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Processo n.º 934/04
3.ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 235, foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. Por decisão do Juiz da 2ª Secção da 5ª Vara Cível da Comarca do Porto de 10 de Janeiro de 2002, constante de fls. 75 e seguintes, foi decretado arresto contra A., requerido por B.. Pelo despacho de fls. 112, foi ordenada a notificação edital do requerido e, uma vez realizada, os autos foram remetidos à 3ª Secção da 6ª vara Cível, a fim de serem apensados à acção ordinária n.º 170/02 (fls. 127). Entretanto, o requerido veio arguir a nulidade da notificação edital (fls. 147),
“por uso indevido de éditos, nos termos do art. 195º, al. c) do C.P.C.”. Por despacho de fls. 159, foi desatendida a arguição de nulidade, “sanada a partir da altura em que o seu mandatário teve intervenção dos autos (...) e não a invocou”.
Inconformado, o requerido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto. Por acórdão de 15 de Julho de 2004, de fls. 204 e seguintes, foi negado provimento ao recurso, nos seguintes termos:
«III. O despacho recorrido reconhece, pelo menos implicitamente, que 'não foi integralmente cumprido o disposto no art. 244°, n° 1 do CPC', e que se ordenara a notificação edital sem estarem cumpridas todas as diligências necessárias para averiguar do paradeiro do requerido, nomeadamente que não se encontrava junto aos autos a informação da base de dados da Direcção-Geral dos Impostos. Segundo o disposto no art. 195°, al. c) do CPC, há falta de citação 'quando se tenha empregado indevidamente a citação edital'. Por sua vez, o n° 6 do art. 233° prescreve que 'a citação edital tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta, nos termos dos artigos
244° e 248° (...), sendo que o n° 1 do art. 244° estatui que 'o citando considera-se ausente em parte incerta se se frustar a citação por via postal e a secretaria obtiver a informação de que nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral de Viação não existe nenhum registo de residência, local de trabalho (...) do citando, caso em que se procederá à sua citação edital'. Daí decorre que, no caso, a notificação edital (a que se aplicam as regras da citação – cf. art. 385°, n° 5) só poderia ter sido ordenada depois de verificada a ausência do requerido em parte incerta. O que apenas ocorreria após o integral cumprimento do preceituado no n° 1 do art. 244° citado. Ora, não tendo sido obtida a informação da Direcção-Geral de Impostos, o uso da notificação edital foi prematuro e indevido, o que configura a nulidade de falta de notificação (neste sentido, vd. Acs. do STJ, de 2.10.2003 e de 29.4.2004, in
www.dgsi.pt, proc. 0382478 e 048944). Cumpre dizer que, tal como ao agravado, também a nós se nos afigura que o meio processual adequado para reagir contra a ilegalidade cometida teria sido o recurso de agravo do despacho ordenador da notificação edital.
(...) De qualquer modo, não tendo sido essa a via seguida e estando em causa o despacho que desatendeu a arguição da nulidade, considerando-a sanada, é sobre esse despacho, que recaiu o recurso, que teremos de nos pronunciar. Vejamos, então: A questão que se coloca é, pois, a de saber se a nulidade em causa se encontra, ou não, sanada. Estatui o art. 196° do CPC que 'se o réu (...) intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade'. No caso sub judice, consta do despacho recorrido – e não foi posto em causa – que o recorrente, em 27 de Junho de 2003, solicitou a confiança do processo, que lhe foi concedida por 3 dias. Apensos à acção principal estavam já os autos de arresto. Posteriormente, em 03.07.2003, solicitou aquele uma prorrogação do prazo para apresentação da contestação. Ora, tendo em conta que todo o processo (acção principal e apenso/arresto) foi confiado ao requerido, é mais que razoável admitir que então tomou, ou podia ter tomado, pleno conhecimento de toda a tramitação atinente àquele procedimento cautelar, designadamente de eventuais vícios de que enfermava a sua notificação.
(...) Alega o recorrente que 'só poderia suscitar e arguir a nulidade se e quando pudesse conscientemente tomar conhecimento do despacho que ordenou o arresto'. Ora, atenta a 'importância e consequências' (para usarmos as palavras do próprio recorrente) da providência de arresto, ninguém acreditará, por certo, que aquele, estando o processo nas suas mãos, o não tenha consultado e analisado com todo o cuidado e atenção. Pelo menos devia, e podia, tê-lo feito. Assim sendo, pelo menos quando requereu a prorrogação do prazo para contestar – pedido que, salvo o devido respeito, configura uma verdadeira intervenção no processo – logo deveria ter arguido a nulidade de falta de notificação do despacho que decretara o arresto. Não o tendo feito, produziu-se a sanação da nulidade. E, tendo optado pela sua arguição apenas em 9.10.2003, quando o poderia e deveria ter feito anteriormente, não se vislumbra qualquer violação dos princípios do contraditório e constitucionais da igualdade e do aceso ao direito. O despacho recorrido não merece, portanto, qualquer reparo.»
2. Ainda inconformado, A. recorreu para o Tribunal Constitucional
“nos termos do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro”, invocando que a “decisão sob recurso viola o preceituado nos artigos
13º e 20º da CRP, e os princípios da igualdade e de acesso ao direito, bem como os princípios pro actione e do in dubio pro habilitate instantiae”.
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal
(nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. O recorrente não indica, no requerimento de interposição de recurso, qual a norma, ou quais as normas, cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie. Existem todavia no processo elementos que permitem desde já concluir pela impossibilidade de conhecimento do presente recurso, tornando inútil qualquer indicação que o recorrente viesse a prestar na sequência de notificação efectuada ao abrigo do disposto no artigo 75º-A, n.ºs 5 e 6, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
Com efeito, nas suas alegações de recurso apresentadas perante o Tribunal da Relação do Porto (cfr. n.º 2 do artigo 72º e al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), o recorrente não suscita a inconstitucionalidade de qualquer norma, limitando-se a afirmar que “a citação edital, efectuada em desrespeito do supra preceituado, implica a violação do princípio do contraditório e dos princípios da igualdade entre as partes e de acesso ao direito, dos artigos 13º e 20º da Constituição”. Em conformidade, quando recorre para o Tribunal Constitucional o recorrente atribui a inconstitucionalidade que aponta à “decisão sob recurso” e não a quaisquer normas. Resulta assim claro que a censura do recorrente não vai dirigida a normas, mas às decisões judiciais proferidas nos autos.
Não pode, pois, o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso. Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal
(cfr., a título de exemplo, os Acórdãos n.ºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de
1995 e 16 de Maio de 1996).
4. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro. Assim, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.»
2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão sumária. Em seu entender, “a decisão recorrida enferma de flagrante inconstitucionalidade”, tendo sido violados os “mais elementares direitos de defesa do réu, ao aplicar indevidamente a citação edital”. Acrescenta que indicou “a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal Constitucional aprecie”, e que é a “interpretação e aplicação” que do artigo 244º do Código de Processo Civil foi feita na decisão recorrida. E que só pela via do recurso “pode fazer valer os seus direitos”. Notificado para se pronunciar, querendo, B. não respondeu.
3. A reclamação é improcedente, pelas razões apontadas na decisão reclamada, e que se reiteram. Na verdade, o reclamante não definiu, nem “durante o processo”, nos termos exigidos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, nem no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, qualquer norma que possa ser apreciada no âmbito do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa que interpôs. Não o tendo feito, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso.
Assim sendo, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não conhecimento do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Artur Maurício
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050017.html ]