proferidas nos termos do art.º 78.°-A da Lei do Tribunal Constitucional é a
reclamação prevista no n.º 3 deste mesmo artigo. Daí que bem se tenha andado, no
douto Acórdão n.º 65/2006, ao entender-se que “apesar da qualificação assumida
pelo reclamante, que não vincula o Tribunal, o requerimento por si endereçado a
este tribunal não pode deixar de ser tratado como uma reclamação para a
conferência da decisão proferida em 21 de Novembro de 2005”, e ao conhecer-se, a
esse título, do requerimento em causa.
3. São destituídas de qualquer fundamento, por conseguinte, as afirmações de que
o anterior requerimento do Recorrente – sobre que incidiu o douto Acórdão n.º
65/2006 – se encontraria por apreciar e de que essa decisão “não o vincula”, não
se vendo ao que vêm as considerações sobre o princípio do dispositivo em que o
Recorrente se alonga no seu requerimento, as quais não têm aqui qualquer
aplicação e devem, em consequência, ser por completo desconsideradas.
4. Do exposto resulta também que, com a apresentação do seu anterior
requerimento, o Recorrente esgotou as vias de impugnação da douta decisão
sumária de 21.11.2005, onde se recusou tomar conhecimento do objecto do recurso.
A apresentação do requerimento a que ora se responde não tem, assim, qualquer
fundamento legal, e deve sem mais rejeitar-se conhecer do seu objecto, sob pena
de se admitir uma infindável multiplicação de requerimentos pelo Recorrente.
Termos em que deverá rejeitar-se o requerimento do Recorrente, condenando-se o
Recorrente nas custas do incidente anómalo a que deu causa.»
Cumpre apreciar e decidir.
2. No requerimento que cumpre apreciar, o recorrente limita-se a renovar as
razões que já havia aduzido no anterior requerimento, de arguição de “nulidade
processual” e de “falsidade de acto judicial” (Ponto V, n.ºs 8 e 9, a fls. 630
dos autos), para que essa dita peça não fosse considerada como uma reclamação
para a conferência da decisão sumária de 21 de Novembro de 2005, e,
consequentemente, para que fosse objecto de apreciação e decisão singular do
relator no Tribunal Constitucional.
Porém, como se disse já no acórdão n.º 65/2006:
“(…)
De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal
Constitucional, da decisão sumária proferida pelo relator pode reclamar-se para
a conferência, nessa reclamação tendo o recorrente ocasião de manifestar a sua
discordância com os seus fundamentos, incluindo a que se baseie em alegada falta
de correspondência à verdade (falsidade) dos factos em que assentou essa
fundamentação. Assim, e apesar da qualificação assumida pelo reclamante, que não
vincula o Tribunal, o requerimento por si endereçado a este tribunal não pode
deixar de ser tratado como uma reclamação para a conferência da decisão
proferida em 21 de Novembro de 2005, sendo, aliás, este o único meio legalmente
previsto para a impugnação das decisões sumárias proferidas no âmbito do recurso
de constitucionalidade”. (sublinhado aditado)
O requerimento ora em apreço não tem, pois, qualquer fundamento que o suporte,
uma vez que, com a apresentação do anterior requerimento, o recorrente esgotou
os meios legais de impugnação da decisão sumária de 21 de Novembro de 2005 ao
seu dispor. O acórdão n.º 65/2006 pronunciou-se sobre a pretensão do recorrente,
expressamente tratando a questão do tratamento a dar ao requerimento então em
causa, e dizendo que ele “não pode deixar de ser tratado como uma reclamação
para a conferência”.
Não se encontra, assim, já nada por decidir, raiando tal alegação, mesmo, uma
litigância de má fé, na forma de dedução “de pretensão ou oposição cuja falta de
fundamento não devia ignorar” (artigo 456.º, n.º 2, alínea a), do Código de
Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da Lei do Tribunal
Constitucional). Admite-se, contudo, que não seja ainda esse o caso, por a
insistência do reclamante se ficar a dever a outras causas, diversas da mera
obstinação processual na dedução de pretensões cuja falta de fundamento aquele
não devia ignorar.
Pelo exposto, sendo esta a única questão trazida à apreciação do Tribunal
Constitucional indefere-se, sem mais considerações, a pretensão do recorrente.
3. Nestes termos, decide-se:
a) Indeferir o pedido do reclamante;
b) Condenar o reclamante em custas, com 15 ( quinze ) unidades de
conta de taxa de justiça.
Lisboa, 2 de Maio
de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos