Imprimir acórdão
Processo n.º 402/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. requereu em 2 de Março de 2004, junto do Tribunal do Trabalho
de Lisboa, exame de revisão de incapacidade decorrente de acidente de trabalho
de que fora vítima, nos termos do artigo 145º do Código de Processo do Trabalho
(fls. 243).
Por despacho do juiz do Tribunal do Trabalho de Lisboa, indeferiu-se o
requerido, pelos seguintes fundamentos (fls. 245):
“Dispõe, tanto o n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127 de 03-08-1965, como o n.º 2
do art° 25° da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro, que «a revisão só poderá ser
requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão (...)».
A pensão em apreço foi fixada em 04-11-1992, data em que o acordo de fls. 15 e
ss foi homologado.
O requerimento de fls. 243, através do qual o sinistrado pede a realização de
exame de revisão, entrou em juízo em 02-03-2004.
Constata-se, assim, que o prazo de 10 anos se encontra largamente ultrapassado,
razão pela qual se indefere o ora requerido.”
2. Inconformado com este despacho, A. dele interpôs recurso de agravo
(fls. 248), tendo nas alegações respectivas (fls. 249 e seguintes) concluído do
seguinte modo:
“1. O ora recorrente é o sinistrado nos presentes autos,
2. Tendo em atenção a sua diminuição da capacidade de ganho e o facto de se
encontrar pior das lesões sofridas, requereu a revisão da sua incapacidade,
3. Acontece que tal pedido foi indeferido, por se ter considerado que desde a
fixação inicial da pensão já haviam passado mais de 10 anos,
4. Não concordando com tal decisão o ora recorrente apresentou o presente
recurso.
5. O Mmº Juiz a quo parte da presunção errada de que a fixação a que se refere o
n.º 2 da Base XXII da Lei 2127 de 3-8-1965 e o n.º 2 do artigo 25° da Lei 100/97
de 13 de Setembro é a primeira, acontece que tal fixação tanto se pode referir à
fixação inicial, como à primeira ou ulteriores revisões,
6. Como aliás é referido no acórdão da Relação de Évora de 24.03.1988 (R.
68/97), Colectânea de Jurisprudência, 1988, 2, 291.
7. Tendo a sua incapacidade sido revista e alterada pela última vez a 8 de
Janeiro de 2003 ainda não decorreram 10 (dez) anos exigidos.
8. Violou assim o Mmº Juiz a quo o n.º 2 da Base XXII da Lei 2127 de 3-8-1965 e
o n.º 2 do artigo 25° da Lei 100/97 de 13 de Setembro.
9. Nestes termos e nos mais de direito, requer a V. Ex.as. que seja determinada
a anulação do despacho ora recorrido, que indefere o pedido de revisão da
incapacidade por ser esta a medida que melhor realizará Justiça!”.
A decisão recorrida foi mantida, por despacho de fls. 271.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa
emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, do seguinte teor (fls. 276):
“1. O n.º 2 da Base XXII da L 2127 de 03.8.65 e o n.º 2 do art.º 25º da L
100/97, de 13.7, fixam o prazo de 10 anos para o pedido de revisão.
Imaginemos […] uma situação clínica de maior degeneração.
Segundo a orientação do Despacho em crise, a protecção estava condicionada na
sua adaptabilidade nos primeiros dez anos após a primeira fixação.
2- O Legislador terá querido esse limite?
3- Nos termos do n.º 3 do artº 9º do CC, a interpretação citada no Ac. RE de
24.03.88, CJ 1988-2-291 afigura-se a mais correcta.
4- Seria, aliás e por violação do artº 13º da CRP, inconstitucional o preceito
em tal interpretação.”.
3. Por acórdão de 26 de Janeiro de 2005, o Tribunal da Relação de
Lisboa negou provimento ao recurso, pelos seguintes fundamentos (fls. 279 e
seguintes):
“[…]
Ao requerido incidente de revisão de incapacidade (ou de revisão de pensão)
iniciado com o requerimento de fls. 243, e que deu origem ao despacho recorrido
é aplicável, ainda, a Lei 2127, de 03 de Agosto de 1965, na medida em que o
acidente do autos teria ocorrido em 04 de Março de 1992 e a nova LAT aprovada
pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, só entrou em vigor em 1 de Outubro de
1999, aquando da aprovação do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/04, sendo certo
também que a nova LAT e o Decreto-Lei que a regulamentou só são aplicáveis aos
acidentes de trabalho que ocorreram após a entrada em vigor destes mesmos
diplomas (cfr. al. a) do n.º 1 do artº 41º da Lei n.º 100/97 de 13/09.
Dispunha o n.º 2 da Base XXII da citada Lei 2127 que:
«A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da
fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois
primeiros anos, e uma vez por ano nos anos imediatos.».
Esta norma passou a ter integral correspondência no artº 25º da nova LAT.
A questão a decidir no presente recurso consiste em saber se aquele prazo de 10
nos para se requerer a revisão de incapacidade por acidente de trabalho,
previsto no n.º 2 daquela Base, se conta apenas do momento da fixação inicial da
pensão ou se este prazo se renova, desde que, em ulterior revisão de
incapacidade, venha a ser fixada uma incapacidade diferente da inicial.
A redacção da norma em questão, em que está inserido o advérbio «só», leva-nos,
sem dificuldade de interpretação, a considerar que tal norma não comporta outro
sentido que não seja o de se considerar que o prazo de 10 anos nela previsto
terá de contar-se apenas do momento da fixação inicial da pensão, sem
possibilidade de o mesmo se poder renovar em qualquer outra circunstância. É que
o advérbio «só» apresenta-se-nos sempre com um significado restritivo, indicando
exclusividade e destaque de um único aspecto ou elemento entre vários possíveis
(cfr. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de
Lisboa, II Vol., pág. 3431).
E comportando a norma um único sentido, há que atender ao disposto no n.º 2 do
artº 9º do Código Civil que dispõe que o intérprete não pode considerar «o
pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».
E que a intenção do legislador não foi outra senão esta, é reforçado pelo
disposto no n.º 3 da mesma Base, que excepciona do limite temporal dos 10 anos,
constante do seu número anterior, apenas «os casos de doença profissional de
carácter evolutivo, designadamente, pneumoconioses», podendo, no que respeita a
estes casos, requerer-se a revisão a todo o tempo.
Quanto à nova LAT, também esta interpretação não nos deixa dúvidas, pois o n.º 2
do seu artº 25º mantém integralmente a redacção do n.º 2 da Base XXII da Lei
2127 e o seu n.º 3, agora sem quaisquer restrições, excepciona daquele limite
temporal dos 10 anos todas as doenças profissionais de carácter evolutivo.
O legislador da nova LAT não desconhecia a discussão anterior à sua entrada em
vigor, mesmo a nível jurisprudencial (cfr. Acórdão da Relação de Évora, de
24/03/88, in CJ – Ano 1988 – Tomo II – pág. 291 citado pelo recorrente nas suas
alegações e em que fundamenta a sua posição no recurso), mas quis manter
seguramente a orientação que vinha maioritariamente sendo perfilhada pela
jurisprudência, e que sempre seguimos, no sentido de que aquele prazo de 10 anos
se conta a partir da data da fixação da pensão e não mais pode ser renovado,
mesmo nos casos de ulteriores revisões de que tenham resultado alterações no
grau de incapacidade (cfr., com interesse, o Acórdão do STJ de 11/05/94, in AC.
DOUT. 394-1168 e BMJ 437-356 e o que escreve Carlos Alegre, in Acidentes de
Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª Edição, pág. 128, onde refere expressamente
que «a revisão só pode ser requerida dentro dos primeiros dez anos posteriores à
data da fixação da pensão...»).
Tendo a fixação inicial da pensão ocorrido em 04/11/92, data em que o acordo de
fls. 15 foi homologado pelo juiz, e tendo o requerimento de exame de revisão de
fls. 243, entrado em juízo em 02/03/2004, já há muito havia decorrido aquele
prazo de 10 anos constante do n.º 2 da Base XXII da Lei 2127, pelo que bem se
decidiu no despacho recorrido indeferir aquele mesmo requerimento.
[…].”.
4. Deste acórdão interpôs o Ministério Público recurso para o
Tribunal Constitucional, nos seguintes termos (fls. 286):
“[…]
Fundamenta tal impugnação por violação das normas contidas nos artºs 59°-1-f) e
13° da Constituição da República Portuguesa na interpretação feita da norma
contida no n.º 2 da Base XXII da Lei 2127, de 03 de Agosto de 1965, de resto
confirmada pela Relação com o n.º 3 da mesma Base, correspondentes hoje às
normas dos n.ºs 2 e 3 do artº 25°, da nova LAT aprovada pela Lei n.º 100/97, de
13 de Setembro.
Atenta a legitimidade [artº 72°-1-a)], a admissibilidade [artº 70°-1-b)] e o
prévio suscitamento no parecer emitido nos termos do artº 87°-3 do CPT (artº
75°-A, n.º 2), todos da Lei do Tribunal Constitucional.”
Este recurso foi admitido por despacho de fls. 323.
5. Nas alegações (fls. 326 e seguintes), concluiu assim o
representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional:
“1º - A norma constante do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2172, ao consagrar um
prazo – absolutamente preclusivo – de 10 anos, contados da fixação da pensão,
para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com
fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, viola o princípio
da igualdade e o direito à fixação de justa reparação ao sinistrado, constante
dos artigos 13º e 5[9]º, n.º 1, alínea [f]) da Constituição da República
Portuguesa.
2º - Termos em que deverá proceder o presente recurso.”.
A Companhia de Seguros Fidelidade, SA., ora recorrida, não contra-alegou
(fls. 331 e seguinte).
6. A fls. 336 e seguintes, foi determinada a notificação às partes do
seguinte despacho:
“[…]
7. No quadro das soluções plausíveis de direito, é de admitir que o Tribunal
Constitucional venha a considerar que existe um obstáculo ao conhecimento do
objecto do presente recurso.
Com efeito, perante as alegações apresentadas pelo recorrente Ministério Público
neste Tribunal, ficou claro:
– que se pretende ver apreciada a norma constante do n.º 2 da Base XXII da Lei
n.º 2172, de 3 de Agosto de 1965, «interpretada no sentido de consagrar um prazo
absolutamente preclusivo de 10 anos, contados da fixação da pensão, para a
revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento
em agravamento superveniente das lesões sofridas»;
– que, na opinião do recorrente, tal norma, assim interpretada, violaria o
princípio da igualdade, pois que dela resulta para o sinistrado por acidente de
trabalho um regime menos favorável do que o estabelecido quer para o trabalhador
no caso de doença profissional evolutiva (no n.º 3 da referida Base XXII da Lei
n.º 2127), quer para o «lesado comum» (nos termos gerais previstos no Código
Civil);
– que, em sua opinião, tal norma violaria igualmente o artigo 59º, n.º 1, alínea
f), da Constituição, por não assegurar o direito fundamental dos trabalhadores à
assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de
doença profissional.
Tendo em conta o exposto, verifica-se que o recorrente não cumpriu adequadamente
o ónus a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei
do Tribunal Constitucional. Na verdade, o recorrente Ministério Público não
suscitou «a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer». O representante do Ministério Público junto do
Tribunal da Relação de Lisboa, no parecer que emitiu nestes autos, a fls. 276,
no sentido do provimento do recurso de agravo interposto pelo sinistrado A.,
limitou-se a afirmar que «nos termos do n.º 3 do artº 9º do CC, a interpretação
citada no Ac. RE de 24.03.88, CJ 1988-2-291 afigura-se a mais correcta» e que
«seria, aliás e por violação do artº 13º da CRP, inconstitucional o preceito em
tal interpretação».
Desde logo, nesse parecer não é explicitada a interpretação atribuída à norma do
n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2172, que se pretende questionar do ponto de vista
da sua constitucionalidade. Por outro lado, nas expressões constantes de tal
parecer – designadamente na mera referência à «violação do artº 13º da CRP» –
não é possível ver, nem sequer implicitamente, a identificação dos parâmetros
utilizados nas alegações do Ministério Público para caracterizar as questões de
inconstitucionalidade que agora são submetidas à apreciação do Tribunal
Constitucional.
Tanto assim é que, percorrendo o texto do acórdão recorrido (o acórdão de 26 de
Janeiro de 2005, de fls. 279 e seguintes, supra, 3.), se verifica que o Tribunal
da Relação de Lisboa não discutiu qualquer questão de inconstitucionalidade que
lhe tivesse sido colocada.
8. Nestes termos, não tendo as questões de inconstitucionalidade sido suscitadas
em termos processualmente adequados perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida – já que apenas foram identificadas pelo recorrente nas alegações
produzidas perante o Tribunal Constitucional –, afigura-se não ser possível
tomar conhecimento do objecto do recurso.
[…].”.
7. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional respondeu (fls. 347 e seguintes):
“1 – São dois – segundo o douto parecer de fls. 336 e segs – os obstáculos ao
conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada no presente recurso,
decorrentes:
– da alteração do parâmetro de aferição da constitucionalidade, face ao teor do
parecer exarado pelo representante do Ministério Público junto da Relação – em
que se suscitou originariamente a questão de constitucionalidade que integra o
objecto do recurso – e ao sustentado na alegação apresentada neste Tribunal
Constitucional;
– do facto de, no dito parecer, exarado no tribunal «a quo», se não especificar,
em termos adequados, qual a precisa interpretação normativa que se pretendia
questionar.
2 – Efectivamente, o parâmetro de aferição da constitucionalidade, invocado no
aludido parecer, era o da igualdade – sendo certo que, na alegação apresentada,
se invoca que a dimensão normativa questionada afronta também o direito à justa
reparação ao sinistrado em acidente laboral, decorrente do preceituado no artigo
56°, n.º 1, alínea j) da Constituição da República Portuguesa.
3 – Temos, porém, como seguro que tal circunstância não implica qualquer
modificação relevante do objecto normativo do recurso, para cuja definição não
deve seguramente contribuir o parâmetro de aferição da constitucionalidade
invocado – face, desde logo, ao poder-dever de convolação – mesmo oficiosa – que
o artigo 79°-C da Lei n.º 28/82 outorga a este Tribunal.
4 – Na verdade, podendo o Tribunal julgar inconstitucional a norma que constitui
objecto do recurso com «fundamento na violação de normas ou princípios
constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada», temos
por evidente que não pode coarctar-se à parte a «sugestão» de que o Tribunal
Constitucional pondere, na decisão que tomar, todos os parâmetros que se
configurem como relevantes para o julgamento, sem que tal possa extravasar o
objecto do recurso – dissentindo-se, quanto a este ponto, do entendimento
restritivo, subjacente ao acórdão n.º 139/03.
5 – Consideramos, por outro lado, que – no parecer de fls. 276 – o magistrado
recorrente especificou, em termos suficientes, a dimensão normativa que
pretendia questionar «sub specie constitutionis» –resultando perfeitamente claro
e inteligível que se considera violador da Lei Fundamental (artigo 13°) a
interpretação normativa do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de
1965, e do n.º 2 do artigo 25° da Lei n.º 100/97, de 13 de Julho, enquanto
«fixam o prazo de 10 anos para o pedido de revisão» contado da data da «primeira
fixação» da pensão ao sinistrado laboral.
6 – E, nesta perspectiva, consideramos que – como, aliás, decorria do douto
despacho, proferido a fls. 325 – nenhuma razão obsta ao conhecimento do recurso
por este Tribunal Constitucional.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
8. Constitui objecto do presente recurso a norma do n.º 2 da Base
XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de
consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da
data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado
por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões
sofridas.
É o seguinte o teor do referido preceito legal:
“Base XXII
Revisão das pensões
1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente
de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem
à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as
prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia
com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da
fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois
primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente
pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo
requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá
ser requerida uma vez no fim de cada ano.”.
Sustenta o Ministério Público, ora recorrente, que a norma do transcrito n.º
2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, na interpretação acima
identificada, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e do
direito à fixação de justa indemnização ao sinistrado, consagrados
respectivamente nos artigos 13º e 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição
[certamente por lapso, o Ministério Público refere o artigo 56º, n.º 1, alínea
j)].
A argumentação do Ministério Público é, em síntese, a seguinte (cfr.
alegações de fls. 326 e seguintes):
a) Do regime legal resulta que o lesado, salvo no caso de doença
profissional de carácter evolutivo, vê caducar o direito a uma indemnização
adicional por danos futuros, consubstanciados no agravamento das lesões sofridas
pelo acidente de trabalho, unicamente pela circunstância de ter decorrido um
determinado lapso temporal sobre o momento em que foi fixada a pensão;
b) Embora quanto aos danos futuros mais afastados temporalmente da
data da fixação da pensão exista maior dificuldade de prova do respectivo nexo
causal, não é de excluir a possibilidade de real agravamento das lesões,
totalmente imprevisível à data da fixação da pensão;
c) A inviabilização da indemnização adicional, decorrente da
superveniência de agravamento, viola o princípio da igualdade, pois que o regime
é mais favorável para o trabalhador no caso de doença profissional evolutiva;
d) O lesado por acidente de trabalho é também tratado mais
desfavoravelmente do que qualquer lesado, no que se refere à indemnização por
danos futuros, pois que o lesado “comum”, mesmo depois de decorrido o prazo de
três anos consagrado no artigo 498º, n.º 1, do Código Civil, e enquanto a
prescrição ordinária se não tiver consumado, pode requerer a indemnização
correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos
três anos anteriores;
e) Estabelecendo o artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição o
direito fundamental dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando
vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, não pode o direito
infraconstitucional fragilizar a posição do sinistrado em acidente laboral.
9. Comecemos por verificar se existem obstáculos ao conhecimento do
objecto do presente recurso.
Sendo o recurso fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, constituem seus pressupostos:
– que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a
inconstitucionalidade da norma (ou de uma determinada interpretação da norma)
que pretende ver apreciada por este Tribunal;
– que essa norma (ou a norma com essa interpretação) tenha sido aplicada,
como ratio decidendi, na decisão recorrida, não obstante a acusação de
inconstitucionalidade.
E, de acordo com o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, o
recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º só pode ser interposto pela
parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Ora, o Tribunal entende que no presente processo pode dar-se como cumprido o
ónus a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional. Na referência que fez, no parecer emitido a fls. 276
(supra, 2.), a anterior acórdão do Tribunal da Relação de Évora sobre a norma
questionada, o magistrado recorrente indicou implicitamente, em termos
minimamente claros, perante o tribunal recorrido, qual a dimensão normativa que
censurava do ponto de vista da sua desconformidade com a Constituição:
concretamente tal magistrado sustentou que considerava violadora do princípio da
igualdade (consagrado no artigo 13° da CRP) a interpretação normativa do n.º 2
da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, enquanto estabelece o
prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação
inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de
trabalho.
Por outro lado, é indubitável que o Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão
sob recurso, perfilhou a interpretação questionada pelo recorrente.
10. Conclui-se, assim, não existirem obstáculos ao conhecimento do
objecto do recurso.
Antes, porém, de se proceder à apreciação da interpretação normativa que o
recorrente submete ao julgamento do Tribunal Constitucional importa assinalar
que a norma impugnada no presente recurso já não vigora no ordenamento
português.
O artigo 42º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, determinou a revogação da
Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, com a entrada em vigor do decreto-lei
previsto no seu artigo 41º (trata-se do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril).
E o artigo 25º, n.º 2, da referida Lei n.º 100/97 prevê, em termos próximos dos
da norma ora em análise, que “a revisão só poderá ser requerida dentro dos 10
anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois
primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos”.
Este artigo 25º, n.º 2, da Lei n.º 100/97 mantém-se em vigor, pois que o n.º
2 do artigo 21º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o actual Código
do Trabalho, condicionou a revogação da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, à
entrada em vigor das normas regulamentares (cfr. a respectiva alínea g)), o que
ainda não ocorreu.
11. O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar
sobre a norma que constitui objecto deste recurso.
No Acórdão n.º 155/2003, de 19 de Março (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal concluiu no sentido da não
inconstitucionalidade do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de
1965.
Nesse Acórdão, a interpretação normativa ora em causa foi apreciada
unicamente à luz de certas dimensões do princípio da igualdade, nos seguintes
termos:
“[…]
A questão de constitucionalidade em causa no presente recurso cinge-se, assim, à
norma da primeira parte do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, que só permite o
requerimento de revisão das prestações devidas por acidente de trabalho nos dez
anos posteriores à data da fixação da pensão. Segundo o recorrente, tal norma
violaria o princípio da igualdade numa dupla perspectiva: (i) em comparação com
os sinistrados que, tendo requerido uma primeira revisão dentro dos primeiros
dez anos, ficariam habilitados, segundo certo entendimento jurisprudencial, a
requerer indefinidamente sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma
delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente revisão; e (ii) ao não
conferir tratamento diferenciado aos casos em que a pensão é fixada na
menoridade do sinistrado, em situações em que não é possível aferir, com
exactidão, quais as sequelas futuras da incapacidade.
2.2. Como este Tribunal tem repetidamente afirmado, «o princípio da igualdade,
como parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do direito
infraconstitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam objecto
de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes tenham, por
sua vez, tratamento diferenciado»; mas «tal não significa (...) que não exista
uma certa margem de liberdade na conformação legislativa das várias soluções
concretamente consagradas, e até que não se reconheça a possibilidade de o
legislador consagrar, em face de uma dada categoria de situações, uma solução
que se afaste da solução prevista para outras constelações de casos
semelhantes», desde que seja «identificável um outro valor, também ele com
ressonância constitucional, que imponha ou, pelo menos, justifique e torne
razoável a diferenciação» (cf. Acórdão n.º 113/01, no Diário da República, II
Série, n.º 96, de 24 de Abril de 2001, pág. 7247, e em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 49.º volume, pág. 435).
A possibilidade de revisão das prestações devidas por acidentes de trabalho
quando o estado de saúde do sinistrado conheça evolução, quer no sentido do
agravamento, quer no da melhoria, modificando-se a sua capacidade de ganho, foi
prevista, pela primeira vez, no artigo 33.º do Decreto n.º 4288, de 22 de Maio
de 1918. O artigo 24.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, introduziu a
exigência de o requerimento da revisão das pensões por incapacidade permanente,
com fundamento em modificação na capacidade geral de ganho da vítima do
acidente, ser formulado «durante o prazo de cinco anos, a contar da data da
homologação do acordo ou do trânsito em julgado da sentença» e «desde que, sobre
a data da fixação da pensão ou da última revisão, t[ivessem] decorrido seis
meses, pelo menos».
A Lei n.º 2127, na sua Base XXII, permitiu a revisão das várias «prestações»
(incluindo, assim, as reparações em espécie) e não apenas das «pensões por
incapacidade permanente», alargou de cinco para dez anos o prazo durante o qual
a revisão pode ser requerida e possibilitou a sua formulação «uma vez em cada
semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos».
O regime dessa Lei, com adaptações de pormenor, foi reproduzido no novo regime
jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, constante da Lei
n.º 100/97, de 13 de Setembro, cujo artigo 25.º dispõe:
«1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado
proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que
deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou
ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações
poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a
alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data
da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma
vez por ano, nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo não é aplicável
o disposto no número anterior, podendo requerer‑se a revisão em qualquer tempo;
mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada
ano».
Os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei n.º 2127 e mantidos na Lei
n.º 100/97 surgiram da «verificação da experiência médica quotidiana de que os
agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos
(daí a fixação dos dois anos em que é possível requerer mais revisões), decaindo
até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em
dez anos)» (cf. Carlos Alegre, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das
Doenças Profissionais, Coimbra, 2000, pág. 128).
Neste contexto, não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do
legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da
pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente
que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução
justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada.
Diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de
revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da
capacidade de ganho da vítima, com a consequente modificação da primitiva
determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se
poderia ter por consolidada. Não ocorreria, assim, violação do princípio da
igualdade na primeira perspectiva assinalada. Com efeito, mesmo a aceitar-se
como correcto – questão sobre a qual não cumpre tomar posição – o entendimento
jurisprudencial, invocado pelo recorrente, segundo o qual os sinistrados que
requereram uma primeira revisão dentro dos primeiros dez anos podiam requerer
sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um
decénio sobre a precedente revisão, ele respeitaria a situações diversas
daquelas em que decorrera por completo o prazo de dez anos desde a data da
fixação da pensão sem que tivesse sido requerida qualquer revisão. Existiria, no
primeiro grupo de situações, um factor de instabilidade, que não ocorreria no
segundo grupo, o que não permitiria considerar como constitucionalmente
ilegítima a apontada diferenciação de regimes.
Já mereceria melhor ponderação a questionada violação do princípio da igualdade
na segunda perspectiva apontada. Na verdade, se o prazo de dez anos sem
formulação de pedidos de revisão pode ser considerado como suficiente para
reputar como consolidado o juízo sobre o grau de incapacidade permanente, quando
este juízo respeita a um sinistrado adulto, já seria questionável se esse prazo
continuaria a ser suficiente nos casos em que o acidente e a fixação da
incapacidade respeitam a um menor, ainda na adolescência (como aconteceu com o
recorrente, que sofreu o acidente quando tinha 14 anos de idade), em plena fase
de crescimento físico, isto é, com formação corporal longe de estar completa e
em que, por isso, são mais plausíveis alterações no grau de incapacidade. Isto
é, seria questionável se, atenta a diferenciação das situações de facto, não se
imporia ao legislador, por respeito ao princípio da igualdade, introduzir
diferenciações de regime jurídico.
Acontece, porém, que, no presente caso, o recorrente não apenas não apresentou o
pedido de revisão da pensão no prazo de dez anos posterior à data da fixação da
pensão (data que as instâncias, nestes autos, têm reportado à data do trânsito
em julgado do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ponto que não é
incontroverso, havendo quem reporte tal data à data da alta definitiva ou da
cura clínica, à data do exame médico‑legal ou à data do despacho homologatório
do acordo ou da sentença que fixou a pensão – cf. Carlos Alegre, obra citada,
pág. 128), como nem sequer o fez nos dez anos posteriores à data em que atingiu
a maioridade, só o formulando em 29 de Outubro de 1996, quando já tinha 39 anos
de idade (nasceu em 22 de Junho de 1957). Ora, nunca um hipotético juízo de
inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, que este Tribunal
Constitucional pudesse emitir relativamente ao prazo do pedido de revisão de
pensões fixadas na menoridade do sinistrado poderia ter o alcance de fazer
dilatar aquele prazo até à idade em que o recorrente a formulou, pelo que,
atento o carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, não há
interesse em apreciar a existência de fundamento para a eventual prolação desse
juízo.
[…].”.
12. Da leitura do Acórdão n.º 155/2003, de 19 de Março, acabado de
transcrever, resulta claramente que o Tribunal Constitucional apreciou, porque
tal correspondia ao suscitado pelo então recorrente, as seguintes questões de
constitucionalidade:
– a eventual desigualdade de tratamento entre um sinistrado por acidente
laboral que tenha requerido a revisão da pensão no período de dez anos após a
sua fixação e outro que o não tenha feito – pois que o primeiro poderia (pelo
menos, na perspectiva do então recorrente) requerer nova revisão passados esses
dez anos e o segundo não o poderia fazer;
– a eventual desigualdade de tratamento entre um sinistrado por acidente
laboral cuja pensão tivesse sido fixada na sua maioridade e outro cuja pensão
tivesse sido fixada na sua menoridade – pois que, em relação ao segundo, a
circunstância de a respectiva formação corporal ainda não estar completa
tornaria mais plausíveis alterações no grau de incapacidade, justificando, como
tal, um regime de revisão da pensão mais permissivo.
O Tribunal afastou a violação do princípio da igualdade por entender que, no
caso então em apreciação, “não se reveste de flagrante desrazoabilidade o
entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da
fixação da pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade
permanente que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer
evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por
consolidada” (itálico no original).
Todavia, o Tribunal não deixou de considerar que “diferente seria a situação
de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de revisão, que determinaram o
reconhecimento judicial da efectiva alteração da capacidade de ganho da vítima,
com a consequente modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade,
o que indiciaria que a situação não se poderia ter por consolidada”.
Coloca-se portanto a questão de saber se no presente processo é de reiterar a
conclusão no sentido da inexistência de inconstitucionalidade da norma do n.º 2
da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, designadamente com a
fundamentação transcrita.
12. Importa começar por sublinhar que, na averiguação da conformidade
constitucional da solução limitativa, actualmente consagrada na interpretação
normativa em apreço, o que está em questão não é qualquer imposição
constitucional de uma ilimitada possibilidade de revisão das pensões devidas por
acidente de trabalho. Por outras palavras, não está em causa a apreciação de uma
eventual tese segundo a qual qualquer regime de caducidade ou de
prescritibilidade do direito de pedir a revisão das pensões devidas por acidente
de trabalho seria inconstitucional.
Não constitui, assim, objecto do presente processo apurar se a não caducidade
ou a imprescritibilidade do direito de pedir a revisão das pensões devidas por
acidente de trabalho corresponde à única solução constitucionalmente conforme.
No presente recurso está apenas em questão o concreto limite temporal que
resulta da interpretação perfilhada na decisão recorrida – isto é, nos termos da
qual o n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, consagra um
prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação
inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de
trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas.
Mais concretamente ainda – e porque se trata de um recurso de fiscalização
concreta de constitucionalidade –, no presente processo está apenas em
apreciação o prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da
data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado
por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões
sofridas, num caso em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse
prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da pensão, por se ter dado
como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.
13. Ora, assim equacionada a questão, importa, desde logo, começar por
apreciá-la, no quadro do instituto da “revisão das pensões”, perante o direito
consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
O instituto da revisão das pensões “é o resultado da verificação prática de
muitas situações em que o estado de saúde do sinistrado, como consequência
directa do acidente, evolui, quer no sentido do agravamento, quer no da
melhoria, modificando-se, por isso, a sua capacidade de ganho”, como assinala
Carlos Alegre (Acidentes de trabalho: notas e comentários à Lei N.º 2127,
Coimbra, Almedina, 1995, p. 101).
Esta observação, aparentemente feita apenas a propósito da revisão das
pensões por acidentes de trabalho, parece igualmente extensível à revisão das
pensões por doenças profissionais, não só porque em relação a estas também pode
naturalmente verificar-se a referida evolução, como também porque, determinando
o n.º 2 da Base I da Lei n.º 2127 a aplicação, às doenças profissionais, das
normas relativas aos acidentes de trabalho, sem prejuízo das que só a elas
especificamente respeitem, o instituto da revisão das pensões é, em princípio,
comum às pensões por acidente de trabalho e às pensões por doença profissional.
Em suma, o instituto da revisão das pensões justifica-se, quer nos casos de
pensões por acidentes de trabalho, quer nos casos de pensões por doenças
profissionais, pela necessidade de adaptar tais pensões à evolução do estado de
saúde do titular da pensão, quando este se repercuta na sua capacidade de ganho.
Assegura-se assim o direito constitucional do trabalhador à justa reparação –
direito previsto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição –, pois que a
revisão da pensão permite ressarcir danos futuros não considerados no momento da
fixação da pensão ou, no caso de não produção dos danos que se anteciparam,
reduzir o montante da indemnização aos danos que a final se produziram.
Justificando-se a revisão, quanto a ambas as categorias de pensões, em
atenção à referida necessidade de adaptação à evolução do estado de saúde do seu
titular, o prazo preclusivo de dez anos ora em análise só poderia encontrar
algum fundamento se, em relação às pensões por acidentes de trabalho, não fosse
concebível que o estado de saúde do sinistrado pudesse evoluir passados esses
dez anos.
Tal fundamento não é, porém, minimamente plausível. É evidente – como, aliás,
realça o Ministério Público nas alegações – que nada impede a progressão da
lesão ou da doença uma vez decorrido o prazo de dez anos após a fixação da
pensão, quer a respectiva causa seja um acidente de trabalho quer seja uma
doença profissional.
Sendo possível essa progressão em ambos os casos, só uma concepção que
considerasse a vítima de doença profissional digna de maior tutela do que o
sinistrado por acidente de trabalho permitiria entender a existência de um prazo
preclusivo apenas no caso da revisão da pensão deste último.
Esta concepção é, porém, de rejeitar liminarmente. Para além de não assentar,
tal com aquela a que anteriormente se fez referência, em qualquer fundamento
racional, ela sempre esqueceria que a norma constitucional que prevê o direito
dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de
trabalho ou de doença profissional (o referido artigo 59º, n.º 1, alínea f), da
Constituição), não distingue a vítima de acidente de trabalho face à vítima de
doença profissional, no que se refere à reparação.
Poderia porventura aventar-se a hipótese de à norma ora em análise estar
subjacente um critério de contenção de custos, atendendo a que o sistema
português de responsabilidade por acidentes de trabalho assenta – ou, pelo
menos, assentava durante a vigência dessa norma – “numa óptica de
responsabilidade privada polarizada nas entidades patronais e suas seguradoras”
(sobre esse sistema e sobre o sistema de responsabilidade no caso das doenças
profissionais, veja-se Vítor Ribeiro, Acidentes de trabalho: reflexões e notas
práticas, Lisboa, Rei dos Livros, 1984, p. 157-160).
Mas tal critério, como é óbvio, não consubstancia também qualquer fundamento
racional. Desde logo, não se alcançaria por que motivo a tutela do direito do
trabalhador à justa reparação deve ficar condicionada a um critério de contenção
de custos apenas no caso de acidente de trabalho.
Alguma doutrina que se pronunciou a propósito do prazo preclusivo ora em
análise, chegou a sustentar que “seria de todo justo e vantajoso que, em futura
alteração da lei, se eliminasse qualquer prazo limite para a possibilidade de
revisão” (Carlos Alegre, ob. cit., p. 105). Também a propósito de preceito
similar da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, actualmente em vigor, se defendeu
não existirem “razões para limitar o prazo de revisão nos acidentes de trabalho”
(Paulo Morgado de Carvalho, “Um olhar sobre o actual regime jurídico dos
acidentes de trabalho e das doenças profissionais: Benefícios e Desvantagens”,
in Questões Laborais, Ano X, N.º 21, 2003, p. 74 e ss, p. 89).
Impõe-se, assim, a conclusão de que a interpretação normativa em apreço – ao
considerar a existência de um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos,
contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão
devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento
superveniente das lesões sofridas, e ao não permitir, em caso algum, a revisão
de tal pensão, num caso em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse
prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da pensão, por se ter dado
como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado – não tem
subjacente qualquer fundamento racional e contraria o disposto no artigo 59º,
n.º 1, alínea f), da Constituição.
Estabelecendo a Constituição, neste preceito, um direito fundamental dos
trabalhadores à “assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de
trabalho ou de doença profissional”, não é constitucionalmente aceitável, como
refere o Ministério Público, que o direito infraconstitucional venha “fragilizar
a posição jurídica do sinistrado em acidente laboral, inviabilizando-lhe a
obtenção do ressarcimento justo e adequado por danos futuros que – causalmente
ligados ao sinistro – sejam supervenientes em relação à data fixada na norma
objecto do presente recurso”, desde que, naturalmente, não se mostre excedido o
prazo de prescrição da obrigação de indemnizar por acidente de trabalho ou
doença profissional.
Tanto basta para concluir que o presente recurso merece provimento.
III
14. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à
justa reparação, consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a
norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965,
interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10
anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da
pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em
agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação
inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações
da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo
sinistrado;
b) Consequentemente, conceder provimento ao presente recurso,
determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo
de inconstitucionalidade.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Ruía Manuel Moura Ramos
Artur Maurício