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Processo n.º 934/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclamou, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82,de 15 de
Novembro, do despacho de 20 de Maio de 2006 (LTC), do juiz do 3.º Juízo Criminal
do Porto, proferido no processo n.º 777/91.2TBRPT, que admitiu o recurso que
interpôs para o Tribunal Constitucional de um despacho interlocutório mas
determinou que o mesmo subiria a final, com o recurso interposto da decisão que
ponha termo à causa.
Pretende que o recurso suba imediatamente, em síntese, pelo seguinte:
- Tendo renunciado ao recurso ordinário, face ao disposto nos n.ºs 2 e 4 do
artigo 78.º da LTC, o recurso tem os efeitos e o regime de subida do recurso
ordinário que no caso caberia, isto é, subida imediata, nos próprios autos e
efeito suspensivo (artigos 406.º, 407.º e 408.º do Código de Processo Penal);
- Aliás, a subida a final do recurso da apreciação da inconstitucionalidade
suscitada, com o recurso ordinário da decisão final da causa, ainda que se
entendesse que este é irrenunciável, poderia estar definitivamente posta em
causa no caso de vir a verificar-se não existir fundamento legal para a
respectiva interposição (do recurso ordinário). Caso em que a retenção do
recurso ora em causa o tornaria mesmo, completamente inútil, por não existir
mecanismo legal que o fizesse subir.
O Ministério Público respondeu nos termos seguintes:
“A presente reclamação – circunscrita à retenção do recurso de
constitucionalidade interposto – é manifestamente improcedente.
Na verdade, a argumentação deduzida pelo reclamante assenta num equívoco acerca
do âmbito da renúncia à interposição de recurso ordinário, constante do
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal: tal renúncia apenas
significa que o recorrente abandonou a eventual interposição de recurso para a
Relação da decisão interlocutória que rejeitou a invocação da prescrição, tendo
em vista a exaustão dos “recursos ordinários possíveis”; quanto ao concreto
despacho reclamado – não tendo obviamente o sentido de produzir uma genérica
“renúncia” a todos os recursos possíveis ao longa da tramitação do processo
penal, incluindo o da “decisão final”. Dito por outras palavras: tal declaração
de “renúncia” apenas tornou admissível o recurso de constitucionalidade
interposto quanto àquele despacho interlocutório, sem prévio esgotamento do
recurso, desse mesmo despacho, perante a Relação. Questão diversa é naturalmente
a do regime de subida do recurso de constitucionalidade interposto da decisão de
1ª instância sobre a matéria da invocada prescrição: ora, como refere o despacho
reclamado, tal questão é expressamente regulada pelo n.º 2 do art.º 78.º da Lei
n.º 28/82, que “absorve” o regime de subida, previsto no CPP, estabelecido
quanto ao hipotético – e precludido – recurso para a Relação do referido
despacho interlocutório; e, como decorre efectivamente das disposições
conjugadas dos artigos 406.º, n.º 1, 407.º, n.ºs 1 e 3, e 408.º do CPP, aquele
recurso não envolveria suspensão do processo, apenas subindo com o recurso
interposto “da decisão que tiver posto termo à causa” – ou seja, apenas subirá à
apreciação deste Tribunal quando tiver sido proferida decisão final no processo
crime.”
2. Para a decisão da reclamação interessam as ocorrências
processuais seguintes:
a) O reclamante, arguido no processo n.º 777/91.2TBRPT, do 3.º Juízo
Criminal do Porto, requereu que fosse declarado prescrito o respectivo
procedimento criminal;
b) O que foi indeferido por despacho de 15 de Abril de 2005;
c) O reclamante interpôs recurso deste despacho para o Tribunal
Constitucional, por requerimento do seguinte teor:
“A., com os sinais dos autos, não se conformando com o aliás, douto despacho de
fls. De 15.04.05, procedimento criminal, por prescrição, ao abrigo do disposto
nos artº.s 117.º, n.º 1, al. c), 119.º e 120.º, todos do Código Penal (versão de
1982), dele interpõe recurso para o Tribunal Constitucional – renunciando,
desde já, ao direito de interpor recurso ordinário, ao abrigo do disposto na al.
b) do n.º 1, n.º 2 e n.º 4 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(alterada pelas Leis 143/85, de 26 de Novembro, 85/89, de 7 de Setembro e
13-A/98 de 26 de Fevereiro) para apreciação da inconstitucionalidade.
- material das normas contidas nos art.ºs 335.º e 337.º do Código de Processo
Penal de 1987, conjugadas com o n.º 1 do art.º 119.º do Código penal de 1982
(versão originária) na interpretação adoptada segundo a qual a declaração de
contumácia constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal
por violação dos princípios da legalidade e tipicidade consagrados nos n.ºs 1 e
3 do art.º 29.º da C.R.P. e dos princípios do poder punitivo do Estado baseado
em critérios no n.º 4, do art.º 20.º, n.º 1 do art.º 27.º e n.º 1, do 30.º da
CRP;
-orgânica da norma contida no art.º 336.º (actualmente artºs. 335.º e 337.º) do
Código de Processo Penal aprovado pelo DL 78/87 de 17 de Fevereiro no uso da
autorização conferida pela Lei n.º 43/86 de 26 de Setembro, por violação do n.º
2 do art.º 112.º e da al. c) do n.º 1 e n.º 2 do art.º 165.º da CRP, questões
estas de inconstitucionalidade que os Arguidos suscitaram no requerimento em que
formularam pedido de declaração de extinção por prescrição do procedimento
criminal.
O presente recurso deve ser recebido com efeito suspensivo e sobe nos próprios
autos (art.º 78.º, n.º 4, da Lei 28/82, de 15 de Novembro).”
d) Que foi admitido por despacho de 20 de Maio de 2005, do seguinte
teor:
“Fls. 185 e 186
Por tempestivo e legal, admite-se o recurso interposto (artºs. 75.º, 75.º-A,
70.º, n.º 1, al. b), nºs. 2 e 4, 72.º n.º 1, al. b) e n.º 2 e 76.º, todos da Lei
n.º 28/82, de 15/11, alterada pelas Leis 143/85, de 26/11, 85/89, de 7/9 e
13-A/98, de 26/2).
Sobe a final, com o recurso interposto da decisão que punha termo à causa, nos
próprios autos e com efeito meramente devolutivo (art.º 78.º, n.º 2 da referida
Lei n.º 28/82, de 15/11 e artº.s 407.º, n.º 3, 406.º, n.º 1 e 408.º “a
contrario” todos do C.P.P.).”
3. Relativamente aos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC, a regra é a do prévio esgotamento dos recursos ordinários
(n.º 2 do artigo 70.º). Mas, para este efeito, consideram-se esgotados os
recursos ordinários também quando tenha havido renúncia aos que no caso cabiam
(n.º 4 do artigo 70.º). Para esta hipótese, o n.º 2 do artigo 78.º estabelece
que o recurso para o Tribunal Constitucional tem os efeitos e o regime de subida
do recurso não interposto. Por esta via, a norma neutraliza, no que se refere ao
efeito e regime de subida, a opção pela renúncia ao recurso ordinário.
Verifica-se que o momento de subida fixado pelo despacho reclamado corresponde
ao que resulta da transposição, para o recurso de constitucionalidade, da
disciplina estabelecida pelo artigo 407.º do CPP para o recurso a que se
renunciou.
Em primeiro lugar, é imediatamente evidente, por simples confronto com o
elenco taxativo do n.º 1 do artigo 407.º do CPP, que o despacho interlocutório
que, em fase de julgamento, desatenda a invocação da prescrição do procedimento
criminal, não está incluído em qualquer das hipóteses para as quais a lei
processual penal garante subida imediata.
E também não pode dizer-se que a retenção do recurso o tornaria imediatamente
inútil, apreciada a absoluta inutilidade em concreto, nos termos em que
habitualmente esta cláusula geral do n.º 2 do artigo 407.º CPP é interpretada.
Com efeito, a subida diferida dos recursos assenta numa exigência de celeridade
processual, que em processo penal é também um valor constitucionalmente
relevante. Fazendo a lei processual penal subir imediatamente apenas os recursos
cuja utilidade – medida esta pela possibilidade de, perante eventual decisão
favorável ao recorrente, repor a situação jurídica por si defendida – se
perderia em absoluto se a subida fosse diferida, obvia-se a que a tramitação
normal do processo seja afectada por constantes envios do processo à segunda
instância para apreciação de decisões interlocutórias – embora, deva
reconhecer-se que este argumento justifica mais o efeito não suspensivo do que a
retenção do recurso – e por outro lado, evita-se o conhecimento de muitos destes
recursos cujo conhecimento pode ficar prejudicado pelo sentido da decisão final.
Ora, relativamente a despachos do tipo daquele que está em causa, a retenção não
impede que a decisão do recurso, no caso de ser favorável ao recorrente, produza
o efeito jurídico que directamente decorre da pretensão que o interessado
sustenta e lhe foi indeferida: a extinção do procedimento. Deste modo, ainda que
porventura implique a anulação de actos processuais (o risco inerente à
generalidade dos recursos com efeito não suspensivo da marcha do processo), o
regime de subida diferida em nada diminui as garantias de defesa do arguido que,
face ao provimento do recurso, sempre verá a sua posição ser reconhecida
jurisdicionalmente.
É certo que o arguido terá que enfrentar um julgamento a que, sempre suposto que
venha a obter ganho de causa no recurso, afinal se apura que não deveria ter-se
realizado. Todavia, isso não retira ao recurso a sua finalidade primacial: ver
reconhecida e operante uma causa de extinção do procedimento criminal. E, como
este Tribunal já teve oportunidade de dizer, não viola as garantias de defesa em
processo penal a submissão do arguido a julgamento sem que previamente tenha
havido uma definitiva verificação – verticalmente definitiva, pela pronúncia da
instância de recurso – da existência de razões que indiciem a sua presumível
condenação ou que a possam impedir, designadamente por falta de verificação de
pressupostos processuais ou a ocorrência de factos extintivos (Versando
precisamente sobre a não inconstitucionalidade deste entendimento do regime de
subida do recurso do despacho que desatende o pedido de declaração da prescrição
do procedimento criminal, cfr. acórdão n.º 435/2000, publicado no Diário da
República, II Série, de 20 de Novembro de 2000.
4. Contra esta solução, argumenta o reclamante, em primeira linha, que o
despacho reclamado assenta na consideração de o recorrente vir a recorrer da
decisão final e que só seria assim se não tivesse renunciado ao direito de
interpor recurso ordinário, como renunciou.
Ora, independentemente de saber se seria válida uma renúncia com tais
características (geral, antecipada e unilateral), este argumento assenta numa
afirmação que não corresponde à realidade. Com efeito, a declaração contida no
requerimento de interposição do recurso não consente, pelo seu texto e pelo
contexto em que foi proferida, senão o sentido de que o recorrente renunciou à
interposição do recurso ordinário que teria por objecto o concreto despacho de
que, com esse mesmo requerimento, recorreu para o Tribunal Constitucional. Tal
declaração teve apenas em vista satisfazer o pressuposto da exaustão dos meios
ordinários, como resulta da expressa citação dos n.ºs 2 e 4 do artigo 70.º da
LTC que a acompanha.
Tanto basta para que a este argumento do reclamante se não dedique mais atenção.
5. Em segunda linha, o recorrente alega que a retenção do recurso o
tornaria completamente inútil, por inexistência de mecanismo legal que o faça
subir, se não existir fundamento legal para a interposição de recurso ordinário
da decisão final.
Também esta objecção do reclamante é improcedente, respeitando a uma
questão diversa da utilidade do recurso para efeito de determinar o seu momento
de subida. Com efeito, a utilidade que, para este efeito, cumpre ponderar é
aquela que da apreciação do recurso (interlocutório) possa resultar para a
defesa do arguido. Ora, tratando-se de processo penal e de sentença de 1ª
instância, o arguido só não poderá interpor recurso ordinário da decisão final
se esta não for condenatória (artigos 399.º, 400.º e 401.º do CPP). Mas aí,
sendo a sentença absolutória (ou conformando-se o arguido com a sentença
condenatória, o que dá no mesmo), o que ocorre não é a perda de utilidade do
recurso por virtude da retenção e da impossibilidade de reposição da situação
que existiria se a decisão interlocutória recorrida tivesse sido a correcta, mas
a perda de interesse no seu conhecimento porque o fim último de que era
instrumental foi atingido por outra via (Aliás, mesmo em abstracto, nunca seria
exacta a afirmação do recorrente. Nas situações em que o conhecimento dos
recursos retidos tenha interesse independentemente da decisão final,
aplicar-se-á o disposto no n.º 2 do artigo 735.º do Código de Processo Civil,
pelo que aí onde houver interesse na decisão do recurso a sua subida está
garantida).
Assim sendo, soçobra a pretensão do reclamante de que o recurso suba
imediatamente.
6. É certo que o regime de subida e processamento dos recursos de decisões
interlocutórias no Código de Processo Penal, pensado para a tramitação unitária
e na pressuposição de que seria sempre o mesmo o tribunal competente para
apreciar o recurso dominante e o recurso dependente, não pode aplicar-se sem
adaptações ao recurso de constitucionalidade. Basta pensar em que o recurso de
constitucionalidade retido, não pode subir conjuntamente com o recurso ordinário
da sentença porque são diversos os tribunais competentes para a sua apreciação.
Além disso – e se fosse dirigido a esta hipótese teria mais pertinência o
argumento do recorrente apreciado no ponto n.º 5 –um recurso interposto da
sentença só arrastaria a subida em conjunto para o Tribunal Constitucional se
também ele fosse um recurso de constitucionalidade e se houvesse renúncia ao
recurso ordinário. Mas para isso seria necessário que se verificassem os
pressupostos de admissibilidade de um tal recurso, o que bem pode não acontecer.
Deste modo, havendo a absorção da disciplina para que remete o n.º 2 do
artigo 78.º da LTC de fazer-se com as adaptações impostas pela natureza do
recurso de constitucionalidade, de entre as alternativas conjecturáveis,
qualquer delas implicando algum desvio à mera transposição do regime do
correspondente recurso ordinário, aquela que se apresenta mais harmónica com a
razão daquela regra é a de que o recurso de constitucionalidade subirá
simultâneamente com o recurso da decisão que ponha termo à causa na instância
respectiva, embora não seja processado em conjunto com ele se se tratar de
recurso ordinário. Nesta hipótese terá de ser processado em separado. O
processamento conjunto só terá lugar se dessa decisão couber e for interposto
(outro) recurso que deva subir imediatamente ao Tribunal Constitucional.
Com efeito, a solução da subida imediata do recurso da decisão
interlocutória conduziria à inutilização da regra do n.º 2 do artigo 78.º da LTC
quanto ao momento da subida. Ora, a subida diferida tem a vantagem de o recurso
só subir se a sua apreciação for necessária em função do sentido da decisão
final. E a alternativa, que está no extremo oposto a esta e que é a suposta no
parecer do Ministério Público, de o recurso subir apenas com a decisão final da
causa, sendo a que realizaria em maior grau o princípio da instrumentalidade do
recurso de constitucionalidade, colide, por seu turno, com o n.º 3 do artigo
407.º do CPP, em que “decisão que tiver posto termo à causa” é a decisão final
da instância respectiva e não a decisão final do processo.
O que antecede, podendo implicar oportuna adaptação do regime de
processamento estabelecido no despacho recorrido, não conduz, porém, à
procedência da reclamação porque a pretensão do reclamante é a de subida
imediata do recurso, o que não é permitido pelo n.º 3 do artigo 407.º do CPP,
mandado aplicar pelo n.º 2 do artigo 78.º da LTC.
7. Decisão
Pelo exposto, julga-se a reclamação improcedente e condena-se o reclamante
nas custas, com 20 (vinte) Ucs. de taxa de justiça.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício