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Processo n.º 96/06
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 177 foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. Por despacho do Relator do processo, no Tribunal da Relação de
Coimbra, de 5 de Abril de 2004, de fls. 13, foi indeferido o requerimento
apresentado pelo arguido A., visando a prorrogação do prazo para o recurso de
acórdão proferido pelo mesmo Tribunal.
Inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça,
Tribunal que, por Acórdão de 30 de Novembro de 2005, de fls. 157 e seguintes,
rejeitou “o recurso por inadmissível, nos termos do art.414º n.º 2, 420º n.º 1,
417º n.º 3, als. a) e c), e 432º als. a) e b), todos do C. P. Penal”.
Para o que agora releva, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
pronunciou-se nos seguintes termos:
“Determina o art. 432º, als a) e b), do C. P. Penal: «Recorre-se
para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das relações proferidas em
primeira instância; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas
relações, nos termos do artigo 400º;».
Como resulta do atrás exposto, o recurso foi interposto de um
despacho do Relator, que não pode ser considerado, de modo algum, como sendo uma
decisão da Relação. A Relação quando decide é através de um órgão colegial pelo
que objecto do recurso só pode ser um acórdão.
(…)
No caso dos autos, como vimos, o ora recorrente interpôs logo
recurso do despacho, não requerendo antes, pois, que os autos fossem à
conferência.
É, assim, de rejeitar o recurso por inadmissível.
Acresce que seria de rejeitar ainda pelo facto de a mesma questão
posta neste recurso já ter sido abordada e decidida – no mesmo sentido do
anteriormente defendido – pelo acórdão de 11.08.05, junto a fls. 141 dos autos.
A questão decidida é, precisamente, igual num e noutro caso: saber
se se pode ou não prorrogar o prazo de 15 dias previsto no art. 411º n.º 1, do
C. P. Penal.
É um caso de litispendência – ver arts 493º, n.º 2, 494º, al. i),
495º e 498º do C. P. Civil, aplicáveis em processo penal por força do art. 4º do
C. P. Penal.
Estamos, assim, perante duas circunstâncias que obstam ao
conhecimento do recurso.”
(…) Nestes termos, acordam em rejeitar o recurso por inadmissível,
nos termos do art.414º n.º 2, 420º n.º 1, 417º n.º 3, als. a) e c), e 432º als.
a) e b), todos do C. P. Penal”.
2. Ainda inconformado, veio A. interpor recurso para o Tribunal
Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de
2005, visando “a apreciação da constitucionalidade do n.º 1 do art. 411º do
C.P.P., na medida em que o prazo de 15 dias previsto naquela disposição legal é
insuficiente para estudar o acórdão, analisar a prova e elaborar uma cuidada
fundamentação e conclusões, impedindo que seja assegurada «de forma eficaz e
adequada» a defesa do arguido ora recorrente, violando-se assim o disposto nos
números 1 e 3 do art. 32º da CRP”.
Explicou ainda que tinha suscitado 'a inconstitucionalidade
referida' na motivação do recurso que interpusera.
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal
(nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
É recorrido o Ministério Público.
3. Cumpre começar por observar que o requerimento de interposição de
recurso não obedece a todas as exigências definidas pelo artigo 75º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro. Em particular, não refere, nem a alínea do n.º 1 do
artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto, nem a norma que, contida
no n.º 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal, pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie.
Não se convida o recorrente, todavia, a dar essas informações porque
há um obstáculo insuprível a que o Tribunal Constitucional conheça do recurso, o
que tornaria inútil tal convite.
4. Na verdade, o recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade normativa destina-se a que o Tribunal Constitucional aprecie
a conformidade com a Constituição de normas que foram aplicadas como ratio
decidendi na decisão recorrida (artigo 79º-C da Lei nº 28/82).
Ora, como se viu, o acórdão recorrido não rejeitou o recurso com
base na aplicação do n.º 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal.
Deste modo, não tendo a disposição impugnada sido aplicada pela
decisão recorrida, não pode o Tribunal conhecer do objecto do recurso, (cfr.,
por exemplo, os acórdãos n.º 313/94, n.º 187/95 e n.º 366/96, publicados no
Diário da República, II Série, respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de
Junho de 1995 e de 10 de Maio de 1996).
5. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à
emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro.
Assim, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.»
2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto
no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão
sumária.
Conclui a reclamação da seguinte forma:
' Em conclusão:
- A não indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70º não é fundamento para não se
não tomar conhecimento do recurso.
- A não indicação 'expressa' da norma contida no n.º 1 do art. 411º do CPP
também não é fundamento suficiente para não se tomar conhecimento do recurso.
- O reclamante não está limitado a suscitar apenas a inconstitucionalidade de
normas aplicadas na decisão recorrida. É que, se assim fosse e porque a questão
da inconstitucionalidade da norma te, que ser suscitada em peça processual
anterior – n.º 2 do art. 75º-A da Lei 28/82,o reclamante tinha que adivinhar que
normas é que o acórdão a proferir iria aplicar para previamente suscitar a sua
inconstitucionalidade.
- A interpretação da decisão sumária é ela própria uma interpretação
inconstitucional, por violar o direito de recurso previsto no n.º 1 do art. 32º
da CRP.'
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de a reclamação ser
'manifestamente improcedente, apenas se podendo explicar pela circunstância de o
reclamante não ter na devida conta a fisionomia típica dos recursos de
fiscalização concreta da constitucionalidade.
Na verdade, tendo a rejeição do recurso, interposto para o Supremo Tribunal de
Justiça , radicado apenas no facto de o recorrente não ter, como lhe cumpria,
esgotado o meio impugnatório consubstanciado na reclamação para a conferência, é
evidente a inutilidade da controvérsia sobre outros regimes adjectivos,
totalmente estranhos à 'ratio decidendi' '.
3. Convém começar por esclarecer que, como claramente resulta da decisão
reclamada, não foi, nem por não estar indicada a alínea do n.º 1 do artigo 70º
da Lei nº 28/82 ao abrigo da qual o recurso foi interposto, nem por falta de
definição da norma que o ora reclamante pretendia ver apreciada, que foi
decidido não conhecer do recurso.
Não podem, pois, ter qualquer efeito as considerações feitas pelo reclamante
sobre tais exigências.
4. A decisão de não conhecimento resultou, antes, de ter sido indicada como
objecto do recurso de constitucionalidade uma disposição legal que não foi
aplicada pela decisão recorrida.
Ora a exigência de que a norma impugnada perante o Tribunal Constitucional tenha
sido efectivamente aplicada pela decisão recorrida não só resulta expressamente
da Lei nº 28/82 – cfr. artigo 79º-C –, como é condição de utilidade do
julgamento do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, da apreciação de uma norma não aplicada na decisão recorrida não
pode resultar qualquer necessidade de a reformular, ainda que o Tribunal
Constitucional decida no sentido da inconstitucionalidade.
Isto não significa, naturalmente, impor ao recorrente qualquer ónus de
'adivinhar' que normas vão ser aplicadas para poder suscitar a correspondente
inconstitucionalidade. Nem é, aliás, este pressuposto que está agora em causa.
Não é naturalmente inconstitucional a interpretação que a decisão reclamada deu
ao artigo 75º-A da Lei nº 28/82. E, de qualquer forma, não foi por qualquer
violação deste preceito que o objecto do recurso não foi conhecido.
Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não
conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 27 de Abril de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício