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Proceasso n.º 912/04
3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por despacho do Conservador da 1ª Conservatória do Registo Predial de Braga
(ora recorrido), de 8 de Janeiro de 2003, foi liminarmente indeferido um pedido de rectificação de um registo apresentado por A. e B. (ora recorrentes), com fundamento na falta de legitimidade dos requerentes, por não serem os titulares inscritos no registo, e por não ser a rectificação o meio adequado a conhecer dos vícios por estes invocados.
2. Inconformados com esta decisão de indeferimento da rectificação solicitada os requerentes recorreram dela para o Tribunal Judicial da Comarca de Braga que, por decisão de 13 de Dezembro de 2003, julgou improcedente o recurso. Escudou-se, para o efeito, na seguinte fundamentação:
“Decidindo : Pela apresentação n° 11/13, de 2/01/2003, os ora recorrentes vieram promover processo especial de rectificação do registo, alegando, para o efeito, que o pedido de rectificação da área do prédio descrito sob o n° X., foi apresentado sem que disso tivessem sido informados os requerentes, cabendo-lhes, por isso, impugnar as decisões que sobre os mesmos foram tomadas, tendo-o sido por pessoa que não tem legitimidade registal para o efeito, não sendo sujeito activo ou passivo e não tendo qualquer interesse na feitura do registo, não correspondendo
à verdade a nova área registada, sucedendo que os documentos apresentados não permitiam lavrar o registo com a área pretendida. Tal registo deveria ter sido recusado, por ser manifesto que o facto não estava titulado pelos documentos apresentados, sendo ainda manifesta a nulidade do acto. Acrescentam que o registo em causa permitiu uma violação do princípio do trato sucessivo, acabando por permitir a celebração de escritura de transmissão da propriedade do prédio em causa. Concluem pedindo a rectificação do registo av. – ap. Y./Y., do prédio descrito sob o n° X. e inscrito na matriz rústica de ------- sob o n° ---, por forma a que passe a constar a mesma área que consta na matriz, ou seja, 90.000 m2; a rectificação da inscrição de propriedade n° ----- - ap. Y./Y. de modo a que passe a constar, relativamente ao prédio em questão, que tal inscrição é
«provisória por dúvidas» e o cancelamento de todos os registos posteriores a que deu causa o despacho da Senhora Conservadora auxiliar, de 21 de Agosto de 1995. Nos termos do disposto no art.º 121º, do Código do Registo Predial (a que se referem todos os normativos doravante mencionados sem mais qualquer referência), os registos inexactos e os registos indevidamente lavrados devem ser rectificados por iniciativa do conservador logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito (n.º
1), sendo que os registos indevidamente lavrados que enfermem de nulidade nos termos da al. b) do artigo 16° podem ser cancelados com o consentimento dos interessados ou em execução de decisão tomada neste processo. Ora, apesar de nesta norma se referir que a rectificação pode ser pedida por qualquer interessado, ainda que não inscrito, sempre se deverá ter que tomar em consideração que, conforme reconhecem os próprios recorrentes, não são os mesmos os actuais titulares inscritos no registo. Ora, como bem refere o ilustre procurador no seu douto parecer, a legitimidade para requerer a rectificação, apesar de se não circunscrever aos titulares inscritos, sempre terá que ser entendida em sentido tecnico-jurídico e processual, ou seja, atendo a um interesse concreto documentalmente demonstrado e aferida em relação ao titular inscrito no registo. De outra forma estaria achado o meio de atacar um acto translativo da propriedade não através da competente acção cível, mas sim através de uma simples rectificação do registo, sendo certo que o que os recorrentes já fizeram foi exactamente isso mesmo, conforme decorre da inscrição constante de fls. 23 destes autos. Por isso, nada há a apontar à invocada falta de legitimidade que o Senhor Conservador invocou no seu despacho de recusa. Relativamente ao fundamento da rectificação na nulidade decorrente do disposto no art.º 16°, al. b), caberá dizer que, nos termos dessa norma, é nulo o registo quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado. No entanto, como resulta dos pedidos formulados pelos recorrentes, o que está verdadeiramente em causa é o cancelamento dos registos posteriores efectuados, o que já é pedido na acção supra referida. Tais matérias não se encontram na disponibilidade do Sr. Conservador, antes dependendo de decisão judicial. A proceder o pedido de rectificação pretendido, os recorrentes obteriam, por intermédio de um expediente (o da rectificação) que a tal não está dirigido, a destruição de um direito de propriedade que já previamente atacaram pelas vias próprias, e a constituição de um outro, a seu favor, quando é certo que o registo predial não tem efeitos constitutivos .Também pior aqui se conclui que o que os recorrentes pretendem não se enquadra no âmbito e eficácia do procedimento de rectificação do registo pretendido. Pelo exposto, tudo visto e considerado, conclui-se que a decisão de recusa por parte do Senhor Conservador não padece de qualquer vício, devendo ser confirmada, o que se faz, julgando improcedente o recurso apresentado”.
3. Novamente inconformados os requerentes recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães. A concluir a sua alegação disseram, para o que agora importa, o seguinte:
“[...] OO - Como é óbvio, se a legitimidade para requerer a rectificação do registo fosse aferida neste momento, os recorrentes não poderiam opor-se aos actos praticados pelo dito C.. PP - O que significaria que, pela via de um averbamento lavrado em violação da Lei, o dito C. poderia apoderar-se de parte dos imóveis que pertencem em compropriedade aos recorrentes. QQ - Esta interpretação da lei registral relativa à legitimidade seria inconstitucional na medida em que permitiria que um particular, em conluio com outro(s), pudesse privar outro particular do seu direito de propriedade em violação do disposto no art. 62°, n.º 1 da Constituição. RR - De tal conceito de legitimidade resultariam interpretações inconstitucionais do disposto nos artigos 10, 16°; nos n.ºs 2 e 3 do art. 28°; no n.º 2 do art. 30°; no n.º 1 do art. 31°; no art. 36º; no n.º 3 do art. 38; no n.º 1 do art. 43°; no art. 68°; na alínea b) do n.º 1 do art. 69°; na alínea e) do n.º 1 do art. 85° e no art. 88°; todos do Código de Registo Predial. SS - Foram violadas, na sentença de 13/12/2003, as seguintes normas jurídicas: a) Código do Registo Predial - artigos 1°; 16°; nos n.ºs 2 e 3 do art. 28°; no n.º 2 do art. 30º; no n.º 1 do art. 31°; no art. 36°; no n.º 3 do art. 38; no n.º 1 do art. 43°; no art. 68°; na alínea b) do n.º 1 do art. 69°; na alínea e) do n.º 1 do art. 85° e no art. 88°; b) Constituição da República Portuguesa - Art. 62°, n.º 1”.
4. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 24 de Abril de 2004, negou provimento ao recurso, remetendo, para o efeito, para a fundamentação da decisão recorrida.
5. Ainda inconformados os recorrentes vieram aos autos para a arguir a nulidade desta decisão, requerimento que foi indeferido pelo acórdão de 30 de Junho de
2004.
6. É nesta sequência que foi interposto o presente recurso, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“1- Está em causa, no presente recurso de constitucionalidade, o Artigo 38° do Código do Registo Predial.
2- Do despacho do Sr. Conservador, conjugado com o teor das decisões judiciais, constata-se que o artigo supra foi interpretado implicitamente com o seguinte sentido :
“O anterior titular inscrito, apesar de não ter sido notificado para dizer se consentia numa rectificação de área do prédio rústico descrito sob o n.º X., promovida em 1995 por quem não tinha legitimidade para tal e apesar de ser comproprietário confinante de dois prédios adjacentes àquele, não tem legitimidade para eliminar da ordem jurídica o averbamento Ap. Y. através do qual foi aumentada a área desse prédio em 24% sendo que, pela via do registo, esse anterior titular pretende destruir o direito de propriedade do actual titular, o que não é possível nem legal visto que o registo não tem efeito constitutivo”.
3 - Esta interpretação do Art. 38° do Cód. do Reg. Predial afronta não só o princípio constitucional do direito à propriedade privada, consagrado no n.º 1 do Art. 62° da Constituição, mas também colide com a finalidade essencial do registo (publicitar e garantir notícias verdadeiras) e com os princípios basilares do registo como sejam :
- o pr. da instância
- o pr. da identidade do prédio
- o pr. da legalidade
4- No entender dos aqui recorrentes, a interpretação constitucionalmente conforme devia ser a seguinte :
“Quando um dos comproprietários do prédio não tenha sido notificado e não tenha dado o seu consentimento a um averbamento através do qual alguém que não está para tal legitimado pretende aumentar a área do prédio em mais de 10% (neste caso concreto foi de 24%) em relação à área constante na matriz, e sendo esse comproprietário do prédio também Comproprietário dos prédios rústicos confinantes cujas confrontações, e cuja área, são alteradas pela via desse averbamento, ele tem legitimidade para requerer que o Sr. Conservador dê inicio, oficiosamente, ao processo de rectificação do registo previsto nos Arts. 120º a
132°- D do Cód. do Reg. Predial”.
5- O que está em causa não é a legitimidade para pedir, no momento presente, um registo, ou um averbamento à descrição, mas sim a publicitação, pelo registo, de um facto falso, de que o Sr. Conservador tomou conhecimento, e cujo registo ele devia ter recusado, no ano de 1995.
6- Contrariamente ao mencionado na decisão da 1ª Instância, tabelarmente confirmada pelo acórdão da Relação de Guimarães, os aqui recorrentes não pretendem obter em sede de rectificação do registo, a destruição de um direito de propriedade.
7 - O direito de propriedade do actual titular inscrito na Descrição n.º X., já foi atacado pela via judicial, em acção própria e adequada.
8- Aquilo que os recorrentes querem impedir em sede de rectificação do registo é que o actual titular inscrito na Descrição n.º X. integre nesse prédio rústico muitos milhares de metros quadrados de terreno que pertencem aos prédios adjacentes descritos sob os n.ºs K. e W., que pertencem aos aqui recorrentes .
9- Se fosse permitido que, através de uma rectificação de área, como aquela que foi feita ilegalmente, pela Ap. Y., a área de terreno que consta na matriz
90.000 m2 - fosse aumentada para 111.702 m2, então o registo passaria a ter efeito constitutivo sobre áreas de terreno que pertencem aos prédios confinantes.
10- Ora esses prédios confinantes pertencem, em compropriedade, aos aqui recorrentes.
11- E os aqui recorrentes não celebraram nenhum negócio jurídico com o actual titular do prédio descrito sob o n.º X..
12- Destarte, os aqui recorrentes podem arvorar documento bastante, como seja uma certidão matricial em que consta a área de 90.000 m2 e requerer a rectificação oficiosa do registo.
13- O Art. 38° do Cód. do Reg. Predial é aplicável nos casos em que não foram cometidas, pelo Sr. Conservador; ilegalidades anteriores.
14- Todavia, nesta situação concreta em que o Sr. Conservador violou diversas normas registrais, ao averbar na descrição uma área fictícia, é preciso recuar no tempo a fim de averiguar quais foram as ilegalidades que ele cometeu e, em seguida, rectificar o registo de modo a que ele passe a publicitar um facto verdadeiro.
15- Na medida em que não contém a legal fundamentação, não resolvem as questões suscitadas pelos aqui recorrentes e não especificam os motivos de facto e de direito em que assenta a decisão, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães e, mediatamente, a sentença da 1ª Instância, violam o doutamente decidido no exemplar Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98, de 02/12- proc. n.º 456/95; in D.R. II série, de 5 de Março de 1999.
16- Por todas estas razões, o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu uma decisão que colide com os princípios constitucionais, isto é, com o direito à propriedade privada e com o dever de fundamentar as decisões judiciais.
17- A inconstitucionalidade das decisões de 1ª Instância e do acórdão da Relação de Guimarães foi tempestivamente arguida em recurso, e influi na decisão de mérito. TERMOS EM QUE, Requerem a admissão do presente recurso de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do Art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional”.
7. Foi, então, proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
“[...]7. Importa, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3, da LTC). O recurso previsto na alínea b), do n.º1, do art. 70º da LTC, pressupõe, designadamente, que o objecto do recurso seja uma questão de constitucionalidade normativa, que o recorrente tenha suscitado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida e em termos processualmente adequados, essa questão de constitucionalidade normativa, e que, não obstante, a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado no julgamento do caso, como ratio decidendi a norma ou interpretação normativa arguida de inconstitucional. Ora, como vai ver-se já de seguida, a verdade é que, no caso concreto, isso não aconteceu.
7.1. Tal como delimitado pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, o mesmo teria por objecto o artigo 38º do Código do Registo Predial, interpretado no seguinte sentido: “O anterior titular inscrito, apesar de não ter sido notificado para dizer se consentia numa rectificação de área do prédio rústico descrito sob o n.º X., promovida em 1995 por quem não tinha legitimidade para tal e apesar de ser comproprietário confinante de dois prédios adjacentes
àquele, não tem legitimidade para eliminar da ordem jurídica o averbamento Ap.
Y. através do qual foi aumentada a área desse prédio em 24% sendo que, pela via do registo, esse anterior titular pretende destruir o direito de propriedade do actual titular, o que não é possível nem legal visto que o registo não tem efeito constitutivo”. A verdade, porém, é que - independentemente da questão de saber se está aqui formulada, sequer, uma questão de constitucionalidade normativa - só naquela peça processual a questão de constitucionalidade surge equacionada deste modo. Com efeito, verifica-se que, durante o processo - concretamente nas conclusões da alegação apresentada perante o Tribunal da Relação de Guimarães, que supra já transcrevemos na parte em que o recorrente se refere a uma alegada violação da Constituição -, os recorrentes nunca formularam em termos processualmente adequados qualquer questão de constitucionalidade expressamente referida a uma interpretação do artigo 38º do Código do Registo Predial. Para o demonstrar basta remeter para a parte daquelas conclusões em que os recorrentes se referem a uma alegada violação da Constituição e que foram reproduzidas supra, no ponto
3.
É que, como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, tem o recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 178/95
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) “tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de
1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”. Ora, como é evidente, dizer que uma determinada “interpretação da lei registral relativa à legitimidade seria inconstitucional”, não é ainda identificar essa interpretação, ao menos da forma clara e perceptível que vem sendo exigida por este Tribunal. Aliás, rigorosamente, lidas as demais conclusões da alegação de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, verifica-se claramente que o que os recorrentes verdadeiramente questionam não é uma determinada dimensão normativa do disposto no artigo 38º do CRP, mas antes o resultado concreto a que o tribunal recorrido terá chegado na decisão do caso. De facto, as referências que os recorrentes constantemente efectuam à concreta situação factual que está em causa nos presentes autos, bem como a referência que fazem ao facto de serem consideradas violadas, simultaneamente, normas de direito infraconstitucional e de direito constitucional e ainda a afirmação que produzem, no requerimento de interposição do presente recurso, de que “a inconstitucionalidade das decisões de 1ª Instância e do acórdão da Relação de Guimarães foi tempestivamente arguida em recurso, e influi na decisão de mérito” (sublinhado aditado), implicam, necessariamente, a conclusão de que é a decisão, em si mesma, que é questionada. Ora, como o Tribunal tem reiteradamente afirmado, estando em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82 e assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Na verdade, ao contrário dos sistemas em que é admitido recurso de amparo, nomeadamente na modalidade de amparo dirigido contra decisões jurisdicionais que, alegadamente, violam directamente a Constituição, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal não se destina ao controlo da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como sucede quando a discordância se dirige a esta última, mas, pelo contrário, ao controlo normativo de constitucionalidade da norma aplicada. Tanto basta para que não possa conhecer-se do objecto do recurso, por falta de um dos seus pressupostos legais de admissibilidade.
7.2. Acresce, no mesmo sentido, que também não pode afirmar-se, como fazem os recorrentes, que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado, como ratio decidendi, o artigo 38º do Código do Registo Predial, na interpretação que vem questionada. Vejamos. No requerimento de interposição do recurso os recorrentes identificam como decisões recorridas os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de Abril e de 30 de Junho de 2004. Ora, nem um[] nem outro se fundaram normativamente – ainda que de forma implícita, como sugerem os recorrentes – no artigo 38º do Código do Registo Predial, que, note-se, nunca é sequer referido por nenhuma delas. Isso é desde logo evidente no que se refere ao acórdão de 30 de Junho de 2004, que se limitou a, com fundamento nos artigos 660º e 668º do Código de Processo Civil, indeferir a arguição de nulidades da anterior decisão de 24 de Abril. Já esta, por sua vez, ao indeferir o recurso interposto da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, fundou-se, para negar a legitimidade dos recorrentes para a requerida rectificação, não, implicitamente, no artigo 38º do Código do Registo Predial, que dispõe sobre a legitimidade para solicitar averbamentos às descrições, mas, explicitamente, no artigo 121º, n.º
1, do mesmo diploma, que expressamente dispõe sobre a questão da legitimidade para a iniciativa do processo de revisão regulado nos artigos 120º e seguintes. Também por esta razão não pode, pois, conhecer-se do objecto do recurso.”
8. Desta decisão é interposta a presente reclamação, através do seguinte requerimento:
“[...]notificados da decisão sumária do Exmº Senhor Juiz Conselheiro Relator, que não conheceu do objecto do recurso, vêm deduzir, ao abrigo do n.º 3 do Artigo 78º - A da Lei do Tribunal Constitucional RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA Nos termos e com os seguintes fundamentos:
1 – Com o devido respeito os recorrentes não se conformam com o conteúdo da decisão sumária que decidiu não tomar conhecimento do recurso.
2 – Com efeito, contrariamente ao referido pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro Relator na pág. 7 da dita decisão sumária, os recorrentes aludiram à inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Conservador do artigo 38° do Código do Registo Predial como o demonstram os artigos 95 a 101 das alegações de agravo que os recorrentes apresentaram no Tribunal da Relação de Guimarães:
95-Sem que os recorrentes tivessem estabelecido qualquer negócio jurídico com o dito C., este começou a implantar um loteamento em partes de 3 imóveis rústicos.
96-Que pertencem aos recorrentes em compropriedade.
97-Na base desta ilegalidade, está o deferimento, por parte da Srª Conservadora Adjunta, da apresentação feita pelo Sr. D..
98-Como é óbvio, se a legitimidade para requerer a rectificação do registo fosse aferida neste momento, os recorrentes não poderiam opor-se aos actos praticados pelo dito C..
99-O que significaria que, pela via de um averbamento lavrado em violação da Lei, o dito C. poderia apoderar-se de parte dos imóveis que pertencem em com propriedade aos recorrentes.
100- Esta interpretação da lei registral relativa à legitimidade seria inconstitucional na medida em que permitiria que um particular, em conluio com outro(s), pudesse privar outro particular do seu direito de propriedade em violação do disposto no art. 62°, n.º 1 da Constituição.
101- De tal conceito de legitimidade resultariam interpretações inconstitucionais do disposto nos artigos 10, 16°; nos n.ºs 2 e 3 do art. 28°; no n.º 2 do art. 30°; no n.º 1 do art. 31°; no art. 36º; no n.º 3 do art. 38; no n.º 1 do art. 43°; no art. 68°; na alínea b) do n.º 1 do art. 69°; na alínea e) do n.º 1 do art. 85° e no art. 88°; todos do Código de Registo Predial.
3- Além deste excerto citam-se também as conclusões seguintes : BB- Por outra banda, mesmo que não fossem comproprietários confinantes. os recorrentes sempre teriam legitimidade para requerer que não fossem alterados os elementos da identificação do prédio; CC- Com efeito, o prédio descrito sob o n.º X., que foi registado em nome do dito C.. tinha inscrita. na matriz. a área de 90.000 m2 e tinha uma determinada configuração. DD- O prédio descrito sob o n.º X., uma vez alterada a área para 111.702 m2, não possui a mesma configuração. EE- Ele passou a integrar áreas de terreno que pertencem aos imóveis adjacentes, descritos sob os n.ºs W. e K.. FF- Pelo que, mesmo que a transmissão do direito de propriedade para o dito C. fosse válida, o que apenas se hipotisa e não se concede, o dito imóvel teria agora uma área maior - e um valor superior por efeito da violação da lei registral na 1ª Conservatória do Registo Predial de Braga. GG- E, pela via dessa violação da lei registral, os recorrentes ficariam privados da parte do seu património, passando o registo predial a ter efeitos constitutivos. HH- Ou seja, as partes dos imóveis descritos sob os n.ºs W. e K. que ficariam agora integradas no imóvel descrito sob o n.º X. seriam transferidas para o património do dito C.. II- O que significa que, pela via da violação da lei registral, poderiam os recorrentes ver diminuído, ilegalmente, o seu direito de propriedade. JJ- A legitimidade deve aferir-se no momento em que são requeridos o
:averbamento, ou a inscrição. KK- E os documentos que servem de base a esse averbamento ou descrição têm que ser títulos bastantes. LL- Sem que os recorrentes tivessem estabelecido qualquer negócio jurídico com o dito C., este começou a implantar um loteamento em partes de 3 imóveis rústicos. MM- Que pertencem aos recorrentes em compropriedade. NN- Na base desta ilegalidade, está o deferimento, por parte da Srª Conservadora Adjunta, da apresentação feita pelo Sr. D.. OO. Como é óbvio, se a legitimidade para requerer a rectificação do registo fosse aferida neste momento, os recorrentes não poderiam opor-se aos actos praticados pelo dito C.. PP- O que significaria que, pela via de um averbamento lavrado em violação da Lei, o dito C. poderia apoderar-se de parte dos imóveis que pertencem em compropriedade aos recorrentes. OQ- Esta interpretação da lei registral relativa à legitimidade seria inconstitucional na medida em que permitiria que um particular, em conluio com outro(s), pudesse privar outro particular do seu direito de propriedade em violação do disposto no art. 62°, n.º 1 da Constituição. RR- De tal conceito de legitimidade resultariam interpretações inconstitucionais do disposto nos artigos 10, 16°; nos n.ºs 2 e 3 do art. 28°; no n.º 2 do art.
30°; no n.º 1 do art. 31°; no art. 36º; no n.º 3 do art. 38; no n.º 1 do art.
43°; no art. 68°; na alínea b) do n.º 1 do art. 69°; na alínea e) do n.º 1 do art. 85° e no art. 88°; todos do Código de Registo Predial.
4- Através dos excertos supra foi claramente manifestada a interpretação inconstitucional que o Conservador fez do artigo 38° do Código do Registo Predial segundo a qual a legitimidade para requerer a rectificação de um registo deve ser aferida no momento em que é formulado esse requerimento.
5- A esse entendimento, os aqui recorrentes opuseram nos artigos 98 a 101 das alegações entendimento diverso segundo o qual a legitimidade para requerer a rectificação deve ser aferida em relação ao momento em que um registo é indevidamente lavrado porque enferma da nulidade prevista na alínea b) do artigo
16° do Código do Registo Predial,
6- Os recorrentes deixaram claras e perceptíveis, e formularam em termos processualmente adequados, as razões pelas quais discordavam da interpretação do artigo 38º (patente no despacho do Conservador.
7- Do mencionado nas alegações e no requerimento de interposição de recurso, facilmente o Tribunal Constitucional deduz o sentido dessa norma que afronta a Constituição, e facilmente o pode enunciar na sua própria decisão a fim de que os operadores judiciários compreendam que não podem aplicar o dito artigo com o sentido que lhe foi atribuído pelo Conservador
8- Os recorrentes não se limitaram a dizer que uma determinada interpretação da lei registral é inconstitucional.
9- Os recorrentes identificaram essa interpretação como supra ficou referido, e de forma clara e perceptível.
10- A situação factual apenas foi mencionada em traços gerais para melhor fazer ressaltar a interpretação do preceito que está em desconformidade com a Lei Fundamental.
11- Quando os recorrentes aludem às decisões da 1ª instância e do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães eles querem aludir às decisões sucessivas que confirmaram uma interpretação inconstitucional do conservador
12- Pois, como é de lei apenas uma determinada interpretação pode ser adjectivada de inconstitucional no âmbito do recurso da. alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
13- A expressão utilizada pelos recorrentes no artigo 17 a inconstitucionalidade das decisões só pode ser compreendida como um conjunto de decisões relativas à interpretação do artigo 38º do Código do Registo Predial.
14- No requerimento de interposição de recurso, os recorrentes aludem sempre a uma interpretação implícita de uma norma e não a uma decisão judicial, como se pode confirmar pela utilização das seguintes expressões: artigo 2° : 'Constata-se que o artigo supra foi interpretado implicitamente com o seguinte sentido'; artigo 3° : 'Esta interpretação do artigo 38° do Código do Registo Predial afronta não só o princípio constitucional do direito à propriedade privada consagrado no n.º1 do artigo 62º da Constituição, mas também colide com a finalidade essencial do registo (publicitar e garantir notícias verdadeiras) e com os princípios basilares do registo como sejam
- o pr. da instância;
- o pr. da identidade do prédio:
- o pr. da legalidade'. artigo 4° : 'no entender dos aqui recorrentes a interpretação constitucionalmente conforme devia ser a seguinte'
15- Por outra banda, é patente que as decisões da 1ª Instância e da Relação não cumprem o dever legal e constitucional de fundamentar,
16- Ora, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esse dever no Acórdão n.º 680/98, de 02/12.
17- A violação desse dever não pode deixar de ser sancionada,
18- Todavia, ao proferir decisão sumária que rejeita o presente recurso de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional deixa passar uma conduta que não pode ter aceitação num Estado de Direito Democrático,
19- Na verdade, o Excelentíssimo Senhor Juíz Conselheiro Relator que proferiu decisão sumária, tomou conhecimento nos presentes autos de duas violações da Lei Fundamental perpetradas pelos Tribunais recorridos : a) ausência de fundamentação consistente b) interpretação normativa inconstitucional
20- Face a essas duas realidades do processo, a decisão sumária abdica de sancionar quem coloca em causa a legalidade;
21- E vira-se contra os recorrentes, afirmando que colocam 'em causa a própria decisão em si mesma considerada'.
22- Quando é claro, face ao conteúdo do requerimento de interposição de recurso e até face ao teor do despacho do Conservador. que está em causa uma interpretação de norma.
23- Ao presente recurso não falta nenhum pressuposto legal de admissibilidade
24- Acresce que na parte final da decisão sumária, concretamente no último parágrafo da página 9 vem referido que o artigo 38° do Código do Registo Predial não foi efectivamente aplicado, como ratio decidendi, mas que foram aplicadas outras normas.
25- É certo que outras normas foram invocadas nas decisões judiciais com o objectivo de negar provimento ao recurso.
26- Não obstante, dizer agora que os recorrentes tinham que colocar em causa, também ou sobretudo, essas outras normas invocadas nas decisões judiciais equivale a atribuir aos recorrentes um ónus que a própria lei não lhes atribui.
27- Pois se os recorrentes tivessem o ónus de identificar, em todas as normas citadas em decisões de que recorrem para o Tribunal Constitucional, uma interpretação em desconformidade com a Lei Fundamental, é óbvio que ninguém podia aceder ao recurso de inconstitucionalidade dado que na última decisão constariam sempre normas cuja interpretação não teria sido posta em causa.
28- O recurso de constitucionalidade ficaria então reservado para o recorrente hipotético que prevendo a utilização de uma norma - antecipadamente - alegaria a sua inconstitucionalidade numa fase anterior à sua aplicação.
29- Mas esta decisão sumária afastar-se-ia das características específicas daquilo que se denomina 'recurso de decisão do Conservador'.
30. Neste tipo de recursos, a única norma que está sempre em causa até ao trânsito em julgado da decisão é sempre, apenas e só a norma invocada pelo Conservador no despacho por ele proferido.
31- O Conservador atribui-lhe uma interpretação específica, patente ou implícita no despacho e, por conseguinte, nenhuma interpretação de outra norma tem qualquer relevância.
32- As normas invocadas nas decisões judiciais da 1ª Instância e da Relação são, para o que se discute neste tipo de recursos, totalmente irrelevantes.
33- Finalmente, quando por decisão sumária se decide que não pode conhecer-se do recurso sem que, previamente se tenha dado cumprimento ao disposto no n.º 6 do artigo 75º - A da Lei do Tribunal Constitucional. coloca-se um problema de interpretação das normas do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 78° - A da Lei do Tribunal Constitucional,
34- Constata-se, na verdade, que o Relator entende não poder conhecer-se do objecto do recurso mas não notifica o recorrente indicando as deficiências do requerimento e rejeita o recurso com base em citações, ignorando as partes do requerimento em que o recorrente cumpriu os ónus impostos por lei.
35- Sabendo-se que a lei processual foi votada e promulgada para que os cidadãos melhor pudessem exercer os seus direitos e, no caso da Lei do Tribunal Constitucional, também para que a Constituição não fosse violada, é premente descortinar, face a uma decisão sumária que rejeita um recurso, sem que previamente tenha sido indicado ao recorrente em que pontos deve alterar ou aperfeiçoar o seu requerimento, e que funda essa rejeição numa interpretação da lei processual que impede o cumprimento da Constituição, se a finalidade das normas processuais foi respeitada.
36- E, sobretudo, impõe-se uma questão: é o direito processual- que fixa apenas a forma - que deve prevalecer sobre o direito material e sobre os princípios constitucionais ou serão antes estes que devem prevalecer sobre aquele ?
37- Ao responder a esta pergunta, nunca se pode perder de vista a possibilidade de se poder chegar a defraudar a lei material com uma interpretação ilegal e uma utilização para fins imprevistos da lei processual.
[...]”
9. Notificado o recorrido, nada disse.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
III – Fundamentação
10. Na decisão sumária reclamada considerou-se que, independentemente da questão de saber se, no requerimento de interposição do recurso, está formulada, sequer, uma questão de constitucionalidade normativa, não estavam preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, invocada pelos recorrentes, já que, por um lado, estes não suscitaram perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida e de forma processualmente adequada, qualquer questão de constitucionalidade normativa e, por outro, a decisão recorrida não terá efectivamente aplicado, como ratio decidendi, o artigo 38º do Código do Registo Predial, na interpretação que vem questionada.
Os recorrentes vêm reclamar desta decisão. Vejamos se têm razão.
10.1. Os recorrentes, ora reclamantes, entendem ter cumprido o ónus de suscitar, durante o processo, de modo processualmente adequado, uma questão de constitucionalidade normativa. Não têm, porém, razão, como, sucintamente se verá.
De facto, os ora reclamantes invocam que “deixaram claras e perceptíveis, e formularam em termos processualmente adequados, as razões pelas quais discordavam da interpretação do artigo 38º patente no despacho do Conservador”.
Ora, basta ler os textos produzidos pelos recorrentes, que acima se transcreveram, para verificar que, neles, nenhuma questão de constitucionalidade normativa foi suscitada durante o processo, de modo processualmente adequado.
De facto, como se afirmou na decisão reclamada, em termos que, não obstante a discordância agora manifestada, não são infirmados pela presente reclamação,
“dizer que uma determinada «interpretação da lei registral relativa à legitimidade seria inconstitucional», não é ainda identificar essa interpretação, ao menos da forma clara e perceptível que vem sendo exigida por este Tribunal”. E, em rigor, o que então se suscitou, tal como, aliás, acaba igualmente por resultar do próprio requerimento de interposição do recurso, foi a constitucionalidade da decisão concreta do litígio e não uma questão de constitucionalidade normativa.
Improcede, por isso, a alegação de que está preenchido este pressuposto de admissibilidade do recurso.
10.2. Os reclamantes afirmam, ainda, que “neste tipo de recursos, a única norma que está sempre em causa até ao trânsito em julgado da decisão é sempre, apenas e só a norma invocada pelo Conservador no despacho por ele proferido” e que “as normas invocadas nas decisões judiciais da 1ª Instância e da Relação são, para o que se discute neste tipo de recursos, totalmente irrelevantes”.
Ora, é manifesto – e só por lapso ou indesculpável desconhecimento se pode omitir - que o recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional apenas cabe de decisão definitiva
(artigo 70º, n.º 2) que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, ou seja, que utilize, como ratio decidendi, a norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada, sob pena da sua completa inutilidade. Na verdade, como este Tribunal tem afirmado repetidamente
(cfr., entre outros, o Acórdão n.º 498/96, Diário da República, II Série, de 22 de Julho de 1996), “o recurso de constitucionalidade tem uma função meramente instrumental, aferindo-se a sua utilidade no concreto processo de que emerge, de tal forma que o interesse no conhecimento de tal recurso há-de depender da repercussão da respectiva decisão na decisão final a proferir na causa. Não visando os recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso”.
Ora, basta ler o teor da reclamação, que acima integralmente se reproduziu, para constatar que nenhum argumento é aduzido que possa infirmar a fundamentada conclusão, a que se chegou na decisão reclamada, de que a decisão recorrida não terá aplicado, como ratio decidendi, o artigo 38º do Código do Registo Predial, na interpretação que vem questionada. E, deste modo, sem necessidade de maiores considerações, forçoso é concluir que, também por este motivo, se não pode conhecer do seu objecto.
10.3. Os reclamantes afirmam, igualmente, que, “é patente que as decisões da 1ª Instância e da Relação não cumprem o dever legal e constitucional de fundamentar” e que “a decisão sumária abdica de sancionar quem coloca em causa a legalidade”.
Ora, o que é, porém, patente é que, também nesta matéria, não vem suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa que pelo Tribunal Constitucional devesse ser conhecida.
10.4. Por último, invocam os reclamantes que, antes de proferida decisão sumária, não terão sido convidados, nos termos do n.º 6 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, para aperfeiçoar o seu requerimento.
Ora, como se afirmou no Acórdão n.º 296/04 (disponível na página Internet do Tribunal Constitucional, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), tal convite seria, no caso, inútil. De facto,
“[...] Uma decisão sumária é proferida, nos termos do n.º 1 do artigo 78 – A da LTC, entre outros casos, se o relator “entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso.” A respeito do convite a que se refere o artigo 75º-A da LTC, importa distinguir entre pressupostos de admissibilidade do recurso e requisitos do requerimento de interposição do recurso. O referido convite visa permitir que o recorrente supra a falta de algum dos requisitos previstos naquele artigo, no pressuposto de que tal suprimento é essencial para que se possa decidir sobre o conhecimento do recurso, não podendo nem devendo ser utilizado quando, nos termos do artigo 137º do Código de Processo Civil, configure um acto inútil. Ora, no caso dos autos, num recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, a razão porque, decisivamente, se concluiu pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso não foi a falta de qualquer requisito do requerimento, mas sim o facto de não estarem verificados pressupostos de admissibilidade do recurso. Na verdade, no caso dos autos, o recurso não poderia ser admitido por manifesta falta de um dos pressupostos de admissibilidade do recurso – a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa. Ora, como claramente se demonstrou na decisão ora reclamada, o ora reclamante nunca, nem durante o processo, nem no próprio requerimento de interposição do recurso, imputou a inconstitucionalidade a qualquer norma, mas antes, quando muito, à própria decisão recorrida. Em suma: a ratio decidendi da decisão reclamada não se encontra num vício do requerimento de interposição do recurso, susceptível de ser corrigido na sequência de um despacho de aperfeiçoamento, mas num vício anterior - a não suscitação de qualquer questão de constitucionalidade normativa que pelo Tribunal Constitucional devesse ser apreciada – vício esse logicamente insusceptível de ser ultrapassado pela resposta a um despacho de aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso.”
Na verdade, também no presente caso a ratio decidendi da decisão reclamada não se encontra em vícios do requerimento de interposição do recurso. O que se passa
é que não estão presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, a saber
– ter sido suscitada, durante o processo, de modo processualmente adequado, uma questão de constitucionalidade normativa que pelo Tribunal Constitucional devesse ser apreciada e ter a decisão recorrida aplicado, como ratio decidendi, o artigo 38º do Código do Registo Predial, na interpretação que vem questionada.
11. Assim sendo, pelo exposto e pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantém inteira validade e em nada é infirmada pela presente reclamação, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que os ora reclamantes pretenderam interpor.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2005
Gil Galvão Bravo Serra Artur Maurício
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050009.html ]