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Processo n.º 1110/04
1.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Em autos de instrução criminal que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, o arguido A. deduziu reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 77º da LTC, do despacho da Juíza da Comarca de Portimão que admitiu, com o regime de subida diferida, o recurso de constitucionalidade por si interposto.
Tal recurso, interposto nos termos do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da LTC, tem em vista, de acordo com a delimitação feita pelo ora reclamante, a apreciação da norma constante do artigo 291º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que “o Juiz de instrução pode indeferir actos de instrução requeridos pelos arguidos apenas por os não considerar absolutamente indispensáveis às finalidades da instrução ou por tais actos terem sido praticados em inquérito, não obstante o terem sido sem a presença dos arguidos e dos seus advogados e sem terem sido precedidos de notificação para a respectiva presença, e sem necessário controlo judicial”, por violação do n.º 4 do artigo
32º da Constituição (fls. 62 dos presentes autos de reclamação).
2. O reclamante fundamentou assim a sua reclamação (fls. 65 e seguinte dos presentes autos):
“[...] O arguido A. pretende, nos termos do art. 77° da Lei do Tribunal Constitucional, reclamar para a conferência a que se refere o art. 78°-A da mesma Lei do douto despacho que retém a subida do recurso para final, reclamação que pretende deixar desde já aqui exarada em acta e da qual, com os autos, deverá ser dado imediato conhecimento ao Tribunal Constitucional, a quem se dirige. Os fundamentos de tal reclamação são os seguintes: O art. 120º n.º 3 al. c) do CPP obriga à arguição de qualquer nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, havendo lugar a esta, até ao encerramento do debate. Não havendo lugar a instrução o regime é ainda mais severo, prevendo que tal arguição deverá ter lugar sob pena de caducidade do respectivo direito e que as nulidades se deverem considerar sanadas até 5 dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito. Ora a severidade de tal regime apenas se pode justificar pela intenção de ver definitivamente decididas, nos casos em que há instrução até ao encerramento do debate qualquer questão atinente à validade ou invalidade dos actos de inquérito e dos actos de instrução, o que significa também, como corolário lógico e necessário de tal entendimento, que tais questões não podem deixar de ser definitivamente decididas pelos Srs. Juízes até esse momento. Não podendo ainda deixar de compreender-se nesse conceito de Srs. Juízes também os Srs. Juízes do Tribunal Constitucional quando chamados a apreciar e a julgar tais questões. Ora, o que está em causa neste recurso para o Tribunal Constitucional é a apreciação da conformidade à Constituição da norma do art. 291° do CPP quando interpretada no sentido em que o foi nos doutos despachos recorridos e que o recorrente oportunamente indicou conforme consta – ou deverá constar – na presente acta (a saber, para esclarecimento do assistente e por cautela de patrocínio, quando interpretada no sentido de que o Juiz de Instrução pode indeferir actos de instrução requeridos pelos arguidos apenas por os não considerar absolutamente indispensáveis às finalidades da instrução ou por tais actos terem sido praticados em inquérito, não obstante o terem sido sem a presença dos arguidos e dos seus advogados e sem terem sido precedidos de notificação para a respectiva presença, e sem o necessário controlo jurisdicional). Dispõe o art. 291º, n.º 1 do CPP, na sua 2ª parte, que os despachos que indeferem actos de instrução não são susceptíveis de recurso ordinário, mas apenas de reclamação. Salvo o devido respeito, e ao contrário do que resulta do douto despacho agora sob reclamação, que retém o recurso, as decisões sobre as reclamações por nulidade ou outra invalidade dos despachos que indeferem actos de instrução constituem parte integrante dos mesmos. Daí que, por um lado, não seja possível interpor deles recurso ordinário; e, por outro lado, que o recurso para o Tribunal Constitucional, visando a apreciação da constitucionalidade de qualquer norma que seja fundamento de tais decisões, e que por elas tenha sido efectivamente aplicada, não pode deixar de considerar-se [...] extensível aos despachos reclamados. Tudo isto significa que, ao contrário do que se afirma no douto despacho recorrido, o que está em causa é precisamente o conjunto de decisões que indeferiram as diligências de prova requeridas pelo arguido em instrução, decisões essas que somente após as decisões proferidas sobre as reclamações por nulidade quanto a elas arguidas pelo requerente de instrução se tornaram passivas de serem objecto (o último) deste recurso. Termos em que deverão V.ªs Ex.ªs Sr. Juízes Conselheiros revogar a douta decisão ora reclamada e determinar que o recurso seja admitido e julgado.
[...].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional emitiu parecer, nos seguintes termos (fls. 69 v.º a 70 v.º destes autos):
“Sendo a presente reclamação circunscrita à questão da retenção do recurso de fiscalização concreta interposto pelo arguido, não cabe no seu âmbito apreciar a verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso para este Tribunal, admitido no Tribunal «a quo». No caso dos autos – e como se nota a fls. 65 –, o objecto do recurso do arguido não é o despacho que indeferiu as diligências instrutórias requeridas, mas outro que – autonomamente – apreciou, para além de inconstitucionalidades, a nulidade por insuficiência de instrução: tal implica que não é aqui convocável, sem mais, a norma constante do art. 291º, n.º 1, do CPP, na parte em que estabelece expressamente a irrecorribilidade dos actos do juiz que rejeitam, por inúteis para os fins de instrução, diligências requeridas pelos arguidos. No que respeita à determinação do efeito e regime de subida do recurso de constitucionalidade, admitido no Tribunal «a quo» para subir a final, as normas relevantes são as que constam dos n.ºs 2 e 4 do art. 78º da Lei n.º 28/82: em regra, o recurso de constitucionalidade sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (n.º 4); por força da estatuição do n.º 2, o recurso de fiscalização concreta interposto de decisão que admitisse recurso ordinário – não esgotado ou efectivamente exaurido pelo recorrente – tem os efeitos e o regime de subida deste recurso, não «esgotado» pela parte. Ora, mesmo admitindo que o despacho do juiz que se pronuncia sobre a nulidade por insuficiência de instrução é susceptível de recurso ordinário – não interposto pelo recorrente – seria aplicável a doutrina do Acórdão uniformizador do STJ n.º 7/2004, de 21 de Outubro (in DR I-A, de 2/12/04) segundo o qual sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Mº Pº. Em suma quer se aplique o n.º 4 do art. 78º – por se considerar irrecorrível, no
âmbito da ordem dos Tribunais Judiciais, o despacho recorrido – quer se aplique o n.º 2 de tal norma – por se admitir que poderia caber de tal despacho recurso
«ordinário» não efectivamente exaurido pelo recorrente – é-se conduzido à fixação de um regime de subida imediata ao referido recurso de constitucionalidade, não podendo, deste modo, manter-se a parte da decisão que o manda subir «a final».”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. O despacho reclamado, proferido pela Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, tem o seguinte teor, na parte que agora interessa considerar (fls. 64 e seguinte destes autos):
“[...] A decisão que apreciou as nulidades e inconstitucionalidades suscitadas data de
26-11-2004 foi proferida em diligência em que estava presente, além de outros sujeitos, o Ilustre Defensor do arguido A.. Não obstante se poder levantar a questão da intempestividade do recurso, atentas as vicissitudes ocorridas até à tomada de conhecimento do teor da acta devidamente elaborada, julgo tempestivo o recurso. O arguido tem legitimidade e foram observados os requisitos do art.
75º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Contudo, apesar do requerido, entendo que o presente recurso não deve subir de imediato e com efeito suspensivo mas antes a final mantendo-se a tramitação processual legal. Nota-se que o que está em causa não é o eventual recurso do despacho que indeferiu a diligência mas outro que além de inconstitucionalidades apreciou nulidades processuais.
[...].”.
Tal despacho admitiu o recurso que o ora reclamante pretendia interpor para o Tribunal Constitucional mas fixou ao mesmo o regime de subida diferida. Daí a reclamação deduzida pelo ora reclamante, contra retenção de recurso.
A presente reclamação tem portanto exclusivamente por objecto a questão da retenção do recurso de constitucionalidade interposto pelo arguido A., ora reclamante, admitido no Tribunal Judicial da Comarca de Portimão com o regime de subida diferida. Não cabe assim no âmbito deste processo apreciar a verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional, admitido pelo tribunal a quo.
5. É o artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional que rege “os efeitos e regime de subida” dos recursos interpostos para este Tribunal de decisões de outros tribunais.
Nos termos do n.º 1 do mencionado artigo 78º, “o recurso interposto de decisão que não admita outro por razões de valor ou alçada, tem os efeitos e o regime de subida do recurso que no caso caberia se o valor ou a alçada o permitissem”.
O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que “o recurso interposto de decisão da qual coubesse recurso ordinário, não interposto ou declarado extinto, tem os efeitos e o regime de subida deste recurso”.
Por sua vez, o n.º 3 estabelece que “o recurso interposto de decisão proferida já em fase de recurso mantém os efeitos e o regime de subida do recurso anterior, salvo no caso de ser aplicável o disposto no número anterior”.
Por último, o n.º 4 do artigo 78º determina que “nos restantes casos, o recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos”.
No caso em análise, dos elementos que integram os presentes autos parece decorrer, por um lado, que o ora reclamante pretende impugnar, do ponto de vista da sua constitucionalidade, as decisões em que a Juíza da Comarca de Portimão, ao abrigo do artigo 291º, n.º 2, do Código de Processo Penal, indeferiu determinadas diligências requeridas pelo ora reclamante – designadamente, a audição de certas testemunhas (decisões de fls. 29, 30 e 33)
–, e, por outro lado, que o recurso foi interposto do despacho que apreciou inconstitucionalidades e nulidades por insuficiência de instrução (despacho de fls. 39/40), anteriormente invocadas pelo arguido, ora reclamante.
Todavia, para decidir a única questão agora em causa (a retenção do recurso), não é relevante tomar posição sobre qual seja decisão recorrida.
Com efeito, quer se entenda que através do recurso se pretendem impugnar as decisões através das quais o tribunal de 1ª instância indeferiu determinadas diligências de instrução (como parece resultar da delimitação do objecto do recurso feita pelo ora reclamante, a fls. 62, supra, 1., e a fls. 66, supra, 2.), quer se entenda que o recurso foi interposto do despacho que indeferiu as inconstitucionalidades e nulidades (como parece resultar do esclarecimento prestado pelo próprio reclamante, a fls. 64, e do despacho reclamado, a fls. 65), sempre se concluirá que as normas pertinentes do artigo
78º da Lei do Tribunal Constitucional (respectivamente, o n.º 4 e o n.º 2 desse artigo) impõem um regime de subida imediata para o referido recurso de constitucionalidade.
Não pode, deste modo, manter-se a decisão tribunal a quo que manda subir o recurso a final.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide deferir a presente reclamação, devendo o despacho reclamado ser substituído por outro que determine a subida imediata do recurso de constitucionalidade interposto pelo ora reclamante.
Lisboa, 5 de Janeiro de 2005
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050002.html ]