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Processo n.º 33/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.O Ministério Público intentou, ao abrigo das disposições conjugadas dos
artigos 9.º e seguintes da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da
Nacionalidade), na redacção introduzida pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto, e
22.º e seguintes do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (constante do
Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 253/94,
de 20 de Outubro), acção com processo especial de oposição à aquisição da
nacionalidade portuguesa contra A., cidadão sérvio, melhor identificado nos
autos.
Por decisão de 7 de Junho de 2005, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou
procedente a oposição deduzida e, consequentemente, determinou o arquivamento do
processo organizado na Conservatória dos Registos Centrais referente à aquisição
da nacionalidade portuguesa, nos seguintes termos:
«Face à simplicidade da questão a resolver, tendo em conta o disposto nos art.ºs
25.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 322/82, de 12 de Agosto, e no art.º 705.º do CPC,
proferir-se-á de imediato decisão sumária sobre a mesma.
I – O Digno Magistrado do MP intentou a presente acção com processo especial de
oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa contra A., residente na Av. …,
Portimão.
Alegou, em resumo, que o requerido, cidadão sérvio, tendo casado em 22‑5-2000
com a cidadã portuguesa B., veio em 7-4-2004, na Conservatória de Registo Civil
de Portimão, a declarar que pretendia adquirir a nacionalidade portuguesa, com
base nesse casamento, não tendo, porém, feito prova de factos que demonstrem a
sua ligação efectiva à comunidade nacional.
Requereu que se julgue procedente a oposição à aquisição da nacionalidade
deduzida, ordenando-se o arquivamento do processo conducente ao registo pendente
na Conservatória dos Registos Centrais.
Devidamente citado o requerido não deduziu oposição.
II – Encontra-se apurada a seguinte factualidade:
A – O requerido nasceu em Balance, Vitina, então República Federal da
Jugoslávia, actualmente República da Sérvia e Montenegro, em 25‑9‑61, tendo
nacionalidade sérvia (fls. 86-87, 90-91 e 94).
B – Em 22-5-2000, em Madrid, Espanha, o requerido contraiu casamento com a
cidadã portuguesa B., natural de Lagos (fls. 72).
C – O requerido reside na Av. …, Portimão.
D – Em 7-4-2004, na Conservatória do Registo Civil de Portimão, o requerido
declarou que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, com base naquele
casamento (fls. 84), tendo na sequência sido instruído, na Conservatória dos
Registos Centrais, o processo n.º 13712/04 (fls. 14).
E – O requerido não tem antecedentes criminais em Portugal (fls. 103).
F – Em 23-12-1996 nasceu em Hamburgo C., filho do requerido e de sua mulher B.
(fls. 106).
G – O requerido tem conhecimentos de português (fls. 112).
H – O requerido está integrado no sistema fiscal, de saúde e de segurança social
português (fls.25-26, 114-117 e 110).
III – A nacionalidade portuguesa pode ser adquirida pelo estrangeiro que sendo
casado há mais de três anos com nacional português, faça declaração nesse
sentido durante a constância do casamento – art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 37/81,
de 3-10, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 25/94, de 19-8.
Esta forma de aquisição da nacionalidade é determinada por efeito da vontade do
interessado, verificado que seja o pressuposto essencial à sua relevância, ou
seja o casamento há mais de três anos com cidadão de nacionalidade portuguesa.
Porém, a declaração de vontade nesse sentido não tem como consequência
necessária a aquisição da nacionalidade.
Conforme decorre do art.º 9.º, al. a), da Lei n.º 37/81, constitui fundamento de
oposição a não comprovação pelo interessado da sua ligação efectiva à comunidade
nacional. E, segundo o art.º 22.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 322/82, de 12-8 (na
redacção introduzida pelo DL n.º 253/94, de 5-10), todo aquele que requeira
registo de aquisição da nacionalidade portuguesa deve “comprovar por meio
documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação
efectiva à comunidade nacional”.
A redacção originária daquele art.º 9.º – anterior à supra referida alteração –
previa como fundamento à oposição “a manifesta inexistência de qualquer ligação
efectiva à comunidade nacional”.
Daqui resulta que o legislador com a alteração em referência pretendeu
dificultar aquela aquisição da nacionalidade, impondo ao interessado o ónus da
prova da “ligação efectiva à comunidade nacional”, quando anteriormente seria o
MP quem tinha que provar que era manifesta a inexistência de qualquer ligação à
comunidade nacional. Deste modo, actualmente a oposição procederá se o
requerente não tiver feito prova daquela ligação efectiva à comunidade nacional,
por tal equivaler à falta de verificação de um pressuposto legalmente exigido
para a aquisição de nacionalidade.
Entendeu o STJ no seu acórdão de 11-6-2002, Colectânea de Jurisprudência,
Acórdãos do STJ, ano X, tomo 2, pág. 104, que se trata de uma ligação cujo
conteúdo comunga dos valores e participa nos objectivos fundamentais da
comunidade nacional, revelando propósito e seriedade no exercício de cidadania
portuguesa, de forma interessada, consistente, prática, efectiva, operacional na
directa relação cidadão/Estado e Estado/cidadão e entre cidadão do mesmo Estado;
o que supõe, no mínimo, que o candidato esteja em condições normais e objectivas
de o poder fazer, isto é, de relacionar-se na acepção indicada.
Tudo implicando um sentido de integração efectiva no tecido nacional,
identificável com uma relação de pertença à comunidade, usufruindo de direitos e
cumprindo deveres, assumindo preocupações da sociedade portuguesa, enquanto
juridicamente organizada em Estado e com objectivos essenciais a cumprir.
A demonstração daquela ligação extrair-se-á de factores vários, tais como o
domicílio em território nacional, o conhecimento da língua portuguesa, a
existência de elos de natureza económica, social, cultural, familiar com o
território nacional ou com a comunidade portuguesa.
Ora, ter casado com uma portuguesa, com quem tem um filho, residir em Portugal,
ter alguns conhecimentos da língua portuguesa, estar integrado no sistema
fiscal, de saúde e de segurança social português, não basta para a verificação
da existência da ligação efectiva à comunidade portuguesa a que nos reportamos.
Assim, os factos apurados são insuficientes para que se possa concluir pela
existência da ligação em referência, pelo que a oposição terá necessariamente de
proceder.»
Notificado dessa decisão, o representante do Ministério, ainda que concordando
que “outra não poderia ser a decisão face aos factos coligidos no processo
especial”, requereu que, pelo mecanismo do artigo 700.º, n.º 3, do Código de
Processo Civil, recaísse acórdão “no sentido de alargar a matéria fáctica em
instância com as audições requeridas na p.i., com posterior decisão”, pelos
seguintes fundamentos:
“Foi proferida decisão.
A mesma considera-se, também a nosso ver, correcta à luz da matéria de facto
alcançada.
A especificidade do caso, porém, mostra-nos que o requerido ofereceu prova
testemunhal, juntando fotocópia dos B.I. dos cidadãos que poderiam fornecer
elementos úteis.
Ocorre que nesta fase da evolução do instituto, quando o processamento se inicia
fora dos Registos Centrais, nem sempre a prova oferecida é apreciada (prova
testemunhal).
Daí provém prejuízo para a garantia dos direitos fundamentais do requerido.
Por isso se ofereceu na P.I. a prova testemunhal cuja audição foi omitida
administrativamente.
Isto à luz do grau de oficiosidade decorrente do próprio conceito da
nacionalidade in casu, face à existência de um filho português, manifesta-se
como ponderável o princípio da unidade da nacionalidade familiar.
Daí,
a) concordando-se que outra
não poderia ser a decisão face aos factos coligidos no processo especial,
b) se requerer, pelo
mecanismo do art.º 700.º, n.º 3, do CPC (considerando, aqui, que ao M.º P.º
incumbe o dever de agir face ao prejuízo dos direitos fundamentais), recaia
acórdão
c) no sentido de alargar a
matéria fáctica em instância com as audições requeridas na P.I., com posterior
decisão.”
Por acórdão de 20 de Outubro de 2005, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa
manter a decisão reclamada nos seus precisos termos. Pode ler-se nesse aresto:
«(…)
A presente acção de oposição à aquisição de nacionalidade fora intentada pelo MP
contra A. considerando que não fora feita a prova, por este, de factos que
demonstrassem a sua ligação efectiva à comunidade nacional. Naquela peça
processual foi requerido o depoimento do requerido A. e de sua mulher à matéria
dos art.ºs 13.º, 15.º e 16.º da P.I. e a inquirição de várias testemunhas sobre
a mesma matéria, devendo o requerido indicar a respectiva morada.
Para facilidade de exposição convém referir o que naqueles artigos da P.I. era
alegado: no art.º 13.º da P.I., referia-se qual a jurisprudência que se vem
formando no que concerne ao conceito de integração na comunidade nacional; no
art.º 15.º dizia-se não se conhecer o verdadeiro grau em que o requerido
dominava o português; e no art.º 16.º alegava-se não se conhecer qual o grau da
sua integração sociológica, se tinha percepção mínima da origem e percurso
histórico da Nação Portuguesa, se se adaptara e adoptara os costumes e tradições
das suas gentes, etc.
O referido A. não contestou.
Na decisão sumária que foi proferida, ao abrigo dos art.ºs 25.º, n.ºs 1 e 2, do
DL n.º 322/82, de 12 de Agosto, e do art.º 705.º do CPC, considerou-se provado:
“A – O requerido nasceu em Balance, Vitina, então República Federal da
Jugoslávia, actualmente República da Sérvia e Montenegro, em 25-9-61, tendo
nacionalidade sérvia (fls. 86-87, 90-91 e 94).
B – Em 22-5-2000, em Madrid, Espanha, o requerido contraiu casamento com a
cidadã portuguesa B., natural de Lagos (fls. 72).
C – O requerido reside na Av. …, Portimão.
D – Em 7-4-2004, na Conservatória do Registo Civil de Portimão, o requerido
declarou que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, com base naquele
casamento (fls. 84), tendo na sequência sido instruído, na Conservatória dos
Registos Centrais, o processo n.º 13712/04 (fls. 14).
E – O requerido não tem antecedentes criminais em Portugal (fls. 103).
F – Em 23-12-1996 nasceu em Hamburgo C., filho do requerido e de sua mulher B.
(fls. 106).
G – O requerido tem conhecimentos de português (fls. 112).
H – O requerido está integrado no sistema fiscal, de saúde e de segurança social
português (fls.25-26, 114-117 e 110).”
Entendeu-se, então, que os factos apurados eram insuficientes para que se
pudesse concluir pela existência de ligação efectiva do requerido à comunidade
nacional o que levou à procedência da pretensão do requerente no processo (o
MP).
É jurisprudência corrente que o ónus da prova da ligação efectiva à comunidade
nacional incumbe ao requerente da aquisição da nacionalidade (ver, por todos, o
acórdão do STJ de 7-6-2005, ao qual se pode aceder em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, Proc. n.º 05A1550). Tal prova pressupõe uma prévia
alegação da factualidade a apurar. A conclusão sobre a existência daquela
ligação extrair-se-á de um conjunto de factos concretos que caberá, pois, ao
requerido no processo antes de mais alegar e depois provar.
Tais factos concretos não foram alegados na presente acção: o requerido não
contestou e, por isso, não teve oportunidade de os invocar; o MP, também não
alegou tais factos – designadamente não o tendo feito nos art.ºs 15.º e 16.º da
P.I., acima mencionados (onde, como vimos, referiu o seu desconhecimento de
várias aspectos em termos genéricos).
Como a matéria a apurar com vista a uma conclusão sobre a ligação efectiva do
requerido à comunidade nacional teria de ser previamente alegada e essa alegação
não teve lugar, não faria qualquer sentido o depoimento das pessoas indicadas na
P.I..
O art.º 25.º do DL n.º 32/82, de 12 de Agosto, prevê que o relator possa
determinar a realização de quaisquer diligências de prova “que tenha por
indispensáveis”. Ora, no caso dos autos, não existiam diligências de prova
indispensáveis a realizar. Sublinhe-se, uma vez mais, que não houve contestação.
Acresce que a actividade probatória que se impõe a este Tribunal não é no
sentido de averiguar livremente (ou com base nas dúvidas e/ou negações trazidas
ao processo pelo requerente) que factos concretos ocorrem ou ocorreram; seria,
sim, a de apurar, se determinados factos oportunamente alegados resultariam
demonstrados através da prova produzida.
Não tem, pois, razão de ser o requerimento do MP.
II – Nestas circunstâncias nada há a aduzir à matéria de facto constante da
decisão sumária proferida, decisão essa que se dá por inteiramente reproduzida e
que nos seus precisos termos, de facto e de direito, se mantém (tendo-se por
desnecessário proceder à cópia da mesma).»
2.Veio, então, o representante do Ministério Público interpor recurso de
constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do
Tribunal Constitucional), e alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º da mesma Lei,
dizendo no seu requerimento de recurso:
«O M.º P.º interpõe para o Tribunal Constitucional recurso do, aliás douto,
Acórdão proferido nos autos em referência.
E fundamenta-o com o seguinte:
1 – Dispõe o art.º 28.° do Regulamento da Nacionalidade que, no omisso, se
aplicam designadamente os princípios gerais e comuns do Código de Processo
Civil.
2 – Haverá de entender-se tal no que se mostra adaptável ao instituto em causa
(que contempla também a fase administrativa da Conservatória dos Registos
Centrais).
3 – Vigora naquele o princípio do contraditório, válido quer na fase
administrativa quer contenciosa judicial.
4 – O Requerido forneceu prova testemunhal, não ouvida.
5 – Proposta a acção, e requerida pelo A../M.º P.º a audição da prova indicada e
do próprio Requerido, uma vez findos os articulados (não houve contestação nem
resposta) a Mm.ª Juiz decidiu de mérito sem produção daquela prova (como se
expôs, indicada pelo Requerido e requerida pelo M.º P.º no âmbito da
oficiosidade decorrente do art.º 25.° do dito Regulamento/D.L. n.º 322/82, de
12.8).
6 – Suscitou então o M.º P.º o prejuízo para a garantia dos direitos
fundamentais do Requerido ao denegar-se a audição das testemunhas por ele
indicadas,
7 – Invocando-se, aliás, o dever de agir perante a ofensa de tais direitos (e
decorrente legitimidade),
8 – Tendo sido proferido o douto Acórdão que
9 – Interpretou o art.º 25.° daquele D.L. n.º 322/82 no sentido de que (uma vez
indicada prova testemunhal na fase administrativa registral pelo candidato à
nacionalidade e não ouvida) tal preceito não contempla o dever de a ouvir na
acção subsequente mesmo que requerida pelo M.º P.º na P.I.,
10 – Interpretação essa que contende com
a) o princípio do
contraditório (o candidato, não contestando, ofereceu tal prova);
b) e com o acesso ao Direito
e tutela jurisdicional efectiva, mediante processo equitativo (art.º 20.°, parte
inicial do seu n.º 1, e final do seu n.º 4, da Constituição da República
Portuguesa),
c) no âmbito da igualdade
estabelecida pelo n.º 1 do art.º 15.° da mesma Lei Fundamental,
d) de resto com a força
jurídica da sua aplicação directa (art.º 18.°, n.º 1, ibidem),
e) aliás superável também no
entendimento de uma natureza jurisvoluntária que no processo especial em causa
deveria ser reconhecida.
11 – Sendo que o M.º P.º, ao apelar na Reclamação da Decisão Singular à não
violação dos Direitos Fundamentais pelo não cumprimento da audição no âmbito da
oficiosidade assim interpretada no art.º 25.° do Regulamento (v. parte final da
P.I.), suscitou tal violação (art.ºs 70.°, n.º 1, b), e 75.°-A, n.ºs 1 e 2, da
L.O.F. e P. do T.C.),
12 – Assistindo-lhe a legitimidade p. na alínea a) do n.º 1 do art.º 72.° da
mesma Lei.»
3.Por despacho datado de 22 de Novembro de 2005, o recurso não foi admitido.
Pode ler-se nesse despacho:
«Do acórdão proferido a fls. 133-136 veio o MP (a fls. 139-140) interpor recurso
para o Tribunal Constitucional.
Fundamentou-se em aquele acórdão ter interpretado o art.º 25.º do DL n.º 322/82
no sentido de que uma vez indicada prova testemunhal pelo candidato à
nacionalidade na fase administrativa registral e não ouvida essa prova, aquele
preceito não contemplar o dever de a ouvir na acção subsequente (não
contestada), mesmo que assim requerido pelo MP na P.I. por este apresentada;
considerou que aquela interpretação contende com o princípio do contraditório,
com o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, no âmbito da igualdade
estabelecida pelo n.º 1 do art.º 15.º da Constituição.
Baseando-se nos art.ºs 70.º, n.º 1, b), e 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da Lei Orgânica do
Tribunal Constitucional, concluiu que o MP na reclamação para a conferência, a
fls. 131, ao apelar à não violação dos direitos fundamentais pelo não
cumprimento da audição (no âmbito da interpretação por si defendida do art.º
25.º do DL n.º 322/82) suscitou aquela violação, assistindo-lhe a legitimidade
prevista no art.º 72.º, n.º 1, a), da mesma lei.
*
Efectivamente, a fls. 131 o MP dizendo considerar que lhe incumbe o dever de
agir face ao prejuízo dos direitos fundamentais, veio requerer que pelo
mecanismo do art.º 700.º, n.º 3, do CPC, recaísse acórdão no sentido de alargar
a matéria fáctica em instância com as audições requeridas na P.I., com posterior
decisão.
A pretensão do MP não foi atendida no acórdão proferido a fls. 133-136 em que se
entendeu nada haver a aduzir à matéria de facto constante da decisão sumária
proferida, decisão essa que nos seus precisos termos se mantinha.
Vejamos.
Nos termos do n.º 1, b) do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15-11, cabe recurso
para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais que apliquem norma
cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada no processo.
Consoante o n.º 2 do art.º 72.º da mesma Lei os recursos previstos nas alíneas
b) e f) do n.º 1 do artigo 70.° só podem ser interpostos pela parte que haja
suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Ora, afigura-se muito duvidoso que o recorrente tenha suscitado anteriormente,
no processo, a questão relativa à constitucionalidade da norma (ou da
interpretação da mesma) a que agora se refere, sendo certo que a decisão
recorrida não terá “surpreendido” o recorrente (no sentido de ser solução que
ele não pudesse perspectivar).
Refira-se que a questão só é de considerar suscitada durante o processo quando o
haja sido de modo processualmente válido perante o tribunal recorrido, o que
deve ser entendido num sentido funcional, sendo em princípio momento inidóneo
para suscitar a questão da inconstitucionalidade o requerimento de interposição
do recurso de inconstitucionalidade. Acresce que “este requisito só é de
considerar preenchido quando a parte identifica a norma que repute
inconstitucional, menciona a norma ou princípio constitucional que considera
violado e justifica, ainda que de forma sumária, a inconstitucionalidade
arguida. Não preenche o requisito em causa a afirmação abstracta que uma dada
interpretação é inconstitucional, sem ser referida a norma que sofre desse vício
ou quando se imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto
administrativo” (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4.ª
edição, pág. 398).
Por outro lado, de acordo com o art.º 26.º do DL n.º 322/82, de 12-8, da decisão
do Tribunal da Relação que conheça do mérito da causa cabe recurso de apelação
para o STJ (aliás, o valor da presente acção excede o da alçada da Relação).
A decisão proferida pela conferência era, pois, susceptível de recurso ordinário
para o STJ (tenhamos em conta o disposto nos art.ºs 705.º e 700.º, n.ºs 3 e 5,
do CPC, bem como o art.º 28.º do DL n.º 322/82, de 12-8). Dispõe o n.º 2 do
art.º 70.º da Lei n.º 28/82: “Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do
número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por
a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam,
salvo os destinados a uniformização de jurisprudência”.
Assim, consoante o n.º 2 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, os recursos previstos
na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo – em que o recorrente se estriba – apenas
cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, o que, como vimos, não é o
caso.
Termos em que, não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional interposto
pelo MP.»
Contra este despacho veio o Ministério Público deduzir a presente reclamação,
com os seguintes fundamentos:
“I.
1 – Considerou duvidoso o douto despacho que a invocação da violação praticada
dos direitos fundamentais formalize a suscitação da questão (in)constitucional.
Mas
2 – Esta foi substancialmente suscitada.
3 – Surpreendendo que se tenha por conforme à Lei Fundamental decidir da verdade
material sem ouvir a prova indicada para a dar a conhecer (decisão surpresa).
II.
4 – Por isso o M.ºP.º invocou o dever de agir face à violação dos direitos
fundamentais, e
5 – Não (certamente) na qualidade de parte com ganho de causa (como alude o
douto acórdão) em recurso para o STJ,
6 – Recorreu para o T.C. na qualidade pressuposta na alínea a) do n.º 1 do art.º
72.º da LOFTC,
7 – Certo que, como parte vencedora, não tinha legitimidade junto do STJ.»
4.Já no Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público
pronunciou‑se no sentido de a reclamação dever improceder, dizendo:
“Independentemente da questão do esgotamento dos recursos ordinários possíveis,
verifica-se que efectivamente a entidade reclamante não suscitou, durante o
processo e em termos processualmente adequados, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, susceptível de integrar objecto idóneo do
recurso interposto para este Tribunal – tendo, para tal, plena oportunidade,
nomeadamente no âmbito da reclamação deduzida nos termos do art.º 700.º, n.º 3,
do CPC (fls. 18 dos autos). Tal circunstância determina a improcedência da
presente reclamação, por manifesta inverificação dos pressupostos de
admissibilidade do recurso.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
5.O recurso de constitucionalidade foi intentado pelo Ministério Público ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, visando a presente reclamação da decisão de não admissão do
requerimento de apresentação do recurso, não tanto a reapreciação das razões
apresentadas para justificar tal não admissão, mas a verificação dos
pressupostos que viabilizariam o tipo de recurso interposto, em ordem a
averiguar se existiu uma indevida preterição da sua apreciação (cfr. v.g.
Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 490/98, 24/99 e 571/99, todos
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Como se sabe, são requisitos específicos para se poder tomar conhecimento
daquele tipo de recurso, além do esgotamento dos recursos ordinários, que se
tenha suscitado durante o processo a inconstitucionalidade da norma impugnada no
recurso de constitucionalidade e que essa norma tenha sido aplicada na decisão
recorrida como ratio decidendi. Este último requisito explica-se, desde logo,
pela necessidade, para a decisão do recurso de constitucionalidade poder ter
algum efeito útil, de aplicação como ratio decidendi, na decisão recorrida, da
norma que o Tribunal Constitucional vai apreciar – se existiu outra ratio
decidendi, a decisão do recurso de constitucionalidade não teria a virtualidade
de vir a projectar-se na decisão recorrida.
Ora, no caso vertente, é manifesto que falha este último requisito quanto à
decisão que se impugnou, que é a decisão de 20 de Outubro de 2005, tomada pelo
Tribunal da Relação de Lisboa. Segundo o entendimento adoptado pelo tribunal
recorrido:
“(…)
É jurisprudência corrente que o ónus da prova da ligação efectiva à comunidade
nacional incumbe ao requerente da aquisição da nacionalidade (…). Tal prova
pressupõe uma prévia alegação da factualidade a apurar. A conclusão sobre a
existência daquela ligação extrair-se-á de um conjunto de factos concretos que
caberá, pois, ao requerido no processo antes de mais alegar e depois provar.
Tais factos concretos não foram alegados na presente acção: o requerido não
contestou e, por isso, não teve oportunidade de os invocar; o MP, também não
alegou tais factos – designadamente não o tendo feito nos art.ºs 15.º e 16.º da
P.I., acima mencionados (onde, como vimos, referiu o seu desconhecimento de
várias aspectos em termos genéricos).”
Daqui resulta se não verifica o requisito, indispensável para se poder tomar
conhecimento do recurso, consistente na aplicação como ratio decidendi, pela
decisão recorrida, da norma impugnada no recurso de constitucionalidade: isto é,
o referido artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto, interpretado
no sentido de que uma vez indicada prova testemunhal na fase administrativa
registral e não ouvida, tal preceito não contempla o dever de a ouvir na acção
subsequente, mesmo que assim requerido pelo Ministério Público na petição
inicial. É que a decisão (acima transcrita) do tribunal recorrido baseou-se
simplesmente em que os factos concretos que exprimem uma ligação efectiva à
comunidade nacional não foram invocados nem pelo requerente da aquisição da
nacionalidade nem pelo representante do Ministério Público, circunstância que,
aliás, o ora reclamante reconhece quando concorda que “outra não poderia ser a
decisão face aos factos coligidos no processo especial.”
Ora, ao confirmar que “como a matéria a apurar com vista a uma conclusão sobre a
ligação efectiva do requerido à comunidade nacional teria de ser previamente
alegada e essa alegação não teve lugar, não faria qualquer sentido o depoimento
das pessoas indicadas na P.I.”, o tribunal recorrido não se pronunciou, nem
expressa, nem implicitamente, sobre a sua competência para determinar a
realização de quaisquer diligências de prova, sendo que só esta competência e as
condições em que é exercida estão em causa na norma impugnada. Como razão de ser
da decisão no sentido de confirmar a decisão sumária proferida, o tribunal
recorrido fundamentou-se, apenas, em que não houve a prévia alegação da
factualidade a apurar, não estando em causa “apurar se determinados factos
oportunamente alegados resultariam demonstrados através da prova produzida.”
Não tendo, pois, a decisão recorrida feito aplicação da norma do artigo 25.º do
Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto, relativa à competência do relator para
determinar a realização de quaisquer diligências que tenha por indispensáveis,
que é a única norma impugnada no presente recurso de constitucionalidade,
conclui-se que não se poderia dele tomar conhecimento.
Para além, pois, de não ter sido suscitada durante o processo uma questão de
constitucionalidade de modo processualmente adequado (não tendo o recorrente
apontado atempadamente, em relação à norma, o porquê da sua incompatibilidade
com a Lei Fundamental, numa exigência que é formal, sim, mas essencial para que
o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade e
para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao
reexame, e não a um primeiro julgamento, de tal questão), nem se tratando de
hipótese em que o interessado não dispõe de oportunidade processual para
levantar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão (no caso,
podia e devia tê-la suscitado aquando da reclamação deduzida a fls. 18 dos
autos), casos em que lhe deve ser reconhecido o direito ao recurso (cfr. v.g.
Acórdãos n.ºs 318/89, 329/95, 521/95, 364/2000 e 374/2000, todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt), a norma que o recorrente impugnou no presente
recurso de constitucionalidade não foi de todo aplicada pela decisão recorrida.
Esta baseou-se antes em que “a actividade probatória que se impõe a este
Tribunal não é no sentido de averiguar livremente (ou com base nas dúvidas e/ou
negações trazidas ao processo pelo requerente) que factos concretos ocorrem ou
ocorreram”, nada havendo “a aduzir à matéria de facto constante da decisão
sumária proferida”.
Pelo que não poderia tomar-se conhecimento do recurso e – independentemente de
qualquer juízo sobre o mérito da decisão de fundo do caso dos autos – a presente
reclamação tem de ser indeferida.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Lisboa, 4 de Abril de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos