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Processo n.º 906/03
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. e mulher, recorrentes nestes autos, requerem a aclaração do Acórdão n.º 659/2004 e “eventualmente reforma”, com base nos seguintes fundamentos:
«1 Primacialmente, o direito constitucional que o Recorrente sente ofendido, é ser-lhe negado totalmente o direito ao recurso - do Tribunal da Relação para o Supremo - sobre uma matéria que ele Recorrente considera inovatória e nunca apreciada anteriormente e apenas sobre essa matéria, recusando-se o Supremo a conhecer do Recurso, porque incursa em processos que evoluíram por diversas instâncias.
2 O argumento do Supremo Tribunal é meramente formal - já houve decisões em duas instâncias, o direito ao recurso foi assegurado, e como não é ilimitado não há inconstitucionalidade.
3 O que o Recorrente levou à apreciação do Tribunal Constitucional, embora não desminta e reconheça essa formalidade, tem a ver com uma posição superveniente (inovadora), de um Tribunal, que o prejudica, e perante a qual ele não dispõe de uma outra instância que aprecie o problema até para lhe negar razão.
4 Portanto, perante a alegação, que foi feita e consta de documentos que estão no processo, de uma questão relevante de direito nova em termos processuais, o Supremo Tribunal, se rejeitar a sua apreciação, está a denegar o direito constitucional à parte, quer quanto ao acesso à justiça, quer quanto ao direito à igualdade, matéria já muito explanada, nomeadamente nos arts. 20 a 26 da resposta dos Recorrentes face à questão prévia de não conhecimento suscitada perlo Excelentíssimo Conselheiro Relator.
5 E o que se pede ao Tribunal Constitucional é um critério normativo: se perante alegações de questões novas, ainda que em processos já derimidos em anteriores instâncias, e que no seu travejamento normal não admitam mais recursos, perante questões novas, repetimos, é admissível que um Tribunal se desobrigue de conhecer da questão, ou tenha de se debruçar sobre ela até para afirmar que não há questão nova e que o Recorrente não tem razão.
6 Não se pede ao Tribunal Constitucional que decida se há ou não uma questão nova.
7 Pede-se é que, perante a invocação de uma questão nova, decida se o Tribunal solicitado pode esquivar-se a essa apreciação, ou se será obrigado a debruçar-se sobre ela apreciando-a e decidindo.
8 No presente acórdão, ao citar-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, defende-se que o direito ao recurso é restringível ..., estando apenas
'vedado a abolição completa ..., ou afectação substancial do direito ao recurso'.
9 O que é o caso agora posto à consideração do TC: abolição completa do direito ao recurso, perante a invocação de matéria nova.
10 Logo, parece-nos, com toda a humildade intelectual possível, que não foi tomada em consideração esta problemática que, pensamos, levaria a uma decisão diferente da de 'não julgar inconstitucional... a interpretação de não ser admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que conhecer de recurso de sentença de primeira instância...”
11 Com todo o respeito, há que aclarar se a constitucionalidade se mantém ainda tenha sido alegada e o objecto de recurso seja, uma questão, de facto ou de direito, NOVA, e não haja obrigatoriedade de a apreciar, por não haver violação dos já referidos direitos constitucionais.
12 Mas, com toda a convicção, pensamos não ser essa a solução que melhor dignifica a Justiça, e que Vªs Ex.as decerto o terão em conta.».
2 – A recorrida Câmara Municipal de Viseu não respondeu ao pedido de aclaração.
B – Fundamentação
3 – É patente perante o seu articulado, acima reproduzido, que os reclamantes não alegam, como fundamento do pedido, que a decisão de que reclamam padeça de qualquer obscuridade ou ambiguidade cuja verificação torne impossível ou até simplesmente difícil ou aleatória a determinação do exacto sentido do discurso decisório do Tribunal.
Ora, o uso do meio processual da aclaração justifica-se quando uma decisão é obscura ou ambígua [art.º 669º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil – CPC- , aplicável ao processo constitucional por via do disposto no art.º
69º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro]. E a decisão é obscura quando o seu texto não permite entender o pensamento do julgador e é ambígua quando a decisão comporta mais de um sentido.
Diz Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 151), a propósito destes dois vícios formais da decisão, que “n[N]um caso, não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro, hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos”. A função da aclaração é deste modo a de “iluminar algum ponto obscuro da decisão”. Sendo assim, “através dela apenas se pode corrigir a sua forma de expressão e não modificar o seu alcance ou o seu conteúdo” (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2002, págs. 45/46).
Não imputando os requerentes ao Acórdão n.º 659/2004 sequer o vício que justificaria um pedido de aclaração e muito menos padecendo o mesmo dele, impõe-se o indeferimento do pedido.
4 – Por outro lado, os requerentes pedem que se proceda “eventualmente à reforma do Acórdão”.
Mas também quanto a este pedido os reclamantes nada alegam que possa conduzir ao juízo de considerar verificados, no caso, os requisitos estabelecidos em qualquer das duas alíneas do n.º 2 do art.º 669º do CPC para ser permitida a reforma. Por isso não pode esse pedido deixar de ser indeferido.
5 – Não sustentando os requerentes – razão pela qual nem sequer importa vislumbrar se uma tal posição poderia encontrar algum fundamento nos autos – que o Acórdão recorrido tenha deixado de conhecer de questão de constitucionalidade que devesse conhecer ou seja, de que haja incorrido em nulidade por omissão de pronúncia, torna-se claro que o que os requerentes verdadeiramente pretendem, no seu articulado de reclamação - evidenciado de modo mais acentuado nos transcritos n.ºs 4, 5 e 11, – é que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade diferente daquela que constitui o objecto de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade tal qual foi definido em função do seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e da ratio decidendi do acórdão recorrido do STJ. Mas a formulação de tal pedido, independentemente de se situar fora dos poderes de conhecimento do Tribunal por estar vinculado ao pedido (art.º 79º-D da LTC), não é também permitida pelos incidentes de aclaração e de reforma da decisão.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir os pedidos de aclaração e de reforma do Acórdão reclamado e condenar os requerentes em custas, fixando a taxa de justiça em 15 UC.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2005
Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050045.html ]