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Processo n.º 1036/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. e B. reclamam para a conferência, ao abrigo do disposto no art. 78º-A,
n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional.
2 – Fundamentando a sua reclamação e na parte útil ao seu conhecimento, os
reclamantes discorrem do seguinte jeito:
2.1 – Por parte da reclamante A.
“(…)
É que, independentemente da existência ou não de normas inconstitucionais, a
verdade é que há também versões e interpretações que conduzem à declaração de
inconstitucionalidade de uma decisão.
Assim, e, resumidamente, como se verifica no douto despacho ora em causa, em
certa altura, ali se diz:
Em todo o caso, sublinhe-se, nada impede que, ao invés de se suscitar a
inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas um seu segmento
ou uma determinada dimensão normativa [cf., entre a abundante jurisprudência do
Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 367/94 – publicado no DR II Série, de 7
de Setembro de 1994: “ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode
questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma
interpretação que do mesmo se faça (…) esse sentido (essa dimensão normativa) do
preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado
inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de,
tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a
saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não
deve ser aplicado por, desse modo, violar a constituição”).
“Em tal hipótese, é, todavia, necessário que a norma que se coloca à apreciação
do Tribunal Constitucional tenha sido, efectivamente, aplicada in casu com a
interpretação que se entende inconstitucional (e que tenha constituído a ratio
decidendi do juízo proferido)”.
Ora, e, como se diz e se repete, resumidamente, das motivações constantes do
seu recurso para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, frisa a ora
reclamante-recorrente, além do mais, o douto parecer da Exma. PGA que no
concernente a ela diz, textualmente:
“Afigura-se demasiado severa a apena aplicada à arguida A., tendo por
referência a aplicada ao arguido B.…”.
E, depois, também de salientar esta passagem do douto Acórdão proferido na
1.ª e 2.ª instância, isto é,
Tendo presente ainda que o C. confessou os factos de forma relevante e a
arguida A. actuou sob a influência do companheiro o “dominus da actividade”
(sic).
Ou seja, comparadas as penas de prisão aplicadas à reclamante-recorrente e ao
arguido D. – ambos autores de um crime do art. 21º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, de
22 de Janeiro, isto é, na primeira instância, ambos com a pena de prisão de 6
anos, depois, na segunda instância, a do co-arguido D. – reduzida para 3 anos de
prisão, suspensa na sua execução - e a da reclamante-recorrente, reduzida para
a de 4 anos de prisão – obviamente sem a possibilidade de suspensão -, é
indubitável o erro na interpretação do mencionado preceito e dos artigos 40º,
50º, 70º, 71º e 72º do C. Penal, assim, se violando o disposto nos arts. 13º,
nºs 1 e 2 e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Reitera-se, portanto, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas as suas
alegações apresentadas perante o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, com a
conclusão de que a interpretação levada a cabo dos preceitos acima mencionados e
com a não aplicação à reclamante-recorrente de uma pena de prisão da ordem dos 3
anos, com a execução suspensa, tal como no caso do co-arguido D., constitui
violação das mencionadas disposições e daí a presente reclamação com vista à
intervenção da conferência para, após notificação da reclamante-recorrente para
apresentação das suas alegações, ser tomada decisão definitiva, assim se fazendo
Justiça.”
2.2 – Por parte do reclamante B.:
«Atenta a douta decisão sumária proferida pelo Excelentíssimo Doutor Juiz
Conselheiro Relator pretende agora o reclamante
ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 411º do Código de
Processo Penal por contrariar o princípio definido pelo artigo 32º da
Constituição da República Portuguesa conforme alegou no seu recurso para o
Supremo tribunal de Justiça a fls. 7 – item III.
Efectivamente
A douta Jurisprudência anterior deste Alto tribunal de que a douta decisão
sumária fez remissão não contempla a questão levantada pelo recorrente, questão
que se lhe for permitido apresentar alegações nos termos do n.º 5 do art. 78º-A
da LTC melhor fundamentará, questão que, com o devido respeito, nos parece não
ter sido apreciada na douta decisão sumária proferida pelo Excelentíssimo Doutor
Juiz Conselheiro Relator
Nestes termos requer a Vossa Excelência que presente esta reclamação à
conferência seja ordenado o prosseguimento do recurso, sendo o recorrente
notificado para apresentar alegações, nos termos dos nºs 4 e 5 do art. 78º-A da
LTC, seguindo-se os demais termos legais”.
3 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, respondeu à
reclamação, afirmando:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade, a argumentação da reclamante em nada abala os fundamentos da
decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do
recurso interposto”.
4 – A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
“1 – Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça foram
interpostos os seguintes recursos de constitucionalidade:
a) A arguida A. recorre para o Tribunal Constitucional “ao abrigo do disposto
nos arts. 75º, 75º-A, 70º, n.º 1, alíneas b), c), e f) da Lei n.º 28/82, de 15
de Novembro, [e] por violação de diversos preceitos constitucionais (arts. 13º,
n.º 1 e 2, 27º e 32º da CRP)”.
b) O arguido B. recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto
no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC),
pretendendo sindicar a “inconstitucionalidade da norma do artigo 411º do Código
de Processo Penal, por contrariar o princípio definido pelo artigo 32º da
Constituição da República Portuguesa” e “ver apreciada a interpretação que o
Tribunal fez do princípio fundamental ‘in dúbio pro reo’ aplicando-o com ofensa
do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, princípio que no entender
dos nossos melhores penalistas configura questão de direito”.
2 – Uma vez que os presentes recursos integram fattispecies abrangidas pela
hipótese recortada no n.º 1 do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, passa a decidir-se
imediatamente.
3 – Recurso da arguida A.
3.1 – Importa começar por referir desde já que o Tribunal Constitucional não
pode tomar conhecimento do objecto do presente recurso por não se encontrarem
verificados os pressupostos processuais subjacentes aos recursos previstos nas
alíneas b), c) e f) do artigo 70º, n.º 1, da LTC.
Vejamos.
3.1.1 – Constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do disposto
na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, que a questão de
inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo e que a norma
tenha sido efectivamente aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida.
Daqui decorrem, inter alia, três observações básicas.
a) Em primeiro lugar, importa reter que o objecto da fiscalização jurisdicional
de constitucionalidade são, pois, apenas normas jurídicas, não podendo o
Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre uma (eventual)
“inconstitucionalidade da decisão judicial”, como, de resto, tem sido
unanimemente acentuado pela jurisprudência deste Tribunal – cf. nesse sentido o
Acórdão n.º 199/88, publicado no DR II Série, de 28 de Março de 1989.
Por isso se reconhece que os recursos de constitucionalidade, embora interpostos
de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém
sobre a violação ou não violação da Constituição por normas mobilizadas na
decisão recorrida como sua ratio decidendi ou seu fundamento normativo, não
podendo visar as próprias decisões jurisdicionais, identificando-se, nessa
medida, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do
recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões
judiciais podem constituir objecto de tal recurso – cf., nestes exactos termos,
o Acórdão n.º 361/98 e, entre muitos outros, os Acórdãos nºs 286/93, 336/97,
702/96, 336/97, 27/98 e 223/03, todos disponíveis para consulta em
www.tribunalconstitucional.pt/.
E isto porque a Constituição não configurou o recurso de constitucionalidade
como um recurso de amparo no âmbito do qual fosse possível sindicar qualquer
lesão dos direitos fundamentais, aí se incluindo a possibilidade de conhecer,
nesse âmbito, do mérito da própria decisão judicial sindicanda, antes recortou a
competência do Tribunal Constitucional em torno do conhecimento de questões de
constitucionalidade de normas, pelo que é perante tal conformação do sistema
jurídico-constitucional de recursos que o Tribunal pode actuar em termos de
avaliar da bondade constitucional de critérios normativos quando estejam em
causa os direitos fundamentais – daí decorrendo, como afirma Fernando Alves
Correia (“Os Direitos Fundamentais e a sua Protecção Jurisdicional Efectiva”, in
Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2003, p. 72), que o
“recurso de constitucionalidade, sobretudo quando tem na base a suscitação pela
parte, durante o processo, da questão de constitucionalidade da norma jurídica
aplicável ao caso, desempenha um papel determinante na protecção dos direitos
fundamentais dos cidadãos”.
Tal é, na verdade, o que resulta do facto de “não exist[ir], no sistema
jurídico-constitucional português, um processo de «queixa constitucional»
(Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde, recurso de amparo) que
permita aos cidadãos lesados nos seus direitos fundamentais apelarem
directamente para um tribunal constitucional (...)”.
Contudo, tal não significará uma “protecção enfraquecida dos direitos
fundamentais uma vez que “os particulares podem, nos feitos submetidos à
apreciação de qualquer tribunal e em que sejam parte, invocar a
inconstitucionalidade de qualquer norma (...) fazendo assim funcionar o sistema
de controlo da constitucionalidade (...) numa perspectiva de controlo
subjectivo” – cf. Gomes Canotilho (in “Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, 4.ª edição, Coimbra, 2000, p. 493).
Destarte, como se disse no Acórdão n.º 133/97, “admitir-se-á em tese geral que
uma interpretação viole a lei, mas uma coisa é violar a lei e outra violar a
Constituição. O contencioso da constitucionalidade, por um lado, é um
contencioso de normas não de decisões, (...) tal como não cabe nos poderes de
cognição deste Tribunal sindicar a forma como o tribunal recorrido interpretou e
deu aplicação às normas que regem a questão submetida a julgamento”.
b) Em segundo lugar, a questão de constitucionalidade (por antonomásia,
normativa) deve ser suscitada durante o processo, devendo este requisito – como
se tem explicitado reiteradamente (cf., por exemplo, o Acórdão n.º 352/94,
publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994) – ser
entendido “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade
pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido
funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita em momento
em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de esgotado o
poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita”.
No mesmo sentido, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no
Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um
cabal cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada -
da questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da
questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
Neste domínio há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a
intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da
questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter
apreciado. Ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o
Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de
1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º
192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 – sobre o
sentido de um tal requisito, cf. José Manuel Cardoso da Costa, «A jurisdição
constitucional em Portugal», separata dos Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso
Queiró, 2ª edição, Coimbra, 1992, p. 51.
c) Por fim, como se disse, para que o Tribunal Constitucional possa tomar
conhecimento do objecto do recurso torna-se apodíctico que norma sindicanda
tenha constituído a verdadeira ratio decidendi do juízo recorrido.
E bem se compreende que assim seja uma vez que só quando estiver em causa a
inconstitucionalidade da(s) norma(s) que constitui[u](ram) a ratio decidendi do
juízo recorrido é que a decisão do Tribunal Constitucional poderá projectar-se
sobre o caso sub judice, contendendo, nessa medida, com a decisão recorrida,
posto que, como se afirmou no Acórdão n.º 112/84, o Tribunal Constitucional,
enquanto “(...) órgão jurisdicional, nunca age, nem pode aceitar agir, como se
fosse um órgão consultivo em matéria jurisdicional (...), toda e qualquer
apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma não pode deixar de
produzir efeito no caso sub judice; não pode, e não deve, com efeito, o Tribunal
Constitucional, pronunciar-se sobre «pleitos puramente teóricos ou académicos»
(cf. Acórdão n.º 149 da Comissão Constitucional)”, o que sucederia,
inequivocamente, em todas as situações onde a formulação de um juízo de
constitucionalidade sobre determinada norma não se viesse a repercutir na
decisão recorrida porque o critério legal em crise não foi, afinal, aplicado ao
caso concreto como ratio decidendi do juízo proferido.
Em todo o caso, sublinhe-se, nada impede que, ao invés de se suscitar a
inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas um seu segmento
ou uma determinada dimensão normativa [cf., entre a abundante jurisprudência do
Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 367/94 – publicado no DR II Série, de 7
de Setembro de 1994: “ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode
questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma
interpretação que do mesmo se faça (…) esse sentido (essa dimensão normativa) do
preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado
inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de,
tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a
saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não
deve ser aplicado por, desse modo, violar a constituição”).
Em tal hipótese, é, todavia, necessário que a norma que se coloca à apreciação
do Tribunal Constitucional tenha sido, efectivamente, aplicada in casu com a
interpretação que se entende inconstitucional (e que tenha constituído a ratio
decidendi do juízo proferido) – cf., nesse sentido, entre outros, o Acórdão n.º
139/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º volume, 1995, o
Acórdão n.º 197/97, publicado no Diário da República, IIª Série, n.º 299, de 29
de Dezembro de 1998 e, mais recentemente, o Acórdão n.º 214/03, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt.
3.1.2 – No caso dos recursos abrangidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º
da LTC, está em causa a recusa de aplicação de norma constante de acto
legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado, não cabendo em tal sede a sindicância de quaisquer outros fundamentos
de ilegalidade que sejam susceptíveis de determinar a recusa de aplicação de uma
determinada norma.
3.1.3 – Por fim, os recursos previstos na alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º
da LTC incidem sobre decisões que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido
suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas
c), d) e e) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC).
3.2 – Transpondo estes requisitos específicos do recurso de
constitucionalidade para o caso sub judicio, constata-se que os mesmos não se
mostram preenchidos.
A Recorrente não suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa ou
de ilegalidade com fundamento em violação de lei com valor reforçado, nem
tão-pouco, o Supremo Tribunal de Justiça se recusou, expressa ou implicitamente,
a aplicar uma norma com igual fundamento.
De facto, a Recorrente, na sua motivação de recurso para o STJ, apenas
se insurge contra a bondade da decisão recorrida – “o douto Acórdão recorrido,
no que concerne às penas aplicadas aos co-arguidos (...) em comparação à
aplicada à ora Recorrente, viola o disposto no artigo 13.º, n.º 1 e 2 da
Constituição da República Portuguesa” – sem nunca controverter a
constitucionalidade/ilegalidade de qualquer norma.
Ora, como se viu, a Constituição da República e a LTC atribuem ao
Tribunal Constitucional o controlo da constitucionalidade de normas jurídicas, e
não dos actos judiciais.
Todavia, como acaba de dizer-se, o que a recorrente faz é controverter
a concreta decisão judicial sob o fundamento de que a mesma faz errada aplicação
do princípio constitucional da igualdade, consagrado no art. 13º, n.ºs 1 e 2, da
CRP.
Faltam, assim, os referidos pressupostos processuais para que possa
conhecer-se do recurso.
Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do recurso.
4 – Recurso do arguido B.
4.1 – Quanto à questão da “inconstitucionalidade da norma do artigo
411º do Código de Processo Penal, por contrariar o princípio definido pelo
artigo 32º da Constituição da República Portuguesa”, o Recorrente alegou perante
o Supremo Tribunal de Justiça que a norma sindicanda “coarcta a defesa do
arguido ao conceder prazo tão diminuto para a sua defesa, inferior ao próprio
direito processual civil e mormente quando no processo há vários arguidos,
potencialmente interessados em recorrer, e, assim, recolherem dos autos os
elementos necessários para tal”.
Este Tribunal Constitucional teve já ensejo, por diversas ocasiões, de
pronunciar-se sobre a constitucionalidade do prazo estabelecido no artigo 411º
do Código de Processo Penal, na situação em que o recorrente pretende impugnar o
julgamento da matéria de facto, com base em prova gravada:
No recente Acórdão n.º 542/04, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, considerou que:
“Embora referida prevalentemente ao prazo de interposição do recurso,
pela evidente razão de, afora a situação referida na segunda parte do n.º 3 do
art. 411º do CPP, os momentos de interposição do recurso e da sua motivação
coincidirem em processo penal, a dimensão normativa do art. 411º, n.º 1, do CPP
cuja constitucionalidade o recorrente verdadeiramente questiona é a que respeita
ao prazo de 15 dias improrrogáveis para a apresentação da motivação do recurso,
tratando-se de saber se é conforme com a Lei Fundamental uma acepção de tal
artigo no sentido do não acréscimo de um prazo de 10 dias para o recorrente
motivar o recurso quando nele se ponha em causa a decisão da matéria de facto
com base numa reapreciação de prova gravada, em termos correspondentes aos
previstos no n.º 6 do art. 698º do CPC. É, de resto, esse o quadro processual em
que a questão se coloca: o recorrente interpôs recurso da sentença condenatória
penal por declaração na acta, tendo o recurso sido imediatamente admitido, vindo
mais tarde a ser rejeitado por a respectiva motivação ter sido apresentada fora
do prazo de 15 dias a contar da data da sua interposição na acta da audiência.
Antes de mais cumpre acentuar que não cabe ao Tribunal
Constitucional pronunciar-se sobre qual seja a solução a dar, no plano do
direito infraconstitucional, à controvérsia sobre se é supletivamente aplicável,
no processo penal, a norma do art. 698º, n.º 6, do Código de Processo Civil ou
seja, se se está perante uma lacuna de regulação da matéria no Código de
Processo Penal e se é caso de aplicação do art. 4º deste compêndio legislativo.
A questão posta cinge-se a saber se a norma acima definida e que foi
aplicada à decisão do caso concreto é ou não conforme com os parâmetros
constitucionais invocados ou outros, dado que em matéria de parametricidade
constitucional não está o Tribunal vinculado ao alegado (cf. art. 79º-C da LTC).
Nesta medida não há que tomar posição quanto a saber se a solução achada é a que
melhor decorre dos instrumentos hermenêuticos de que o intérprete deve
socorrer-se para alcançar o sentido da lei ou se ela representa uma boa opção do
legislador, desde que tomada dentro dos parâmetros constitucionais. Assim não há
que considerar se a diferente natureza do recurso, se relativo a matéria de
facto ou se também, ou só, concernente a matéria de direito, não aconselharia,
nesse plano, ao estabelecimento de diferentes prazos de apresentação de recurso
ou da sua motivação.
O estabelecimento de prazos de recurso e da sua motivação não pode
deixar de considerar-se uma exigência co-natural do estabelecimento de qualquer
processo de apreciação e de decisão.
No seu Acórdão n.º 571/01, publicado no Diário da República, II
Série, de 4 de Fevereiro de 2002, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 51º
vol., pp. 621, que tinha por pano de fundo a apreciação da conformidade
constitucional da norma da alínea c) do art. 380º do Código de Justiça Militar
que estabelecia, quando não fosse entregue no acto de intimação (do libelo), o
prazo de cinco dias para a entrega do rol de testemunhas para prova da defesa,
escreveu-se sintetizando anteriores posições do Tribunal:
«Este Tribunal já admitiu, porém, que diferentes ramos processuais possam
conter diferentes prazos para actos de natureza semelhante ou idêntica (cf.,
v.g., o Acórdão n.º 266/93, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de
Agosto de 1993), que no mesmo direito processual existam tais diferenças de
prazos (cf., por ex., o Acórdão n.º 186/92, publicado no Diário da República, II
Série, de 18 de Setembro de 1992) e que diferentes sujeitos processuais estejam
adstritos a diferentes prazos (cf., v.g., o Acórdão n.º 524/97, publicado no
Diário da República II Série, de 20 de Dezembro de 1994), desde que haja para
isso fundamento material bastante. Em todo o caso, não deixou de considerar,
mesmo atendendo à especificidade do processo penal militar, que não era
admissível – para efeitos de interposição e motivação do recurso – um prazo
'especial e significativamente mais curto – correspondente a metade – do que o
previsto no processo penal comum' (Acórdão n.º 34/96, publicado no Diário da
República, II Série, de 29 de Abril de 1996). O mesmo juízo foi, aliás,
reiterado no Acórdão n.º 611/96 (publicado no Diário da República, II Série, de
6 de Julho de 1996).».
No processo criminal, a previsão da existência de prazos de recurso impõe-se
desde logo como postulado necessário da garantia concedida na parte final do n.º
2 do art. 32º da CRP de que o arguido “deve ser julgado no mais curto prazo
compatível com as garantias de defesa”. Todavia, nem este preceito
constitucional nem outro (com pertinência ou afinidade sobre a matéria surge o
art. 20º da CRP, mormente o seu n.º 4) definem ou estabelecem quais devam ser
esses prazos, donde resulta que o legislador ordinário disponha nesta matéria de
uma ampla discricionariedade normativo-constitutiva. Mas tal não quer dizer que
para a Constituição, e mormente em matéria de processo criminal, essa fixação
seja indiferente (como paralelamente poderá acontecer em outros tipos de
processos especialmente quando estejam em causa direitos fundamentais). Na
verdade, se o n.º 2 do art. 32º da CRP assume como garantia concedida ao arguido
o dever de o mesmo ser julgado no mais curto prazo não deixa, também, de balizar
esse prazo pela exigência de que o mesmo seja compatível com a efectividade das
garantias de defesa.
Foi a consideração, essencialmente, de que o prazo previsto não permitia um
exercício efectivo das garantias de defesa que levou o Acórdão n.º 41/96,
publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., pp. 235 e ss., a
concluir pela inconstitucionalidade do 328º do Código de Processo Penal de 1929,
na parte em que fixava em cinco dias, contados da notificação da acusação, o
prazo para o arguido requerer diligências de instrução contraditória em processo
de querela. Disse-se, então, aí:
«O processo penal de um Estado de Direito há-de “assegurar ao Estado a
possibilidade de realizar o seu ius puniendi”; mas há-de também “oferecer aos
cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam
cometer-se no exercício desse poder punitivo, designadamente contra a
possibilidade de uma sentença injusta” (cf. Acórdão n.º 434/87, publicado no
Diário da República, II série, de 23 de Janeiro de 1988; e no Boletim do
Ministério da Justiça, n.º 371, página 160).
Tal processo há-de ser, assim, um due process of law, no sentido de que, nele,
há-de o arguido poder sempre defender-se. Este, o núcleo essencial do princípio
da defesa, que, no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, se proclama.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão n.º 61/88, publicado no Diário da
República, II série, de 20 de Agosto de 1988:
A ideia geral que pode formular-se a este respeito - a ideia geral, em suma, por
onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio
da defesa, para além das consignadas nos números 2 e seguintes do artigo 32º -
será a de que o processo criminal há-de ser um due process of law, devendo
considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais,
quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível
das possibilidades de defesa do arguido.
(Cf. também o Acórdão n.º 322/93, publicado no Diário da República, II série, de
29 de Outubro de 1993).
Esta cláusula constitucional - que se apresenta com um cunho reassuntivo e
residual (relativamente às concretizações que já recebe nos números seguintes do
artigo 32º) e que, na sua abertura, acaba por revestir-se de um carácter
acentuadamente programático - contém, ao cabo e ao resto, “um eminente conteúdo
normativo imediato a que se pode recorrer directamente, em casos limite, para
inconstitucionalizar certos preceitos da lei ordinária” (cf. FIGUEIREDO DIAS, in
A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, p. 51). E contém esse
conteúdo normativo imediato, justamente, porque aí se proclama o próprio
princípio da defesa e, portanto, inevitavelmente, se faz apelo para o seu núcleo
essencial, cuja ideia geral é a de que o processo criminal tem de assegurar
sempre ao arguido a possibilidade de ele se defender (cf., também o Acórdão n.º
186/92, publicado no Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992).
O princípio das garantias de defesa - afirmou-se no já citado Acórdão n.º 434/87
- será violado “toda a vez que ao arguido se não assegure, de modo efectivo, a
possibilidade de organizar a sua defesa”; ou seja: sempre que se lhe não dê
oportunidade real de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua
conduta (cf. Acórdão n.º 315/85, publicado no Diário da República, II série, de
12 de Abril de 1986).».
Do mesmo passo pode referir-se que foi igualmente a ponderação da
impossibilidade de um exercício efectivo das garantias de defesa,
consubstanciado na oportunidade de o arguido poder realmente controverter em
recurso a matéria de facto fixada pela decisão recorrida, dentro dos prazos
legalmente fixados para a interposição do recurso, que conduziu o Tribunal
Constitucional a, no seu Acórdão n.º 363/00, publicado no Diário da República II
Série, de 13 de Novembro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º
vol., p. 653, pronunciar-se pela inconstitucionalidade, “por violação do artigo
32º, n.º 1, da Constituição, dos artigos 107º, n.º 2, do Código de Processo
Penal, e 146º, n.º 1, do Código de Processo Civil (quando aplicado
subsidiariamente em processo penal) quando interpretados no sentido de que a
impossibilidade de consulta das actas de julgamento (quando tenha sido requerida
a documentação em acta das declarações orais prestadas em audiência, nos termos
do artigo 364º, n.º 1, do Código de Processo Penal), por as mesmas não estarem
ainda disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do
recurso da decisão final condenatória em processo penal”, conduzindo assim à
solução de o prazo de recurso (e da respectiva motivação, no figurino processual
actual) ser acima de 15 dias em tanto tempo quanto durar o justo impedimento.
E foi também com base em uma idêntica ponderação dos valores em
presença – celeridade processual e efectividade da possibilidade de exercício do
direito de defesa –, mas em que, ao contrário do que sucedeu no caso anterior, o
Tribunal concluiu que, na situação sob análise, a garantia da possibilidade real
e efectiva de exercício dos direitos de defesa não saía afectada, que o Acórdão
n.º 433/02, publicado no Diário da República II Série, de 2 de Janeiro de 2003,
e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54º vol., p. 551, decidiu “não julgar
inconstitucional a interpretação do art. 107º, n.º 2, do Código de Processo
Penal segundo a qual, havendo possibilidade de acesso ao suporte material da
prova gravada, a impossibilidade de acesso às transcrições das declarações orais
prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a respectiva gravação), por
as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a
interposição do recurso da decisão final condenatória”, acabando, deste modo,
por manter, numa tal situação, o efeito preclusivo associado ao decurso do prazo
de 15 dias estabelecido para a interposição do recurso.
Pode, pois, concluir-se, com segurança, com base na jurisprudência
anterior do Tribunal Constitucional que a fixação do prazo de interposição de
recurso penal e da respectiva motivação estabelecido pelo legislador ordinário,
no exercício da sua discricionariedade normativo-constitutiva constitucional, só
é susceptível de ser censurada sub specie constitucionis se ele for desadequado,
irrazoável ou desproporcionado para, de um lado, poder permitir o julgamento do
arguido no mais curto prazo e, do outro, impedir “um encurtamento inadmissível
das possibilidades de defesa do arguido”.
Ora, a esta luz não poderá considerar-se que o prazo de 15 dias que
está estabelecido no n.º 3 do art. 411º do CPP para o arguido motivar o recurso
interposto na acta, e no qual se pretenda a reapreciação da matéria de facto com
base em prova gravada em audiência, ofende o princípio das garantias de defesa,
tal como este se deixou recortado, numa situação, como é a da hipótese recortada
na dimensão normativa que está em causa, em que não se questiona a possibilidade
do acesso efectivo, por banda do arguido, às cassetes de gravação da prova
dentro do prazo fixado para a motivação do recurso.
Ao contrário do defendido pelo recorrente, não se afigura que o estabelecimento
de um lapso de tempo de 15 dias seja desrazoável ou inadequado para dar
cumprimento ao ónus de motivação do recurso – desde que o arguido tenha efectiva
disponibilidade desde o dies a quo do cômputo desse prazo das provas gravadas –,
conquanto nesta se discuta e pretenda a reapreciação do julgamento da matéria de
facto efectuado pela decisão recorrida, bem como o juízo de apreciação e
valoração das provas produzidas em audiência, nela efectuado, naquelas se
incluindo as provas gravadas, e se tenha nessa motivação de satisfazer os ónus
estabelecidos no art. 412º, n.º 3, alíneas b) e c), e n.º 4, do CPP, e não
apenas a apreciação de matéria de direito. Não pode considerar-se que o prazo de
15 dias contados, no caso, desde a data de admissão do recurso interposto
corresponda a lapso de tempo curto que por si implique um encurtamento
inadmissível das possibilidades de defesa do arguido, mesmo tendo em conta que o
asseguramento efectivo dessas possibilidades de defesa passará pela audição das
cassetes e pela preparação, estudo e elaboração da alegação de recurso, com as
referidas especificações. E uma tal situação muito menos será susceptível
razoavelmente de acontecer numa situação, como é a dos autos, em que são apenas
4 (quatro) as cassetes a ouvir (como o arguido refere nas suas alegações de
recurso para o STJ – fls. 677) e em que o arguido não contesta que tenha tido
desde o início do prazo a possibilidade do acesso às gravações. De resto, na
ponderação a efectuar sobre se o prazo estabelecido pelo legislador obsta à
satisfação das referidas exigências constitucionais não se vê que razoavelmente
possa considerar-se, ao contrário do alegado pelo recorrente, que a motivação de
um recurso relativo ao julgamento da matéria de facto seja, por regra, mais
complexa e que exija maior dispêndio de tempo do que o estudo de questões de
direito: como em tudo no que é vida, haverá casos e casos, não tendo a posição
do recorrente o valor de qualquer verdade axiomática. Por outro lado, as
eventuais divergências que na prática possam acontecer na numeração das voltas
das cassetes conforme o equipamento de gravação/reprodução de som que seja
utilizado, de que fala o recorrente, não são de ponderar pelo Tribunal
Constitucional para ajuizar do respeito pelo alegado parâmetro constitucional do
art. 32º, n.º 1, da CRP, porque têm que ver não com o critério normativo sob
sindicância constitucional mas antes com o grau de idoneidade ou fiabilidade
técnica daqueles instrumentos poderem garantir, com um total grau de certeza, a
realização das prestações que são próprias da sua construção tecnológica. A
avaliação da possibilidade de uma tal deficiência caberá, todavia, ao legislador
ordinário dentro da escolha dos meios que faz para prosseguir as finalidades que
se propõe, “salvo, obviamente, na estrita medida em que algum ou alguns desses
princípios de eficiência e utilidade sejam directamente tutelados pela própria
Lei Fundamental, que desta forma os eleva a parâmetro da solução legislativa”
(cf. Acórdão n.º 236/00, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de
Novembro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., pp. 269).
Ora, mesmo admitindo que essa divergência possa ainda ter significado dentro da
garantia do asseguramento real das garantias de defesa, na estrita medida em que
se poderá colocar com base nos elementos de facto constantes de certas voltas
das cassetes questões probatórias ao tribunal ad quem, não se vê que o risco de
acontecimento de uma eventual divergência de leitura de voltas da cassete não
possa ser obviada mediante o recurso a expressões de localização como a citação
dos nomes ou a reprodução de parte do discurso ou facto que aí constem, a
efectuar no tempo da elaboração da motivação do recurso, donde se poderá
concluir não ser o prazo peremptório de 15 dias inadequado ou desproporcionado
para permitir todos os meios de defesa ao arguido.
6 – Sustenta ainda o recorrente que a norma sindicada ofende o princípio da
igualdade consagrado no art. 13º da CRP, porquanto, ao contrário do que sucede
no processo penal segundo a interpretação aplicada na decisão recorrida, no
processo civil se prevê um acréscimo do prazo estabelecido para alegações em 10
dias “se o recurso tiver por objecto a reapreciação de prova gravada”.
É sabido que o princípio constitucional da igualdade, entendido como limite
objectivo da discricionaridade legislativa, não veda à lei a realização de
distinções. Proíbe-lhe sim é a adopção de medidas que estabeleçam distinções
discriminatórias ou seja, de desigualdades de tratamento materialmente
infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação
objectiva e racional, como sejam as diferenciações de tratamento fundadas em
categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente,
no n.º 2 do artigo 13º da Lei Fundamental (diferenciações baseadas na
ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções
políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social).
Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio
vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (cfr., por
todos, o recente Acórdão n.º 232/03, publicado no Diário da República, I-A
Série, de 17 de Junho de 2003).
Ora, a primeira questão que poderá colocar-se é a de saber se será possível
isolar, seccionando-o para confronto com outro, um determinado ponto do regime
jurídico dentro do que globalmente regula certa área material do direito. A
propósito de um alegado confronto de regimes entre o processo civil e o processo
penal (no caso a extensão do dever legal de fundamentação), escreveu-se no
Acórdão n.º 422/99, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de
Novembro:
«[...] suposto que, como sustenta a recorrente, do princípio do Estado de
direito decorra uma “harmonização do sistema jurídico” em termos de levar à
consagração de soluções legais idênticas quando exista alguma similitude de
situações, isso, certamente, não pode significar que essa harmonização conduza
ineludivelmente a que os diversos corpos de leis adjectivos tenham de consagrar
soluções iguais, designadamente no que tange ao processo civil e ao processo
criminal.
Na verdade, as prescrições tendentes à adjectivação não podem desligar-se da
diversidade de institutos jurídicos de cariz, quantas vezes acentuadamente
diferenciado, que pautam, verbi gratia, o direito civil, o direito penal e o
direito administrativo, pelo que as soluções decorrentes dessa adjectivação
podem, e muitas vezes até devem, ser diferentemente perspectivadas, até tendo em
conta preceitos, princípios e garantias que a própria Constituição impõe que
sejam observados em determinados ramos de direito. Seria, por exemplo, incurial
e contrário à Lei Fundamental que no processo criminal se estabelecessem ónus
probatórios a cargo do arguido, provas por confissão, sancionamentos
cominatórios penais ou presunções de responsabilidade ou culpabilidade criminal,
o mesmo já se não podendo dizer se um tal estabelecimento decorrer da lei
processual civil, ao adjectivar as formas de tutela do incumprimento de
obrigações civis.».
Ora, como acima se expôs, decorre do art. 32º, n.º 2, da CRP, uma
garantia de que o arguido “deve ser julgado no mais curto prazo compatível com
as garantias de defesa”. O legislador do processo criminal não pode deixar de
dar cumprimento a tal injunção constitucional na fixação dos prazos cujo
estabelecimento se revele necessária dentro da respectiva tramitação processual
cuja conformação está, de resto, subordinada a diversos princípios e garantias
constitucionais que integram a denominada “Constituição processual penal”,
constante, essencialmente, do art. 32º da CRP, onde avultam os princípios do
asseguramento de todas as garantias de defesa, do contraditório, do acusatório,
da jurisdicionalidade de todas as medidas restritivas de direitos fundamentais,
da presunção de inocência, etc. A celeridade processual tem, no processo penal,
uma fonte e intensidade constitucional diferente da que concerne à defesa de
outros direitos, à qual se refere o n.º 4 do art. 20º da CRP e que foi
introduzido na revisão constitucional de 1997 para “dar resposta à necessidade
sentida – no âmbito do direito a uma tutela judicial efectiva que se traduz,
designadamente, no direito a um processo justo baseado nos princípios da
prioridade e da sumariedade – de uma protecção adequada ao exercício de certos
direitos (p. ex. o direito de reunião contra uma proibição policial) de modo a
impedir que a sua ofensa se torne irreversível (palavras do Acórdão n.º 212/00,
publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Outubro de 2000, e Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 47º, vol. pp. 165).
Sendo assim, não poderá sustentar-se existir uma situação jurídica
igual do ponto de vista material ou substancial que justifique que no processo
penal haja de valer o referido acréscimo do prazo previsto no processo civil. A
especificidade que vigora no processo penal quanto ao tempo em que o direito do
arguido a ser julgado definitivamente deve ser satisfeito constitui fundamento
racional bastante para justificar a diferença de regimes.
7 – Defende, por fim, o recorrente que a interpretação do art. 411º,
n.º 1 (e n.º 3), do CPP no sentido de não envolver, no prazo aí estabelecido,
também o acréscimo de 10 dias contemplado no n.º 6 do art. 698º do CPC viola o
princípio da presunção de inocência, pois dele derivaria que se deveria optar
pelo regime mais favorável.
Desde já importa notar que a colocação da questão tal como é posta
pelo recorrente só teria algum sentido, mesmo pressupondo que o princípio da
presunção de inocência vale fora do domínio da apreciação das provas, se o
acórdão recorrido tivesse fixado a dimensão normativa que aplicou com base na
utilização de qualquer instrumento jurídico que determinasse que as dúvidas
interpretativas deveriam ser resolvidas em certo sentido. Mas não foi isso o que
aconteceu: o acórdão recorrido determinou, bem ou mal não importa aqui
considerar, o sentido do preceito que aqui se questiona de forma assertórica,
não o inferindo da aplicação de qualquer regime de presunção.
Mesmo conferindo ao princípio da presunção de inocência afirmado no
art. 32º, n.º 1, da CRP um sentido normativo fundamental situado fora do estrito
campo da avaliação das provas em processo penal, este mais impressivamente
transportado pelo princípio denominado de in dubio pro reo, - qual seja o de que
esse princípio “representa (hoje) sobretudo um acto de fé no valor ético da
pessoa, próprio de toda a sociedade livre” e que “esta atitude tem consequências
para toda a estrutura do processo penal que, assim, há-de assentar na ideia
força de que o processo deve assegurar todas as necessárias garantias práticas
de defesa do inocente e não há razão para não considerar inocente quem não foi
ainda solene e publicamente julgado culpado por sentença transitada”, donde
“resultariam muitas outras consequências, como de que todo o acusado tem o
direito de exigir prova da sua culpabilidade no seu caso particular, a
comunicação ao acusado, em tempo útil, de todas as provas contra ele reunidas a
fim de que possa preparar eficazmente a sua defesa, o dever do Ministério
Público de apresentar em tribunal todas as provas de que disponha, etc.(cfr.
Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 2000, p. 82; vide também
Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, pp. 64-68) – o certo é
que não se poderá dizer, pelas razões já atrás aduzidas, que o prazo peremptório
de 15 dias para o recorrente motivar o recurso seja desrazoável ou
desporporcionado para o asseguramento real e efectivo das garantias de defesa de
uma pessoa tida como inocente, aqui consubstanciadas essencialmente, no
exercício do direito de contraditório, em sede de recurso, das provas produzidas
em julgamento e do juízo valorativo que sobre elas efectuou o tribunal”.
Aqui se reitera esta argumentação, dado responder, na sua total essência, ao
problema de constitucionalidade resultante dos autos.
Consequentemente, o Tribunal Constitucional decide julgar não inconstitucional o
artigo 411º do Código de Processo Penal, na dimensão normativa que vem
impugnada.
4.2 – Pretende também o Recorrente “ver apreciada a interpretação que
o Tribunal fez do princípio fundamental ‘in dúbio pro reo’ aplicando-o em ofensa
do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, princípio que no entender
dos nossos melhores penalistas configura questão de direito”.
Entende o Recorrente que “o Tribunal da Relação ao julgar como julgou,
ofendeu o princípio fundamental de direito penal ‘in dubio pro reo’”. Todavia,
como se compreende pelo que se deixou consignado supra (ponto 3.1.1.), tal
questão não se traduz num problema de constitucionalidade normativa susceptível
de integrar a esfera de competência cognitiva deste Tribunal.
Na verdade, o Recorrente não contesta sub species constitutionis a
conformidade de qualquer norma de direito infraconstitucional com tal parâmetro
jusfundamental, mas apenas a “interpretação” que o Supremo Tribunal de Justiça
fez do seu sentido prescritivo-constitucional, bem como o modo como o aplicou
relativamente ao material fáctico constante dos autos e, designadamente, a sua
conclusão de não “vislumbra[r] qualquer violação do princípio in dubio pro reo,
ou da sua contra-face, que é o da livre apreciação da prova”.
Não se configurando o Tribunal Constitucional como uma instância de
amparo jurisdicional apta a sindicar o mérito das decisões impugnadas, tal
matéria, mesmo a considerar-se “matéria de direito”, está radicalmente excluída
do recurso de constitucionalidade, pelo que não cabe a este Tribunal controlar a
bondade da decisão recorrida.
E mesmo que se pretendesse questionar, como o Recorrente também deixou
transparecer nas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça, a questão de
saber se a violação do princípio in dubio pro reo seria, ou não, uma questão de
direito, sempre importa referir, além do exposto, que não tendo esse
entendimento sido minimamente abalado pela decisão recorrida – que, justamente,
sindicou o decidido pela Relação à luz desse princípio – nunca a decisão do
Tribunal Constitucional, em face da ratio decidendi da decisão recorrida, teria
a virtualidade de a alterar.
A situação corresponderia, então, à de falta do fundamento normativo
tido por admitido e de falta da utilidade do conhecimento do recurso de
constitucionalidade, em virtude de a decisão nunca poder implicar a reforma da
decisão recorrida com base em tal fundamento, precisamente porque esse fora já o
entendimento nela seguido.
5 – Destarte, pelo exposto, não há que tomar conhecimento do recurso
nesta parte.
Custas por cada um dos recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em
6 UCs”.
B – Fundamentação
5 – Quanto à reclamação deduzida pela arguida A., importa mencionar que os
argumentos aí invocados apenas podem ser convocados para reforçar – ou reafirmar
– o juízo de não conhecimento do objecto do recurso.
Como resulta da reclamação, fica claro que a arguida apenas pretendia
controverter sub species constitutionis a concreta valoração do julgador em
relação às especificidades do caso concreto, não tendo suscitado durante o
processo qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Ora, como é consabido, não cabe no âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal
Constitucional, atenta a configuração do recurso de constitucionalidade,
sindicar “a concreta e casuística valoração do julgador das múltiplas e
específicas circunstâncias do caso concreto sub juditio, censurando, por
exemplo, a medida concreta da pena aplicada a certo arguido (cfr. Acórdão n.º
303/02) ou a aplicação de penas diferenciadas a arguidos que, na óptica do
recorrente, teriam praticado ilícitos de gravidade e relevância comparáveis
(embora invocando, como base formal do recurso, a concreta aplicação dos arts.
71.º e 72.º do Código Penal – cfr., v. g., o Acórdão n.º 381/2000)” – v. Carlos
Lopes do Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da
constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional”, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3. pp. 4 e ss..
Improcede, por isso, a presente reclamação.
6 – Quanto ao recurso interposto pelo arguido B., está em causa a decisão de
não conhecer do recurso interposto quanto à “interpretação que o Tribunal [a
quo] fez do princípio fundamental ‘in dúbio pro reo’ aplicando-o em ofensa do
artigo 32º da Constituição da República Portuguesa” e de julgar improcedente a
alegação de inconstitucionalidade e negar provimento ao recurso na parte em que
o mesmo tinha por objecto a “inconstitucionalidade da norma do artigo 411º do
Código de Processo Penal, por contrariar o princípio definido pelo artigo 32º da
Constituição da República Portuguesa, […] ao conceder prazo tão diminuto para a
sua defesa, inferior ao próprio direito processual civil e mormente quando no
processo há vários arguidos, potencialmente interessados em recorrer, e, assim,
recolherem dos autos os elementos necessários para tal”.
No que tange ao não conhecimento do recurso de constitucionalidade, referido
à aplicação do princípio in dubio pro reo, o reclamante nada disse, sequer, no
sentido de refutar a correcção da fundamentação aduzida na decisão reclamada.
E tal fundamentação é, pela sua bondade, inteiramente de acolher, pelo que a
reclamação não pode deixar de improceder, desde logo, nessa parte.
Por seu lado, relativamente à parte da decisão sumária que julgou
improcedente a alegação de inconstitucionalidade da “norma do artigo 411º do
Código de Processo Penal, por contrariar o princípio definido pelo artigo 32º da
Constituição da República Portuguesa, […] ao conceder prazo tão diminuto para a
sua defesa, inferior ao próprio direito processual civil e mormente quando no
processo há vários arguidos, potencialmente interessados em recorrer, e, assim,
recolherem dos autos os elementos necessários para tal”, o reclamante limitou-se
a esgrimir o argumento de que a “a douta jurisprudência anterior deste Alto
Tribunal de que a douta decisão sumária fez remissão não contempla a questão
levantada pelo recorrente”.
Mas, uma vez mais, este não tem razão. Na verdade, como se diz na decisão
reclamada, a argumentação carreada no recente Acórdão n.º 542/04 responde “na
sua total essência, ao problema de constitucionalidade resultante dos autos”. Ao
contrário do que o reclamante se limita simplesmente a afirmar, a questão de
constitucionalidade que é objecto desta parte do presente recurso não deixa de
coincidir, no essencial, com a que foi decidida naquele acórdão: em ambos os
casos se questiona a conformidade com a Lei fundamental do estabelecimento do
prazo específico, de 15 dias, por banda do art. 411º do CPP, para a apresentação
de alegações no recurso jurisdicional em que se pretenda impugnar o julgamento,
em processo penal, da matéria de facto e por, normativamente, coincidir com ele,
igualmente, o prazo para interpor tal recurso.
Havendo, assim, tal questão sido objecto de decisão anterior do Tribunal,
sendo a respectiva fundamentação transponível, na sua essência, para o caso dos
autos e continuando a mesma a merecer o seu acolhimento, justifica-se que o
relator dela conhecesse por decisão sumária.
Deste modo, é também de indeferir esta parte da reclamação.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a reclamação.
Custas por cada um dos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 20
UCs.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos