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Processo n.º 480/05
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência,
na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 345 foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. Por sentença do 3º Juízo Criminal de Coimbra de 17 de Março de
2004, de fls. 188 e seguintes, A. foi condenado pela prática, como autor
material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e
punido pelo artigo 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de setenta e cinco dias
de multa à taxa diária de dez euros, ou, subsidiariamente, nos termos do artigo
49º do Código Penal, cinquenta dias de prisão. Foi ainda condenado na sanção de
proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco anos, nos
termos do artigo 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação
de Coimbra, invocando, na respectiva motivação, designadamente, que ao
afirmar-se na sentença que “os factos em que o arguido pretendia assentar as
questões que suscitou quanto ao funcionamento e fiabilidade do aparelho de marca
Drager, modelo 7110 MKIIIP mostram-se afastadas face às disposições legais que
regulamentam a aprovação e aferição do mesmo que não foram desrespeitadas” (cfr.
fls. 188, verso), “entendeu-se assim que as normas do artigos 1º a 3º do Decreto
Regulamentar n.º 24/98 de 30/10 e 159º do Código da Estrada não podem ser
contraditadas, nomeadamente colocando em causa a validade científica presumida
que lhe serve de ratio. As normas dos arts. 1º a 3º do Decreto Regulamentar n.º
24/98, de 30/10 e 159º do Código da Estrada interpretadas nos sentido de não
poderem ser contraditadas, por meio de perícias pelas quais se busque a
infirmação do seu presumido mérito científico, colocando assim em causa a
validade científica presumida que lhe serve de ratio, são inconstitucionais por
violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, da Tutela
Jurisdicional Efectiva, da Presunção de Inocência, do Contraditório e da
Plenitude das Garantias de Defesa do arguido em Processo Penal, conforme os
mesmo resultam do disposto nos arts. 2º, 20º, 4, e 32º, 1, 2 e 5, da
Constituição da República Portuguesa”.
Por acórdão do Tribunal da Relação do Coimbra de 27 de Abril de
2005, de fls. 308 e seguintes, o recurso foi rejeitado por ser manifestamente
improcedente, ao abrigo do disposto no artigo 420º, n.º 1, do Código de Processo
Penal.
2. Ainda inconformado, veio A. interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, pretendendo que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade das
seguintes normas:
“As normas dos artigos 1º a 3º do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de
Outubro, e 159º do Código da Estrada têm interpretação que exclui o respectivo
contraditório, excluindo assim nomeadamente todo e qualquer procedimento que
vise colocar em causa a validade científica presumida que lhes serve de ratio.”
Tal interpretação, segundo o recorrente, violaria o disposto nos
artigos 2º, 20º, n.º 4, e 32º, n.ºs 1, 2 e 5 da Constituição da República
Portuguesa.
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal
(nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. Não pode, todavia, o Tribunal conhecer do presente recurso, por não estarem
reunidas as necessárias condições de admissibilidade.
Segundo afirma o próprio recorrente, o que estaria em causa no presente recurso
seria “a decisão, implícita, constante do douto acórdão desse Venerando Tribunal
[da Relação de Coimbra], produzida em matéria da inconstitucionalidade suscitada
das normas dos artigos 1º a 3º do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de
Outubro, e 159º do Código da Estrada”, que teria sido a que considera
inconstitucional, ou seja, a de excluirem o contraditório, nos termos apontados.
Sucede, porém, que a decisão recorrida não aplicou as normas mencionadas ou,
pelo menos, não as aplicou, seguramente, com o sentido que o recorrente acusa de
ser inconstitucional, nem sequer implicitamente. Tanto basta para que o Tribunal
Constitucional não possa conhecer do recurso (cfr., por exemplo, os acórdãos n.º
313/94, n.º 187/95 e n.º 366/96, publicados no Diário da República, II Série,
respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de
1996).
Com efeito, nenhuma repercussão teria no acórdão recorrido um
eventual julgamento de inconstitucionalidade de normas que não constituíram a
sua ratio decidendi, o que tornaria inútil o julgamento do recurso de
constitucionalidade.
4. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da
decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro.
Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. »
2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto
no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão
sumária. Sustenta, em síntese, que, ao ter rejeitado o recurso por ser
manifestamente improcedente, o Tribunal da Relação, “implicita e
necessariamente (...) comungou do entendimento” da primeira instância quanto a
que “os factos em que o arguido pretendia assentar as questões que suscitou
quanto ao funcionamento e fiabilidade do aparelho da marca Drager (...)
mostram-se afastadas face às disposições legais que regulamentam a aprovação e
aferição do mesmo que não foram desrespeitadas”.
Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que a
reclamação é manifestamente improcedente, por não ter sido “obviamente “
aplicada “a interpretação normativa questionada”.
3. O recurso interposto apenas pode ter como objecto a apreciação de normas
aplicadas na decisão recorrida, com o sentido que o recorrente acusa de ser
inconstitucional, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade
“durante o processo” (al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82). Não está
naturalmente excluído que se possam julgar normas implicitamente aplicadas; essa
aplicação implícita tem, todavia, de se deduzir necessariamente da decisão
recorrida.
Não cabe, pois, no seu âmbito analisar qualquer inconstitucionalidade atribuída
à decisão em si mesma, nem, em regra, qualquer eventual discordância com a forma
como o direito ordinário foi interpretado, ou como os factos relevantes foram
apreciados.
Ora, no caso, não se encontra no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
qualquer afirmação, ainda que implícita, de que as regras constantes dos
preceitos impugnadas, relativas à fiscalização da condução sob influência do
álcool – exame de pesquisa de álcool no sangue e contraprova respectiva – “não
podem ser contraditadas, nomeadamente colocando em causa a validade científica
que lhes serve de ratio”.
Diferentemente, o que o acórdão entendeu, confirmando o julgamento da primeira
instância, foi que a perícia pretendida pelo ora recorrente não era necessária
“tendo em conta a prova produzida em audiência de julgamento”.
Verifica-se, assim, como se afirmou na decisão reclamada, que não foi por
virtude da aplicação, implícita ou não, das normas contidas nos preceitos cuja
apreciação o reclamante pretende, que o acórdão recorrido rejeitou o recurso.
Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando a decisão de não
conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 5 de Janeiro de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício