Imprimir acórdão
Processo n.º 608/03
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. e mulher B. demandaram em processo de execução perante o Tribunal Judicial da Comarca de Amadora C. e mulher D., E., F., G., H. e I..
2 – Todos os executados deduziram embargos à execução. O Tribunal de
1ª instância recebeu os embargos deduzidos pelos primeiros executados e rejeitou, por apresentados fora de prazo, os deduzidos pelos restantes cinco executados.
3 – Do despacho que recebeu os embargos recorreram os exequentes/embargados para o Tribunal da Relação de Lisboa. Por seu lado, do despacho que rejeitou os embargos que haviam deduzido recorreram para o mesmo Tribunal de 2ª instância os respectivos executados/embargantes. O Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento a ambos os recursos.
4 – Os exequentes A. e mulher, colocados perante a impossibilidade legal de recorrerem dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decorrente dos artigos 734º, n.º 1, e 754º, n.º 2, do CPC, interpuseram então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC), pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 198º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), por violação do princípio da igualdade.
5 – Por seu lado, os executados/embargantes, que viram rejeitados os embargos que deduziram (os últimos cinco executados acima identificados), recorreram daquele acórdão da Relação de Lisboa para o STJ, suscitando a questão de inconstitucionalidade material e orgânica do n.º 3 do art.º 816º do CPC, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, bem como a questão da ilegalidade material do mesmo preceito, por violação de lei com valor reforçado como era a lei de autorização sob invocação da qual fora emitido, tendo este Supremo negado provimento ao recurso.
6 – Invocando o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC, estes mesmos executados/embargantes recorreram deste acórdão do STJ para o Tribunal Constitucional, alegando quer a inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º
816º do CPC, quer a sua ilegalidade, nos mesmos termos em que antes o fizeram nas alegações para o STJ, terminando, todavia, apenas a pedir o julgamento de inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º 816º do CPC.
7 – Na parte pertinente ao conhecimento do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto pelos exequentes A. e mulher, o acórdão da Relação de Lisboa – que é, no seu recurso, a decisão recorrida - , para negar provimento ao seu recurso, abonou-se nas seguintes considerações:
«Face ao disposto 710º do C. P. Civil, importa conhecer, em primeiro lugar, do agravo, interposto pelos embargados, do despacho do Sr. Juiz que considerou tempestiva a apresentação, em 3 de Dezembro de 2001, da petição dos embargos deduzidos por C.. Nos termos do disposto no artigo 816º do C. P. Civil, os embargos podem ser deduzidos no prazo de vinte dias, a contar da citação, sendo motivo para a sua rejeição a dedução fora de prazo - art. 817°, n.º 1, al. a). Os executados ora embargantes foram todos citados na acção executiva em
2.11.2001 em localidades situadas fora da comarca. Face ao disposto no artigo 252°-A, n.º 1, b), do Código Civil tinham os executados uma dilação de 5 dias que acrescia ao prazo de 20 dias para deduzir embargos à execução. Tendo o embargante e executado C. sido citado em 2.11.2001, na sua própria pessoa, fora da comarca devia embargar a execução até 27-11-01 a que podiam acrescer os prazos indicados no art. 145º, desde que paga a multa aplicável. Dispõe, porém, o art. 252°-A, n.º 1, al. a, e n.º 4 do C. P. Civil que, quando a citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, nos termos do n.º 2 do artigo 236º e dos n.º s 2 e 3 do art. 240°, ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias, incumbindo à secretaria cumprir o disposto no art. 241º. O executado C. não teria, em princípio, esta dilação porque o aviso de recepção foi assinado por si. Porém, quanto ao mesmo, a secção cumpriu o disposto no art.
241º, indicando-lhe que tinha mais 5 dias para apresentar defesa. Errou, pois, a secretaria ao indicar ao executado que tinha mais 5 dias para deduzir embargos. Nos termos do disposto no artigo 161º, n.º 6, do C. P. C. os erros e omissões praticados pela secretaria judicial não podem em qualquer caso prejudicar as partes. Por isso, por aplicação do disposto no art. 198º, n.º 3, do Código de Processo Civil, podia o executado apresentar a petição de embargos até 3/12/02. Face ao exposto, improcedem todas as conclusões do agravante, não merecendo censura o despacho recorrido.».
8 – Por sua vez, o acórdão do STJ que negou provimento ao recurso interposto pelos referidos recorrentes estribou-se na seguinte fundamentação:
«Como resulta das conclusões a questão suscitada no agravo é só uma e diz respeito a saber se o disposto no n.º 3 do art.º 816º do C.P.C. é inconstitucional, material e organicamente como pretendem os recorrentes.
Situando a questão verifica-se que, embora todos os executados tenham sido citados em 2/11/2001, todos beneficiam da dilação de 5 dias em virtude de a citação ter ocorrido em área fora da comarca – art. 252º-A, n.º 1, b), do C.P.C. Parecer, só aos executados D. e C. acresce mais 5 dias de dilação, a 1ª por ter sido citada em pessoa diversa (art.º 252º-A, n.º 1, a), e n.º 4, do C.P.P.), o
2º porque, por lapso da secretaria foi notificado nos termos do disposto no art.º 241º, de que dispunha de mais 5 dias para sua defesa. Assim sendo e tendo em conta o prazo de 21 dias (+ dilações) a que se refere o art.º 816º, n.º 1, e que corre individualmente para cada executado, visto que não se aplica o disposto no n.º 2 do art.º 486º (n.º 3 do citado art.º 816º), o prazo para a dedução dos embargos terminava em 3/12/2001 para os 1ºs executados e em 27/11/2001 para os restantes. Como a petição de embargos, conjunta, deu entrada em 3/12/2001, tinha já decorrido o prazo quanto aos 5 últimos executados, embargantes, razão porque, quanto a eles, foram os embargos liminarmente rejeitados ao abrigo do disposto no art.º 817º, n.º 1, a), do C.P.C.. Ora, à míngua de outra argumentação, vieram os 5 últimos executados/embargantes invocar a inconstitucionalidade orgânica e material do n.º 3 do art.º 816º do C.P.C., porquanto a autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo através da Lei nº 33/91, de 18/8, não autorizar o executivo a alterar o art.º 816º da forma como o fez o D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, acrescendo à referida inconstitucionalidade uma “ilegalidade material na medida em que existe violação da lei com carácter reforçado (lei de autorização), pois o citado D.L. infringe as determinações suplementares da lei de autorização”. Em primeiro lugar, nem se entende quais sejam as “determinações suplementares” da Lei nº 33/95, visto que não constam do texto de diploma e os agravantes não nos dizem quais sejam. Não existe, assim, tal ilegalidade material. E não existe também a alegada inconstitucionalidade orgânica como se vai tentar demonstrar. De facto, antes da reforma introduzida pelo D.L. nº 329-A/95, o art.º 816º do C.P.C. fixava o prazo de 10 dias para a dedução de embargos de executado, a contar da citação, e não continha o actual n.º 3. Discutia-se, então, na doutrina e jurisprudência se, no caso de serem vários os executados/embargantes, teria ou não aplicação o disposto no art.º 486º, n.º 2, do C.P.C., por força da remissão genérica contida no art.º 801º do mesmo diploma. Isto é, discutia-se se os embargos podiam ser apresentados em juízo por qualquer dos embargantes até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar. Defendiam a aplicação do n.º 2 do art.º 486º o Prof. Alberto dos Reis (Processo II-46) e o Dr. Lopes Cardoso (Manual-295). Também na jurisprudência se defendia esta orientação como por exemplo no Ac. STJ de 27/7/45 (Bol. Of. V-330) ou no Ac. da R.L. de 28/11/91 (B.M.J. 411-641). Em sentido contrário pronunciaram-se Lebre de Freitas (Parecer publicado na Col. J. 1989-3-41 e Acção Executiva 1993-194) e Anselmo de Castro (A Acção Executiva Singular, Comum e Especial –1970-311 e 312), além do Ac. da R.C. de 25/6/96
(B.M.J. 458-409). Com a reforma do processo civil operada pelo D.L. nº 329-A/95, alargou-se o prazo para a dedução dos embargos de 10 para 20 dias e acrescentou-se ao art.º
816º do C.P.C. o seu n.º 3, onde expressamente se resolveu a questão doutrinária e jurisprudencial referida, optando-se pela corrente que entendia não ser aplicável aos embargos o que se dispunha no n.º 2 do art.º 486º do mesmo diploma legal. Portanto, visto que o novo número do preceito se destinou claramente a resolver o conflito assinalado, não coloca que se tenha o n.º 3 do art.º 816º como norma interpretativa, na medida em que interpreta como determinar o termo do prazo estabelecido no n.º 1 quando sejam vários os executados/embargantes, ou, se se quiser, na medida em que interpreta o n.º 2 do art.º 486º, no sentido de que não
é aplicável à dedução de embargos de executado. Seja como for, o certo é que antes da introdução desse n.º 3 eram defensáveis as duas orientações acima referidas e eram aplicadas em concreto pelos Tribunais uma e outra, de modo que é pelo menos interpretativa a razão de ser da introdução do novo número.
(Col. Ac. do STJ de 27/5/1999 – B.M.J. n.º 487-269, cujo sumário é o seguinte “É interpretativa a norma do n.º 3 do art.º 816º do C.P.C., introduzida pelo D.L. n.º 329-A/95, de 27/12”). No entanto, conforme alegam os agravantes, trata-se de preceito inovador e que contém matéria da competência reservada da Assembleia da República, conforme resultaria dos art.ºs 164º, l) e 169º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa. É todavia estranho, ou talvez não, a citação dos referidos dispositivos constitucionais, na medida em que é no art.º 168º que se discriminam as matérias da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização legislativa (reserva relativa), sendo certo que, no que aqui nos interessa, deve incidir-se a atenção no disposto nas alíneas e), d) e g). Assim, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar (salvo autorização concedida ao Governo) sobre: e) Definição dos crimes, penas e medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal; d) Regime geral de punição de infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; g) Organização e competência dos Tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos. Como se vê, em matéria de processo civil em geral, nada se diz no art.º 168º, o que significa que, como se decidiu no douto Ac. do Tribunal Constitucional n.º
447/93, de 15/7/93 (D.R., II Série, de 23/4/94) “... em matéria processual, a Lei Fundamental só inclui na reserva relativa da Assembleia da República a legislação sobre processo criminal [art.º 168º, n.º 1, e)], bem como sobre “o regime geral dos actos ilícitos da mera ordenação social e respectivo processo
[art.º 168º, n.º, 1, d)]...” No caso do D.L. nº 329-A/95, além de ter legislado sobre matérias contidas na reserva relativa da A.R., daí a necessidade da autorização legislativa consubstanciada na Lei nº 33/95, legislou ainda sobre outras matérias, puramente adjectivas e não reservadas. Por exemplo, alterou vários prazos processuais, designadamente o prazo para a dedução dos embargos de executado, que de 10 dias passou a 21 dias (n.º 1 do art.º 816º do C.P.C.), sem que alguém se lembrasse, nomeadamente os agravantes, de considerar tais alterações inconstitucionais por falta de autorização legislativa. Aliás, a introdução do n.º 3 do art.º 816º não tem maior alcance do que a mera alteração de um prazo processual, que é o que, no fundo, se contempla no caso de pluralidade de executados/embargantes. Para tal, não necessitava o Governo de autorização legislativa da A.R. Não se verifica, por isso, qualquer inconstitucionalidade orgânica ou formal. E, evidentemente, também não se vislumbra a alegada inconstitucionalidade material (de resto não concretizada pelos agravantes), visto que não se vê que tivesse sido violado qualquer princípio constitucionalmente consagrado. Consequentemente, o n.º 3 do art.º 816º do C.P.C. é para aplicar, e, por isso, os embargos deduzidos pelos agravantes, foram intempestivos, razão porque não podiam ser recebidos.».
10 – Alegando no Tribunal Constitucional sobre o objecto do seu recurso, os recorrentes A. e mulher concluíram do seguinte modo:
«1ª O rigor dos teores das cartas de fls. 42 e 51 da execução, citados supra em 1 e 2, é insusceptível de facultar ao recorrido a dilação de 5 dias de que beneficia quem não foi citado na sua própria pessoa. Face ao rigor desses teores não é lícito ao citado prevalecer-se de dilação tal qual como se não tivesse ele próprio assinado o aviso de recepção, apresentado o seu Bilhete de Identidade, cujo número ficou registado, e recebido os documentos da citação.
2ª Não será exigível ao cidadão comum que saiba o prazo para a oposição. Mas já
é inadmissível que, tendo recebido ele próprio a carta de citação, se venha a prevalecer de dilação de 5 dias, que é posteriormente comunicada... por não ter sido ele próprio que assinou a carta de citação.
3ª A lei não pode ser interpretada no sentido de, ao mesmo tempo, considerar o citado capaz para entender a carta de citação de fls. 42 (onde até já se dizia que 'No caso de pessoa singular, quando a assinatura do aviso de recepção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias (art.ºs 236° e
253°-A do CPC)'), mas incapaz para compreender a carta de fls. 51.
4ª E tudo só porque o citado assina ilegível (porque se, como alguns, assinasse legível então não beneficiaria de dilação). No caso concreto resulta até, da vastíssima documentação junta aos presentes autos, que o citado não é nada analfabeto. Tal interpretação da norma do art.198°, n.º 3, do CPC impõe a inconstitucionalidade dela por violação do princípio da igualdade estabelecido no art. 13 ° da Constituição.
5ª A concreta aplicação que foi feita da norma do art. 198°, n.º 3, do CPC - admitindo os embargos no prazo dilatado - decorreu de o citado ter assinado ilegível; a norma não teria sido chamada a intervir se o citado tivesse assinado legível. Esta solução do direito, que foi dada no presente caso, tendo este por contemplado na norma do art.198°, n.º 3, implica a inconstitucionalidade desta norma, por violação do disposto no art. 13° da Constituição.
6ª A admissibilidade da oposição num prazo mais alargado não pode depender de o citado pessoalmente assinar legível ou ilegível. Se a sua assinatura for ilegível beneficia da dilação que o n.º 3 do art. 198° admite. Fazer esta distinção, com a implicação de que o citado pessoalmente que assina ilegível vem a ter o benefício, em consequência disso, do disposto do art. 198°, n.º 3, é consagrar uma desigualdade dos cidadãos perante a lei. A aplicação do art. 198°, n.º 3, à situação em apreço contempla uma discriminação que implica a inconstitucionalidade da norma nele contida, por violação do disposto no artigo
13° da Constituição.
7ª Consentindo a norma do art. 198°, n.º 3, do CPC ser interpretada e aplicada no sentido de que vem mais tarde a beneficiar de outro prazo suplementar aquele que assinou pelo seu próprio punho o documento da sua citação, no qual já constava o prazo legal para contestar, tal norma é violadora do direito constitucional, porquanto a dilação (ou prazo excedente) apenas é concedida
àquele que não assinou o documento da sua citação.
8ª Tal norma comporta na sua interpretação e concreta aplicação uma desigualdade perante a lei conforme o próprio citando que recebe a sua própria citação assina legível ou ilegível ainda que aquele seja analfabeto e este um profundo conhecedor do direito.
9ª A norma em questão comporta na sua interpretação e aplicação uma desigualdade perante a lei porque sendo o citado o próprio, que recebe a citação, o prazo para a oposição não pode depender, como no caso aconteceu, de a assinatura ser legível ou ser ilegível. No caso presente, o citado sabia bem ao ser citado que era ele próprio e se a lei considera a citação efectuada - presumida compreendida - não pode relevar na sua interpretação e aplicação a não compreensão duma comunicação posterior em que é concedido prazo suplementar por motivo, como nela expressamente se diz, de não ter sido o citado que assinou a sua própria citação.
10ª A solução do art. 198°, n.º 3, não pode contemplar o caso em que para a defesa foi indicado o prazo legal, mas porque a assinatura do citado foi ilegível a secretaria veio a indicar prazo suplementar com base em que não fora o próprio citado a assinar, mas este sabia que tinha sido por ter sido ele que pelo seu próprio punho assinou a citação. Fundada esta diferença na legibilidade ou ilegibilidade da assinatura, em beneficio desta última que a referida norma contemplaria, afecta-a de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade estabelecido no art. 13° da Constituição.
11ª Conforme foi interpretada e aplicada admitindo o recorrido a opor-se em prazo suplementar, alicerçado na ilegibilidade da sua assinatura, a norma em causa comporta uma solução que não abrange quem assina legível. A referida norma, permitindo tal alcance na sua interpretação e aplicação, conflitua com o disposto no art. 13° da Constituição, devendo nessa solução que consente ser declarada inconstitucional.».
11 – Sintetizando o discurso argumentativo desenrolado nas suas alegações sobre o objecto do seu recurso, os referidos executados/embargantes formularam as seguintes conclusões:
«1ª O n.º 3 do art.º 816° do Cód. Proc. Civil, introduzido pelo Decreto-Lei n° 329-A/95, de 12 de Dezembro, é uma verdadeira norma inovadora.
2ª Pois, até à introdução deste preceito, não existia norma disciplinadora quanto à forma de contagem do prazo para oposição à penhora, no caso de existirem vários executados, nem qualquer disposição que estabelecesse a aplicação especial e contrária ao subsidiariamente previsto no n.º 2 do art.º
486° do mesmo diploma.
3ª Assim, e em obediência ao estipulado no art.º 801° do Cód. Proc. Civil aplicava-se subsidiariamente o previsto no n.º 2 do art.º 486° do Cód. Proc. Civil.
4ª O que não significa que se esteja perante uma aplicação de uma norma interpretativa.
5ª Pois uma norma interpretativa, é “aquela que tem por função interpretar uma anterior lei, esclarecendo o sentido e âmbito dessa outra, quando nesta existe uma questão de direito cuja solução não é pacífica”.
6ª O que não se verificava.
7ª Pelo que, a introdução do n.º 3 do art.º 816° não teve por função interpretar uma anterior lei, esclarecendo o sentido e âmbito dessa outra,
8ª Já que essa lei até então não existia.
9ª A sua introdução surge como um regime renovador e inovador face aos demais constantes da lei adjectiva reguladores de situações similares, tal como acontece com o processo declarativo.
10ª Acresce que, o n.° 3 do art.º 816° do Cód. Proc. Civil introduziu restrições
à possibilidade de os Executados poderem apresentar, em conjunto, uma mesma petição de embargos e, consequentemente, pagarem, em conjunto, uma única taxa de justiça,
11ª na medida em que apenas o poderão fazer dentro do menor prazo fixado para cada um dos executados.
12ª Na verdade, trata-se de uma alteração processual de grande vulto, na medida em que introduz restrição ao prazo para a dedução da defesa dos executados.
13ª A norma constante no n.º 3 do art.º 816° do Cód. Proc. Civil é orgânica e materialmente inconstitucional.
14ª Pois a autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo, através da Lei n.º 33/95, de 18 de Agosto, não autorizou o Governo a alterar o art.º 816° do Cód. Proc. Civil da forma em que o fez pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.
15ª Efectivamente, o Governo, invocando a referida autorização legislativa, alterou o conteúdo do art.º 816° do Cód. Proc. Civil, aumentando o prazo para a dedução de embargos de 10 para 20 dias e introduzindo um número 3, que passou a estabelecer a não aplicação à dedução de embargos do disposto no n.º 2 do artigo
486° do Cód. Proc. Civil, ou seja, afasta a possibilidade de, quando o prazo para defesa de vários executados termine em dias diferentes, a dedução de embargos de todos ou de cada um deles poder ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
16ª Ora o Governo, no âmbito da Lei de autorização legislativa n.º 33/95, de 18 de Agosto, não detinha poderes para efectuar a referida alteração legislativa, quanto à introdução do n.º 3 ao art.º 816° do Cód. Proc. Civil.
17ª Com efeito, trata-se de matéria da competência reservada da Assembleia da República (art.º 164°, alínea e), e art.º 169°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa).
18ª Com a Lei n.º 33/95, de 18 de Agosto, o Governo ficou autorizado a rever o Código Processo Civil e as leis de organização judiciária, mas apenas nos precisos termos conferidos naquela Lei de autorização legislativa.
19ª O que o Governo não fez.
20ª Pois, ao aditar o n.º 3 do art.º 816° do Cód. Proc. Civil, extravasou claramente o âmbito da autorização legislativa, mais concretamente os art.ºs 1° e 8° da Lei n.º 33/95, de 18 de Agosto,
21ª e, ao não respeitar essa lei de autorização, o Governo actuou sem habilitação constitucional para o fazer, sendo, em consequência, orgânica e materialmente inconstitucional a referida alteração legislativa que consubstanciou a introdução do n.° 3 do art.º 816° do Cód. Proc. Civil.
22ª À referida inconstitucionalidade, acresce uma ilegalidade material, na medida em que existe uma violação da lei com carácter reforçado (lei de autorização), pois o citado Decreto-Lei infringe as determinações suplementares da lei de autorização.
23ª Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que antecede a revisão do Cód. Proc. Civil, pode-se, sem margem para dúvidas, constatar que também não existe qualquer referência à introdução do ora estipulado no n.º 3 do art.º 816° do Cód. Proc. Civil.
24ª Ou seja, não existe qualquer referência à introdução dessa restrição ao prazo para deduzir oposição no âmbito da matéria reservada à dedução de embargos de executado.
25ª Ao assim não ter entendido, o, aliás, Douto Acórdão violou, entre outras, as citadas disposições legais.
26ª Deve, em consequência, julgar-se inconstitucional a norma constante do n.º 3 do art.º 816° do Cód. Proc. Civil.».
12 – Só o recorrido C. contra-alegou relativamente ao recurso de constitucionalidade interposto pelos exequentes, concluindo do seguinte modo:
«1ª A alegação e as conclusões de recurso apresentadas pelos Recorrentes improcedem inteiramente de facto e de direito.
2ª Na verdade, por notificação feita pela secretaria judicial, o Recorrido C. foi informado de que, nos termos do art°. 214° do Cód. Proc. Civil, dispunha de uma dilação suplementar de 5 dias para apresentar a sua defesa.
3ª Essa notificação foi feita por mero erro da secretaria judicial, pois o Recorrido C. havia sido citado na pessoa deste.
4ª Ora, nos termos do nº 6 do art°. 161°, do Cód. Proc. Civil, 'os erros e omissões praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes'
5ª E, como dispõe o nº 3 do art° 198° do Cód. Proc. Civil consistindo a irregularidade em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede como foi o caso - deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado.
6ª Já que, contrariamente ao pretendido pelos Recorrentes, a sua aplicabilidade não constitui violação do art°. 13° da Constituição da República Portuguesa.
7ª Pelo contrário, a não aplicabilidade do art°. 198°, nº 3, do Cód. Proc. Civil aos presentes autos é que constitui violação do princípio da igualdade, estatuído no art°. 13° da Constituição da República Portuguesa.
8ª Assim, os Embargos deduzidos pelo Recorrido C. foram apresentados dentro de prazo.
9ª Pelo que nenhum reparo ou censura merece o Acórdão recorrido, por proferido de acordo com a lei.
10ª Deve, assim, negar-se provimento ao recurso, mantendo-se e confirmando-se a aplicação do nº 3 do art°. 198° do Cód. Proc. Civil aos presentes autos.».
B – Fundamentação
13 – Da delimitação do recurso interposto por A. e mulher.
Pese embora alguma imprecisão dos termos em que vem colocada a questão de inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º 198º do CPC por banda dos recorrentes A. e mulher, verificados quer no requerimento de interposição de recurso quer nas suas alegações, por umas vezes aptas a cogitar se os recorrentes não se apresentaram antes a discutir a solução dada no âmbito da aplicação/subsunção da lei ordinária às circunstâncias concretas e específicas do caso (situação que acarretaria o não conhecimento do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade por este ter por objecto uma decisão judicial e não uma norma jurídica) e por outras a inculcar que a dimensão normativa constitucionalmente sindicanda seria o n.º 3 do art.º 198º do CPC enquanto abrangendo, na sua hipótese, a situação de o efeito jurídico aí previsto se aplicar a todos os casos de o citado na sua própria pessoa através de carta registada (art.º 236º do CPC) ter assinado de forma ilegível o seu nome
(hipótese em que seria diversa a norma impugnada constitucionalmente da aplicada na decisão recorrida, a demandar igualmente o não conhecimento do recurso) – conclui-se do seu discurso argumentativo, lido conjugadamente com a fundamentação da decisão recorrida, que a acepção do n.º 3 do art.º 198º do CPC que eles pretendem controverter do ponto de vista da sua validade constitucional
é aquela segundo a qual deve ser admitida a defesa do citado para a acção judicial dentro do prazo que lhe foi indicado no caso de irregularidade da sua citação consubstanciada em a secretaria, por erro não corrigido posteriormente, induzido pela circunstância de esta haver tomado a assinatura da pessoa do citado pela assinatura de terceira pessoa, lhe assinalar prazo superior, em cinco dias, ao que a lei concede para essa defesa.
Do objecto do recurso assim definido se conhecerá, pois.
14 – Da delimitação do recurso dos executados/recorrentes
Seguindo os passos dados no recurso para o STJ, os recorrentes invocam, quer no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, quer nas alegações do mesmo, a questão da “ilegalidade material” do n.º 3 do art.º 816º do CPC, “por violação da lei com carácter reforçado (lei de autorização), pois o citado Decreto-Lei infringe as determinações suplementares da lei de autorização”. Todavia, nem em um nem em outro daqueles articulados, os recorrentes alegam interpor recurso de constitucionalidade com base em outro preceito que não seja o da alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC. Ora, o recurso de decisão que aplique norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com o fundamento de violação de lei com valor reforçado apenas é admitido nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 70º da LTC. Por outro lado, em qualquer dessas peças, os recorrentes limitam-se a pedir o julgamento de inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º 816º do CPC, não formulando qualquer pedido de julgamento de ilegalidade do mesmo preceito. Sendo assim, tem-se por seguro que os recorrentes recorreram para o Tribunal Constitucional apenas da decisão do STJ que aplicou norma cuja inconstitucionalidade haviam suscitado durante o processo [art.º 70º, n.º 1, al. b), da LTC] e não, também, de decisão do mesmo Supremo que tenha aplicado norma cuja ilegalidade hajam suscitado durante o processo [art.º 70º, n.º 1, al. f), da LTC]. Nota-se, de resto, que a alegação da ilegalidade aparenta ser feita ao jeito de obiter dictum por nem sequer se concretizarem “as determinações suplementares da lei de autorização” que o preceito violaria, circunstância esta que levou o acórdão recorrido a julgar, desde logo, essa alegação improcedente. Deste modo, apenas se conhecerá da questão de inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º 816º do CPC.
15 – Do mérito do recurso relativo à norma do n.º 3 do art.º 198º do CPC
Os recorrentes controvertem a conformidade constitucional do n.º 3 do art.º 198º do CPC sob o fundamento de que tal norma viola o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da CRP, na medida em que ao relevar, para a atribuição da dilação de cinco dias do prazo para a defesa, o erro da secretaria assente na circunstância de não fazer corresponder à assinatura da pessoa a citar a assinatura ilegível da pessoa que assina o registo postal, porventura até pessoa erudita, conduz a um tratamento diferente daquele que é dispensado à pessoa citanda que faz a sua assinatura de forma legível, muito embora possa até ser uma pessoa analfabeta ou que não sabe ler.
A norma cuja constitucionalidade se questiona tem a seguinte redacção:
“3 – Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em temos regulares”.
Imbricadas com a norma cuja constitucionalidade se questiona surgem as normas dos art.ºs 233º, n.º 2, alínea a), e n.º 4, 234º, n.º 1, 236º, n.ºs 1 e 2, 241º,
252º-A, n.º 1, alínea a), e 161º, n.º 6, todos do CPC, que assim dispõem:
“ [...]
2 - A citação pessoal é feita mediante: a) Entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, nos casos de citação por via postal registada”;
[...]
4 – Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento” [art.º 233º, n.º 2, alínea a), e n.º 4];
“1 – Incumbe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efectivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do acto, sem prejuízo do disposto no n.º 4” (art.º 234º, n.º 1);
“1 – A citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelos oficialmente aprovados, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho (...);
2 – No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando” (236º, n.ºs 1 e 2);
“Sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do preceituado nos artigos 236º, n.º 2, (...), será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto foi realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada” (art.º 241º);
“1 – Ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando: a) A citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, nos termos do n.º 2 do art.º 236º e dos n.ºs 2 e 3 do art.º 240º” [art.º 252º-A, n.º 1, alínea a)];
“[...]
6 – Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes” (art.º 161º, n.º 6).
Na situação a que respeita a aplicação daquela norma constitucionalmente sindicada, o que se passou foi que a secretaria, tomando erradamente, porventura por ser ilegível, por correspondente à assinatura de um terceiro a assinatura constante do aviso de recepção da carta enviada ao executado C. para a sua citação para os termos da execução, oficiosamente enviou-lhe uma carta dando cumprimento ao disposto no art.º 241º do CPC e dizendo-se que o prazo para a defesa era acrescido da dilação de cinco dias por esse facto.
Este Tribunal Constitucional tem uma longa jurisprudência sobre as exigências postuladas pelo princípio da igualdade. Recenseando de forma resumida o seu entendimento acerca de tal princípio e dando conta de contributos doutrinários e de jurisdições de outros países escreveu-se recentemente, no Acórdão n.º
232/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Julho de 2003:
«O Acórdão nº 319/00 (in AcTC, 47º vol., pp. 497ss), apoiando-se no Acórdão nº
563/96 (in AcTC, 33º vol., pp. 47ss), procedeu a uma síntese da jurisprudência constitucional relativa ao princípio da igualdade. Assim:
«[O] Tribunal Constitucional teve já a oportunidade de se pronunciar diversas vezes sobre as exigências do princípio constitucional da igualdade, que, no fundo, se reconduz à proibição do arbítrio, proibição essa que, naturalmente, não anula a liberdade de conformação do legislador onde ele a não infrinja. Assim, por exemplo, no acórdão nº 563/96 (...), publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º, pág. 47 e segs., foram assim descritas:
“1.1.- O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido pelo artigo
13º da Constituição da República que, no seu nº 1, dispõe, genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o nº 2, por sua vez, que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”. Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional global (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125) o princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. ob. cit., pág.
129), o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da “atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional
(artigo 18º, nº 1, da Constituição)”(cfr. acórdão do Tribunal Constitucional nº
186/90, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1990). Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr., entre tantos outros, e além do já citado Acórdão nº 186/90, os Acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.
1.2.- O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento,
“razoável, racional e objectivamente fundadas”, sob pena de, assim não sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes”, no ponderar do citado Acórdão nº 335/94. Ponto
é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J.C. Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299). Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio negativo de controlo” ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 127 e, por exemplo, os Acórdãos nºs. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Julho de 1988, e os já citados nºs. 330/93 e 335/94 - sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial (“tertium comparationis”). A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o arbítrio (cfr., a este propósito, Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; acórdão nº 330/93). Ora, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual de direito igual (cfr. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, pág. 381; Alves Correia, ob. cit., pág. 402) o que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da “diferença” de modo a que recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação. O nº 2 do artigo 13º da Constituição da República enumera uma série de factores que não justificam tratamento discriminatório e assim actuam como que presuntivamente - presunção de diferenciação normativa envolvendo violação do princípio da igualdade - mas que são enunciados a título meramente exemplicativo: cfr., v.g., os Acórdãos nºs. 203/86 e 191/88, publicados no Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 1986, e, I Série, de 6 de Outubro de 1988, respectivamente, na esteira do parecer nº 1/76, da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol., 1º, pág. 5 e segs., maxime pág. 11. “A intenção discriminatória (...) não opera, porém, automaticamente, tornando-se necessário integrar a aferição jurídico-constitucional da diferença nos parâmetros finalístico, de razoabilidade e de adequação pressupostos pelo princípio da igualdade”». Registe-se ainda que, quer a Comissão, quer o Tribunal Constitucional admitiram já a hipótese de, em certos casos, se proceder a diferenciações de tratamento ou, noutra perspectiva, a “discriminações positivas” (sobre a jurisprudência constitucional nesta matéria, cf., por todos, Luís Nunes de Almeida e Armindo Ribeiro Mendes, “Les discriminations positives – Portugal”, Annuaire International de Justice Constitutionnelle, vol. XIII, 1997, pp. 223ss).
[...] Assente a possibilidade de estabelecimento de diferenciações, tornar-se-á depois necessário proceder ao controlo das normas sub judicio, feito a partir do fim que visam alcançar, à luz do princípio da proibição do arbítrio (Willkürverbot) e, bem assim, de um critério de razoabilidade. Com efeito, é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que se poderá avaliar se a mesma possui uma “fundamentação razoável” (vernünftiger Grund), tal como sustentou o “inventor” do princípio da proibição do arbítrio, Gerhard Leibholz (cf. F. Alves Correia, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra, 1989, pp. 419ss). Essa ideia é reiterada entre nós por Maria da Glória Ferreira Pinto: “[E]stando em causa (...) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela ‘ratio’ do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico. A ‘ratio’ do tratamento jurídico
é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério”
(cf. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula ‘carregada’ de sentido?, sep. do Boletim do Ministério da Justiça, nº 358, Lisboa, 1987, p. 27). E, mais adiante, opina a mesma Autora: “[O] critério valorativo que permite o juízo de qualificação da igualdade está, assim, por força da estrutura do princípio da igualdade, indissoluvelmente ligado à ‘ratio’ do tratamento jurídico que o determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a ‘ratio’ do tratamento jurídico exija que seja este critério, o critério concreto a adoptar, e não aquele outro, para efeitos de qualificação da igualdade. O que, no fundo, exige é uma conexão entre o critério adoptado e a ‘ratio’ do tratamento jurídico. Assim, se se pretender criar uma isenção ao imposto profissional, haverá obediência ao princípio da igualdade se o critério de determinação das situações que vão ficar isentas consistir na escolha de um conjunto de profissionais que se encontram menosprezados no contexto social, bem como haverá obediência ao princípio se o critério consistir na escolha de um rendimento mínimo, considerado indispensável
à subsistência familiar numa determinada sociedade” (ob. cit., pp. 31-32). Também a jurisprudência constitucional se orienta nesse sentido. Assim, o Tribunal Constitucional alemão já teve ensejo de afirmar que “(...) um tratamento arbitrário é aquele que (...) não é compreensível por uma apreciação razoável das ideias dominantes da Lei Fundamental” (42 BVerfGE 64, 74) e que
“[A] máxima da igualdade é violada quando para a diferenciação legal ou para o tratamento legal igual não é possível encontrar um motivo razoável, que surja da natureza das coisas ou que, de alguma outra forma, seja compreensível em concreto, isto é, quando a disposição tenha de ser qualificada como arbitrária”
(1 BVerfGE 14, 52; mais recentemente, cf. 12 BVerfGE 341, 348; 20 BVerfGE 31,
33; 30 BVerfGE 409, 413; 44 BVerfGE 70, 90; 51 BVerfGE 1, 23; 60 BVerfGE 101,
108). Caminhos idênticos foram percorridos pelo Tribunal Constitucional português (a título meramente exemplificativo, cf. os Acórdãos nºs 44/84, 186/90, 187/90 e
188/90, in AcTC, 3º vol., pp. 133ss, e 16º vol., pp. 383 ss, 395ss e 411ss, respectivamente). No Acórdão nº 39/88, o Tribunal teve ocasião de dizer: “[O] princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes
(...)” (in AcTC, 11º vol., pp. 233ss). E, curiosamente, também nos Estados Unidos se alude à necessidade de, no estabelecimento de diferenciações, obedecer a um cânone de razoabilidade (reasonableness) (cf. J. Tussman e J. tenBroek,
“The equal protection of the laws”, California Law Review, nº 37, 1949, p. 344, cit. por Gianluca Antonelli, “La giurisprudenza italiana e statunitense sul principio di solidarietà”, Studi parlamentari e di politica costituzionale, nºs.
125-126, 1999, p. 89; sobre o princípio da razoabilidade na jurisprudência norte-americana, cf. Giovanni Bognetti, “Il principio di ragionevolezza e la giurisprudenza della Corte Suprema degli Stati Uniti”, in AA.VV., Il principio di ragionevolezza nella giurisprudenza della Corte Costituzionale. Riferimenti comparatistici, Milão, 1994, pp. 43ss). Neste domínio em especial, merece destaque a evolução da jurisprudência constitucional italiana que, tendo firmado em termos absolutos a ideia da discricionariedade do legislador (sentenza nºs 28/1957 e 56/1958), veio pouco depois indagar se uma dada lei se apresentava “destituída de qualquer justificação” e se a mesma detinha uma “razão idónea” (sentenza nº 46/1959). Na sentenza nº 15/1960, a Corte disse que era sua jurisprudência constante considerar que “(...) o princípio da igualdade é violado mesmo quando a lei, sem um motivo razoável, procede a um tratamento diverso de cidadãos que se encontram em situação idêntica”. A doutrina, de seu lado, não andou longe destas asserções: já Mortati afirmava, por exemplo, que o legislador tinha “a obrigação de não violar as leis da lógica” (Istituzioni di diritto pubblico, Pádua, 1958, p. 715; mais recentemente, cf. a mesma obra, 9ª ed., actualizada, Pádua, 1976, pp. 1412ss). Mais tarde, Carlo Lavagna teve a percepção clara da necessidade do recurso a um princípio de razoabilidade - que definiu como “la utilizzazione razionale dei contesti umani nella costruzione di norme sulla base delle prescrizioni-fonte” - e enunciou os diversos critérios da sua ponderação: a correspondência (corrispondenza), o juízo sobre a finalidade (giudizio sulle finalità), a pertinência (pertinenza), a congruência (congruità) meios/fins, a coerência (coerenza), a evidência (evidenza) e, enfim, a motivação (motivazione)
(cf. “Ragionevolezza e legittimità costituzionale”, in Studi in memoria di Carlo Esposito, vol. III, Pádua, 1973, pp. 1573ss). De igual modo, Vezio Crisafulli reconheceu que o Tribunal, ao indagar de eventuais violações do princípio da igualdade, fá-lo, designadamente, com base numa “cláusula geral de razoabilidade” (cf. Lezioni di diritto costituzionale, tomo II, 5ª ed., revista e actualizada, Pádua, 1984, p. 372). Contrariando a tese do “racional como razoável” (Aulis Aarnio), Gustavo Zagrebelski veio distinguir a ideia de racionalidade - que, em seu entender, corresponderia à coerência lógica - da ideia de razoabilidade, estando esta ligada a uma adequação aos valores de justiça que funciona primacialmente como um vínculo negativo do legislador [cf. La giustizia costituzionale, 2ª ed., Bolonha, 1988, pp. 147ss; idem, “Su tre aspetti della ragionevolezza”, in AA.VV., Il principio..., cit., pp.179ss, em esp. pp. 181-184 (onde parece aproximar os conceitos de razoabilidade e racionalidade)]. E, justamente naquele primeiro sentido - isto é, no sentido de uma racionalidade coerente -, aludiu o Tribunal Constitucional italiano, na sua sentenza nº 204/1982, a um “cânone geral de coerência” (generale canone di coerenza) [cf., sobre a evolução jurisprudencial do Tribunal Constitucional italiano, A. Agrò, “Commento all’art 3 Cost.”, in G. Branca (org.), Commentario della Costituzione, vol. I, Bolonha e Roma, 1975, pp. 141ss; Paolo Barile, “Il principio di ragionevolezza nella giurisprudenza della Corte Costituzionale”, in AA.VV., Il principio..., cit., pp. 21ss; Livio Paladin, “Ragionevolezza
(principio di)”, in Enciclopedia del Diritto – Aggiornamento, vol. I, Milão,
1997, em esp. pp. 900ss].».
16 - Ora, no caso da norma sub judicio importa antes de mais acentuar que esta não estabelece qualquer distinção de tratamento nas situações em que por erro da secretaria acerca da qualidade da pessoa que assina o registo de recepção como não sendo da pessoa citanda, a mesma secretaria dê cumprimento ao disposto nos artigos 241º e 252º-A, n.º 1, al. a), do CPC. Em todas as situações de erro da secretaria que tenha levado erradamente a mesma secretaria a indicar ao citado um prazo para a defesa superior ao que a lei concede, seja esse erro motivado por um exame menos atento dos funcionários judiciais da correspondência das assinaturas constantes do registo de recepção com os dados constantes do Bilhete de Identidade (da pessoa que assina o registo de recepção e da pessoa do citando, como parece ter acontecido no caso concreto), seja devido a qualquer outra circunstância (como, por exemplo, simples distracção, errada interpretação ou até desconhecimento da lei), o n.º 3 do art.º 198º do CPC prevê que “a defesa seja admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares”.
Por outro lado – e ao contrário do que parece ser a posição dos recorrentes - não é possível comparar, sob o crivo do princípio da igualdade, as soluções ditadas pela lei relativas às situações em que ocorre erro da secretaria que determine que se tenha assinalado prazo para a defesa superior ao que a lei concede com as respeitantes às situações em que esse erro não ocorre. Na verdade numa tal situação falta o termo de comparação - o tertium comparationis. Sendo ontológica e axiologicamente diferentes as situações que se deparam ao legislador como carecidas de regulação, diferentes terão de ser, mesmo numa perspectiva do princípio da igualdade, as soluções a eleger. No caso de existência de erro da secretaria não reparado por intervenção oficiosa ou motivada do autor, há que notar que a solução elegida pelo legislador encontra acolhimento desde logo, na garantia constitucional do acesso aos tribunais nas suas dimensões de direito a uma tutela efectiva e eficaz e de proibição de indefesa, consagrada no art.º 20º, e no princípio da tutela da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático, a demandar que se deva confiar nos actos dos funcionários judiciais praticados no processo enquanto agentes que estes são dos Tribunais e enquanto os mesmos não forem revogados ou modificados, este decorrente do art.º 2º, ambos os preceitos da CRP.
Conclui-se assim pela não inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º 198º da CPC e, consequentemente, pelo não provimento do recurso destes recorrentes.
17 – Do mérito do recurso relativo à norma constante do art.º 816º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Após prescrever no seu n.º 1 que “os embargos são deduzidos no prazo de 20 dias a contar da citação”, diz o art.º 816º no seu n.º 3:
“Não é aplicável à dedução de embargos o disposto no n.º 2 do art.º 486º”.
Desta disposição resulta que a dedução de embargos tem de ser efectuada por cada um dos embargantes dentro do prazo de 20 dias a contar da sua citação, não beneficiando estes da possibilidade prevista no n.º 2 do art.º 486º de “quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”.
Como se deixou relatado, o acórdão recorrido entendeu que tal disposição tem natureza interpretativa relativamente ao regime que vigorava anteriormente, pelo que, mesmo a defender-se que essa matéria cabe na competência reservada da Assembleia da República, sempre a disposição não padeceria da inconstitucionalidade orgânica que os recorrentes lhe assacam.
Por outro lado, considerou ainda que, não tendo o preceito em causa “mais alcance do que uma mera alteração de um prazo processual”, “que é o que, no fundo, se contempla no caso da pluralidade de executados/embargantes” e não cabendo a alteração de prazos processuais na competência reservada da Assembleia da República, não necessitava o Governo de autorização legislativa para proceder
à dita alteração.
Como resulta do seu texto, o Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, foi editado sob invocação do uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º
33/95, de 18 de Agosto. O preceito cuja constitucionalidade se questiona agora foi aditado ao artigo 816º do CPC pelo art.º 1º daquele diploma. A Lei n.º 33/95 autorizou o Governo “a rever o Código de Processo Civil, o Código Civil e as leis de organização judiciária, nos termos e com o âmbito” resultantes da mesma lei. Nos seus artigos 2º a 9º, o legislador parlamentar enuncia um vasto programa legislativo a densificar pelo Governo, ao nível dos princípios gerais do processo civil (art.ºs 2º e 3º), em matéria conexas com a competência dos tribunais e do Ministério Público (art.º 4º), no regime da citação (art.º 5º), quanto “ao dever de cooperação para a descoberta da verdade material a par com a necessidade de uma adequada ponderação em termos de proporcionalidade, eticamente fundada, entre o direito à reserva da intimidade da vida privada e a obtenção da verdade material e os direitos e interesses da contra-parte” (art.º
6º), no que se refere ao regime dos recursos (art.º 7º), relativamente à acção executiva (art.º 8º) e, finalmente, no que concerne “a expurgar do Código de Processo Civil preceitos avulsos que estabeleçam, desnecessariamente ou em colisão com a lei penal vigente, a tipificação como crimes de determinados comportamentos das partes ou de quaisquer intervenientes processuais” (art.º
9º).
A autorização dada visou permitir uma reforma profunda do Código Processo Civil. Ora, prevendo que uma reforma do processo civil com a extensão e intensidade que se desejava realizar iria implicar a regulação de matérias abrangidas pela reserva de competência relativa da Assembleia da República consagrada, então, nas diversas alíneas do art.º 168º da CRP, quis o legislador parlamentar deixar o Governo autorizado a legislar sobre elas. Estão claramente nessa situação, por exemplo, normas como as relativas à competência interna em razão da hierarquia ou da matéria dos tribunais, da sua competência internacional, a restrições aos direitos fundamentais de integridade física ou moral das pessoas, à reserva de intimidade da vida privada fundadas no dever de cooperação para a descoberta da verdade material, a que aludem os seu artigos 5º e 6º.
Por virtude da lei de autorização não ficou, porém, o Governo coibido constitucionalmente de usar a sua competência legislativa concorrente com a da Assembleia da República. A reforma do processo civil pôde ser levada a cabo mediante o uso coetâneo do poder legislativo autorizado e do poder legislativo concorrente, de modo a alcançar-se o escopo legislativo almejado pela dita reforma.
Como se sabe, entre os objectivos da reforma contam-se os da celeridade, praticabilidade e simplicidade processuais. São eles responsáveis pela opção, entre outras, da introdução de uma nova regra de continuidade dos prazos processuais que foi estabelecida no art.º 144º do CPC embora com alargamento dos prazos então previstos na lei, este determinado pelo art.º 6º do Decreto-Lei n.º 329-A/95.
Ora, a matéria do estabelecimento de prazos processuais durante os quais devem ser praticados os diversos actos que traduzem o encadeamento do processo civil, entre eles se contando o prazo para deduzir embargos de executado em processo civil – e isto independentemente da qualificação dos embargos como uma acção declarativa contra o exequente, conquanto consequencial e incidental da acção executiva (uma contra-acção), ou como mero meio processual de oposição à execução (cfr. José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. I, pp. 12 e ss.; Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva,
3ª edição, reimpressão, pp. 250; Artur Anselmo de Castro, A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial, 1970, pp. 301 e ss., e José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, pp. 143) - não cabe em qualquer das normas do art.º 168º da CRP que então contemplavam a reserva de competência relativa da Assembleia da República cujo exercício podia ser autorizado ao Governo.
E não se diga que por implicar com a realização da garantia constitucional do acesso aos tribunais a regulação dos prazos processuais comungará do regime dos direitos fundamentais e caberá, por isso, na previsão da alínea b) do art.º 168º da CRP. É que ao estabelecer-se determinado prazo para as partes praticarem determinado acto processual não se está a disciplinar qualquer dimensão desse direito fundamental mas uma matéria cuja regulação há-de ser conforme com esse parâmetro constitucional. O que acontece é que esse direito, na suas diversas dimensões, com as de, entre outras, direito a uma tutela plena, eficaz e efectiva, proibição de indefesa e de existência de um processo equitativo e justo, se apresenta como um limite paramétrico à discricionariedade do legislador ordinário na conformação desses prazos.
Como se acentua no Acórdão n.º 447/93, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 25º vol., pp. 673, em matéria processual, a Lei Fundamental só inclui na reserva relativa da Assembleia da República a legislação sobre processo criminal e o “regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo”.
Assim sendo, não estava o legislador do Decreto-Lei n.º 329-A/95 impedido de adoptar, no uso da sua competência concorrente, o critério, interpretativo ou não, de a defesa dos embargantes dever ser feita, para cada um, dentro do prazo de 20 dias a contar da sua citação.
Anote-se, de resto, que o legislador não deixou de proceder, no n.º
1 do art.º 816º do CPC, a um alargamento do prazo antes previsto para o exercício do direito de defesa de dedução dos embargos de executado, passando o prazo de 10 para 20 dias, e que a opção legislativa da não aplicação do art.º
486º, n.º 2, do CPC se acha justificada não só por aquelas razões de celeridade processual mas também, naqueles casos em que a execução embargada tem por base uma anterior decisão judicial proferida contra os embargantes, pela própria axiologia que comummente é invocada para adoptar a solução contrária. Numa tal situação, a possibilidade de se concertarem na defesa dos seus direitos é uma oportunidade de que já desfrutam desde a anterior demanda.
Sendo assim, independentemente de ser inovadora ou simplesmente interpretativa – querela cuja solução é, aqui, pois, desnecessária - importa concluir que a norma em causa não padece da inconstitucionalidade orgânica que os recorrentes lhe imputaram.
O recurso não merece assim provimento.
C – Decisão
18 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do art.º
198º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual deve ser admitida a defesa do citado para a acção judicial dentro do prazo que lhe foi indicado no caso de irregularidade da sua citação consubstanciada em a secretaria, por erro não corrigido posteriormente, induzido pela circunstância de esta haver tomado a assinatura da pessoa do citado pela assinatura de terceira pessoa, lhe assinalar prazo superior, em cinco dias, ao que a lei concede para essa defesa;
b) Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do art.º 816º do Código de Processo Civil;
c) Negar provimento a todos os recursos;
d) Condenar solidariamente cada grupo de recorrentes em custas, fixando a taxa de justiça para cada um em 20 UC.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos