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Processo n.º 926/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, da decisão sumária do relator de 7 de Fevereiro de 2006, que
decidiu, ao abrigo do disposto no n.º 1 do mesmo preceito, não tomar
conhecimento do objecto do presente recurso. Tal decisão teve o seguinte teor:
«1.Por acórdão de 13 de Outubro de 2005, o Tribunal da Relação de Lisboa negou
provimento ao recurso interposto por A. da decisão da 1.ª Secção do 1.º Juízo do
Tribunal Criminal de Lisboa que, no âmbito do processo comum singular n.º
17121/97.2TDLSB, o condenou como autor material de um crime de dano qualificado,
previsto e punido pelos art.ºs 212.º, n.º 1, e 213.º, n.º 3, alínea c), do
Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5,00 ou em
alternativa a 80 dias de prisão. Consequentemente, confirmou a decisão
recorrida. Pode ler-se nesse aresto:
«(…)
Prévia à apreciação do recurso será a demarcação do seu âmbito e das questões
concretas a tratar.
É pacífica e constante a jurisprudência, designadamente do STJ, no sentido de
que, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso – verificação de
nulidades insanáveis ou de qualquer dos vícios previstos no art.º 410.°, n.º 2,
do CPP, de conhecimento oficioso – a delimitação das questões a tratar se define
pelas conclusões extraídas, pelo recorrente, das motivações por ele
apresentadas.
São pois as conclusões da motivação que delimitam em definitivo e exclusivamente
as questões objecto do recurso.
Das conclusões da motivação oferecida pelo recorrente verificamos que o mesmo
opõe à decisão que o condenou
- pugnando por que, nos termos do art.º 122.° do CPP, se declare nulo o debate
instrutório e todo o subsequente processado, incluindo o julgamento, pretendendo
perfilar-se nulidade insanável do art.º 119.º, c), do mesmo diploma (ausência de
defensor quando a lei exige a sua comparência),
- impugnando, mediante mera invocação de que na altura dos factos estava longe
do local onde foram praticados, na companhia das testemunhas B. e C., não
podendo assim tê‑los praticado, a decisão de facto – o que, não obstante,
reconduz a invocação do art.º 379.º, n.º 1, c), do C.P.P., o que é dizer a
nulidade da sentença,
- alegando que, não tendo embora destruído o muro, se o tivesse destruído teria
agido em exercício de direito de necessidade, e bem assim com exclusão de
ilicitude nos termos dos art.ºs 31.º e 34.°, n.º 1, do C.P.P (já que o referido
muro impedia o escoamento de águas das chuvas, impedindo-as de escoarem para o
talude e fazendo com que se acumulassem dentro do muro que na parte mais
inclinada tinha 2 m de altura, pondo em risco prédios e viaturas em Alfornelos).
Estas as questões objecto do recurso a cuja ponderação passaremos.
Invoca o recorrente antes de mais nulidade insanável do art.º 119.º, c), do CPP
pretendendo não ter sido acompanhado de defensor quando a lei exige a sua
comparência, pois, sendo pessoa analfabeta e não compreendendo o alcance das
notificações que lhe foram feitas (nomeadamente para audiência de julgamento e
para efeitos do disposto no art.º 333.°, n.º 1, do CPP), entregou-as ao seu
patrono – sendo que, como ele o refere, pediu apoio judiciário na modalidade de
dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento
de honorários ao patrono por si escolhido – nunca exercendo o contraditório
confiando que ele o faria, pelo que, não tendo ele comparecido a qualquer acto
processual, não esteve, na prática, representado.
Ora, compulsando os autos, verificamos que, contrariamente ao que invoca, sempre
o recorrente esteve representado por defensor, e designadamente nos actos em que
a lei impunha que o estivesse, entre os quais o debate instrutório e julgamento
(cf. fls. 129, 243 e 246), não podendo pretender-se que assim não aconteceu
porque, não comparecendo o seu patrono nomeado, lhe foi nomeado para o
representar em tais actos, nos termos legais, distinto defensor.
Por outro lado, o analfabetismo não é, com o devido respeito, justificação para
não compreensão de notificações que inviabilizasse o exercício do contraditório,
através da acção do defensor (escolhido aliás por ele próprio) junto de quem
poderia ter indagado de forma mais constante e atenta o desenvolver do processo,
instando-o a promover os termos necessários àquele exercício, como era seu
interesse e dever e ao que a iliteracia não obstava nem a “confiança cega” no
ilustre causídico dirimia (sendo aliás que, em última análise, seria ele próprio
quem podia fornecer-lhe os dados a tal necessários), sempre, perante eventual
inércia daquele, podendo pedir, como veio a fazer a final, a sua substituição.
Regular se mostra também em vista dos autos, designadamente da certidão
respectiva, a sua notificação para ser sujeito a julgamento não podendo, de novo
se frisa, a sua iliteracia justificar não compreensão das notificações que lhe
foram feitas e informação implícita (aliás em grande parte de factos de sentido
inequívoco para qualquer pessoa, por menos culta) e muito menos em termos de
levar a que as mesmas se considerassem não feitas.
Não se perfila assim a nulidade invocada nem violação de qualquer dos preceitos
legais que o recorrente pretende ofendidos, maxime constitucionais, não podendo
a sua argumentação, no que a tais aspectos se refere, ter acolhimento, e bem
assim o recurso proceder.
Mas não só no que se refere a esta questão o recurso não pode obter provimento.
Assim, logo no que concerne à segunda vertente da sua impugnação é manifesta a
sua improcedência.
Como dissemos, mediante mera invocação de que na altura dos factos estava longe
do local onde foram praticados na companhia das testemunhas B. e C. não podendo
assim tê-los praticado, o recorrente apela para a sua absolvição, em tais termos
sendo patente que impugna, pretendendo vê-la alterada por forma a afastar os
factos que o incriminam, a matéria de facto.
Quanto a este ponto desde logo há que dizer que, com o devido respeito, não tem
cabimento, sequer sendo claro o sentido da invocação feita do art.º 379.º, n.º
1, c), do C.P.P. na sequência de tal argumentação, não se vendo como desta
pretenda extrair-se que o Tribunal deixou de pronunciar-se sobre questões que
deveria apreciar e bem assim por decorrente nulidade da sentença.
Eventualmente poderá o recorrente pretender que, não se considerando
circunstância que agora vem invocar de que alegadamente resultaria
impossibilidade de cometimento dos factos, o Tribunal incorreu em omissão
enquadrável em tal previsão legal.
Nunca porém poderia assistir-lhe razão já que essa circunstância não foi
suscitada perante o Tribunal – não tendo sido referida em julgamento, não tendo
aí sido ouvidas ou sequer arroladas para o serem, as pessoas que alegadamente a
poderiam confirmar – não se colocando assim a questão de o Tribunal dela dever
conhecer.
Também na perspectiva da impugnação da decisão de facto é, como se disse,
manifesta a improcedência do recurso.
É certo que, como decorre do disposto nos art.ºs 428.º, n.º 1, e 431.° do CPP as
Relações conhecem de facto e de direito, sendo a reapreciação/alteração da
decisão/matéria de facto, à partida, admissível mesmo para além da aferição da
verificação dos sobreditos vícios – esta oficiosa – e bem assim o recurso com
tal âmbito, observados que se mostrem os requisitos do art.º 412.º do mesmo
diploma em ordem a demarcar os aspectos concretos a rever.
Porém, no caso, para além de obviamente inobservados os requisitos do art.º
412.° citado em termos insusceptíveis de sanação útil por via de eventual
correcção de conclusões (já que a deficiência radica na própria motivação e bem
assim nos fundamentos do recurso, a cuja correcção não tem o Tribunal de
convidar sob pena de – fundamentada que sempre teria de ser, nos termos gerais,
a decisão que convidasse à correcção – estar a “orientar” sujeito processual em
matéria não apenas adjectiva ou formal) é manifesta a improcedência da
impugnação dessas decisão/matéria de facto.
Efectivamente, da simples leitura da argumentação deduzida pelo recorrente para
justificar a alteração do sentido da decisão – alteração que necessariamente
passaria pela modificação dos factos provados e não provados por forma a se
concluir pela sua absolvição – resulta evidente não ter a circunstância que
agora alega, com base na qual entende dever essa modificação ter lugar, sido
antes considerada (não teria, como vimos, de o ser, pois que não foi levada à
discussão) nem produzida ou sequer anteriormente oferecida a “prova” da mesma.
A sua impugnação da decisão da matéria de facto nada tem assim a ver com erro na
apreciação e valoração da prova que se pretenda ver corrigido (e foi isso,
inequivocamente, o que o legislador teve em mente ao facultar um segundo grau de
jurisdição), antes e tão-só traduzindo clara pretensão a que se considere agora
circunstância (que antes não fora considerada – nem suscitada – alegadamente
comprovável por pessoas que não foram ouvidas na audiência de julgamento nem
para tal arroladas) que obstaria, se provada, ao acolhimento dos factos tal como
o foram.
Ora, efectuado que foi o julgamento e proferida decisão, não se perfilando, nos
termos invocados (como atrás se decidiu) ou em quaisquer outros, nulidade que
importe a anulação em qualquer medida do processado, é patente que uma tal
circunstância nunca poderá ser considerada e bem assim que a impugnação do
recorrente à decisão com fundamento na sua alegada ocorrência não poderá ter
acolhimento.
Em suma, justificando o recorrente a sua pretensão à alteração do sentido da
decisão (desde logo de facto e, consequentemente, de direito) em facto que não
foi antes considerado, sequer tendo sido invocado em momento e termos de
suscitar a sua consideração e produção de prova para sua comprovação em sede de
julgamento, é patente a inatendibilidade da sua argumentação e bem assim
manifesta a improcedência do recurso também nessa parte, ou seja, da matéria de
facto.
O mesmo acontecerá com a terceira questão suscitada pelo recorrente, aliás em
termos algo paradoxais já que, em síntese, se traduzem em dizer “não fiz o que
se considerou provado, mas se tivesse feito, teria sido em concretização de
direito de necessidade, logo, está excluída a ilicitude do acto”.
Dados os termos em que a questão é colocada e porque, em vista do
circunstancialismo a considerar, o sentido da decisão a proferir se apresenta
como óbvio, dispensar-nos-emos de maiores explanações.
Resume-se aliás em poucas palavras o que a respeito há a dizer. Vejamos:
Improcedendo, nos termos expostos, a impugnação da decisão de facto e não se
perfilando, por outro lado, qualquer vício do art.º 410.º, n.º 2, do CPP que a
inquine,
(do teor da decisão resulta claramente
(1) que a matéria de facto assente, bastante para integrar todos os elementos
típicos do crime considerado e para a determinação da medida de penas, se colhem
todos os elementos necessários à formulação do juízo de condenação assumido e
fixação de pena, sendo assim aquela manifestamente suficiente para a decisão,
(2) que não há qualquer colisão entre os fundamentos ou contradição entre a
fundamentação e a decisão – por forma alguma os fundamentos justificam decisão
contrária à que foi tomada, sendo aliás que em vista dos mesmos a decisão não
poderia ter sido outra senão a assumida e
(3) que inexiste erro notório na apreciação da prova – do texto da decisão
recorrida por forma alguma se colhe que se tenha tirado de um facto provado uma
conclusão logicamente inaceitável, que se tenha dado como provado algo que
notoriamente está errado, ou que se tenha retirado de um facto provado uma
conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das
regras da experiência comum, não tendo também sido preterida prova vinculada)
a matéria de facto provada e não provada está em definitivo fixada, sendo
incontornável, com base nela e tão-só havendo que decidir.
Tal é dizer que apenas os factos provados poderão ser considerados para decidir
do cometimento ou não de infracção – designadamente a imputada – de punibilidade
da conduta e sanção a impor.
Em tal conformidade, apenas com base nos factos provados se poderá decidir do
preenchimento de elementos típicos de infracção – designadamente a que for
imputada ao arguido – mas também da existência de qualquer causa de exclusão da
ilicitude ou da culpa previstas nos art.ºs 31.º e ss. do CP.
Seria assim da matéria de facto assente, integrante da tipicidade requerida pelo
crime que vinha imputado ao arguido, que teria de se extrair a concorrência de
qualquer circunstância que consubstanciasse causa de exclusão da ilicitude, e
designadamente o direito de necessidade invocado.
Ora dos factos assentes – e, como se disse, únicos disponíveis e incontornáveis
– nada se colhe que permita concluir por que o recorrente tenha agido em
exercício de direito de necessidade, designadamente nada se colhe do
circunstancialismo que agora (na motivação do recurso) vem alegar para
justificar, mediante direito de necessidade, a actuação apurada (não obstante
refira não a ter cometido...).
Não são, em tais termos, necessários mais considerandos para decidir que, também
nesta vertente, não pode a sua argumentação ter acolhimento, nem proceder o
recurso.
Com o que se impõe concluir pela sua total improcedência.»
2.O recorrente veio então interpor o presente recurso para o Tribunal
Constitucional, com um requerimento em que disse:
«A., arguido melhor identificado nos autos, não se conformando com o douto
acórdão proferido por este Venerando Tribunal que manteve a condenação do
requerente em 120 dias de multa à razão diária de € 5,00 ou em alternativa 80
dias de prisão, vem dele interpor recurso para o Venerando Tribunal
Constitucional, nos termos do art.º 69.º, art.º 70.º, n.º 1, al. b) e f), e
art.º 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
Assim, porque o recorrente está em tempo, porque tem legitimidade no processo e
por a questão de ilegalidade ter sido suscitada pelo recorrente no Recurso para
o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, por violação do Princípio do
Contraditório e de lei substantiva e lei adjectiva cuja violação se remete para
fls. (…) da motivação e suas conclusões deste recurso.»
O recorrente apresentou ainda, com o referido requerimento de interposição de
recurso, as respectivas “Motivações” e “Conclusões” de recurso.
Cumpre decidir.
3.As alegações dos recursos de constitucionalidade são sempre produzidas neste
Tribunal (artigo 79.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional), após despacho
do relator. A junção das ditas “Motivação” e “Conclusões” de recurso foi, pois,
prematura. Aliás, logo o requerimento de recurso não preenchia os requisitos do
artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da Lei do Tribunal Constitucional. Seria, assim, caso
de proferir despacho convite para aperfeiçoamento do requerimento de recurso.
Todavia, no presente caso, tal seria um acto inútil, por se verificar que o
Tribunal não poderia tomar conhecimento do recurso, como resulta do confronto
das referidas “motivação” e “conclusões”, a considerar apenas nessa estrita
medida.
Por outro lado, apesar de o presente recurso ter sido admitido, tal decisão,
como se sabe (artigo 76.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional), não
vincula o Tribunal Constitucional. E, analisados os autos, verifica-se que é de
proferir decisão sumária, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional, por este Tribunal não poder tomar conhecimento do recurso.
4.Com efeito, os presentes recursos vêm interpostos ao abrigo das alíneas b) e
f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional. Analisemos,
separadamente, os pressupostos de cada um dos recursos.
Para se poder tomar conhecimento de um recurso de constitucionalidade interposto
ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é
necessário, além do esgotamento dos recursos ordinários que no caso coubessem,
que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo e
que a norma, ou interpretação normativa, impugnada tenha sido aplicada, como
ratio decidendi, pela decisão recorrida – isto é, que tal norma ou interpretação
normativa tenha constituído fundamento decisivo para o tribunal recorrido. Este
último requisito é expressão da necessária utilidade da intervenção do Tribunal
Constitucional, em via de recurso, pois, se a norma impugnada não foi ratio
decidendi – mas antes é apenas mencionada num obiter dictum –, ou se existe
outro fundamento, só por si bastante para se chegar a decisão idêntica à
recorrida, a decisão do Tribunal Constitucional sobre a sua constitucionalidade,
qualquer que ela fosse, sempre seria insusceptível de alterar o sentido da
decisão do tribunal recorrido. Nestas condições, o Tribunal Constitucional não
pode tomar conhecimento do recurso.
Recorde-se, ainda, que, no nosso sistema de fiscalização concentrada e
incidental da constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional, nem
controlar o modo como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos,
nem sequer controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer,
apurar se as normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No
recurso de constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da
República e pela Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de
fiscalização da constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa
interpretação enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada
na decisão recorrida.
Ora, no presente caso não se verificou a suscitação por parte do recorrente de
uma questão de constitucionalidade normativa, pois aquilo que este
verdadeiramente impugnou, e que reputa inconstitucional, é a forma pela qual se
teria desenrolado todo o procedimento criminal, em particular a actuação do seu
defensor oficioso, e, ainda, a decisão condenatória em si mesma considerada, com
a qual não se conforma (conclusão a que se chega pela leitura do seu
requerimento de interposição de recurso, da peça processual que designa por
“motivação” e respectivas “conclusões” e ainda das alegações apresentadas junto
do Tribunal da Relação de Lisboa).
No entanto, como ficou já dito, não compete a este Tribunal debruçar-se sobre
tal tipo de questões. Pelo que, por não ter sido suscitada durante o processo,
nem ter sido trazida a este Tribunal, uma verdadeira questão de
constitucionalidade normativa, não se pode tomar conhecimento do recurso, nesta
parte.
5.Restaria o recurso interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei do Tribunal Constitucional. Esta norma prevê um recurso de ilegalidade,
dispondo que “[c]abe recurso para o Tribunal Constitucional em secção, das
decisões dos tribunais: (…) f) que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido
suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas
c), d) e e)”, sendo tais fundamentos a violação de lei com valor reforçado
(alínea c)), a violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da
República por norma constante de diploma regional (alínea d)) e a violação do
estatuto de uma região autónoma por norma emanada de um órgão de soberania
(alínea e)).
Ora, pode excluir-se liminarmente a verificação de qualquer ilegalidade com os
fundamentos referidos nas alíneas d) e e), posto que não está em causa qualquer
norma constante de diploma regional nem a violação do estatuto de uma região
autónoma. E também é claro que não se verificou no processo a aplicação de
qualquer norma cuja ilegalidade por violação de lei com valor reforçado houvesse
sido suscitada. Nem sequer se descortina, aliás, qual poderia ser esta “lei com
valor reforçado” no caso concreto.
Também aqui, verifica-se que o que o recorrente verdadeiramente questiona
através do presente recurso é a decisão condenatória em si mesma considerada, e,
bem assim, o decurso de todo o procedimento criminal, nomeadamente a actuação do
seu defensor oficioso. Ora, como ficou dito e se reitera, as competências do
Tribunal Constitucional em sede de recurso confinam-se à apreciação da
constitucionalidade ou legalidade de normas, não podendo este Tribunal aferir
das próprias decisões judiciais, em si mesmas consideradas, nem da actuação dos
vários intervenientes processuais.
Assim, por também não estarem verificados os pressupostos do recurso de
ilegalidade, interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea f), da Lei do
Tribunal Constitucional, não se pode dele tomar conhecimento.
6.Pelos fundamentos expostos, decido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo
78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, não tomar conhecimento do presente
recurso e condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 6 (seis)
unidades de conta.»
2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
respondeu pela seguinte forma à presente reclamação:
“1 – A presente reclamação, deduzida sem que o reclamante indique minimamente as
razões da sua discordância quanto à decisão reclamada, é manifestamente
improcedente.
2 – Pelo que deverá ser esta inteiramente confirmada.”
Cumpre decidir.
II. Fundamentos
3. A reclamação apresentada pelo recorrente contra a decisão sumária do relator
limita‑se a referir que, não se conformando com o respectivo teor, “porque está
em tempo e porque tem legitimidade no processo”, dela se reclama para a
conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei do Tribunal
Constitucional, não se esboçando qualquer tentativa de rebater os fundamentos
dessa decisão, no sentido da admissibilidade do recurso e do dever de
conhecimento do seu objecto.
Pode, porém, aceitar-se que, mesmo quando o reclamante não aduz quaisquer
fundamentos adicionais para a reclamação para a conferência prevista no artigo
78.º‑A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, atendendo à natureza colegial
dos tribunais superiores, deve ser-lhe reconhecida a possibilidade de ver tal
reclamação apreciada por uma formação decisória integrando mais do que um juiz,
pelo que se não deverá deixar de tomar conhecimento da reclamação (cfr., neste
sentido, por exemplo, os Acórdãos n.º 514/2003, 87/2005, 93/2005 e 714/2005,
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), para reponderação dos fundamentos
da decisão reclamada.
4. Procedendo a essa reponderação, entende-se, porém, que a presente reclamação
não pode ser deferida, confirmando-se a decisão sumária reclamada, de não
conhecimento do recurso interposto.
Com efeito, e como se disse já na referida decisão, num recurso, como o
presente, interposto (também) ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei do Tribunal Constitucional, apenas se pode conhecer da
(in)constitucionalidade de normas, em si mesmas ou numa sua específica
interpretação (dimensões interpretativas do preceito). E, para que o Tribunal
possa conhecer do objecto do recurso, exige-se que os recorrentes suscitem,
durante o processo, a inconstitucionalidade da norma, ou, se só ele estiver em
causa, de um dado sentido ou dimensão normativa, que pretendem submeter à
apreciação deste Tribunal, e que tal norma (ou sentido normativo) tenha sido
aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi, não obstante a acusação de
inconstitucionalidade. Se o recorrente apenas questiona uma dada dimensão ou
interpretação de uma norma, deve precisar o sentido que pretende ver submetido à
apreciação do Tribunal Constitucional, de modo a que, se tal norma vier a ser
julgada inconstitucional, o Tribunal Constitucional a possa enunciar na decisão
e que o tribunal recorrido saiba qual o sentido da norma que não pode ser
aplicado por desconforme com a Constituição.
Ora, tal necessidade de individualização do segmento ou de enunciação do sentido
ou interpretação normativos que o recorrente reputa inconstitucionais não se
basta com alegações como a de que “de direito o ora recorrente estava
acompanhado por defensor, mas de facto não estava acompanhado por defensor, pois
o seu defensor faltou a todos os actos processuais”, ou de que “houve violação
do art.º 32.º, n.º 3 da C.R.P. e do art.º 64.º, n.º 1, do C.P.P, devendo serem
declarados inválidos todos os actos processuais incluindo o debate instrutório e
a Audiência e Julgamento nos termos e para os efeitos do art.º 122.º do C.P.P”
(conclusão 2.ª das alegações de recurso para o tribunal recorrido), nem com a
alegação, já em sede de recurso para o Tribunal Constitucional, e não perante o
tribunal a quo, de que “na interpretação da lei processual penal existe uma
inconstitucionalidade na parte em que permite que o ora recorrente seja
dispensado de comparecer em Audiência de julgamento e que esta se realize como
se estivesse presente, sendo este analfabeto e de ele nem sequer tivesse
conveniência pessoal na comparência.” (conclusão 17.ª das “Motivação” e
“Conclusões” do recurso de constitucionalidade).
A decisão sumária reclamada é, pois, de confirmar neste aspecto.
E tal decisão é igualmente de confirmar quanto à improcedência do recurso
interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional pelos fundamentos indicados na decisão sumária reclamada e não
infirmados na reclamação apresentada – isto é, o facto de o recorrente não
impugnar qualquer norma, mas antes “a decisão condenatória em si mesma
considerada, e, bem assim, o decurso de todo o procedimento criminal,
nomeadamente a actuação do seu defensor oficioso”.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento à presente reclamação e
confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso de
constitucionalidade interposto, bem como condenar o reclamante em custas, com 20
(vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 23 de Março de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos