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Processo n.º 725/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal
Constitucional
1. A. reclama do despacho do relator de fls. 249, que lhe indeferiu
o pedido de dispensa do pagamento de multa formulado ao abrigo do n.º 7 do
artigo 145.º do Código de Processo Civil, alegando o seguinte:
“(…)
3º
Ora, em primeiro lugar, na sequência do decidido, o Tribunal não convidou o
recorrente a completar ou a esclarecer eventualmente o seu pedido, como é de
regra geral no direito processual, no caso de considerar existirem deficiências
e dúvidas.
4º
Muito pelo contrário, apesar da alegada e manifesta carência económica, provada
em sede própria, o Tribunal, defensor da Constituição, enveredou pelo
indeferimento liminar, passando por cima do direito constitucionalmente
consagrado do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, o qual proíbe
a indefesa dos economicamente carenciados.
5º
Aliás, no estado actual da protecção jurídica, diga-se de passagem
flagrantemente inconstitucional nos moldes actuais, se o recorrente não
padecesse de tais carências, jamais lhe teria sido concedido o benefício do
apoio judiciário pela Segurança Social.
6º
De mais a mais, seguindo o entendimento plasmado no despacho em crise, se ao
recorrente tivesse sido permitido esclarecer a sua actual situação económica,
apesar do Tribunal não ter legalmente competência para conhecer dessa matéria,
ter-se-ia enviado mais uma vez para os autos todos os documentos comprovativos
de tal situação.
7º
Contudo, se o Tribunal quer factos, aqui se dão alguns para levantar quaisquer
dúvidas sobre a situação do recorrente: o agregado familiar do recorrente tem
actualmente um rendimento fiscal de referência anual de 10.508,00 €, pagou,
nomeadamente, no passado mês de Dezembro de 2005, pela renda da casa social onde
habita a quantia de 605, 54 €, e pela hospitalização do filho gravemente
deficiente e dependente a quantia de 210,00 €.
8º
Por conseguinte, feitas as contas, fácil se torna concluir da manifesta carência
económica, cujos documentos serão juntos mais uma vez aos autos se assim o
Tribunal o entender.
9º
Aliás, entende o recorrente que a interpretação feita pelo Tribunal da norma
aplicada é inconstitucional, uma vez que sendo a manifesta carência económica do
recorrente plena e estando devidamente provada nos autos, por decisão de quem de
direito, não cabe ao Tribunal imiscuir-se no decidido, subvertendo a real
situação de facto, para fundamentar a aplicação de multa, indeferindo a sua
dispensa, e impedindo assim o direito constitucionalmente consagrado do
recorrente carenciado de acesso à tutela jurisdicional efectiva.”
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto responde que a reclamação deve ser
indeferida, com os seguintes fundamentos:
“1- A reclamação deduzida é, a nosso ver, improcedente, radicando numa
deficiente compreensão pelo reclamante, quer do mecanismo excepcional consentido
pelo nº 7 do artigo 145º do Código de Processo Civil, quer do âmbito do apoio
judiciário.
2- Assim, o facto de certa parte gozar, em determinado processo, do benefício de
apoio judiciário, não a dispensa automaticamente, como parece supor o
reclamante, das multas processuais que sejam devidas, em consequência do não
respeito dos prazos peremptórios que a vinculam.
3- Aliás, o mecanismo excepcional, previsto no referido preceito do Código de
Processo Civil, supõe que – ao requerer a dispensa ou redução da multa
processual ali prevista – a parte tem o ónus de justificar adequadamente a
aplicação de tal regime – o que o recorrente manifestamente não fez, tornando a
respectiva pretensão inepta (e, como tal, insusceptível de justificar qualquer
“convite ao aperfeiçoamento”).
4- Não cabendo, no âmbito da reclamação para a conferência, vir invocar matéria
de facto nova que a parte podia e devia ter colocado ao formular o pedido – que
justificadamente foi rejeitado liminarmente.”
2. O despacho reclamado é do seguinte teor:
“1. Tendo praticado o acto no 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo
respectivo, o reclamante formulou o seguinte pedido:
“ (…)
Mais se requer, nos termos do artigo 145º-7 do CPC que o recorrente seja
totalmente dispensado do pagamento da multa correspondente à apresentação do
presente articulado fora do prazo peremptório, pelo facto de o mesmo sofrer de
manifesta carência económica, inibindo-o de dispor de qualquer quantia para
liquidar qualquer valor de multa.”
O Ministério Público opôs-se a esta pretensão (fls 248).
2. O requerente limitou-se a afirmar, em termos conclusivos, “sofrer de
manifesta carência económica”, não articulando quaisquer factos que permitam
verificar a ocorrência dos pressupostos do uso da faculdade (cfr. Ac. do Supremo
Tribunal de Justiça, de 22 de Outubro de 1997, in Boletim do Ministério da
Justiça, n.º 470, pág. 224 e segs.) a que se refere o n.º 7 do art.º 145.º do
Código de Processo Civil. Como o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto salienta, o
simples facto de litigar com benefício de apoio judiciário não justifica a
aplicação automática de tal faculdade, sendo sempre necessário que o juiz
disponha de elementos factuais que lhe permitam um juízo actual sobre a situação
do interessado.
3. Pelo exposto, indefiro o pedido, não dispensando nem reduzindo a multa.”
3. Apreciando as razões invocadas pelo reclamante contra o decidido,
consideram-se todas elas improcedentes, nos termos seguintes:
3.1. O facto de o interessado beneficiar de apoio judiciário não o dispensa do
pagamento das multas processuais que sejam condição de validade dos actos
praticados com inobservância dos prazos peremptórios, a que se refere o artigo
145.º do CPC. Efectivamente, como se afirma no acórdão n.º 17/91, publicado no
Boletim do Ministério da Justiça, n.º 404 (cfr. também, além do acórdão citado
no despacho reclamado, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março
de 1994, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,
Ano II, tomo I, pág. 167), essa multa não cabe no conceito legal de custas
(artigo 1.º e artigo 74.º do Código das Custas Judiciais), nem está abrangida no
elenco de benefícios do apoio judiciário (artigo 15.º da Lei n.º 30-E/2000, de
20 de Dezembro).
Contra este entendimento não milita o elemento teleológico de interpretação da
lei, nem o princípio da interpretação conforme à Constituição, designadamente o
direito de acesso aos tribunais e o direito a um processo equitativo (artigo
20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição). Uma vez obtida a concessão do apoio
judiciário, traduzido na dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o
processo, a parte com insuficiência económica não pode considerar-se impedida,
por causa dessa insuficiência, de defender judicialmente os seus direitos e
interesses legalmente protegidos. E fica colocada no mesmo plano de igualdade
que o interessado que possa suportar esses pagamentos. Ambas têm de se submeter
às regras processuais, nomeadamente quanto a prazos, só podendo praticar o acto
fora de prazo em caso de justo impedimento ou com multa. É certo que, no plano
fáctico, a multa pesa diferentemente em função da situação económica de quem a
suporta. Mas a multa é consequência da inobservância do prazo, pelo que, suposta
a razoabilidade deste, a parte se queixará de si própria. Resquício de objecções
que possam subsistir – e só poderão emanar de considerações relativas ao direito
a um processo equitativo, na vertente do princípio da igualdade – são corrigidas
pelo n.º 7 do artigo 145.º do CPC.
3.2. A faculdade de redução ou dispensa da multa ao abrigo do n.º 7 do artigo
145.º do CPC constitui uma providência excepcional. Permite a adequação da
sanção processual para a prática tardia do acto, quer relativamente à situação
económica do responsável (manifesta carência económica), quer na relação entre o
montante da multa e a repercussão do atraso no bom andamento da lide e, até, a
relevância processual do acto (princípio da proporcionalidade). Porém, enquanto
a redução fundada no carácter desproporcionado da sanção se obtém com base em
factos que, geralmente, serão revelados pela marcha processual e pelo regime
legal de cálculo da multa, já cabe sempre ao interessado, quando pedida a
redução ou dispensa com fundamento em manifesta insuficiência económica, o ónus
da alegação e prova dos factos integradores dessa situação juridicamente
relevante, que são constitutivos do direito que se arroga (artigo 342.º, n.º 1
do Código Civil), que tem de ser actuais e que são externos ao processo. A
circunstância de a parte beneficiar de apoio judiciário – que já vimos não
abranger a multa – não dispensa do ónus de alegação precisa dos factos
pertinentes ao deferimento dessa outra pretensão. Basta ver – além do aspecto
posto em destaque no despacho reclamado, de que a apreciação tem de ser referida
à situação económica actual do interessado e que esta pode ter melhorado – que o
conceito de insuficiência económica é sempre um conceito relativo (de
determinada capacidade ou disponibilidade, para determinados encargos) e que a
concessão de um e outro benefício depende do preenchimento de conceitos
jurídicos com diferente recorte. Para obter apoio judiciário basta a
“insuficiência de meios económicos” (n.º 1 do artigo 1.º), a prova da
“insuficiência económica” provada ou presumida (artigos 19.º e 20.º da Lei n.º
30‑E/2000). Para que o pagamento da multa seja dispensado ou esta seja reduzida
é necessário que o interessado esteja em situação de “manifesta carência
económica” para suportá-la. Há aqui a exigência de uma situação de mais
acentuada incapacidade económica O que bem se compreende porque no primeiro caso
se trata de viabilizar o acesso aos tribunais e no segundo de corrigir a
desproporção de um obstáculo às condições desse acesso que tem a sua causa
imediata no incumprimento do prazo, (processualmente) imputável ao requerente.
3.3. O convite ao aperfeiçoamento dos requerimentos das partes supõe que algo
tenha neles sido alegado que possa ser completado, esclarecido ou provado. Não
tem lugar quando, como é o caso, a parte omitiu, por completo, o cumprimento do
ónus de alegar os factos constitutivos da sua pretensão, limitando-se a
reproduzir o conceito jurídico indeterminado que integra a hipótese normativa
(cfr. artigos 264.º e 265.º do CPC).
3.4. Compete ao tribunal perante o qual é deduzida a pretensão de redução ou
dispensa da multa – e não aos serviços de segurança social – apreciar os
respectivos pressupostos de facto e direito (“ O juiz pode determinar …”).
Respeitando a actos que devam ser praticados no Tribunal Constitucional, essa
competência cabe primariamente ao relator, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-B
da LTC.
3.5. Com a interpretação e aplicação que foi considerada no despacho recorrido,
com os complementos que antecedem, é manifesto que a norma do n.º 7 do artigo
145.º do CPC não infringe o direito constitucionalmente consagrado de acesso aos
tribunais para tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos. O requerente não se vê privado de praticar o acto processual por
insuficiência de meios económicos, mas por tê-lo apresentado fora de prazo e não
ter demonstrado que a sua situação económica é tal que não pode satisfazer uma
multa de € 33,38, que foi a liquidada (vid. fls. 252). A Constituição ampara
perante a insuficiência económica, não subverte os princípios processuais para
proteger da negligência.
3.6. A reclamação, para a conferência, do despacho do relator que indeferiu o
requerimento de dispensa ou redução da multa já não é o momento processualmente
adequado para alegar os factos constitutivos dessa pretensão indeferida. Apesar
disso, acrescentar-se-á, que mesmo que assim não fosse, perante os factos agora
alegados (n.º 7.º da reclamação) sempre o pedido seria indeferido, por não se
considerarem demonstrativos de uma situação de carência económica com o grau de
intensidade suficiente para justificar, nas circunstâncias do processo, a
dispensa de pagamento de uma multa de € 33,38.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação, confirmando o despacho do
relator e condenando a recorrente nas custas do incidente (artigo 7.º do Regime
de Custas no Tribunal Constitucional – Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro),
com 15 (quinze) UC.s de taxa de justiça, sem prejuízo do regime de apoio
judiciário.
Lisboa, 16 de Março de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício