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Processo nº 1062/2005
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos, a Freguesia de Seda instaurou, junto do Tribunal
Judicial de Fronteira, acção declarativa sob a forma ordinária, contra A. e
mulher, pedindo o reconhecimento da natureza jurídica de determinados caminhos.
Os réus suscitaram a questão de ilegitimidade da autora, tendo o tribunal negado
provimento a tal questão. Os réus interpuseram recurso.
O tribunal, por decisão de 11 de Junho de 2003, julgou a acção improcedente,
absolvendo os réus do pedido.
2. A Junta de freguesia de Seda interpôs recurso para o Tribunal da Relação de
Évora, tendo o recurso sido julgado procedente, por acórdão de 14 de Julho de
2004. O Tribunal da Relação de Évora considerou ainda parte legítima a Junta de
freguesia de Seda.
3. Os réus interpuseram recurso do acórdão de 14 de Julho de 2004 para o
Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, entre o mais, que não havia sido
alegado, pela autora, a saída do caminho em questão.
A autora contra‑alegou, não suscitando qualquer questão de constitucionalidade
normativa.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 6 de Julho de 2005, considerou o
seguinte:
III. O DIREITO:
1. Considerações Preliminares:
a) A qualificação de um caminho como público (por isso se integrando,
necesariamente, no instituto do domínio público, no sistema viário, ao que não
faz óbice, flagrantemente, o art. 84º nº 1 d) da CRP tão só aludir as estradas,
ponderado o carácter exemplificativo da enumeração, em sede da Lei Fundamental,
dos bens pertencentes ao domínio público, como ressuma do plasmado na al. f) do
nº 1 e no nº 2 de tal artigo – cfr., neste sentido, José de Oliveira Ascensão,
in “Caminho Público, Atravessadouro e Servidão de Passagem” – “O DIREITO”, Ano
123º - 1991 – IV (Outubro‑Dezembro), pág. 536), poderá basear‑se:
1º. Em ser ele propriedade de autoridade de direito público, ocorrendo a sua
afectação à produção efectiva de utilidade pública – cfr. Marcello Caetano, in
“Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9ª Edição, págs. 880 e segs., bem
como in “Princípios Fundamentais do Direito Administrativo”, Almedina – Coimbra,
96, págs. 323 e segs., e, entre outros, Acs. deste Tribunal, de 2-2-93, 10-11-93
e 15-6-00, in CJ-Acs. do STJ, Ano I – tomo I, págs. 115 e segs., tomo III, págs.
135 e segs., e Ano VIII – tomo II, págs. 117 e segs., respectivamente.
2º No, de harmonia com o Assento de 19‑04‑89, in DR de 2‑6‑89 (hoje com o valor
de acórdão proferido nos termos dos artigos 732º‑A e 732º‑B do CPC – vide art.
17º nº 2 do DL nº 329‑A/95 -, o objectivo de tal assento não tendo sido o de
estabelecer a distinção entre caminhos públicos e atravessadouros (arts. 1383º e
1384º do CC) e (ou) a figura jurídica do atravessadouro excluir, antes o
assinalado por Oliveira Ascensão, in artigo citado, págs. 543 e 544),
interpretado, restritivamente, como importa, “ex vi” do dissecado nos já citados
Acs. de 10-11-93 e 15-06-00, bem como no Ac. deste Tribunal, de 19-11-02
(CJ-Acs. do STJ-Ano X-tomo III, págs. 139 e segs.), estar no uso directo e
imediato do público, desde tempos imemoriais, ocorrendo a sua afectação à
utilidade pública, à, enfim, satisfação “de interesses colectivos de certo grau
ou relevância”, consoante referido, também, em Acórdão. de 10‑04-03, disponível
em www.dgsi.pt/jstj. (doc. nº SJ200304100047142).
b) Os atravessadouros (esses, também podendo ser constituídos em benefício do
público em geral) distinguem‑se dos caminhos públicos, por se dirigirem a coisa
móvel determinada, como meta de acesso, enquanto o caminho público,
'integrando‑se no sistema viário, permite a cada um atingir todos os destinos,
pois todos os caminhos comunicam entre si' (cfr. Oliveira Ascensão, in estudo
citado, pág. 539), tendo de 'ter acesso e saída através de outra via dominial',
como destacado no já aludido Ac. de 15-06-00 independentemente de também dar
acesso de pessoas e veículos a prédios particulares (vide Ac. de 03‑02‑15,
proferido nos autos de Revista registados sob o nº 4805/04-7ª Secção, in
Sumários, nº 88 - pág. 26).
Atravessadouros reconhecidos são, de acordo com o art. 1384º do CC, para além
dos admitidos em legislação especial, de natureza administrativa (Pires de Lima
e Antunes Varela, in 'Código Civil Anotado', vol. III (2ª Edição Revista e
Actualizada - Reimpressão), pág. 284), os com posse imemorial, que se dirigem a
objectivos de interesse público de incontroversa relevância - pontes e fontes -,
enquanto não existirem vias públicas destinadas a utilização ou aproveitamento
de uma ou outra.
c) Quanto à servidão de passagem, uma das possíveis qualificações de passagem
que uma generalidade de pessoas utiliza, essa, é sempre em benefício, tão só, de
um prédio, o dominante, de destino, mesmo que sejam muitas as pessoas que tiram
benefício de tal prédio.
Isto, à guisa de intróito, expandido, retornando à hipótese 'sub judice',
dir-se-á:
2. É inegável que a autora filiou a justeza da qualificação, como públicos, dos
caminhos (2) a que alude na petição inicial, no estarem no uso directo e
imediato do público, desde tempos imemoriais, não, consequentemente, no expresso
em III. 1. a) 1º.
Tinha a demandante, como flui do art. 342º nº 1 do CC, o ónus de alegar e provar
factualidade donde decorresse, a provar‑se, naturalmente, a dominialidade
pública dos caminhos em causa, a, em suma, ocorrência dos requisitos
caracterizadores de tal dominialidade, de acordo com o Assento de 19-04-89.
Só provando tal a acção poderia, 'in totum', proceder, já que, tão só havendo
caminho público, a passagem se faz por chão público, a via sendo dominial e
estando “desintegrada do prédio ou prédios que atravessa' (vide Oliveira
Ascensão, in estudo à colação já chamado, pág. 543).
No Ac. sob recurso, foi a acção julgada procedente por se ter entendido, 'inter
alia', que do apurado resultavam provados os requisitos da dominialidade pública
dos caminhos em apreço, à luz do Assento de 19‑04‑89, interpretado
restritivamente.
Entendemos que com menos acerto tal se decidu, se bem que o naufrágio da acção,
com o fundamento encontrado na 1ª instância, também não mereça acolhimento.
A montante do expresso na sentença apelada e no Ac. de que vem trazida revista,
deve encontrar-se o fundamento para o justo decreto da improcedência da acção,
adianta-se já.
Atentemos:
3. Estamos ante uma acção que, por carência de alegação, não suprida, no
momento, para tanto, processualmente azado (art. 508º nº 1 a) e 3 a 5 do CPC),
de factos necessários para a procedência da acção, no despacho saneador, por
deficiência da petição inicial (cfr. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao
Código de Processo Civil', vol. 2°, pág. 372), devia ter sido julgada
improcedente (artigo 510º nº 1 b) do CPC).
Na verdade:
Não alegou a Autora, desde logo, que os caminhos referidos no art. 5º da p.i.
têm saída através de outra via dominial, antes do ao articulado primeiro levado
tão só resultando, no concernente às entradas e saídas dos caminhos em causa,
que o 1º, o citado na al. E) da matéria de facto assente, o que liga a E.N. nº
369 à Ribeira da Seda, no prédio rústico denominado “…”, pertença dos
demandados, ligando também, em tal prédio, a um outro caminho que se estende e
acompanha toda a margem da ribeira dita, caminho esse a que se reportam,
designadamente, os nºs 15, 30 e 31 da base instrutória e que, prolongando‑se
pela distância a que se alude na resposta ao último número da base instrutória,
desaparece a partir dessa altura.
Face a tal omissão, tão só resultando do provado que a passagem, o “caminho”,
referido na nomeada al. E), tem entrada por via dominial (art. 84º nº 1 d) da
CRP) ao contrário do segundo, ambos se não tendo, assim, provado terem saída por
via dominial (vista a significância da resposta negativa ao nº 30º da base
instrutória, aquela sendo a de que não se provou o facto levado a tal peça
processual, sob o nº 30, e não que se tenha demonstrado o facto contrário, tudo
se passando como se aquele facto não tivesse sido articulado), jamais se
poderia, com acerto, tais “caminhos” qualificar como de públicos (cfr . III. 1.
b)), antes, é líquido, como atravessadouros não reconhecidos (art. 1384º do CC),
as passagens, assim, se fazendo por chão particular, o dos ora recorrentes.
O ter-se provado estarmos ante 'passagens', 'caminhos', que estão no uso directo
e imediato do público em geral, desde tempos imemoriais, ocorrendo a sua
afectação ao constante dos nºs 2., 3., 15., 17., 23 e 25 da base instrutória,
não é suficiente para a sua qualificação como caminhos públicos, “caminhos do
domínio público', integrantes do sistema viário, tal como não é, sequer, o
destinarem-se os caminhos, apenas, a fazer ligação entre caminhos públicos, por
prédio particular, com vista ao encurtamento não significativo de distâncias
(cfr. António Carvalho Martins, in “Caminhos Públicos e Atravessadouros' –
Coimbra Editora, Limitada, 87, págs. 64 e segs., e citados Acs. de 10-11-93 e
15-06-00).
Os caminhos cujo reconhecimento como públicos a freguesia de Seda peticiona têm,
mas manifestamente, como meta de acesso, coisa imóvel determinada, o que é, ao
cabo e ao resto, em substância, reconhecido no Ac. sob recurso, nem sequer se
tendo provado, o que não é despiciendo, à base instrutória levado sob os nºs 18º
a 20º, não se integrando, pelo dilucidado, no sistema viário, o que, em nosso
entender, decisivo obstáculo à procedência da acção constitui, sob pena de
violação dos arts. l383º e 1384º do CC.
Enfim:
Colhendo o referido na conclusão 3ª da alegação dos recorrentes, prejudicado
ficando o conhecimento de outras questões suscitadas nas conclusões de tal
alegação (art.s 660º nº 2 e 713º nº 2 do CPC), merece provimento o recurso.
4. A Junta de freguesia de Seda interpôs recurso de constitucionalidade nos
seguintes termos:
A Freguesia de Seda, recorrida nos autos em referência, em que são recorrentes
A. e mulher, tendo sido notificada do douto Acórdão e da decisão que recaiu
sobre o pedido de nulidade que se lhe seguiram, vem, nos termos do art. 280° n°
1 b) da Constituição da República Portuguesa e do art. 70° n° 1 b) da Lei do
Tribunal Constitucional, interpor Recurso para o Tribunal Constitucional, nos
termos e com os fundamentos seguintes:
1. No douto Acórdão recorrido a fls. 4 e 5 pode ler-se que: 'Estamos ante uma
Acção que, por carência absoluta de alegação, não suprida, no momento, para
tanto, processualmente azado (art. 508° n° 1 a), 3 e 5 do C.P.C.), de factos
necessários para a procedência da Acção, no despacho saneador, por deficiência
de petição inicial (...) deveria ter sido Julgado improcedente (art. 510° n° 1
b) do C.P.C.).
Na verdade, não alegou a Autora, desde logo, que os caminhos públicos referidos
no art. 5° da P.I. têm saída através de outra via dominial, antes o articulado
primeiro levado tão só resultando, no concernente às entradas e saídas dos
caminhos em causa, que o 1° o citado na alínea e) da matéria de facto assente, o
que liga a E. N. n° 369 à Ribeira de Seda no prédio rústico denominado Casal
Novo pertença dos demandados, ligando também, em tal prédio, a um outro caminho
que se estende e acompanha toda a margem da ribeira...”.
Parece poder depreender-se do trecho citado do douto Acórdão que devia a Autora,
desde logo ter alegado o fim dos caminhos, o que na ausência dessa alegação
determinou a improcedência da Acção.
Tal como já se defendeu em requerimentos anteriormente apresentados neste
Supremo Tribunal, não tinha a Autora de alegar o fim do caminho pois ele está
implícito no pedido e na própria legitimidade activa desta para a propositura da
presente Acção. Vejamos:
Para efeitos da presente Acção o fim do caminho que acompanha a margem da
ribeira há-de coincidir com o fim do limite geográfico da própria freguesia.
Ora, se o caminho acompanha a ribeira e esta se estende por várias freguesias e
tendo a Freguesia de Seda peticionado a sua qualificação como público é óbvio
que para efeitos desta Acção se terá como implícito que o reconhecimento dessa
qualificação se estende até ao limite do território da freguesia e não para além
desse limite.
Aliás, esta questão já foi tratada nos presentes autos e está definitivamente
coberta pelo caso julgado. Vejamos:
Neste processo os Réus, ora recorrentes, tinham pendente um recurso de agravo
para a Relação de Évora onde suscitaram a questão da legitimidade activa da
Freguesia de Seda para propor a presente Acção. No douto Acórdão daquela Relação
que veio a julgar o Agravo improcedente, a este respeito referiu-se art. 26° nº
1 e 3 do C.P.C., não parece haver dúvida que uma Junta de Freguesia ao defender
a dominialidade de um caminho que se situa dentro dos seus limites territoriais
tem interesse directo em demandar, desde logo porque por imperativo
constitucional o seu escopo é a prossecução dos interesses próprios das
populações respectivas (art. 235º nº 2 da Constituição) e embora o art. 34° nº 1
c) da Lei 169/99 de 18 de Setembro apenas preveja a sua competência para
'instaurar pleitos e defender-se neles' (...) isso não exclui a capacidade mais
genérica e abrangente para demandar em Juízo quem ofenda os interesses das
populações ...'.
A este respeito o douto Acórdão continua: “Tão pouco a circunstância alegada
pelos agravantes de outros pessoas que não apenas os habitantes da Freguesia de
Seda poderem vir a beneficiar da utilização dos caminhos têm qualquer relevância
no que respeita à legitimidade activa porquanto se trata de uma consequência
indirecta ou reflexa do pedido que não retira à Freguesia o direito que tem de
agir em defesa dos interesses dos seus habitantes; certamente que não lhe cabe
pleitear em prol do público em geral, mas pode fazê-lo a favor daquela parte do
público integrado na sua circunscrição territorial...”.
Temos assim que é a própria legitimidade activa da Autora ao propor a presente
Acção que delimita o âmbito territorial do seu pedido que necessariamente recai
sobre o caminho em causa pedindo o reconhecimento da sua dominialidade até ao
limite da sua circunscrição territorial.
Nos termos dos artigos 264° e 661° do C.P.C., onde se regula o princípio do
dispositivo, levava a que V. Exa., em consonância com o decidido no douto
Acórdão da Relação de Évora, tivesse concluído que a legitimidade activa da
Autora tinha implícito que o fim do caminho coincidia com o limite geográfico da
própria freguesia.
No nosso entendimento, V. Exas. fizeram uma inte1pretação do princípio do
dispositivo previsto nos artigos 264° e 661° do C.P.C. de tal forma rígida e
restritiva que não encontra eco no Código Processo Civil, fazendo assim uma
interpretação daqueles preceitos que no caso viola o princípio da
intangibilidade do caso julgado previsto nos artigos 29° n° 4 e 282° n° 3 da
Constituição.
Na verdade, o Acórdão da Relação de Évora que julgou o Agravo acabou por decidir
definitivamente esta questão em termos de se poder considerar assente que a
Freguesia de Seda com a presente acção pode solicitar a qualificacão pública dos
caminhos até ao limite da sua área territorial, sendo de fazer coincidir o fim
do caminho com esse limite, não necessitando que da matéria de facto alegada e
provada isso conste expressamente.
Ora, como V. Exas. negaram provimento à posição da Autora com o motivo de não
indicação do fim do caminho e estando implícito no pedido e no julgamento da
questão da legitimidade activa que o seu fim coincide com o limite da área
territorial da freguesia, fizeram Vossas Excelências uma interpretação daqueles
preceitos (artigos 264° e 661° do C.P.C. - Princípio do dispositivo) que viola o
princípio da intangibilidade do caso julgado previsto nos artigos 29° n° 4 e
282° n° 3 do C.R.P. por força do decidido pelo Acórdão da Relação de Évora que
julgou o agravo improcedente e já transitado em julgado.
Conforme ensina o Prof. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da
Constituição – 7ª Edição - Almedina, pág. 265: «Embora o princípio da
intangibilidade do caso julgado não esteja previsto expressis verbis, na
Constituição, ele decorre de vários preceitos do texto constitucional CCRP art.
29/4, 282/3 e é considerado como sub princípio inerente ao princípio de estado
de direito na sua dimensão de princípio garantidor da certeza jurídica'.
2. A presente questão da inconstitucionalidade do douto Acórdão do STJ já havia
sido suscitada pela ora recorrente no requerimento em que se arguiu a nulidade
do referido Acórdão. Não o tinha sido em momento anterior em virtude da mesma
nunca se ter colocado, pois só com a prolação do Acórdão do STJ é que pela
primeira vez nestes autos o tribunal levantou a questão.
Assim, por estar em tempo, ter legitimidade (art. 72° n° 1 b) da Lei Tribunal
Constitucional), ter interesse no recurso e porque a decisão não admite recurso
ordinário (art. 70° n° 2 da LTC), requer que V. Exa. se digne admitir o recurso
para o Tribunal Constitucional nos termos dos artigos 75°‑A e 76° n° 1 da LTC, o
qual tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos.
Proferido Despacho ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do Tribunal Constitucional,
a recorrente respondeu o seguinte:
A Freguesia de Seda, recorrente nos autos em referência, em que são recorridos
A. e mulher, tendo sido notificados do despacho de V.Exa., vem expor e requerer
o seguinte:
A interpretação que a recorrente pretende submeter à apreciação do Venerando
Tribunal Constitucional é a seguinte:
A interpretação do princípio do dispositivo consagrado nos artigos 264° e 661°
do C.P.C., na qual, em Acção Declarativa em que se peticiona o reconhecimento de
um caminho como público, em que seja Autora uma Autarquia Local, se exija que
esteja alegado e provado nos autos o fim físico desse caminho como condição de
procedência da Acção, quando por decisão já transitada em julgado no mesmo
processo se reconheceu a legitimidade activa da Autora para defender a
dominialidade de um caminho que se situa dentro dos limites territoriais dessa
Autarquia, é inconstitucional por violação do princípio da intangibilidade do
caso julgado consagrado nos artigos 29° n° 4 e 282° n° 3 da Constituição.
Requer-se por isso que V. Exa. admita o recurso, seguindo os ulteriores termos
legais.
Cumpre apreciar.
5. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea
b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é
necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão
de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De
acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se
pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente
identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma
constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que
sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma
questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a
afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem
indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a
inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão
de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão
recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se
considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade
normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade
ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre
muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
Nos presentes autos, a recorrente não sustentou nas contra‑alegações qualquer
questão de constitucionalidade reportada à falta de alegação de factos
constitutivos do direito por si invocado. Alega a recorrente que não teve
oportunidade processual para o fazer. No entanto, um dos argumentos invocados
pelos então recorrentes foi precisamente a não alegação do fim do caminho cujo
domínio público se pretende ver reconhecido.
Desde logo, tal é fundamento suficiente para o não conhecimento do objecto do
recurso.
Por outro lado, na resposta ao Despacho proferido, a recorrente limita‑se a
estabelecer uma pretensa relação entre a decisão que reconheceu a sua
legitimidade na acção e o ónus de invocar os factos constitutivos do direito que
invoca, relação que, tendo exclusivamente uma conexão estreita com tal decisão
do caso concreto, não consubstancia uma dimensão normativa com as necessárias
generalidade e abstracção, ou seja, não é um critério material (normativo) de
decisão dos casos.
De resto, sempre se dirá que o reconhecimento da legitimidade para a acção não
isenta a parte do ónus de alegar e provar os factos constitutivos do direito que
invoca.
Não se verificam, portanto, os pressupostos processuais do recurso interposto,
nomeadamente nenhuma questão de constitucionalidade normativa foi suscitada no
processo, pelo que não se tomará conhecimento do objecto do recurso.
6. Em face do exposto, decide‑se não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso.
A Freguesia de Seda reclamou para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º‑A, nº
3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
A Freguesia de Seda, recorrente nos autos em referência, em que são recorridos
A. e outra, não se conformando com a douta decisão sumária de não admissão de
recurso, dela vem reclamar para a conferência nos termos do art. 78°‑A n° 3 da
L.O.T.C., o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
Da análise da douta decisão sobre reclamação decorre que o recurso não foi
admitido por duas ordens de razões:
A) Em virtude da recorrente não ter suscitado a inconstitucionalidade de forma
adequada com a indicação do princípio ou norma constitucional que considera
violada com o respectivo fundamento, ainda que sucinto, tendo a recorrente se
limitado a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional
sem indicar a norma que enferma desse vício.
B) Em virtude da inconstitucionalidade não ter sido oportunamente suscitada
durante o processo antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao
Juiz “a quo” pronunciar-se sobre ela.
Analisemos:
A) Considera a recorrente, no seu entendimento, que a questão da
inconstitucionalidade foi correctamente suscitada com a indicação dos preceitos
que considera violados e também com indicação na norma e princípio
constitucionais violados e bem assim com a indicação da interpretação cuja
inconstitucionalidade pretende ver apreciada neste Tribunal Constitucional.
Logo no requerimento apresentado no S.T.J., em sede de arguição de nulidade da
decisão, a recorrente a respeito da questão da inconstitucionalidade disse o
seguinte: “Não obstante o presente requerimento se destinar sobretudo à arguição
da nulidade atrás referida, entende a Autora - Freguesia de Seda – que,
precavendo a possibilidade de se interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, desde já sujeita ao elevado critério de Vossas Excelências o
problema da inconstitucionalidade que se entende o douto Acórdão padecer .(...)
É claro que para efeitos da presente Acção o fim do caminho que acompanha a
margem da ribeira há-de coincidir com o fim do limite geográfico da própria
freguesia. Ora, se o caminho acompanha a ribeira e esta se estende por várias
freguesias e tendo a Freguesia de Seda peticionado a sua qualificação como
público, é óbvio que para efeitos desta Acção se terá como implícito que o
reconhecimento dessa qualificação se estende até ao limite do território da
freguesia e não para além desse limite.
No âmbito das várias aflorações que o princípio do dispositivo tem no C.P.C.
(cfr. artigos 3°, 265°, 508° e 661º) e que reforça a ideia trazida com a
reforma, da auto responsabilização de todos os agentes processuais,
abandonando-se a ideia formalista de que o juiz é um mero espectador do processo
onde as partes se confrontam, Vossas Excelências poderiam perfeitamente ter
apreciado esta questão, pois que ela está implicitamente contida no pedido: o
fim do caminho não está determinado mas era determinável pela própria
legitimidade processual activa da Autora para a presente Acção, fazendo‑o
coincidir com os limites geográficos da Freguesia de Seda. (...)
Aliás, esta questão já foi tratada nos presentes autos e está definitivamente
coberta pelo caso julgado. Vejamos:
Os Réus, ora recorrentes, tinham pendente um Recurso de Agravo para a Relação de
Évora onde suscitaram a questão da legitimidade activa da Freguesia de Seda para
propor a presente Acção. No douto Acórdão daquela Relação que veio a julgar o
Agravo improcedente, a este respeito referiu-se que “à luz do disposto no art.
26° n° 1 e 3 do C.P.C., não parece haver dúvida que uma Junta de Freguesia ao
defender a dominialidade de um caminho que se situa dentro dos seus limites
territoriais tem interesse directo em demandar, desde logo porque por imperativo
constitucional o seu escopo é a prossecução dos interesses próprios das
populações respectivas (art. 235° n° 2 da Constituição) e embora o art. 34° n° 1
c) da Lei 169/99 de 18 de Setembro apenas preveja a sua competência para
'instaurar pleitos e defender-se neles' (...) isso não exclui a capacidade mais
genérica e abrangente para demandar em Juízo quem ofenda os interesses das
populações…”.
A este respeito o douto Acórdão continua: 'Tão pouco a circunstância alegada
pelos agravantes de outros pessoas que não apenas os habitantes da Freguesia de
Seda poderem vir a beneficiar da utilização dos caminhos têm qualquer relevância
no que respeita à legitimidade activa porquanto se trata de uma consequência
indirecta ou reflexo do pedido que não retira à Freguesia o direito que tem de
agir em defesa dos interesses dos seus habitantes; certamente que não lhe cabe
pleitear em prol do público em geral, mas pode fazê‑lo a favor daquela parte do
público integrado na sua circunscrição territorial ...'.
Temos assim que é a própria legitimidade activa da Autora ao propor a presente
Acção que delimita o âmbito territorial do seu pedido que necessariamente recai
sobre o caminho em causa pedindo o reconhecimento da sua dominialidade até ao
limite da sua circunscrição territorial…”.
Daqui resulta, a nosso ver, a desnecessidade de se alegar o fim do caminho
atenta a natureza, a finalidade do mesmo e bem assim pelo facto de estar
implícito no pedido formulado e na própria posição processual da Autora quando
se apresentou a Juízo.
No nosso modesto entendimento, V. Exas. fizeram uma interpretação do princípio
do dispositivo previsto nos artigos 264° e 661° do C.P.C. de tal forma rígida e
restritiva que não encontra eco no Código Processo Civil, fazendo assim uma
interpretação do art. 661° que no caso viola o princípio da intangibilidade do
caso julgado previsto nos artigos 29° n° 4 e 282° n° 3 da Constituição.
Na verdade, o Acórdão da Relação de Évora que julgou o Agravo acabou por decidir
definitivamente esta questão em termos de se poder considerar assente que a
Freguesia de Seda com a presente Acção pode solicitar a qualificação pública dos
caminhos até ao limite da sua área territorial, sendo de fazer coincidir o fim
do caminho com esse limite.
Ora, como V. Exas. negaram provimento à posição da Autora com o motivo de não
indicação do fim do caminho e estando implícito no pedido e no julgamento da
questão da legitimidade activa que o seu fim coincide com o limite da área
territorial da freguesia, fizeram Vossas Excelências uma interpretação daqueles
preceitos que viola o princípio da intangibilidade do caso julgado previsto nos
artigos 29° n° 4 e 282° n° 3 do C.R.P. por força do decidido pelo Acórdão da
Relação de Évora que na parte que julgou o agravo havia transitado em julgado”
Posteriormente a isso, no requerimento de interposição de recurso para este
Tribunal Constitucional, a requerente voltou a suscitar a questão tendo referido
que:
“Na verdade, o Acórdão da Relação de Évora que julgou o Agravo acabou por
decidir definitivamente esta questão em termos de se poder considerar assente
que a Freguesia de Seda com a presente Acção pode solicitar a qualificação
pública dos caminhos até ao limite da sua área territorial, sendo de fazer
coincidir o fim do caminho com esse limite, não necessitando que da matéria de
facto alegada e provada isso conste expressamente.
Ora, como V. Exas. negaram provimento à posição da Autora com o motivo de não
indicação do fim do caminho e estando implícito no pedido e no julgamento da
questão da legitimidade activa que o seu fim coincide com o limite da área
territorial da freguesia, fizeram Vossas Excelências uma interpretação daqueles
preceitos (artigos 264° e 661° do C.P.C. - Princípio do dispositivo) que viola o
princípio da intangibilidade do caso julgado previsto nos artigos 29° n° 4 e
282° n° 3 do C.R.P. por força do decidido pelo Acórdão da Relação de Évora que
julgou o agravo improcedente e já transitado em julgado”.
Na sequência do despacho da Exma. Senhora Conselheira Relatora no sentido da
recorrente vir “indicar a interpretação dos artigos 264° e 661° do Código do
Processo Civil que pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional”, a
recorrente disse que:
“A interpretação do princípio do dispositivo consagrado nos artigos 264° e 661°
do C.P.C., na qual, em acção Declarativa em que se peticiona o reconhecimento de
um caminho como público, em que seja Autora uma Autarquia Local, se exija que
esteja alegado e provado nos autos o fim físico desse caminho como condição de
procedência da Acção, quando por decisão já transitada em julgado no mesmo
processo se reconheceu a legitimidade activa da Autora para defender a
dominialidade de um caminho que se situa dentro dos limites dessa Autarquia, é
inconstitucional por violação do princípio da intangibilidade do caso julgado
consagrado nos artigos 29° n° 4 e 282° n° 3 da Constituição”.
Com todo o respeito pela posição acolhida pela Exma. Senhora Conselheira
Relatora não sabe a recorrente o que mais pode dizer para levantar a
inconstitucionalidade, pois pela transcrição das partes dos requerimentos atrás
referidos pensa que a suscitou de forma adequada.
A recorrente indicou as normas (artigos 264° e 661° do C.P.C.) que consagram o
princípio do dispositivo, indicando que a interpretação que o S.T.J. fez
daqueles normativos legais violou o princípio da intangibilidade do caso julgado
previsto nos artigos 29° nº 4 e 283° nº 3 do C.R.P. por força do decidido no
Acórdão da Relação de Évora proferido nos mesmos autos que decidiu a questão de
legitimidade activa da inconstitucionalidade:
Pode ler-se no despacho sob reclamação que deveria a recorrente ter levantado a
questão nas contra-alegações de recurso para o S.T.J. em virtude da outra parte,
então recorrentes, nas suas alegações terem suscitado a questão do fim físico
dos caminhos.
Entendemos que a questão da inconstitucionalidade só se verifica com a prolação
da decisão judicial, no caso só se concretizou com a prolação do Acórdão do S.
T.J. Foi só após ter sido notificada do Ac6rdão do S. T.J. que a recorrente
tomou conhecimento das razões que, no seu entendimento, levariam à verificação
da inconstitucionalidade do douto Ac6rdão e não antes.
Não é exigível que a recorrente adivinhe que em resultado das alegações de
recurso apresentadas pela outra parte possa verificar-se uma questão de “futura”
inconstitucionalidade. É uma exigência que manifestamente não se pode impor à
recorrente. Só com a prolação do Acórdão do S.T.J. é que a recorrente pela
primeira vez em todo o processo foi confrontada com uma decisão judicial
susceptível de estar ferida de inconstitucionalidade nos termos em que se
suscitou. Esta decisão do S.T.J. foi, neste ponto, uma decisão surpresa para a
recorrente e não é exigível a esta que antes desse momento pudesse alvitrar
qualquer inconstitucionalidade da mesma pois em bom rigor nem sequer existia.
Aliás, este Tribunal Constitucional assim tem entendido. Veja-se o Ac. nº
669/2005 T. Const. - Proc. n° 818/2005, pág. 1558 e seguintes, DRII série de
02.02.2006 que reproduz o Ac. 74/2000 e 155/2000: “Ou, dito de outro modo: no
caso em apreciação, considerando que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça
configura uma autêntica 'decisão-surpresa', o recorrente tanto poderia ter
invocado a questão de inconstitucionalidade no pedido de aclaração como no
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. De
qualquer modo, encontrava-se já esgotado o poder jurisdicional do tribunal
recorrido. Mas o recurso de constitucionalidade teria de ser admitido
precisamente porque o recorrente não teve oportunidade processual para, antes de
esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido, suscitar a questão.
Neste sentido, há que reconhecer que, nas circunstâncias do processo, não era
razoável exigir ao recorrente o ónus de considerar antecipadamente a
interpretação normativa adoptada na decisão, atento o seu cariz imprevisível,
anómalo ou insólito. E, por outro lado, face ao teor do acórdão que indeferiu o
pedido de aclaração, tornou-se evidente que a questão não se podia reconduzir a
uma nulidade por omissão de pronúncia, pelo que também não era exigível a
suscitação da questão de constitucionalidade em requerimento que invocasse tal
nulidade.
Similarmente, também se entende que, no presente caso, a não suscitação adequada
da questão de inconstitucionalidade no pedido de reforma da sentença não teve
por efeito a perda do direito que, perante a natureza inesperada da
interpretação normativa nela aplicada, assistia à recorrente de recorrer para o
Tribunal Constitucional com dispensa desse requisito específico do recurso
previsto na alínea b) do n° 1 do art. 70° da L.T.C., o que conduz ao deferimento
desta reclamação”.
No caso dos autos, a recorrente logo no requerimento em que invocou a nulidade
do Acórdão do S.T.J., à cautela, suscitou a questão da inconstitucionalidade.
Pensamos pois, ao contrário da douta decisão ínsita no despacho sob reclamação,
que nada obsta à admissão de recurso por estarem preenchidos os requisitos de
que a lei o faz depender.
Aliás, convém dizer que, embora não constituindo qualquer vínculo para a decisão
de V. Exas., o certo é que no S.T.J. o recurso foi admitido passando assim o
crivo, sempre formalmente exigente, que o S.T.J. impõe na admissão de recurso
para este Tribunal Constitucional o que, no nosso entendimento, alguma
relevância terá. Na verdade, caso a inconstitucionalidade tivesse sido
incorrecta e inoportunamente suscitada provavelmente o S.T.J. nem sequer havia
admitido o recurso.
Assim, por se entender que este preenche os requisitos para a admissão do
recurso, requer-se que Vossas Excelências Senhores Conselheiros concedam
provimento à presente reclamação, considerando que a inconstitucionalidade foi
adequada e oportunamente suscitada, admitindo assim o recurso interposto para
este Tribunal Constitucional.
Os reclamados pronunciaram‑se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar.
2. A reclamante procede, na presente reclamação, à transcrição de várias peças
processuais constantes dos autos.
Ora, tais peças processuais foram devidamente ponderadas na Decisão Sumária sob
reclamação.
A reclamante afirma que “não sabe (…) o que mais pode dizer para levantar a
inconstitucionalidade”.
Como se disse na Decisão Sumária reclamada, uma questão de constitucionalidade
considera‑se suscitada quando é indicada a norma ou dimensão normativa que se
pretende impugnar, isto é, quando é impugnado um critério material de decisão de
casos.
A impugnação, na perspectiva da constitucionalidade, de uma norma não se
confunde com a impugnação da própria decisão.
A reclamante apenas impugnou, nos presentes autos, a irrelevância atribuída pelo
tribunal a quo a uma específica relação entre a decisão que reconheceu a sua
legitimidade e o ónus de invocar os factos constitutivos do direito que invoca
(como se sublinhou na Decisão Sumária e é demonstrado pelas transcrições que a
reclamante realizou na presente reclamação). Ter o tribunal recorrido
considerado que o reconhecimento da legitimidade da reclamante não a dispensa de
alegar e provar os factos constitutivos do direito que invoca não consubstancia
uma dimensão normativa ou uma norma susceptível de constituir objecto do recurso
de constitucionalidade da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional.
A reclamante afirma, por outro lado, que só depois da prolação do acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça foi confrontada “com uma decisão judicial
susceptível de estar ferida de inconstitucionalidade”.
Na verdade, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é a primeira decisão dos
autos que apreciou a questão em causa. No entanto, o que se disse na Decisão
Sumária (e não é infirmado pela argumentação da reclamante) é que no momento em
que apresentou as contra‑alegações já tinha a reclamante sido confrontada com o
entendimento acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça ao qual subjaz, na
perspectiva da reclamante, uma qualquer dimensão normativa inconstitucional,
que, de resto, como se referiu, jamais foi identificada. Impendia, pois, sobre a
reclamante o ónus de suscitar a inconstitucionalidade da norma que fundamenta o
entendimento expresso pelos então recorrentes e acolhida pelo tribunal a quo,
entendimento do qual a reclamante discorda.
A não suscitação da questão de constitucionalidade normativa em tempo deveu‑se,
pois, não a falta de oportunidade processual, mas sim à deficiente estratégia
processual da reclamante. A deficiência de tal estratégia processual é mais uma
vez evidenciada na presente reclamação, quando a reclamante se refere à
inconstitucionalidade da própria decisão (e nunca de uma norma devidamente
identificada).
A reclamante afirma, por último, que invocou a inconstitucionalidade na arguição
de nulidade da decisão recorrida.
Tal momento processual sempre seria tardio (como se sublinhou na Decisão
Sumária). Não obstante, em momento algum a reclamante suscitou nos presentes
autos uma questão de constitucionalidade normativa.
Improcede, portanto, a presente reclamação.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação, confirmando, consequentemente, a Decisão Sumária reclamada.
Lisboa, 23 de Março de 2006
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos