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Processo n.º 333/06
Plenário
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. O requerente e o pedido
O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira requereu, ao
abrigo do disposto no artigo 278°, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e nos artigos 51°, n.º 1, e 57°, n.º 1, da Lei sobre
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), a
apreciação preventiva da constitucionalidade de normas do decreto legislativo
regional que “Define o regime de afixação ou inscrição de mensagens de
publicidade e propaganda na proximidade das estradas regionais e nos aglomerados
urbanos”, aprovado pela Assembleia Legislativa em sessão plenária de 7 de Março
de 2006 e recebido no seu Gabinete, para os efeitos previstos no artigo 233º da
Constituição, no dia 24 do mesmo mês de Março, identificando essas normas como
sendo as “normas antes especificadas e contidas nos artigos 1º, nº 1 , 3º, 5º,
6º e 13º” e “as demais normas que se apresentem com carácter instrumental
relativamente às normas proibitivas da afixação e inscrição de mensagens de
propaganda”, mas tudo tão somente na medida em que se reportem “às mensagens de
propaganda, nestas se compreendendo, nomeadamente, a actividade de propaganda
político-partidária fora dos períodos de campanha eleitoral”.
2. Os fundamentos do pedido
O requerente fundamenta do seguinte modo o pedido:
“I A liberdade de propaganda (maxime de propaganda política) e a sua
caracterização jurídico-constitucional
1 - Inscrito na parte I (Direitos e deveres fundamentais), do Titulo II
(Direitos, liberdades e garantias) a Constituição consagra no artigo 37º, a
liberdade de expressão e informação, a todos garantindo “O direito de exprimir e
divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer
outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e ser informados, sem
impedimentos nem discriminações”.
2 - Da qualificada hierarquia atribuída pelo texto constitucional ao específico
regime dos “direitos, liberdades e garantias” definida no essencial no artigo
18º, decorre um conjunto de impositivas consequências: os preceitos
constitucionais respeitantes a tais direitos são directamente aplicáveis e
vinculam as entidades públicas e privadas (nº1); a lei só pode restringir os
direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na
Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar
outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (n.º 2); as leis
restritivas destes direitos têm de revestir carácter geral e abstracto e não
podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo
essencial dos preceitos constitucionais (n.º 3).
3 - Mas, para além da verificação dos pressupostos assim enunciados, importa
acrescentar que, de um ponto de vista formal, a matéria respeitante a direitos,
liberdades e garantias, em toda a sua extensão, haverá de respeitar o princípio
do domínio reservado da lei impondo-se, em consonância com o disposto no artigo
165º, n.º 1, alínea b), da Constituição, a prolação de uma lei da Assembleia da
República ou, quando muito, de um decreto-lei suportado em credencial
parlamentar.
4 - E, importa ainda acentuar que a reserva de competência legislativa da
Assembleia da República nesta matéria abrange toda a intervenção legislativa no
âmbito dos direitos, liberdades e garantias e não apenas a definição dos
pressupostos materiais e dos requisitos a que se acha constitucionalmente
vinculada a sua restrição.
5 - Nesta contextualidade, a Assembleia da República com base no projecto de lei
nº 25/V, apresentado pelo grupo parlamentar do PSD (Diário da Assembleia da
República, 2ª Série, de 17 de Outubro de 1987) aprovou a Lei nº 97/88, (Afixação
e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda), depois alterada no seu
artigo 4º pela Lei nº 23/2000, de 23 de Agosto.
6 - No tocante à matéria que, como adiante melhor se especificará, aqui importa
referir – as mensagens de propaganda - entendidas estas como “toda a divulgação
de natureza ideológica, designadamente, a referente a entidades e organizações
políticas, sociais, profissionais, religiosas e culturais”, dispõe o artigo 3º
que “ a afixação ou inscrição de mensagens de propaganda é garantida, na área de
cada município, nos espaços e lugares públicos necessariamente disponibilizados
para o efeito pelas câmaras municipais” (nº 1), sendo que “a afixação ou
inscrição de mensagens de propaganda nos lugares ou espaços de propriedade
particular depende do consentimento do respectivo proprietário ou possuidor e
deve respeitar as normas em vigor sobre protecção do património arquitectónico e
do meio urbanístico, ambiental e paisagístico” (nº 2).
7 – No artigo 4º são definidos os critérios a estabelecer, nomeadamente no
exercício das actividades de propaganda, reportando-se depois os artigos 5º ao
licenciamento cumulativo quando a afixação ou inscrição de propaganda exigir a
execução de obras de construção civil, os artigos 6º e 9º regem sobre a remoção
dos meios de propaganda e respectivos custos e o artigo 10º disciplina os
processos contra-ordenacionais relativos à violação de alguns dispositivos da
lei.
8 - O artigo 7º versa especificamente sobre a disponibilização por parte das
câmaras municipais de espaços destinados à afixação da sua propaganda às forças
políticas concorrentes, durante os períodos de campanha eleitoral. Refira-se que
não se compreendem aqui aquelas actividades que se começam a desenvolver antes
do início da campanha eleitoral, normalmente a partir da publicação do decreto a
convocar as eleições. Tal período é comummente designado por “pré-campanha”
realidade que não encontra expressão em nenhuma das leis eleitorais, não tendo
por isso regulamentação específica (Cfr. Maria de Fátima Abrantes Mendes, Jorge
Miguéis, Lei eleitoral do Presidente da República, 3ª Reedição, 2005, p. 52).
9 - Segundo os critérios definidos no nº 1 do artigo 4º relativamente ao
exercício da actividade de propaganda estas deverão ater-se e prosseguir os
seguintes objectivos: a) Não provocar a obstrução de perspectivas panorâmicas ou
afectar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem; b) Não prejudicar a
beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse
público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas; c)
Não causar prejuízo a terceiros; d) Não afectar a segurança das pessoas ou das
coisas, nomeadamente na circulação rodoviária ou ferroviária; e) Não apresentar
disposições, formatos, ou cores que possam confundir-se com os da sinalização de
tráfego; f) Não prejudicar a circulação dos peões, designadamente dos
deficientes.
10 - E, na decorrência do aditamento a tal preceito de um n.º 2, introduzido
pela Lei nº 23/2000, “é proibida a utilização em qualquer caso, de materiais não
biodegradáveis na afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda.
11 - Por seu turno, o n.º 3 ainda do artigo 4º proíbe “em qualquer caso, a
realização de inscrições ou pinturas murais em monumentos nacionais, edifícios
religiosos, sedes de órgãos de soberania, de regiões autónomas ou de autarquias
locais, tal como em sinais de trânsito, placas de sinalização rodoviárias,
interior de quaisquer repartições ou edifícios públicos ou franqueados ao
público, incluindo estabelecimentos comerciais e centros históricos como tal
declarados ao abrigo da competente regulamentação urbanística”.
12 - Nos termos do artigo 10º, n.º 1 da Lei n.º 97/88, constitui
contra‑ordenação passível com coima a violação, nomeadamente, do disposto nos
artigos 3º, n.º 2, 4º e 6º da mesma lei.
13 - Ainda com relevância para a exacta compreensão do tema em apreço importa
referir o Decreto-Lei nº 105/98, de 24 de Abril, com as alterações introduzidas
pelo Decreto-Lei n.º 166/99, de 13 de Maio, que disciplina a afixação ou
inscrição de publicidade na proximidade das estradas nacionais fora dos
aglomerados urbanos.
II – O decreto legislativo regional e as normas submetidas à sindicância desse
Tribunal
1 - A Assembleia. Legislativa, na respectiva exposição preambular, depois de
considerar que “A conservação e valorização da paisagem como parte integrante do
ambiente é, para além de um imperativo constitucional, uma prioridade absoluta,
numa Região de tão grande impacto turístico” impacto este em grande parte
“derivado da sua grande e única beleza paisagística”, considerou urgente
“preservar, por todas as formas possíveis, a natureza e paisagem desta Região”.
2 - E, para tanto, foi entendido que a “afixação de mensagens de publicidade ou
propaganda exterior carece de regulamentação própria a nível da Região Autónoma
da Madeira que, sem afastar o regime geral previsto na Lei nº 97/88, de 17 de
Agosto, acautele a defesa da estética e do ambiente paisagístico nas áreas de
proximidade das estradas regionais, à semelhança, aliás do que se encontra
previsto no Decreto-lei nº 105/98, de 24 de Abril, relativamente à publicidade
próxima das estradas nacionais, fora dos aglomerados urbanos”.
3 - Nesta conformidade o parlamento da região, sob invocação dos artigos 227º,
nº 1 [alínea a)] e 232º, nº 1 da Constituição e 37º, nº 1, alínea c), 40º,
alíneas nn) e oo) e 41º, nº 1, todos do Estatuto Político‑Administrativo na
redacção em vigor, aprovou o diploma agora posto em crise, tendo por objecto,
como é definido no artigo 1º, “a afixação ou inscrição de publicidade e
propaganda nos solos das estradas regionais e nas respectivas zonas de
protecção, bem como no interior dos perímetros urbanos”.
4 – No artigo 2º estabelecem-se as definições de publicidade e de suporte
publicitário, identificadas com o conteúdo descritivo do artigo 3º do
Decreto-Lei nº 330/90, de 23 de Outubro (Código da Publicidade) na redacção que
lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 6/95, de 17 de Janeiro, ambos aprovados à
margem de qualquer autorização legislativa, e outrossim de propaganda,
considerando-se esta como “a divulgação de quaisquer mensagens que não tenham
carácter comercial”.
5 - Nos desenvolvimentos subsequentes e tendo em atenção a causa de pedir e o
pedido consubstanciados no presente requerimento, considerar-se-á como matéria a
sindicar tão somente a que se reporta às mensagens de propaganda, nestas se
compreendendo, nomeadamente, a actividade de propaganda político-partidária
desenvolvida fora dos períodos de campanha eleitoral uma vez que estes se acham
expressamente excluídos pela norma do artigo 18º que remete tais situações para
a “legislação específica aplicável”.
6 - Contrariamente aos propósitos enunciados na exposição preambular do diploma
em apreço, a sua disciplina não se circunscreve à “regulamentação” da Lei nº
97/88 e do Decreto-Lei nº 105/98, com observância e acatamento do regime geral
ali definido.
7 - Com efeito, o legislador regional embora manifestamente inspirado naquele
primeiro diploma cujas disposições são por vezes reproduzidas com meras
adaptações, introduziu em diversos normativos alterações significativas na
tipificação das mensagens de propaganda consideradas ilícitas.
8 - Desde logo, de uma interpretação conjugada dos artigos 1º, nº 1, 3º, 5º, 6º
e 13º, do decreto legislativo em causa, há-de concluir-se que as proibições
contidas no Decreto-Lei nº 105/98, em matéria de afixação ou inscrição de
publicidade fora dos aglomerados urbanos é alargada em termos de abranger as
actividades de propaganda, subvertendo-se assim o sentido e alcance da Lei nº
97/88 relativamente à definição das condutas de afixação e inscrição de
propaganda consideradas ilícitas dentro e fora dos aglomerados urbanos.
9 - Por outro lado, o artigo 3º do mesmo diploma proíbe “a afixação ou inscrição
de publicidade e propaganda fora dos aglomerados urbanos em quaisquer locais
onde a mesma seja visível das estradas regionais” (nº 1), acrescentando-se ser
“igualmente proibida a afixação ou inscrição de mensagens de propaganda em
violação do disposto nos artigos 5º e 6º” (nº 2), sendo que a proibição referida
nos números anteriores abrange “a manutenção e a instalação dos respectivos
suportes publicitários ou de propaganda (nº 3).
10 - Ora, e contrariamente ao assim estatuído, de acordo com a legislação em
vigor a afixação e inscrição de propaganda fora dos aglomerados urbanos não é
absolutamente proibida, como bem resulta do disposto no artigo 3º, n.º 1, do
Decreto-Lei nº 105/98 e no artigo 4º, nº 3, da Lei n.º 97/88, na sua actual
redacção.
11 - Do mesmo modo, da conjugação do disposto nos artigos 5º, nº 1 e 3º, nº 2,
do diploma em causa, resulta a proibição da afixação ou inscrição de mensagens
de propaganda na área de cada município, fora dos espaços e lugares públicos
necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais, quando
o artigo 3º nº 1, da Lei nº 97/88, ao garantir a afixação ou inscrição dessas
mensagens em tais espaços e lugares públicos, não está a proibir a possibilidade
de afixação ou inscrição de propaganda fora de tais espaços e lugares.
12 - Esta conclusão resulta desde logo do facto de, nos termos do artigo 10º, nº
1, da Lei nº 97/88, apenas constituir contra-ordenação punível com coima a
violação do disposto no seu artigo 3º, nº 2 e não já no nº 1 do mesmo preceito.
13 - Aliás, este mesmo entendimento foi perfilhado pelo Tribunal Constitucional
quando, a requerimento de um Grupo de Deputados do PCP, no Acórdão nº 636/95, de
15 de Novembro (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32º vol. pp. 123 e ss.)
sindicou diversos normativos da Lei nº 97/88, não declarando a
inconstitucionalidade de qualquer das normas abrangidas pelo pedido.
E, reportando-se o aresto à norma do artigo 3º, nº 1, depois de se esclarecer
que do respectivo enunciado “e do seu contexto de sentido, não pode derivar-se
um qualquer sentido de limitação da liberdade de propaganda constitucionalmente
consagrada” atribuiu-lhe um alcance garantístico e não proibitivo pois que “ao
impor às câmaras municipais um dever de disponibilização de espaços e lugares
públicos para o exercício desse direito, a mesma norma está tão só a abrir
possibilidades de comportamento no quadro de uma posição livre dos sujeitos”.
14 - E no mesmo acórdão, quando foi avaliada a legitimidade constitucional das
normas do artigo 4º, nº 1, da Lei nº 97/88, definidoras dos critérios de
licenciamento e de exercício, que também vinham questionadas, com base no
argumento de “não serem suficientemente densas, por isso proporcionando uma
abertura à intervenção regulamentar dos órgãos das autarquias locais
incompatível com a reserva de lei em matéria de direitos fundamentais”
esclareceu-se expressivamente “que a Lei nº 97/88 está ali a regular ela própria
e definitivamente o exercício cívico da liberdade de propaganda”, explicitando
os limites que o projecto de lei que esteve na sua origem afirmava na exposição
de motivos.
III – As normas do Decreto Legislativo Regional Integrativas do pedido quando
confrontadas com os condicionamentos da autonomia legislativa da região autónoma
1 - Do que vem de se expor deverá concluir-se que as normas dos artigos 1º, nº
1, 3º, 5º, 6º e 13º, do diploma sob apreciação contém uma disciplina normativa
inicial ou primária quanto à definição de quais as condutas de afixação e
inscrição de propaganda consideradas ilícitas dentro e fora dos aglomerados
urbanos, contrariando o regime legal em vigor.
2 - Com efeito, ao introduzirem no ordenamento jurídico uma proibição absoluta
de afixação ou inscrição de propaganda fora dos aglomerados urbanos em quaisquer
locais onde a mesma seja visível das estradas regionais e ao proibirem a
afixação ou inscrição de mensagens de propaganda fora dos locais
disponibilizados pelas câmaras municipais - limite que pode tornar-se definitivo
e total em caso de omissão das autarquias locais - tais normativos não procedem
a uma simples regulamentação do exercício de um direito.
3 - Criam, pelo contrário, uma verdadeira e própria restrição à liberdade de
expressão consagrada e garantida no artigo 37º, nº 1, da Constituição, afectando
e atingindo o conteúdo deste direito fundamental (Cfr. sobre esta matéria os
acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 74/84, 201/86, 248/86 e 307/88, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, 4º vol., pp. 49 e ss., 7º
vol. Tomo II, pp. 933 e ss., 8º vol., pp. 159 e ss. e 122 vol., pp.499 e ss.).
4 - Como se referiu expressamente no primeiro dos arestos agora citados “a
liberdade de expressão que o artigo 37º, n.º 1, garante, compreende o direito de
manifestar o próprio pensamento (aspecto substantivo), e bem assim o de livre
utilização dos meios através dos quais esse pensamento pode ser difundido
(aspecto instrumental), designadamente para o efeito de fazer propaganda de
carácter político-partidário” (loc. cit., p. 55).
5 - Assim sendo, parece dever afirmar-se que aqueles normativos não dispõem de
legitimidade constitucional, uma vez que a matéria respeitante à liberdade de
expressão, ali posta em causa, se inscreve, como já foi anteriormente referido
no âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, domínio por inteiro
reservado à lei da Assembleia da República, salvo delegação legislativa no
Governo.
6 - E, como tem sido salientado pela jurisprudência constitucional e pela
doutrina, a reserva de lei em matéria de direitos, liberdades e garantias apenas
é compatível com legislação não autorizada sem carácter inovatório e com
regulamentos de mera execução (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 74/84,
cit., Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3ª ed., 1993, p., 154 e Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição
Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, p. 163 e Tomo II, 2006, p. 535).
7 - Ora, como decorre dos artigos 112º, nº 4, 227º, nº 1, alíneas a) e b) e
228º, nº 1, da Constituição, é vedado às regiões autónomas legislar em matéria
de direitos, liberdades e garantias, não sendo mesmo consentido à Assembleia da
República conferir aos parlamentos regionais autorizações legislativas
relativamente a tais matérias [artigo 227º, nº 1, alínea b)].
8 - Deste modo, pelo que vem de se expor deverá concluir-se que a. normação
especificada, invadindo a esfera de competência reservada da Assembleia da
República, viola o disposto nos artigos 165º, nº 1, alínea b), 112º, nº 4, 227º,
nº1 , alínea a) e 228º, nº 1 da Constituição, enfermando do vício de
inconstitucionalidade orgânica.
9 - E poderá ainda considerar-se que tais normativos, ao não buscarem a
conciliação prática, de acordo com um critério de proporcionalidade, da
liberdade de expressão com os direitos, também constitucionalmente garantidos da
propriedade privada (artigo 62º) e de um ambiente de vida humano, sadio e
ecologicamente equilibrado (artigo 66º), sofrerão de inconstitucionalidade
material, violando os artigos 37º, n.º 1 e 18º, nºs 2 e 3 da Constituição, que
impõem, neste domínio, a limitação das restrições “ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” e não
diminuam “a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos
constitucionais”. A propósito desta última matéria cfr. a fundamentação que o
Conselheiro Vital Moreira produziu na declaração de voto junta ao Acórdão nº
307/88, já citado.
De tudo quanto se expôs poderá concluir-se que as normas antes especificadas e
contidas nos artigos 1º, nº 1 , 3º, 5º, 6º e 13º, bem como as demais que se
apresentem com carácter instrumental relativamente às normas proibitivas da
afixação e inscrição de mensagens de propaganda, do Decreto Legislativo Regional
a que se reporta o presente requerimento, por ultrapassarem o âmbito da
competência da Assembleia Legislativa encontram-se feridas dos vícios de
inconstitucionalidade orgânica e material.”
3. A resposta do órgão autor das normas
Notificado o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira,
nos termos e para o efeito do preceituado nos artigos 54º e 55º da Lei do
Tribunal Constitucional, veio dizer o seguinte:
“1 - Vem o Senhor Representante da República para a Região Autónoma da Madeira
sindicar, junto do Tribunal Constitucional, “a matéria a que se reporta às
mensagens de propaganda, nestas se compreendendo, nomeadamente, a actividade de
propaganda político-partidária desenvolvida fora dos períodos de campanha
eleitoral”, uma vez que estes se acham expressamente excluídos pela norma do
artigo 18° que remete tais situações para a “legislação específica aplicável”.
São pois as “mensagens de propaganda”, na essência, a exclusiva matéria a
sindicar, já que no domínio da actividade de propaganda em campanha eleitoral o
legislador regional remeteu para a legislação especifica existente a nível
nacional e não há nada [a] apontar a nível da regulamentação da afixação de
publicidade.
2 - Consciente dos imperativos legais acolhidos na Lei n.º 97/88, de 17 de
Agosto, o legislador regional procurou regulamentar a [a]fixação de mensagens de
publicidade e de propaganda, tendo em conta as especiais características
paisagísticas da Região - marcadas por um relevo orográfico muito particular que
não se coaduna com a proliferação de cartazes à beira das estradas e miradouros,
protegendo assim um dos bens essenciais com maior relevância no sector do
turismo -, e, simultaneamente, reunir num único diploma legislação que se
encontra dispersa por várias leis e decretos-leis com alterações diversas.
3 - Por outro lado, para além do impacte ambiental negativo que a publicidade e
a propaganda podem assumir junto das estradas regionais e no interior dos
aglomerados urbanos, sobretudo numa Região onde a paisagem e o ambiente se
assumem como imagem de marca, no que se refere às estradas regionais procurou-se
ainda acautelar a segurança rodoviária.
4 - O objectivo da Região com esta proposta de Decreto Legislativo Regional
nunca foi - nem de perto nem de longe - o de criar “uma verdadeira e própria
restrição à liberdade de expressão consagrada e garantida no artigo 37°, n.º 1,
da Constituição, afectando e atingindo o conteúdo deste direito fundamental”,
conforme se argumenta no ponto 3 da parte III do pedido de apreciação preventiva
da constitucionalidade. O referido preceito constitucional determina que “todos
têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra,
pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se
informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”. Em nosso
entender, o legislador regional não lesou este direito fundamental garantido
constitucionalmente.
5 - Isto porque, no que concerne à propaganda, o teor do artigo 5° do Decreto
Legislativo Regional (Mensagens de propaganda) é exactamente igual ao artigo 3º
da Lei n.º 97/[8]8.
6 - Por seu turno, os critérios de exercício de actividades de propaganda
(artigo 6° do Decreto Legislativo Regional) são iguais aos vertidos no artigo 4”
da referida Lei.
7 - Não se vislumbra, pois, em ambos os preceitos nenhuma restrição à liberdade
de expressão. O exercício das actividades de propaganda não fica circunscrito
aos espaços e lugares públicos disponibilizados pelas câmaras municipais,
porque, fora desses espaços, ainda se pode fazer actividade de propaganda desde
que em observância dos critérios estabelecidos no artigo 6°, idênticos aos
existentes a nível nacional.
8 - Tanto assim é que no artigo 3°, nº 2 do Decreto Legislativo Regional
proíbe-se a afixação ou inscrição de mensagens de propaganda em violação do
disposto nos artigos 5° e 6°. Ora se se pudesse apenas fazer propaganda nos
termos do artigo 5º, não faria sentido mencionar a proibição da propaganda que
violasse o disposto no artigo 6°,
9 - A diferença fundamental entre o Decreto Legislativo Regional sub judice e o
disposto na Lei n.º 97/[8]8 e no Decreto Lei no 105/98, de 24 de Abril reside na
proibição da “afixação ou inscrição de propaganda fora dos aglomerados urbanos
em quaisquer locais onde a mesma seja visível das estradas regionais”, por
razões atinentes à defesa do património paisagístico e também à segurança
rodoviária. Atente-se, aliás, na existência de preceito de conteúdo idêntico
contido no n.º 1 do artigo 3° do Decreto Lei n.° 105/98, no que respeita à
publicidade, onde se determina: “é proibida a afixação ou inscrição de
publicidade fora dos aglomerados urbanos em quaisquer locais onde a mesma seja
visível das estradas nacionais”.
10 – Ora, se o legislador nacional estabeleceu a referida proibição
relativamente à publicidade, por razões que se prendem com a segurança
rodoviária, então quando se trata de propaganda política já não valem as mesmas
razões porque a liberdade de expressão se sobrepõe à segurança rodoviária? Não
será também a segurança das pessoas um bem a proteger no âmbito mais vasto dos
direitos, liberdades e garantias consagradas na Constituição?
Pelo exposto, e salvo melhor opinião, entendemos que o Decreto Legislativo
Regional em apreço não restringe a liberdade de expressão, não lesa nenhum
direito fundamental, e ao regulamentar matérias contidas em legislação nacional
de acordo com as características próprias da Região, respeitando a Constituição,
não está ferido de inconstitucionalidade material nem orgânica.”
II - Fundamentos
4. Delimitação do objecto do pedido
4.1. A delimitação de quais sejam, efectivamente, as normas cuja apreciação é
requerida a este Tribunal não resulta de forma clara do pedido.
Na verdade, o requerente começa por referir que, estando em causa o decreto
legislativo regional que “Define o regime de afixação ou inscrição de mensagens
de publicidade e propaganda na proximidade das estradas regionais e nos
aglomerados urbanos”, a matéria a sindicar é “tão somente a que se reporta às
mensagens de propaganda, nestas se compreendendo, nomeadamente, a actividade de
propaganda político-partidária desenvolvida fora dos períodos de campanha
eleitoral, uma vez que estes se acham expressamente excluídos pela norma do
artigo 18º”. Posteriormente, alega que “de uma interpretação conjugada dos
artigos 1º, nº 1, 3º, 5º, 6º e 13º do decreto legislativo em causa há-de
concluir-se que as proibições contidas no Decreto-Lei nº 105/98, em matéria de
afixação ou inscrição de publicidade fora dos aglomerados urbanos é alargada em
termos de abranger as actividades de propaganda”. Prossegue afirmando que “as
normas dos artigos 1º, nº 1, 3º, 5º, 6º e 13º, do diploma sob apreciação
cont[ê]m uma disciplina normativa inicial ou primária quanto à definição de
quais as condutas de afixação e inscrição de propaganda consideradas ilícitas
dentro e fora dos aglomerados urbanos, contrariando o regime legal em vigor. 2 -
Com efeito, ao introduzirem no ordenamento jurídico uma proibição absoluta de
afixação ou inscrição de propaganda fora dos aglomerados urbanos em quaisquer
locais onde a mesma seja visível das estradas regionais e ao proibirem a
afixação ou inscrição de mensagens de propaganda fora dos locais
disponibilizados pelas câmaras municipais - limite que pode tornar-se definitivo
e total em caso de omissão das autarquias locais - tais normativos não procedem
a uma simples regulamentação do exercício de um direito. 3 - Criam, pelo
contrário, uma verdadeira e própria restrição à liberdade de expressão
consagrada e garantida no artigo 37º, nº 1, da Constituição”. E conclui
afirmando que “as normas antes especificadas e contidas nos artigos 1º, nº 1,
3º, 5º, 6º e 13º, bem como as demais que se apresentem com carácter instrumental
relativamente às normas proibitivas da afixação e inscrição de mensagens de
propaganda, do Decreto Legislativo Regional a que se reporta o presente
requerimento, por ultrapassarem o âmbito da competência da Assembleia
Legislativa[,] encontram-se feridas dos vícios de inconstitucionalidade orgânica
e material.”
Ora, como é sabido, os poderes de cognição do Tribunal Constitucional acham-se
subordinados ao princípio do pedido - o Tribunal só pode declarar a
inconstitucionalidade ou a ilegalidade de normas cuja apreciação tenha sido
requerida, podendo embora fazê-lo com fundamento na violação de normas ou
princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi
invocada. Daí que, tendo em conta os termos em que o Representante da República
na Região Autónoma da Madeira definiu e especificou o sentido e dimensão das
normas relativamente às quais suscita dúvidas de constitucionalidade, uma
interpretação razoável do pedido faz com que se delimite o seu objecto às normas
concretamente questionadas, isto é, àquelas em relação às quais são apresentados
os fundamentos que justificam, no entendimento do requerente, a declaração de
inconstitucionalidade.
Assim sendo, considera-se submetida à apreciação do Tribunal a
constitucionalidade das seguintes normas, que o requerente entende que
introduzem no ordenamento jurídico uma disciplina normativa “inicial ou
primária” e que, em termos gerais, faz decorrer dos artigos 1º, n.º 1, 3º, 5º,
6º e 13º do decreto legislativo regional em causa:
- a norma que proíbe a afixação ou inscrição de propaganda fora dos aglomerados
urbanos em quaisquer locais onde a mesma seja visível das estradas regionais;
- a norma que proíbe a afixação ou inscrição de mensagens de propaganda dentro
das localidades, fora dos locais disponibilizados pelas câmaras municipais, bem
como
- a norma que proíbe a manutenção e a instalação dos respectivos suportes de
propaganda; e
- a norma que sanciona, como contra-ordenação, a violação destas proibições,
sendo certo que, neste contexto, propaganda é definida, no nº 2 do artigo 2º do
referido diploma, como “a divulgação de quaisquer mensagens que não tenham
carácter comercial” e compreende a actividade de propaganda político-partidária
fora dos períodos de campanha eleitoral, já que, nestes períodos, a matéria está
expressamente excluída do âmbito do diploma (artigo 18º).
4.2. O requerente, como se disse, faz decorrer estas normas, em termos gerais,
dos artigos 1º, n.º 1, 3º, 5º, 6º e 13º [os artigos sem indicação do diploma
pertencem ao decreto legislativo regional que “Define o regime de afixação ou
inscrição de mensagens de publicidade e propaganda na proximidade das estradas
regionais e nos aglomerados urbanos”].
Acontece, porém, que o n.º 1 do artigo 1º - cujo teor é “O presente diploma
regula a afixação ou inscrição de publicidade e propaganda nos solos das
estradas regionais e nas respectivas zonas de protecção, bem como no interior
dos perímetros urbanos” - se limita a definir o objecto do diploma, podendo
afirmar-se que dele não é possível retirar nenhuma proibição, nem tão pouco
qualquer sanção. Aliás, embora o requerente o refira, o facto é que não é dele
que faz decorrer “a normação especificada”.
Por outro lado, o n.º 2 do artigo 5º – “A afixação ou inscrição de mensagens de
propaganda nos lugares ou espaços de propriedade particular depende do
consentimento do respectivo proprietário ou possuidor e deve respeitar as normas
em vigor sobre protecção do património arquitectónico e do meio urbanístico,
ambiental e paisagístico” – reproduz o n.º 2 do artigo 3º da Lei n.º 97/88, e o
artigo 6º – “1 – Os critérios a observar no exercício das actividades de
propaganda devem prosseguir os seguintes objectivos: a) Não provocar obstrução
de perspectivas panorâmicas ou afectar a estética ou o ambiente dos lugares ou
da paisagem; b) Não prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos, de
edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas
entidades públicas; c) Não causar prejuízos a terceiros; d) Não afectar a
segurança das pessoas ou das coisas, nomeadamente na circulação rodoviária; e)
Não apresentar disposições, formatos ou cores que possam confundir-se com os da
sinalização de tráfego; f) Não prejudicar a circulação dos peões, designadamente
dos deficientes. 2 – É proibida a utilização, em qualquer caso, de materiais não
biodegradáveis na afixação e inscrição de mensagens de propaganda. 3 – É
proibida, em qualquer caso, a realização de inscrições ou pinturas murais em
monumentos, edifícios religiosos, sedes de órgãos de governo próprio das regiões
autónomas ou de autarquias locais, tal como em sinais de trânsito, placas de
sinalização rodoviárias, interior de quaisquer repartições ou edifícios públicos
ou franqueados ao público, incluindo estabelecimentos comerciais e centros
históricos como tal declarados ao abrigo da competente regulamentação
urbanística” - reproduz os critérios para o exercício da actividade de
propaganda constantes do artigo 4º daquela mesma Lei 97/88, apenas com a óbvia
omissão da referência à circulação ferroviária. Finalmente, o n.º 4 do artigo 3º
– “São nulos e de nenhum efeito os licenciamentos relativos a publicidade
concedidos em violação do disposto nos números anteriores, sendo as entidades
que concederam a licença civilmente responsáveis pelos prejuízos que daí
advenham para os particulares de boa fé” -, que reproduz o n.º 2 do artigo 3º do
Decreto-Lei n.º 105/98, refere-se apenas a publicidade e não a propaganda.
A verdade é, assim, a de que, em bom rigor, apenas alguns dos preceitos
indicados pelo requerente concorrem efectivamente para a formação dos conteúdos
normativos que este pretende ver confrontados com a Constituição e que supra se
identificaram. Deste modo, a norma que proíbe a afixação ou inscrição de
propaganda fora dos aglomerados urbanos em quaisquer locais onde a mesma seja
visível das estradas regionais extrai-se, directamente, do preceituado no nº 1
do artigo 3º, e não, indirectamente, de qualquer um dos outros preceitos
indicados pelo requerente. Por outro lado a norma que proíbe a afixação ou
inscrição de mensagens de propaganda dentro das localidades, fora dos locais
disponibilizados pelas câmaras municipais, a poder extrair-se daquele diploma,
questão a que voltaremos mais tarde, só pode sê-lo a partir da conjugação do
disposto nos artigos 5º, nº 1, e 3º, nº 2 , como, aliás, o requerente
expressamente reconhece no ponto 11 do seu requerimento. A norma que proíbe a
manutenção e a instalação dos respectivos suportes de propaganda consta,
expressamente, do n.º 3 do artigo 3º. Finalmente, a norma que sanciona, como
contra-ordenação, a violação destas proibições extrai-se do disposto no artigo
13º.
Assim sendo, de fora do objecto do recurso ficam, pois, os artigos 1º, nº 1, 3º,
n.º 4, 5º, nº 2, e 6º, na medida em que em nada contribuem para a formação dos
conteúdos normativos que o requerente pretende ver confrontados com a
Constituição.
5. A alegada inconstitucionalidade orgânica
O requerente começa por considerar que as normas supra especificadas na parte
final do ponto 4.1. enfermam de inconstitucionalidade orgânica, por alegada
violação do disposto nos artigos 165º, n.º 1, alínea b), 112º, n.º 4, 227º,
n.º1, alínea a), e 228º, n.º 1 da Constituição.
Vejamos, então.
5.1. Delimitação do poder legislativo das Regiões em face da redacção do artigo
227º, nº 1, alínea a), da Constituição.
5.1.1. Questionada que seja a constitucionalidade orgânica de uma norma, o
Tribunal tem repetidamente afirmado que o parâmetro constitucional relevante
para decidir da sua conformidade com a Constituição é o vigente à data da
aprovação do diploma em que ela se insere. Ora, tendo o diploma em que se
inserem os preceitos de que se extraem as normas cuja constitucionalidade vem
questionada sido aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da
Madeira em 7 de Março de 2006, o parâmetro constitucional com o qual ele deve
ser confrontado é a versão actual da Constituição, resultante da VII revisão,
aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de Agosto. Haverá, assim, que
ter em conta as modificações respeitantes ao poder legislativo das regiões
autónomas, anteriormente introduzidas pela VI revisão, uma vez que a VII revisão
em nada o alterou.
Ora, não obstante a VI revisão constitucional ser relativamente recente, este
Tribunal teve já ocasião de sintetizar, no Acórdão n.º 415/05 (disponível na
página Internet do Tribunal Constitucional, no endereço
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), as alterações em matéria de
poder legislativo das regiões autónomas dela decorrentes. Fê-lo do seguinte
modo: “a) desapareceu a necessidade de interesse específico da região na matéria
a regular, como fundamento para o seu poder legislativo; b) desapareceu qualquer
referência constitucional expressa à categoria das «leis gerais da República»,
deixando o respeito pelos respectivos «princípios fundamentais» de ser
considerado como limite aos poderes legislativos das regiões; c)
concomitantemente, foi introduzido, no artigo 228.º da Constituição, um novo n.º
2, a prever uma aplicação supletiva, ou subsidiária, das «normas legais em
vigor» («Na falta de legislação regional própria sobre matéria não reservada à
competência dos órgãos de soberania, aplicam-se nas regiões autónomas as normas
legais em vigor»); d) os poderes legislativos regionais foram expressamente
limitados ao âmbito regional e passou a exigir-se, como pressuposto de
constitucionalidade, que esses poderes sejam exercidos sobre matéria enunciada
no estatuto político-administrativo da região; e) manteve-se, como limite ao
poder legislativo regional, a competência reservada aos órgãos de soberania,
embora com alteração de redacção (em vez de matérias que «não estejam reservadas
à competência própria dos órgãos de soberania», passou a falar-se de matérias
«que não estejam reservadas aos órgãos de soberania»).” Salienta-se ainda
naquele aresto que estas alterações foram acompanhadas pela modificação do
regime dos decretos legislativos regionais no artigo 112.º, n.º 4, da
Constituição e pela previsão de um regime transitório, constante do artigo 46.º
da Lei Constitucional n.º 1/2004, nos termos do qual, até “à eventual alteração
das disposições dos estatutos político-administrativos das regiões autónomas,
prevista na alínea f) do n.º 6 do artigo 168.º, o âmbito material da competência
legislativa das respectivas regiões é o constante do artigo 8.º do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e do artigo 40.º do
Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira”.
Do que então se disse e agora se reitera, resulta, em síntese, uma vez que o
requerente invoca expressamente a violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da
Constituição, que a competência legislativa das regiões autónomas depende, nos
termos desse preceito, de, contendo-se a legislação no “âmbito regional”, as
matérias em causa estarem enunciadas no respectivo estatuto
político-administrativo e não estarem reservadas aos órgãos de soberania.
Importa, por isso, verificar se estes pressupostos da competência legislativa
conferida por aquele preceito estão cumulativamente reunidos.
5.1.2. Que a legislação em causa está limitada ao âmbito regional é conclusão a
que facilmente se chega, não sendo outra (em rigor, não podendo ser outra),
aliás, a intenção do legislador regional, como decorre, desde logo, de várias
passagens do preâmbulo, nomeadamente daquela onde se afirma que “a afixação de
mensagens de publicidade ou propaganda exterior carece de regulamentação própria
a nível da Região Autónoma da Madeira”, bem como do próprio n.º 1 do artigo 1º.
Por outro lado, pode considerar-se que as preocupações com a “tutela do
ambiente, como requisito de preservação da qualidade de vida” e com a
“conservação e valorização da paisagem como parte integrante do ambiente”, que,
do ponto de vista do legislador regional, justificaram a aprovação do decreto
legislativo regional em causa, se incluem, para efeito de determinação do
“âmbito material da competência legislativa” das regiões autónomas (artigo 46º
da Lei Constitucional n.º 1/2004), nas alíneas nn) e oo) do artigo 40º do
Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (aprovado pela
Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, alterada pelas Leis nº 130/99, de 21 de Agosto, e
nº 12/2000, de 21 de Junho), que se referem, respectivamente, à matéria de
“valorização dos recursos humanos e qualidade de vida” e “defesa do ambiente e
equilíbrio ecológico”. O próprio requerente, aliás, não refere estes
pressupostos da competência legislativa da Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira para questionar a constitucionalidade das normas que
especifica, centrando, ao invés, a sua posição na alegada violação da reserva de
competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos,
liberdades e garantias.
A questão decisiva é, portanto, a de saber se as normas em causa invadem a
reserva de competência dos órgãos de soberania.
5.1.3. Sobre este ponto e ainda em face da anterior versão do artigo 227.º, n.º
1, alínea a), da Constituição (que respeitava a matérias “que não estejam
reservadas à competência própria dos órgãos de soberania”), o Tribunal
Constitucional pronunciou-se repetidas vezes, como se pode ler, por exemplo, no
Acórdão n.º 268/88 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12.º,
pág. 460), no sentido de que essas “matérias reservadas à competência
legislativa própria dos órgãos de soberania não se circunscrevem às que a CRP
expressamente reserva à Assembleia da República (cfr. em especial os artigos
164.º, 167.º e 168.º da CRP) e ao Governo (cfr. em particular o artigo 201.º da
CRP), abrangendo ainda as matérias em relação às quais a CRP, implicitamente
embora, exige a intervenção do legislador nacional (Acórdãos n.ºs 82/86, 164/86
e 326/86, Diário da República, 1.ª série, n.ºs 176, de 2 de Abril de 1986, 130,
de 7 de Junho de 1986, e 290, de 18 de Dezembro de 1986).”
Mais recentemente, no Acórdão nº 415/05, escreveu-se, porém, que “poderá hoje
questionar-se se esta jurisprudência […], sobre o sentido do requisito negativo
do poder legislativo regional, se mantém válida, nos seus traços gerais, em face
do novo texto constitucional – questão, esta, que não foi ainda tratada na
jurisprudência constitucional”. Contudo, como logo se acrescentou nesse mesmo
acórdão, “seja, porém, como for quanto ao exacto alcance da parte final do
artigo 227º, n.º 1, alínea a), da Constituição, pode dar-se por assente que
entre as matérias «reservadas aos órgãos de soberania» se encontram, pelo menos,
as matérias de reserva de competência legislativa absoluta da Assembleia da
República e, também, as matérias de reserva relativa. Sobre estas últimas, as
regiões autónomas apenas poderão legislar, fora das matérias previstas na alínea
b) do n.º 1 do artigo 227º, mediante autorização da Assembleia da República”.
Ora, entre as matérias da reserva relativa da Assembleia da República está,
precisamente, a dos “direitos, liberdades e garantias”, referida na alínea b) do
nº 1 do artigo 165º da Constituição, cuja violação é alegada pelo requerente.
Sendo certo que, em relação a essa matéria, nem sequer é admissível a
autorização da Assembleia da República às Assembleias Legislativas das regiões
autónomas, uma vez que tal está vedado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 227º da
Constituição.
Importa, por isso, averiguar se é procedente a inclusão da matéria das normas em
apreciação – sobre afixação ou inscrição de mensagens de propaganda na
proximidade das estradas regionais e nos aglomerados urbanos –, para efeitos do
artigo 227.º, n.º 1, alínea a), parte final, da Constituição (matérias
reservadas aos órgãos de soberania), na reserva relativa de competência
legislativa da Assembleia da República prevista nesse artigo 165.º, n.º 1,
alínea b).
5.2. Caracterização jurídico-constitucional da propaganda como manifestação da
liberdade de expressão.
O Tribunal Constitucional foi, desde o início da sua existência, confrontado com
a questão de saber se, e em que medida, a liberdade de propaganda,
designadamente político-partidária, estaria garantida pelo artigo 37º da
Constituição, preceito respeitante à liberdade de expressão. Ora, da
jurisprudência então produzida resulta inquestionável, e como tal tem sido
repetidamente afirmado (cfr., designadamente, os Acórdãos nºs 74/84, 248/86,
307/88 e 636/95 - os três primeiros publicados em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, respectivamente nos volumes 4, pág. 49 e sgs., 8, pág. 159 e
sgs. e 12, pág. 499 e sgs., e o quarto disponível na página Internet do Tribunal
no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), não só uma
determinada caracterização do direito de liberdade de expressão, mas também que
a propaganda (nomeadamente, mas não apenas, a propaganda política), é uma forma
de expressão do pensamento abrangida pelo âmbito de protecção daquele preceito.
Na verdade, por um lado, o citado artigo 37º, que a todos garante “o direito de
exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por
qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser
informados, sem impedimentos nem discriminações” está inserido no Capítulo I
(Direitos, liberdades e garantias pessoais) do Título II (Direitos, liberdades e
garantias) da Parte I (Direitos e deveres fundamentais) da Constituição,
situando-se, para utilizar a expressão constante do Acórdão n.º 74/84 já citado,
num “domínio especialmente protegido”, o da reserva de lei. E, como se afirma no
Acórdão n.º 636/95, que se pronunciou precisamente sobre a compatibilidade com a
Constituição de vários preceitos da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, na parte em
que dispunham sobre o regime da afixação e inscrição de mensagens de propaganda,
“incluindo-se no domínio especialmente protegido dos direitos, liberdades e
garantias enunciados no título II, este direito apresenta uma dimensão essencial
de defesa ou liberdade negativa: é, desde logo, um direito ao não impedimento de
acções, uma posição subjectiva fundamental que reclama espaços de decisão livres
de interferências, estaduais ou privadas.” Por outro lado, como igualmente se
afirmou, desde logo, no citado Acórdão n.º 74/84, “a liberdade de expressão, que
o artigo 37º, n.º 1, garante, compreende o direito de manifestar o próprio
pensamento (aspecto substantivo) e bem assim o de livre utilização dos meios
através dos quais esse pensamento pode ser difundido (aspecto instrumental),
designadamente para o efeito de fazer propaganda de carácter
político-partidário”. Daí que nesse mesmo acórdão se tenha afirmado, que, quando
os órgãos municipais autárquicos vieram estabelecer, na norma então posta em
causa, “que certos modos de exercício da liberdade de expressão de pensamento -
justamente os relativos à actividade de propaganda político-partidária, quando
feita fora dos locais a tanto destinados pelo artigo 1.º da postura - ficam
dependentes de autorização camarária”, estavam, dessa maneira, a “restringir a
liberdade de expressão de pensamento, consagrada no artigo 37º, n.º 1.”
Assim sendo, isto é, caracterizada a liberdade de propaganda, do ponto de vista
jurídico-constitucional, como uma forma de liberdade de expressão, há agora que
indagar qual o sentido e alcance da reserva de competência legislativa nessa
matéria.
5.3. O sentido e alcance da reserva da competência legislativa em matéria de
direitos, liberdades e garantias e, particularmente, em matéria de liberdade de
expressão.
O Tribunal Constitucional tem distinguido o alcance das várias “cláusulas de
reserva” de competência legislativa previstas nos artigos 164.º e 165.º. A este
propósito escreveu-se, mais recentemente, no Acórdão nº 415/05, que, nesta
parte, reafirma a doutrina do Acórdão nº 494/99, começando por citar Gomes
Canotilho e Vital Moreira:
«“O alcance da reserva de competência legislativa da AR não é idêntico em todas
as matérias. Importa distinguir três níveis: (a) um nível mais exigente, em que
toda a regulamentação legislativa da matéria é reservada à AR – é o que ocorre
na maior parte das alíneas; (b) um nível menos exigente, em que a reserva da AR
se limita ao regime geral (alíneas d), e), h) e p)), ou seja, em que compete à
AR definir um regime comum ou normal da matéria, sem prejuízo, todavia, de
regimes especiais que podem ser definidos pelo Governo (ou, se for caso disso,
pelas assembleias regionais); (c) finalmente, um terceiro nível, em que a
competência da AR é reservada apenas no que concerne às bases gerais do regime
jurídico da matéria (alíneas f), g), n) e u)). O segundo e terceiro níveis são
bastante distintos, pelo menos quando considerados em abstracto: naquele, a AR
deve definir todo o regime geral ou comum, sem prejuízo dos regimes especiais
(que, todavia, hão-de respeitar os princípios gerais do regime geral), enquanto
que [no] terceiro nível a AR apenas tem que definir as bases gerais, podendo
deixar para o Governo o desenvolvimento legislativo do regime jurídico (do
regime geral e dos regimes especiais a que haja lugar), não é fácil definir
senão aproximadamente o que deve entender-se por bases gerais. Seguro é que deve
ser a AR a tomar as opções político-legislativas fundamentais, não podendo
limitar-se a simples normas de remissão ou normas praticamente em branco”. Os
termos da distinção foram acolhidos no Acórdão n.º 3/89 do Tribunal
Constitucional (DR, II série, de 12 de Abril de 1989, que transcreveu o primeiro
dos dois parágrafos acabados de citar, o que ocorreu também, nos mesmos termos,
no Acórdão n.º 257/88, publicado no Diário da República (doravante DR), II
série, de 11 de Fevereiro de 1989), e adoptados também por Jorge Miranda (Manual
de direito constitucional, tomo V, Coimbra, 1997, pág. 232), passando a ser
designados “reserva de densificação total e reserva de densificação parcial”
(por Gomes Canotilho, a partir da primeira edição do seu Direito constitucional
e teoria da constituição, Coimbra, 1998, pág. 645). No mesmo sentido se
pronunciou Manuel Afonso Vaz (Lei e reserva de lei – a causa da lei na
Constituição portuguesa de 1976, Porto, 1992, pág. 430), que, depois de
distinguir um critério material implícito de um critério material explícito de
fixação de uma reserva legislativa do Parlamento (o que “pressupõe a definição
de matérias subtraídas à acção legislativa primária de outros órgãos”,
respectivamente pelo preenchimento dogmático “da matéria constitucionalmente
carente de decisão parlamentar” ou pela sua indicação expressa no texto
constitucional) conclui que, no nosso caso, “A questão da extensão da reserva do
Parlamento torna-se, deste modo, um problema interno de verificação e
interpretação de preceitos e não, primariamente, de princípios. Dessa indagação,
recorta-se o âmbito material da competência legislativa reservada ao Parlamento,
o qual, por um critério de menor, maior ou total exclusividade referida aos
potenciais conteúdos de legislação, assim se dispõe: 1) reserva limitada às
bases gerais dos regimes jurídicos; 2) reserva incidente sobre o regime comum ou
normal; 3) reserva completa ou total”».
Também o sentido e alcance da reserva de lei em matéria de “direitos, liberdades
e garantias” (a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 165º da
Constituição) e, particularmente e para o que agora importa, em matéria de
liberdade de expressão, foi já abordado em várias decisões deste Tribunal
(designadamente nos já citados Acórdãos nº 74/84, 248/86, 307/88 e 636/95, bem
como no Acórdão n.º 231/00, disponível na página Internet do Tribunal), das
quais decorre, em síntese, que esta matéria se situa naquele nível, mais
exigente, em que a regulamentação legislativa é integralmente reservada à
Assembleia da República.
Assim se concluiu logo no Acórdão nº 74/84. E, no mesmo sentido se pronunciou,
pouco depois, o Acórdão nº 248/86, em que vinha questionada a
constitucionalidade orgânica de uma disposição camarária que preceituava que
“toda a informação ou propaganda terá de ser exarada em locais próprios e com
meios que não sujem ou não danifiquem as paredes ou muros”. Nesse aresto
concluiu o Tribunal que “tal inconstitucionalidade [orgânica] resulta já do que
fica dito, uma vez que tratando-se de matéria de «direitos, liberdades e
garantias», ela se contém na reserva relativa da competência legislativa”. E,
acrescentou-se ainda que, “mesmo na parte em que o parágrafo em causa não
contenha uma verdadeira restrição ao direito de livre expressão do pensamento
[…], mesmo aí se verifica a inconstitucionalidade, pois a própria regulamentação
de direitos, liberdades e garantias deve ser feita por lei ou com base em lei,
não podendo ficar para regulamentos dos órgãos autárquicos mais do que
«pormenores de execução»”.
Posteriormente, no Acórdão nº 307/88, o Tribunal concluiu no sentido da
inconstitucionalidade orgânica de uma norma camarária que proibia a “pintura de
inscrições em imóveis públicos ou particulares na área do concelho de Lisboa”,
por considerar que a deliberação camarária impugnada “invadia manifestamente o
alcance normativo do domínio constitucional protegido pela reserva”. Como então
se acrescentou, “em verdade, tanto o regime legal disciplinador da publicidade
em geral, englobando a propaganda de carácter não político, como também o regime
da propaganda política, designadamente político-partidária de cariz eleitoral,
não vedam em absoluto, como se impõe naquela deliberação, a «pintura de
inscrições (revistam natureza comercial ou política) em todos ou quaisquer
imóveis públicos ou particulares”. Nessa medida, e depois de afirmar que o
preceito legal que vinha questionado “se afasta do regime legal em vigor e
introduz no ordenamento jurídico uma disciplina inovadora”, concluiu o Tribunal
pela inevitabilidade da conclusão de que havia sido violada a reserva de lei,
uma vez que a matéria respeitante à liberdade de expressão consagrada no artigo
37º, nº 1, da Constituição, aqui em causa, se inscreve no âmbito dos direitos,
liberdades e garantias.
Finalmente, no acórdão n.º 231/00 afirmou-se o seguinte: “Viu-se já que o
mencionado dever não pode senão ser considerado como uma restrição a um direito
fundamental, justamente o que se prescreve no nº 1 do artigo 37º da
Constituição, ou seja, o direito que todos têm de exprimir e divulgar livremente
o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio. E, como
matéria tocante a direitos, liberdades e garantias, a edição normativa a ela
respeitante há-de integrar-se naquilo a que Gomes Canotilho e Vital Moreira
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 670) apelidam de
“nível mais exigente” do alcance da reserva de competência legislativa da
Assembleia da República, no qual “toda a regulamentação legislativa” aí se
insere, tanto mais que nos postamos perante uma restrição.”
Da jurisprudência acabada de citar resulta, em síntese, que tudo o que seja
matéria legislativa, e não apenas as restrições do direito em causa (artigo 18º
da Constituição), há-de constar de lei da Assembleia da República ou de
decreto-lei parlamentarmente autorizado. O que vale por dizer que qualquer
introdução no ordenamento jurídico de uma disciplina jurídica inovadora sobre
liberdade de expressão, nomeadamente sobre propaganda, não pode, seguramente,
deixar de ser efectuada nos termos acabados de enunciar, ultrapassando,
necessariamente, os poderes legislativos e/ou regulamentares de quaisquer outras
entidades que os possuam, aqui se incluindo as Assembleias Legislativas das
regiões autónomas. Como afirmam, mais recentemente, Jorge Miranda e Rui Medeiros
(Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, pág. 535), “a reserva abrange os
direitos na sua integridade – e não somente as restrições que eles sofram”,
“abrange todo o domínio legislativo de cada direito, liberdade e garantia, e não
apenas as bases gerais dos regimes jurídicos” e “é para todo o território
nacional; ainda que certa lei se aplique, por hipótese, apenas numa das regiões
autónomas, o órgão competente para a emitir – tendo em conta os critérios
constitucionais de distribuição de poderes – é a Assembleia da República, e não
a respectiva assembleia legislativa regional.”
Adquirida esta conclusão, passemos, então, à apreciação das normas questionadas.
5.4. Apreciação das normas objecto do recurso.
Em causa estão, recorde-se, normas que se extraem do decreto legislativo
regional que “Define o regime de afixação ou inscrição de mensagens de
publicidade e propaganda na proximidade das estradas regionais e nos aglomerados
urbanos”, mas apenas na medida em que se reportem “às mensagens de propaganda”.
5.4.1. O regime em vigor em matéria de afixação ou inscrição de mensagens de
propaganda à data da edição do decreto legislativo regional em causa.
A matéria objecto do diploma em que se inserem as normas cuja
constitucionalidade vem questionada – afixação ou inscrição de mensagens de
propaganda – é regulada, em todo o território nacional, e, consequentemente,
também na Região Autónoma da Madeira, pela Lei nº 97/88, de 17 de Agosto.
Daquele diploma é possível deduzir, em síntese e para o que agora importa,
quatro conclusões seguras quanto ao regime em vigor:
i) não existe uma proibição absoluta de afixar ou inscrever mensagens de
propaganda fora dos aglomerados urbanos em quaisquer locais onde a mesma seja
visível das estradas;
ii) não existe uma proibição absoluta de afixar ou inscrever mensagens de
propaganda, dentro dos aglomerados urbanos e em espaços e lugares públicos, fora
dos locais necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras
municipais.
iii) em qualquer dos casos - fora dos aglomerados urbanos ou dentro dos
aglomerados urbanos mas fora dos espaços e lugares públicos disponibilizados
pelas câmaras municipais - a admissibilidade do exercício da actividade de
inscrição ou afixação de propaganda depende, essencialmente, do respeito pelos
critérios e objectivos identificados no artigo 4º da Lei nº 97/88, de 17 de
Agosto.
iv) não existe uma proibição de manter ou instalar os respectivos suportes de
propaganda.
5.4.2. Os preceitos de onde se extraem as normas cuja constitucionalidade vem
questionada e o modo como se relacionam com o regime acabado de descrever.
Tendo presente o regime geral, mas com o objectivo anunciado de “preservar, por
todas as formas possíveis, a natureza e paisagem” da Região Autónoma da Madeira,
a Assembleia Legislativa aprovou o decreto legislativo regional em que se
inserem os preceitos de onde se extraem as normas cuja constitucionalidade vem
agora questionada e que têm o seguinte teor:
“Artigo 3º
Proibição
1 – É proibida a afixação ou inscrição de publicidade e propaganda fora dos
aglomerados urbanos em quaisquer locais onde a mesma seja visível das estradas
regionais.
2 – É igualmente proibida a afixação ou inscrição de mensagens de propaganda em
violação do disposto nos artigos 5º e 6º.
3 – A proibição referida nos números anteriores abrange a manutenção e a
instalação dos respectivos suportes publicitários ou de propaganda.
4 […]
Artigo 5º
Mensagens de propaganda
1 – A afixação ou inscrição de mensagens de propaganda é garantida, na área de
cada município, nos espaços e lugares públicos necessariamente disponibilizados
para o efeito pelas câmaras municipais.
[…]
Artigo 13º
Sanções
1 – A violação do disposto no artigo 3º, n.ºs 1 a 3, e o desrespeito dos actos
administrativos que determinem a remoção da publicidade ou propaganda ilegais, a
posse administrativa, o embargo, a demolição de obras ou a reposição do terreno
na situação anterior à infracção constituem contra-ordenações, puníveis com
coima de 250 € a 3500 €, no caso de pessoas singulares, e de 500 € a 40 000 €,
no caso de pessoas colectivas.
2 – A tentativa e a negligência são puníveis.
3 – Simultaneamente com a coima, podem ainda ser aplicadas, nos termos gerais,
as seguintes sanções acessórias:
a) Perda de objectos pertencentes ao agente e utilizados na prática da
infracção;
b) Privação do direito a subsídio ou beneficio outorgado por entidades ou
serviços públicos;
c) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos que
tenham por objecto o fornecimento de bens e serviços ou a atribuição de licenças
ou alvarás;
d) Suspensão de autorizações, licenças e alvarás.
4 – Em casos de especial gravidade da infracção pode dar-se publicidade à
punição por contra-ordenação.”
Entende o recorrente que dos preceitos acabados de transcrever resulta, por um
lado, uma proibição absoluta de afixar ou inscrever mensagens de propaganda fora
dos aglomerados urbanos em quaisquer locais onde a mesma seja visível das
estradas regionais e, por outro, uma proibição de afixar ou inscrever mensagens
de propaganda, dentro dos aglomerados urbanos e em espaços e lugares públicos,
fora dos locais necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras
municipais, e, finalmente, uma proibição de manter e instalar os respectivos
suportes de propaganda, as quais não constam da Lei n.º 97/88.
Nesse contexto, considera o requerente que os preceitos em questão, na medida em
que da sua interpretação conjugada se retiram aquelas normas, “não procedem a
uma simples regulamentação do exercício de um direito”, antes criam “uma
verdadeira e própria restrição à liberdade de expressão consagrada e garantida
no artigo 37º, nº 1, da Constituição”, o que não lhes é permitido, uma vez que
“a reserva de lei em matéria de direitos, liberdades e garantias apenas é
compatível com legislação não autorizada sem carácter inovatório e com
regulamentos de mera execução.” E conclui que a “normação especificada,
invadindo a esfera de competência reservada da Assembleia da República, viola o
disposto nos artigos 165º, nº 1, alínea b), 112º, nº 4, 227º, n.º1, alínea a), e
228º, nº 1 da Constituição, enfermando do vício de inconstitucionalidade
orgânica.”
Vejamos se é assim.
5.4.2.1. Tem razão o requerente na parte em que se refere à norma que proíbe, em
absoluto, a afixação ou inscrição de mensagens de propaganda fora dos
aglomerados urbanos em quaisquer locais onde a mesma seja visível das estradas
regionais. Norma que, como já se disse, resulta apenas, directamente, do
preceituado no nº 1 do artigo 3º do referido diploma, não carecendo, para o seu
reconhecimento, do recurso à conjugação com outros dos artigos enunciados pelo
requerente.
Trata-se, com efeito, de um preceito que introduz no ordenamento jurídico uma
disciplina inovadora, que se não retira da Lei nº 97/88 e que, proibindo, em
absoluto, a afixação ou inscrição de mensagens de propaganda fora dos
aglomerados urbanos em quaisquer locais onde a mesma seja visível das estradas
regionais, restringe a liberdade de inscrição ou afixação de propaganda em
termos que não decorrem daquela mesma Lei. Ora, assim sendo, não pode deixar de
concluir-se que tal preceito invade efectivamente o âmbito da reserva relativa
de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos,
liberdades e garantias e, nessa medida, que enferma de inconstitucionalidade
orgânica, por violação do disposto nos artigos 165º, nº 1, alínea b), e 227º, nº
1, alínea a), da Constituição.
E nem se diga, como o faz o autor da norma na sua resposta, que tal norma é
idêntica à vigente em todo o território nacional para a publicidade e que se
justifica por razões de defesa do património paisagístico e também de segurança
rodoviária. É que, sendo a propaganda, como se viu, uma forma de liberdade de
expressão, só a Assembleia da República pode proceder à sua restrição, seja qual
for o motivo invocado para o fazer.
5.4.2.2. Entende ainda o requerente que “da conjugação do disposto nos artigos
5º, nº 1, e 3º, nº 2, do diploma em causa, resulta a proibição da afixação ou
inscrição de mensagens de propaganda na área de cada município, fora dos espaços
e lugares públicos necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras
municipais”, diferentemente do que resultava do artigo 3º, nº 1, da Lei n.º
97/88, que, ao garantir a afixação ou inscrição dessa mensagens em tais espaços
e lugares públicos, não proibia a possibilidade da sua afixação ou inscrição
fora desses locais.
Nesta parte, a resposta ao problema de constitucionalidade que vem colocado pelo
requerente depende da resolução da questão de saber se do enunciado do artigo
5º, nº 1 (cujo teor literal coincide exactamente com o do artigo 3º, nº 1, da
Lei nº 97/88), interpretado conjugadamente com o disposto no artigo 3º, nº 2, se
pode retirar aquele sentido normativo.
No Acórdão n.º 636/95 (já citado) o Tribunal Constitucional concluiu pela não
inconstitucionalidade do artigo 3º, nº 1, da Lei nº 97/88, que dispunha, em
termos idênticos aos que constam do artigo 5º, nº 1 do Decreto Legislativo
Regional ora em apreciação, por considerar que “do enunciado da norma do artigo
3º, nº 1, aqui em apreço, e do seu contexto de sentido, não pode derivar-se um
qualquer sentido de limitação do exercício da liberdade de propaganda
constitucionalmente consagrada”. Para concluir desta forma ponderou o Tribunal
que: “[…] essa norma está aí tão-só a desenvolver a funcionalidade de imposição
de um dever às câmaras municipais. Este dever de disponibilização de espaços e
lugares públicos para afixação ou inscrição de mensagens de propaganda - que
radica, afinal, na dimensão institucional desta liberdade e na
corresponsabilização das entidades públicas na promoção do seu exercício - não
está, por qualquer modo, a diminuir a extensão objectiva do direito”.
Acrescentou-se, ainda, que, a ser aquela a interpretação - proibição absoluta de
afixar ou inscrever mensagens de propaganda fora dos espaços e locais públicos
fornecidos pelas câmaras municipais - não teriam sentido as normas contidas no
artigo 3º, nº 2, sobre a “afixação ou inscrição de mensagens de propaganda nos
lugares ou espaços de propriedade particular” ou no artigo 4º, nº 1, sobre os
critérios e objectivos do “exercício das actividades de propaganda”. Nas suas
próprias palavras: “Essas determinações - que em ambos os preceitos
indubitavelmente se dirigem aos titulares do direito e ordenam o seu exercício -
não teriam, com efeito, sentido se, à partida, esse mesmo exercício houvesse de
confinar-se (e, assim, de ser pré-determinado) aos espaços e lugares públicos
disponibilizados pelas câmaras municipais”. Em suma: a conclusão a que se chegou
no Acórdão nº 636/95 funda-se, no essencial, em dois argumentos: a) aquele
sentido normativo é incompatível com o que se dispõe em outros preceitos do
mesmo diploma; b) aquele sentido normativo não pode logicamente fazer-se derivar
do próprio preceito indicado pelo requerente (o artigo 3º, nº 1, da Lei nº
97/88), uma vez que de um preceito que visa garantir a existência de
determinados locais de afixação ou inscrição de propaganda não se pode
logicamente extrair por interpretação uma proibição de afixar propaganda em
locais diferentes.
É esta argumentação transponível para a situação que agora se analisa?
Antes de enfrentarmos directamente esta questão deve salientar-se que a situação
que foi objecto do Acórdão nº 636/95, que acabámos de descrever é diferente da
que agora se analisa. É que o decreto legislativo regional, além de repetir, no
artigo 5º, nº 1, o que se preceitua no artigo 3º, nº 1, da Lei nº 97/88,
acrescenta, no artigo 3º, nº 2, que “é igualmente proibida a afixação ou
inscrição de mensagens de propaganda em violação do disposto nos artigos 5º e
6º”, preceito este que não só não tem paralelo na Lei nº 97/88, como vê a sua
violação sancionada no artigo 13º, o que, naturalmente, se não encontra naquela
Lei.
Vejamos então se aqueles argumentos podem valer para a situação que agora
consideramos.
Quanto ao primeiro, cremos que não. Na verdade, ainda que se entenda que da
conjugação daqueles artigos 3º, nº 2, e 5º, nº 1, resulta uma proibição de
afixar ou inscrever mensagens de propaganda, na área dos municípios, em espaços
e lugares públicos, fora dos locais necessariamente disponibilizados para o
efeito pelas câmaras municipais, é possível encontrar um sentido útil para a
norma do artigo 6º. Nesse caso, os critérios do artigo 6º valeriam, seguramente,
para decidir da admissibilidade da afixação ou inscrição de propaganda nos
lugares ou espaços de propriedade particular a que se refere o artigo 5º, nº 2,
e, porventura, igualmente para a determinação dos espaços públicos a
disponibilizar pelas câmaras municipais para afixação de mensagens de
propaganda.
Quanto ao segundo argumento, aparentemente, ele mantém validade no que se refere
ao preceito do artigo 5º, nº 1, já que este, isoladamente considerado, parece
ser, à semelhança do artigo 3º, n.º 1, da Lei n.º 97/88, uma norma garantística
e não proibitiva. Acontece, porém, que no decreto legislativo regional em causa
existe um preceito totalmente ausente daquela Lei - o artigo 3º, nº 2 –, o qual
contém, inequivocamente, uma proibição. Ora, quando buscamos o sentido e o
objecto dessa proibição, de “afixação ou inscrição de mensagens de propaganda em
violação do disposto no[ ] artigo[ ] 5º[ ]”, necessariamente dirigida aos
titulares do direito de afixar ou inscrever mensagens de propaganda, pode
concluir-se ser admissível a interpretação de que, na medida em que o artigo 3º,
nº 2, se pretenda referir ao nº 1 daquele artigo 5º, se trata de uma proibição
de afixação ou inscrição de mensagens de propaganda em espaços e lugares
públicos, fora dos locais a que se refere o citado nº 1, ou seja, fora dos
necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais.
Acresce que, não tendo o legislador regional, ao contrário do que fez o nacional
na legislação que àquele serviu de paradigma, circunscrito a contra-ordenação à
violação do n.º 2 do artigo 5º, mas, pelo contrário, propondo-se sancionar a
afixação “em violação do disposto no artigo 5º” e devendo o intérprete presumir
“que o legislador [...] soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”,
mais saliente se torna que a conjugação do disposto nos artigos 5º, nº 1 e 3º,
nº 2 comporta uma dimensão normativa correspondente àquela interpretação
proibitiva. E a isto não obsta o facto de o autor da norma, na resposta, ter
vindo afirmar que “o exercício das actividades de propaganda não fica
circunscrito aos espaços e lugares públicos disponibilizados pelas câmaras
municipais, porque, fora desses espaços, ainda se pode fazer actividade de
propaganda desde que em observância dos critérios estabelecidos no artigo 6°,
idênticos aos existentes a nível nacional”, não só porque tal afirmação, no
contexto em que é produzida, não pode valer, sequer, como elemento
interpretativo, mas, decisivamente, porque, em face do teor da proibição
constante do n.º 2 do artigo 3º, não é objectivamente possível concluir, como se
fez no Acórdão n.º 636/95, pela impossibilidade de retirar das normas em causa
um conteúdo proibitivo.
E, assim sendo, não restando dúvidas de que não era possível à Assembleia
Legislativa da Região Autónoma da Madeira emitir uma tal proibição, pelas razões
que atrás se enunciaram, haverá que, em relação a esta dimensão normativa dos
artigos 5º, n.º 1, e 3º, n.º 2, formular, conforme requerido, um juízo de
inconstitucionalidade idêntico ao que imediatamente supra se produziu em relação
à norma do artigo 3º, nº 1.
5.5. O juízo de constitucionalidade que agora se formula em relação às normas
especificadas pelo requerente implica que, consequentemente, se conclua também
pela inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 3º, na medida em que determina que
“a proibição dos números anteriores abrange a manutenção e a instalação dos
respectivos suportes de propaganda” e do artigo 13º do decreto legislativo
regional, na medida em que sanciona como contra-ordenação a afixação e inscrição
de propaganda em violação dos deveres de não afixação e inscrição que
decorreriam das normas declaradas inconstitucionais, bem como a manutenção e a
instalação dos respectivos suportes de propaganda em violação das mesmas
proibições.
6. A alegada inconstitucionalidade material
Tendo o Tribunal concluído no sentido da inconstitucionalidade orgânica das
normas que vêm questionadas, desnecessário se torna, como o Tribunal tem
repetidamente afirmado, apreciar a questão da sua alegada inconstitucionalidade
material, igualmente suscitada pelo requerente.
IV – Decisão
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela
inconstitucionalidade, por violação das disposições conjugadas dos artigos 165º,
nº 1, alínea b), 112º, nº 4, 227º, n.º1, alínea a), e 228º, nº 1, da
Constituição, das seguintes normas do decreto legislativo regional que “Define o
regime de afixação ou inscrição de mensagens de publicidade e propaganda na
proximidade das estradas regionais e nos aglomerados urbanos”, aprovado pela
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em 7 de Março de 2006:
a) da norma constante do nº 1 do artigo 3º, na medida em que proíbe a afixação
ou inscrição de propaganda fora dos aglomerados urbanos em quaisquer locais onde
a mesma seja visível das estradas regionais;
b) da norma que se extrai da conjugação do nº 2 do artigo 3º com o n.º 1 do
artigo 5º, na medida em que proíbe a afixação ou inscrição de mensagens de
propaganda, na área de cada município, em espaços e lugares públicos, fora dos
locais necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais;
c) da norma constante do nº 3 do artigo 3º, na medida em que estatui que as
proibições anteriormente referidas abrangem a manutenção e a instalação dos
respectivos suportes de propaganda;
d) da norma constante do artigo 13º, na medida em que tipifica e pune como
contra-ordenação a afixação e inscrição de propaganda e a manutenção e
instalação dos respectivos suportes, em violação das proibições decorrentes das
normas declaradas inconstitucionais.
Lisboa, 18 de Abril de 2006
Gil Galvão
Maria João Antunes
Vítor Gomes
Mário José de Araújo Torres
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos. Vencido parcialmente, quanto à alínea b) da decisão e,
na parte correspondente, quanto às alíneas c) e d), nos termos da declaração de
voto junta.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida quanto à alínea b) e, parcialmente,
quanto às als. c) e d), conforme declaração junta).
Paulo Mota Pinto (vencido quanto à alínea b) da decisão e, na parte
correspondente, quanto às alíneas c) e d), nos termos da declaração de voto que
junto).
Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração anexa).
Artur Maurício
Tem voto de conformidade do Exmo. Cons. Bravo Serra que não assina por não estar
presente.
Declaração de voto
Não acompanhei a posição que fez vencimento na declaração de
inconstitucionalidade da dimensão normativa que o acórdão extrai da conjugação
do nº 2 do artigo 3º com o nº 1 do artigo 5º, nos termos da qual resultaria
proibida “a afixação ou inscrição de mensagens de propaganda, na área de cada
município, em espaços e lugares públicos, fora dos lugares necessariamente
disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais”. Não por não aceitar
que tal dimensão não estivesse ferida de inconstitucionalidade orgânica, pelas
razões referidas no ponto 5.4.2.2. do acórdão, mas por não subscrever a
interpretação que, partindo de um preceito cuja teor não pode deixar de ser
visto como garantístico (o artigo 5º, nº 1), acaba por retirar da sua conjugação
com o artigo 3º, nº 2, pela remissão que esta disposição também faz ao artigo
5º, uma norma de sinal oposto. E porque não creio que seja bastante o facto de
uma determinada interpretação ser admissível para que o Tribunal , em sede de
fiscalização preventiva, a assuma, mesmo contra o sentido natural da disposição
a que ela é em parte reconduzida. O acórdão tem aliás consciência da
dificuldade, ao radicar o sentido normativo que em última análise faz decorrer
(também) do artigo 5º, nº 1, de um determinado alcance que atribui à remissão do
artigo 3º, nº 2. Estando essa interpretação em total antinomia com o sentido
primário do referido artigo 5º, nº 1, tal não nos parece bastante para que o
Tribunal parta desse sentido (que uma interpretação sistemática deveria
contrariar) para o assumir como base da declaração de inconstitucionalidade.
E partindo desta posição, também não posso acompanhar em toda a sua
extensão as declarações de inconstitucionalidade constantes das alíneas c) e d),
na medida em que estas supõem que se extraia da conjugação das disposições em
questão uma norma proibitiva com o conteúdo acima referido.
Rui Manuel Moura Ramos
Declaração de voto
Votei vencida quanto à alínea b) da decisão porque considero que não
é possível extrair 'da conjugação do n.º 2 do artigo 3º com o n.º 1 do artigo
5º' do decreto uma norma com o sentido de 'proibir a afixação ou inscrição de
mensagens de propaganda, na área de cada município, em espaços e lugares
públicos, fora dos locais necessariamente disponibilizados para o efeito pelas
câmaras municipais'.
Em meu entender, o n.º 1 do artigo 5º só pode ser interpretado com o
sentido que tem o n.º 1 do artigo 3º da Lei n.º 97/98, de 17 de Agosto, sentido
esse explicitado pelo acórdão n.º 636/95: imposição às Câmaras Municipais do
'dever de disponibilização de espaços e lugares públicos', abrindo aos
'sujeitos' do direito em causa 'possibilidades de comportamento'.
Nenhuma alteração deste sentido resulta da conjugação, nem com o n.º
2 do artigo 3º, nem com o n.º 1 do artigo 13º.
No primeiro caso porque, não existindo no texto do n.º 1 do artigo
5º 'um mínimo de correspondência verbal' (n.º 2 do artigo 9º do Código Civil)
com uma definição exclusiva dos locais públicos em que a propaganda pode ser
afixada ou inscrita, não posso interpretar a remissão para o artigo 5º como
pretendendo abranger também o seu n.º 1, já que este preceito é insusceptível de
'violação' pelos referidos 'sujeitos'. Só as Câmaras Municipais o podem violar,
não cumprindo o dever nele imposto.
No segundo caso porque, para além de exigir a aceitação da
interpretação acabada de afastar, seria contrário ao princípio da legalidade
(artigo 2º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), admitir a definição de
uma contra-ordenação nestes termos.
Para além disso, e contrariamente à posição que fez vencimento,
entendo que nenhum sentido útil resultaria para a quase totalidade do n.º 3 do
artigo 6º do decreto, que proíbe 'em qualquer caso' a propaganda em inúmeros
'espaços e locais públicos'.
Pronunciei-me, por estas razões, no sentido da não
inconstitucionalidade; e, naturalmente, exprimi o mesmo voto relativamente às
alíneas c) e d) da decisão, na parte em que dependem da interpretação de que eu
divergi.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Declaração de voto
Votei vencido quanto à alínea b) da decisão e, na parte correspondente, quanto
às alíneas c) e d), pelas seguintes razões:
1.Entendo que, para o Tribunal Constitucional se pronunciar pela
inconstitucionalidade de uma norma, mesmo em fiscalização preventiva de
constitucionalidade, não basta que não seja impossível retirar dela um conteúdo
normativo inconstitucional – ou, mesmo, que se considere ainda admissível (por
contida dentro dos “sentidos possíveis”) “extrair” dela um qualquer sentido
desconforme com as exigências constitucionais. Antes há que considerar qual é o
sentido mais natural ou provável da norma – atendendo, por exemplo, além da
letra do preceito, aos objectivos do legislador, ao enquadramento sistemático do
preceito, ao sentido com que normas semelhantes vêm sendo aplicadas e aos
lugares paralelos em diplomas semelhantes (incluindo o entendimento que lhes foi
dado anteriormente pelo próprio Tribunal Constitucional). É certo que uma
“interpretação conforme à Constituição”, como fundamento de uma decisão
proferida em fiscalização preventiva, não tem um efeito juridicamente
vinculativo do aplicador da norma. Mas, também em fiscalização preventiva,
existindo, por exemplo, uma alternativa entre dois sentidos da mesma norma, dos
quais um deles apenas fere a Constituição, não deve presumir-se, na falta de
outros elementos que a tanto conduzam, que é esse o sentido relevante, para o
Tribunal se pronunciar pela inconstitucionalidade. A presunção de conformidade à
Constituição de que, em geral, devem gozar os actos normativos públicos não se
apoia apenas na aprovação e promulgação dos respectivos diplomas, mas também na
presunção geral de que os órgãos do Estado e das regiões autónomas –
designadamente, em caso de alternativa entre dois sentidos – não optariam pelo
sentido normativo feridente da Constituição.
2.A meu ver, é esta justamente a situação da norma referida na alínea b) da
decisão. O artigo 5.º, n.º 1, do decreto legislativo regional em apreço não
contém qualquer proibição de afixação ou inscrição de mensagens de propaganda,
antes se limita a prever que tal afixação ou inscrição “é garantida, na área de
cada município, nos espaços e lugares públicos necessariamente disponibilizados
para o efeito pelas câmaras municipais” (itálico aditado), como, aliás, o
Tribunal Constitucional já afirmou, no Acórdão n.º 636/95, para norma da Lei n.º
97/88 (o artigo 3.º, n.º 1) de conteúdo em tudo idêntico à ora em apreço.
Discordo, pois, da interpretação do referido artigo 5.º, n.º 1, como prevendo
uma proibição, mesmo em conjugação com o artigo 3.º, n.º 2, do mesmo decreto
legislativo regional. Este último não impõe conclusão diversa, desde logo,
porque não pode partir-se da norma que estabelece uma consequência proibitiva
para a hipótese de violação de outras normas – considerando “proibida a afixação
ou inscrição (…) em violação do disposto nos artigos 5.º e 6.º” – para
determinar o sentido destas outras normas, que são, antes, seu pressuposto. Se
nelas não se contém qualquer comando (imposição ou proibição) susceptível de ser
violado por um particular (mas, como no presente caso, apenas a previsão de uma
garantia a cargo dos poderes públicos), só se poderá então concluir que a
proibição referida é vazia (no caso, que a norma em causa, do artigo 3.º, n.º 2,
apenas se refere, quanto ao artigo 5.º, ao seu n.º 2). A outra conclusão opõe-se
também, aliás, o artigo 6.º, n.º 1, do decreto legislativo regional em apreço,
que (como este Tribunal também já afirmou no citado acórdão n.º 636/95, para
preceito correspondente da Lei n.º 97/88 – o artigo 4.º, n.º 1) não teria
sentido útil se a afixação e inscrição de propaganda houvesse de confinar-se aos
espaços e lugares públicos disponibilizados para o efeito, sendo proibida fora
deles. O acórdão, a meu ver contrariando o que se disse na fundamentação do
citado acórdão n.º 636/95, refere hipóteses de aplicabilidade de tais critérios
que reputo inviáveis, quer por impossibilidade de aplicação (para a afixação ou
inscrição de propaganda nos lugares ou espaços de propriedade particular, cfr.,
por exemplo, os critérios referidos no n.º 3 do artigo 6.º, incluindo a afixação
em “monumentos, edifícios religiosos, sedes de órgãos de governo próprio das
regiões autónomas ou de autarquias locais”, ou o interior de quaisquer
“edifícios públicos”), quer por serem incompatíveis com as sanções previstas nos
artigos 3.º, n.º 2, e 13.º, n.º 1 (não parecendo que a determinação dos espaços
públicos a disponibilizar pelas câmaras municipais possa ser um acto proibido,
sancionável com a coima prevista neste artigo 13.º, n.º 1).
3.Não me teria, pois, pronunciado pela inconstitucionalidade da norma do artigo
5.º, n.º 1, do decreto legislativo regional em questão, por esta norma não
conter qualquer proibição. E a opção por uma tal interpretação não desconforme
com a Constituição (ou “não inconstitucionalizante”) afigura-se-me, aliás, de
preferir sobretudo quando, como resulta do próprio acórdão, este se considerou
na contingência de ter de “extrair” (ou “construir”) conteúdos normativos a
partir de preceitos referidos no pedido, para precisar o objecto normativo a
apreciar, cuja delimitação começou por dizer não resultar do pedido “de forma
clara”.
Acrescento, aliás, que também não acompanhei a determinação do objecto do pedido
pela “extracção” de conteúdos normativos a partir de preceitos referidos naquele
(ou da sua interpretação) utilizando como critério o facto de serem essas as
normas que contêm uma disciplina inovadora, primária ou inicial. Creio que assim
se fez entrar na determinação do objecto do pedido (cuja especificação compete
ao requerente) elementos que respeitam antes ao parâmetro relevante para a sua
apreciação, designadamente, ao fundamento para a alegada inconstitucionalidade
(o carácter inovador, primário ou inicial do regime, a acarretar a
inconstitucionalidade orgânica), misturando, portanto, objecto de apreciação com
parâmetro, fundamento ou critério relevante para a apreciação da
constitucionalidade.
Paulo Mota Pinto
1 – Votei vencido quanto à declaração de inconstitucionalidade constante da
alínea b) da decisão, e na medida do correspondente subsequente, também, das
pronúncias constantes das alíneas c) e d).
Na verdade, entendo, ao contrário da posição que fez maioria, que da
conjugação do n.º 2 do artigo 3.º com o n.º 1 do artigo 5.º do decreto
legislativo regional em causa não é possível extrair norma que “proíbe a
afixação ou inscrição de mensagens de propaganda, na área de cada município, em
espaços e lugares públicos, fora dos locais necessariamente disponibilizados
para o efeito pelas câmaras municipais”.
Apesar do esforço feito no acórdão no sentido de procurar demonstrar
que o preceito constante do artigo 5.º, n.º 1, do decreto legislativo regional
induz, pela conjugação com o disposto no art. 3.º, n.º 2, do mesmo decreto
legislativo regional, à existência de uma situação normativa diferente da que o
Acórdão n.º 636/95 fixou relativamente a preceito em tudo igual, constante do
artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, o certo é que não vemos
que o tenha conseguido.
Em primeiro lugar, não vemos como é que uma norma que confere uma
garantia de afixação ou inscrição de mensagens de propaganda, na área de cada
município, nos espaços e lugares públicos necessariamente disponibilizados para
o efeito pelas câmaras municipais pode ser convertida em uma norma que
estabelece um dever de não afixação ou de inscrição de mensagens.
A norma estabelecedora de uma garantia é uma norma de defesa contra
quem deve propiciar as condições de afixação ou inscrição de mensagens, neste
caso, as câmaras municipais, não se podendo inferir dela para os beneficiários
da mesma garantia qualquer proibição de não agir dentro do exercício da
garantia, como acaba por concluir a fundamentação do acórdão.
Ao usar a expressão “é igualmente proibida a afixação ou inscrição
de mensagens de propaganda em violação do disposto nos artigos 5.º e 6.º”, o n.º
2 do artigo 3.º do decreto legislativo regional apenas pode referir-se a normas
onde esteja estabelecida uma proibição de agir dos afixadores ou inscritores de
mensagens de propaganda e não a normas que, ao invés, lhes reconhece uma
garantia contra as câmaras municipais.
Partindo do pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados (cf. art. 9º, n.º 3, do Código Civil), é forçoso
concluir que a remissão feita no art. 3.º, n.º 2, para o referido art. 5.º do
decreto legislativo regional tem em vista apenas a norma constante do n.º 2
deste último artigo, por ser aí que se estabelece um dever de não afixação.
E como não pode deixar de ser, na mesma perspectiva tem de ler-se o
preceito do n.º 1 do artigo 13.º do decreto legislativo regional, até porque o
conteúdo típico que integra a contraordenação não está aí definido, tendo de ser
surpreendido em outra norma que preveja.
Por último, a regra a seguir, mesmo no domínio da fiscalização
abstracta, é a da presunção de constitucionalidade, por mor do princípio do
reconhecimento constitucional da competência legislativa do legislador. O
acórdão acaba por caminhar por outros trilhos.
2 – É claro que, a admitir a existência da norma constante da
referida alínea b) da decisão, teria concluído da mesma forma quanto a todo o
juízo de inconstitucionalidade constante da decisão.
Benjamim Rodrigues