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Processo nº 242/2006
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional, alegando ter 'sido regularmente
notificado do douto Acórdão de 15/12/2003 que lhe indeferiu a invocada nulidade
do douto acórdão de 23/06/2003', ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a
'constitucionalidade' da norma 'constante dos artigos 374º, n.º 2 do Código de
Processo Penal interpretada no sentido de que a falta de enumeração na sentença
condenatória dos factos não provados não constitui a nulidade da sentença a que
se refere a al. a) do artigo 379º do mesmo diploma e de que a consignação da
matéria provada fora do local próprio imposto pela mesma norma não constitui
qualquer nulidade processual, mas apenas, quando muito, mera imperfeição ou
irregularidade da sentença que até pode ser corrigida em sede de recurso'.
Sustenta a violação dos princípios da igualdade, do acesso ao direito e da
tutela jurisdicional efectiva e da dignidade humana e do Estado de Direito,
consagrados nos artigos 1º, 2º, 13º, 20º, n.ºs 1 e 5 e 32º, n.º 1 da
Constituição e diz ter invocado a inconstitucionalidade 'no nosso requerimento
de fls. 89-91 e 110-112'.
O recurso não foi, porém, admitido. Por despacho de 2 de Fevereiro de 2004, de
fls. 20, o relator entendeu que 'o recorrente não suscitou validamente durante o
processo a questão da inconstitucionalidade a que agora alude. Neste sentido nos
pronunciámos no acórdão de fls. 131-132' .
Neste acórdão, agora de fls. 26-27, de 15 de Dezembro de 2003, foi desatendida a
arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão da mesma Relação que
concedera parcial provimento ao recurso interposto da sentença proferida no
processo comum singular n.º 540/02 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de
Esposende, alterando a pena imposta ao arguido, condenado pela prática de um
crime de desobediência p. e p. pelos artigos 348º, n.º 1, a) do Código Penal e
158º, n.º 3 do Código da Estrada.
Para o que agora releva, o acórdão de 15 de Dezembro de 2003 pronunciou-se nos
seguintes termos:
'3. Vem o arguido, a fls. 109, sob invocação do disposto no artº 417º, n.º 2 do
C.P.P., arguir a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia.
4. Ouvido, o Exmo Procurador-Geral Adjunto é de parecer que se mostra
inverificada a arguida inconstitucionalidade.
Salienta, no entanto, a inexistência de coincidência entre a resposta junta aos
autos por fax e o respectivo original.
5. Da resposta enviada através de fax aos presentes autos, constituída por três
folhas (cfr. fls. 89-91), não se vê que o arguido haja invocado qualquer
violação de normas da Lei Fundamental.
É certo que no original da referida Resposta ao Parecer do Mº Pº, que constitui
fls. 110-112, o arguido invoca a inconstitucionalidade da norma contida no artº
374º, n.º 2 do C.P.P., se interpretada no sentido plasmado no parecer do Exmo
PGA, porquanto, em seu entender, viola os princípios da igualdade, do acesso ao
direito e da tutela jurisdicional efectiva consagrados nos artºs 13º e 20º, n.ºs
1 e 5 da CRP e norma contida no artº 32º, n.º 1 da mesma Lei.
Só que, salvo o devido respeito, para poder ser valorado o teor da peça em
questão, era necessário que existisse uma total coincidência entre a telecópia e
o original, a menos que existisse qualquer causa justificativa da verificada
desconformidade, o que no caso em análise não foi invocado pelo arguido.
Assim sendo, outra alternativa não resta a este Tribunal que não seja a de não
considerar como válida a resposta, na parte em que o arguido suscita a referida
inconstitucionalidade.
Em suma, este tribunal não se pronunciou sobre a questão da invocada
inconstitucionalidade, nem tinha que se pronunciar.'
2. A. veio então reclamar para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
no nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Mantém que suscitou
'validamente' a questão de inconstitucionalidade, nestes termos:
'(…) 3. E não se venha dizer, como no douto acórdão de fls. 131 e 132, que
porque não existe uma total coincidência entre o original de fls. 110-112 e a
telecópia de fls. 89-91 não poderá ser considerada a resposta do recorrente na
parte em que este suscita a referida inconstitucionalidade,
4. É que, a ser correcto tal entendimento, sempre se dirá que então terá de ser
valorado processualmente apenas o respectivo original e já não a dita
telecópia!
5. E não se venha dizer que o respectivo original não pode ser valorado porque
foi apresentado fora de prazo legal para o efeito,
6. porquanto, a aludida peça processual foi apresentada no 3º dia útil
subsequente ao termo do prazo respectivo;
7. E, nessa conformidade, deveria a secretaria do tribunal a quo ter dado
cumprimento ao disposto no artº 145º, n.º 6 do CPC (…);
8. Ora, «os erros e omissões praticados pela secretaria judicial não podem, em
qualquer caso, prejudicar as partes» – vd artº 161º, n.º 6 do CPC (…).
9. Donde resulta com manifesta evidência que a concreta questão de
inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente de forma adequada e
tempestiva'.
Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da
improcedência da reclamação:
'Não compete a este Tribunal pronunciar-se, no âmbito da presente reclamação,
sobre os efeitos processuais da notada divergência entre a peça processual,
apresentada por fax na Relação, e o respectivo original, posteriormente remetido
para o processo, já que tal respeita exclusivamente à tramitação do recurso,
interposto para a Relação de Guimarães, e aí processado em fase anterior à
interposição do recurso de constitucionalidade. Por outro lado, se o reclamante
entendia dever ter lugar o cumprimento do preceituado no n.º 6 do art. 145º do
Código de Processo Civil, tinha o ónus de, perante a instância recorrida, arguir
a irregularidade decorrente da omissão alegadamente cometida, não cabendo
obviamente a este tribunal suprir ou apreciar tal irregularidade, no âmbito da
presente reclamação.
Deste modo, tendo de ser acatada e decisão da Relação acerca de tal questão
processual, é evidente a inverificação dos pressupostos do recurso, por não ter
sido adequadamente suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, susceptível de servir de base ao recurso interposto (…)'.
3. Na verdade, a reclamação não pode ser atendida, desde logo porque não cabe na
competência do Tribunal Constitucional apreciar a decisão sobre a consequência
da divergência – que o reclamante não contesta – entre a telecópia remetida em
primeiro lugar ao Tribunal da Relação de Guimarães e o original correspondente,
que posteriormente deu entrada no mesmo Tribunal, divergência essa que motivou o
não conhecimento da questão de constitucionalidade por parte do tribunal a quo.
E da mesma forma também não pode o Tribunal Constitucional determinar, nem se
deveria ou não a Secretaria da Relação de Guimarães 'verificar' a coincidência
entre os exemplares e aplicar por sua iniciativa o disposto no n.º 6 do artigo
145º do Código de Processo Civil, nem se é viável considerar um original
diferente da telecópia por este mecanismo, nem se o ora reclamante tinha o ónus
de conhecendo a divergência, actuar segundo o disposto no n.º 5 do mesmo
preceito ou de arguir qualquer irregularidade decorrente de uma eventual
omissão.
Tudo isso são questões apenas e exclusivamente do âmbito da competência do
Tribunal da Relação de Guimarães, como se sabe.
Valendo, assim, apenas, a telecópia em causa, resta ao Tribunal Constitucional
indeferir a reclamação por não ter sido suscitada 'durante o processo' a
inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada no recurso que interpôs, como
resulta do disposto na al.b) do n.º 1 do artigo 70º e do n.º 2 do artigo 72º da
Lei nº 28/82.
Nestes termos, indefere-se a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 3 de Abril de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício