Imprimir acórdão
Processo n.º 883/2005
Plenário
Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1. O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal, como representante do
Ministério Público, veio requerer em 4 de Novembro de 2005, nos termos do
disposto nos artigos 281º, n.º 3 da Constituição e 82º da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da
“norma constante do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de
Outubro, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro,
quando dele decorre – conjugado com o artigo 411º do Código de Processo Penal –
um prazo mais curto para o recorrente, em processo contra-ordenacional, motivar
o recurso”.
Para o efeito, refere que esta interpretação normativa foi julgada
inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo
13º da Constituição, no acórdão n.º 462/2003 e nas decisões sumárias n.ºs
284/2004 e 318/2005.
Notificado nos termos do disposto no artigo 54º da Lei nº 28/82, o Primeiro
Ministro respondeu oferecendo o merecimento dos autos.
2. O n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, na redacção que lhe foi dada
pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, tem a seguinte redacção:
“Artigo 74º
(Regime do recurso)
1. O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do
despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida
sem a presença deste.
(...)”.
Trata-se do prazo de que o arguido em processo contra-ordenacional dispõe para
interpor recurso da decisão proferida na impugnação judicial de uma decisão de
aplicação de uma coima, que a versão inicial do Decreto-Lei n.º 433/82 fixava em
5 dias.
Nos termos do disposto no n.º 4 do mesmo artigo 74º, “o recurso seguirá a
tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que
resultam deste diploma”.
Por virtude desta aplicação subsidiária das regras de processo penal, “o
requerimento de interposição do recurso é sempre motivado (...)”, como resulta
do no n.º 3 do artigo 411º do Código de Processo Penal. O recorrente tem, assim,
nos termos destas disposições, 10 dias para motivar o recurso que pretenda
interpor.
No acórdão n.º 462/2003 (Diário da República, II série, de 24 de Novembro de
2003), o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma resultante da
conjugação do disposto no n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82 e no
artigo 411º do Código de Processo Penal “quando deles decorre (...)um prazo mais
curto para o recorrente motivar o recurso”.
Como se verifica pela respectiva fundamentação, estava então em causa a
comparação entre o prazo de que o recorrente dispõe para motivar o recurso e o
prazo fixado para a correspondente resposta, que se considerou como tendo a
duração de 15 dias, por aplicação subsidiária do disposto no Código de Processo
Penal (n.º 1 do artigo 413º).
3. Nesse pressuposto, o acórdão n.º 462/2003 reiterou a justificação com que o
acórdão n.º 1229/96 (Diário da República, II série, de 14 de Fevereiro de 1997)
julgara inconstitucional a norma constante da anterior redacção do n.º 1 do
artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, conjugada com o artigo 411º do Código de
Processo Penal, também quando entendida no sentido de determinar um prazo mais
curto para o recorrente motivar o recurso, quando confrontado com o prazo da
resposta, nestes termos:
«6. Da posição do recorrente decorre ainda a afirmação de que a
existência de dois prazos processuais (o de cinco dias, do artigo 74º, nº 1, e
o de dez dias, 'para os sujeitos processuais afectados pela interposição de
recurso, que resulta do Código de Processo Penal') 'viola o princípio da
igualdade, na sua dimensão de princípio de igualdade de armas', à luz do artigo
13º da Constituição, na medida em que são prazos distintos para motivar e para
responder no processo de contra-ordenação.
Partindo dessa afirmação, tudo está em saber se a pretensa diferenciação de
tratamento dos sujeitos processuais se baseia em motivos subjectivos ou
arbitrários, ou é materialmente infundada, e é este aspecto que releva para
aferir a violação do princípio da igualdade, aqui na dimensão de igualdade de
armas no mesmo processo, enquanto princípio vinculativo da lei, traduzindo a
ideia geral de proibição do arbítrio (na leitura, por exemplo, do acórdão nº
213/93, publicado no Diário da República, II Série, nº 127, de 1 de Junho de
1993, seguido depois no citado acórdão nº 47/95).
Na verdade, a aceitar-se um regime distinto para os actos processuais, como não
pode deixar de aceitar-se, por aplicação dos nºs 1 e 4 do artigo 74º (o nº 4
manda seguir 'a tramitação de recurso em processo penal'), conjugados com os
artigos 411º e 413º do Código de Processo Penal, tem de dizer-se que, sendo
assim, ocorre afronta à regra da igualdade constitucionalmente consagrada, não
valendo argumentar que o legislador se move no quadro de valores
constitucionais, tais como os da celeridade da eficácia da justiça e da
eficácia do sistema contra-ordenacional. E não pode também argumentar-se com a
ideia de que uma coisa é o acto de interposição do recurso à disposição do
arguido, que tem de ser motivado (cfr. artigo 411º do Código de Processo Penal),
e outra é a resposta ao recurso, por aplicação do artigo 413º do mesmo Código,
pois a igualdade de armas no mesmo processo supõe iguais mecanismos à disposição
dos sujeitos processuais (igualdade que estava assegurada à data em que foi
editado o Decreto-Lei nº 433/82, pois vigorava então o Código de Processo Penal
de 1929, à face do qual a fase da motivação do recurso era posterior à sua
interposição e era o mesmo o prazo para alegar e contra-alegar: artigos 645º,
649º e 651º daquele Código).
Sendo certo que a decisão recorrida não chegou a envolver-se num juízo de
aplicação daquela norma do nº 4 do artigo 74º, pois nem sequer o presente
processo chegou à fase de produção da resposta ao recurso pelo recorrido, a
verdade é que o prazo mais encurtado para a motivação do recurso da parte do
recorrente envolve ofensa do princípio da igualdade, tal como ela vem pelo
recorrente delineada (cfr. os acórdãos deste Tribunal Constitucional nº 208/93 e
263/93, com identificação de mais arestos, nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vol. 24º, págs. 527 e 655).
Em suma, o artigo 74º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, quando
dele decorre, conjugado com o artigo 411º, do Código de Processo Penal, um prazo
mais curto para o recorrente motivar o recurso, está ferido de
inconstitucionalidade, por violação do artigo 13º da Constituição.»
Esta fundamentação, que hoje se pode filiar também no n.º 4 do artigo 20º da
Constituição, ao qual foi acrescentado pela revisão constitucional de 1997, foi
acolhida nas decisões sumárias n.ºs 284/2004 e 318/2005.
4. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide declarar a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1
do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe
foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, conjugada com o artigo
411º do Código de Processo Penal, quando dela decorre que, em processo
contra-ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do
que o prazo da correspondente resposta, por violação do princípio da igualdade
de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do
artigo 20º da Constituição.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Maria João Antunes
Vítor Gomes
Mário José de Araújo Torres
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício