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Processo nº 525/05
1ª Secção
Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I- A causa
1. A Câmara Municipal do Porto recorre a fls. 429 – sendo recorridas
A. e B. – para este Tribunal do Acórdão, constante de fls. 419/422, do Pleno da
Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA),
que julgou findo, por apresentação tardia das alegações, um recurso fundado em
oposição de julgados pretendido interpor pela Câmara Municipal do Porto.
Para uma exacta compreensão do que está em causa no presente recurso
de constitucionalidade, importa relatar sucintamente o percurso processual que
conduziu o processo à presente fase decisória.
1.1. Interpuseram as ora recorridas (fls. 2/9), para o STA – e assim
teve inicio o processo –, um recurso contencioso de anulação respeitante a um
Despacho, da autoria do Senhor Secretário de Estado da Administração Local,
declarando a utilidade pública e atribuindo carácter urgente à expropriação de
determinadas parcelas tidas por necessárias à execução, pela autarquia aqui
recorrente, de um empreendimento denominado “…)”.
O STA, através do Acórdão de fls.143/173, negou provimento a tal
recurso, decisão que motivou a interposição, por parte das aqui recorridas, de
um recurso “[…] em 2ª instância, para o pleno da secção do contencioso
administrativo” (fls. 179).
Recaiu sobre este último o Acórdão de fls. 263/279 do Pleno da 1ª
Secção do STA. Neste aresto, por se considerar “[…] o acto impugnado[…] ilegal,
por erro nos pressupostos”, concedeu-se provimento ao recurso, revogando-se o
Acórdão recorrido e anulando-se o acto objecto da referida impugnação
contenciosa (cfr. Fls. 279).
1.2. Inconformada, apresentou-se a Câmara Municipal do Porto
(requerimento de fls. 286/287) a pretender recorrer, com fundamento em oposição
de julgados, para o Plenário do STA. Admitido este recurso (cfr. Despacho de
23/06/2004 a fls. 288) e notificada à recorrente tal admissão, por carta
registada de 24/06/2004 (cfr. Fls. 289), apresentou a recorrente as respectivas
alegações no dia 30/09/2004 (cfr. Fls. 350 e 352/357). Suscitaram, então, as
recorridas (cfr. Contra-alegações de fls.370/374) a questão da extemporaneidade
daquelas alegações, por inobservância do prazo de 10 dias que, por aplicação
conjugada dos artigos 765º, nº3 e 153º, nº1 do Código de Processo Civil (CPC),
consideram aplicável.
1.3. Pronunciando-se quanto a esta posição – que o Ministério
Público, aliás, acompanhou a fls. 375 e vº – apresentou a recorrente a resposta
de fls.377/387, da qual consta o seguinte trecho:
“[…]
A interpretação segundo a qual é ainda aplicável o prazo previsto no já revogado
artigo 765º do CPC seria inconstitucional, devendo
ser observado o princípio da interpretação conforme com a Constituição.
Na verdade, tal interpretação implica a sobrevivência de normas já revogadas,
sem que exista qualquer disposição que manifestamente estabeleça essa
sobrevivência, tendo por finalidade contrariar ou corrigir o legislador – com o
que se viola o princípio da preeminência de lei consagrado no artigo 112º, nº 2,
da CRP.
Outrossim, ao estabelecer uma diferenciação entre os prazos superiores aos
desta, tal interpretação viola os princípios da igualdade e da tutela
jurisdicional efectiva, plasmados nos artigos 13º e 20º da CRP.
Acresce ainda que, também do ponto de vista constitucional, o direito
fundamental de recurso “não se satisfaz com a disponibilidade teórica de meios
de impugnação, requerendo antes a efectividade dos meios de protecção jurídica”
– pelo que há que averiguar se a dimensão do prazo impossibilita na prática o
exercício da garantia constitucional” (Sérvulo Correia, p. 391).
Por tudo o que se vem expondo neste ponto, há que fazer uma interpretação
favorável ao recurso.
Ora é justamente nesse sentido que deve ser visto o CPTA: ao estabelecer no
artigo 152º o prazo de 30 dias para alegações no recurso para uniformização de
jurisprudência, o legislador deu um sinal claro de que a verificação dos
pressupostos de oposição de acórdãos não prescinde desse prazo em processo
administrativo.
Como tal, o artigo 152º do CPTA deve, nessa medida, ser visto como uma lei
interpretativa, não podendo suscitar-se dúvida quanto ao prazo de 30 dias para
alegação em sede de recurso fundado em oposição de acórdãos.
4. A inconstitucionalidade
Por cautela processual e dever de patrocínio, para o caso de se vir a decidir
que é aplicável o prazo previsto no já revogado artigo 765º do CPC, a Câmara
Municipal deixa desde já arguida a correspondente inconstitucionalidade.
Fá-lo a Câmara para efeitos do previsto nos artigos 70º e seguintes da Lei do
Tribunal Constitucional e com fundamento nos argumentos aduzidos no ponto
anterior, que se dão aqui por reproduzidos: a violação do princípio
constitucional da preeminência da lei consagrado no artigo 112º, nº 2, e dos
princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva, plasmados nos
artigos 13º e 20º.[…]”
1.4. Proferiu, então, o Pleno do STA o Acórdão de fls. 419/422 – a
decisão objecto de impugnação neste recurso de constitucionalidade – do qual se
transcrevem as passagens que apresentam relevância para a questão a apreciar por
este Tribunal:
“[…]
À questão suscitada interessam os seguintes factos:
1. A ora recorrente interpôs recurso para o Plenário deste S.T.A. por intermédio
do requerimento de fls. 286, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
2. O recurso foi recebido pelo despacho de fls. 288, do qual a recorrente foi
notificada por ofício postal expedido em 24.6.04 (fls.292).
3. Em 30.9.04 deram entrada, por fax, as “alegações” da recorrente.
[…]
Constitui jurisprudência largamente dominante que, “apesar da revogação dos
arts. 763º a 770º do C.P.C., ditada pelos arts. 3º e 17º, nº 1, do Dec-Lei nº
329-A/95. de 12.12, à tramitação do recurso por oposição de julgados no S.T.A.
são ainda aplicáveis aquelas normas, em particular as dos arts. 765º e 767º.
Neste sentido, podem citar-se, entre outros, os acórdãos do Pleno de 27.6.01,
procº. Nº 25.596, 26.11.02, proc.º nº 47.995, 17-6-04, proc.º nº 2.017/02, e de
13.10.04, proc.º nº 743/04.
Por continuar a merecer a nossa preferência, e não ter sido validamente
contraditada, com argumentos novos, pelas alegações da recorrente, adere-se a
tal doutrina, pelos fundamentos constantes dos arestos citados, que seria ocioso
reproduzir.
Resta, no entanto, desatender a arguição de inconstitucionalidade feita nas
alegações recorrente.
Parece claro que não pode estar em causa a dimensão concreta do prazo aplicável.
O prazo de 10 dias de modo algum compromete o exercício da garantia
constitucional de tutela efectiva, sendo perfeitamente adequado à prática do
acto processual a que corresponde. É preciso não esquecer (embora a recorrente
tenha confundido este aspecto, como adiante se verá) o restrito âmbito desta
alegação: não se trata de apresentar uma alegação que procure demonstrar qual
dos entendimentos em oposição deve prevalecer, mas apenas de evidenciar que
entre os arestos em confronto existe efectiva oposição.
Também não colhe o argumento da violação da igualdade pela diferenciação entre
os prazos vigentes na jurisdição administrativa e na comum. Desde logo, é
inaceitável que as especificidades do contencioso administrativo reclamem, por
natureza, prazos superiores aos do processo civil. Depois, esse confronto não é
em boa verdade possível, face à abolição, na jurisdição comum, do recurso por
oposição de julgados.
Finalmente, quanto à hipotética inconstitucionalidade por sobrevivência de
normas revogadas à revelia de disposição expressa que a estabeleça, dir-se-á que
não se verifica semelhante disfunção. A solução acolhida pela Jurisprudência
deste S.T.A. não viola o princípio da prevalência de lei, porque ela própria
repousa numa determinada interpretação dos textos legais tendente a preservar a
harmonia do sistema jurídico, segundo a qual a revogação formal das normas em
causa não operou relativamente aos processos do contencioso administrativo.
Vejamos então se a alegação em causa foi tempestivamente apresentada.
Segundo prescreve o art. 765°, a seguir à notificação do despacho do relator a
admitir o recurso, “o recorrente apresentará uma alegação tendente a demonstrar
que entre os dois acórdãos existe a oposição exigida pelos artigos 763° ou
764°”. Se a não apresentar, o recurso é logo julgado deserto; se a apresentar,
pode a parte contrária responder findo o prazo facultado ao recorrente”.
Relativamente ao prazo para a apresentação desta peça processual, e não fixando
as atinentes normas de processo civil nenhum prazo especial para o efeito, é
aplicável o prazo geral de 10 dias estabelecido no art. 153° do C.P.C..
Ora, este prazo foi largamente excedido pela recorrente, já que ele terminou em
8.7.04 (a notificação do despacho de admissão considera-se realizada em 28.6, e
seguidamente correram 10 dias contínuos de prazo), sendo que as alegações só
deram entrada em
30.9.04.
Nesta conformidade, o recurso não pode prosseguir. […]”
1.5.Inconformada recorreu a Câmara Municipal do Porto para este Tribunal
(fls.447/449), ao abrigo do artigo 70º, nº1 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), explicitando tal recurso nos seguintes termos:
“[…]
3. A recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas
constantes do artigo 24º, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, dos artigos 1º e
102º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei
nº 267/85, de 16 de Julho, do artigo 765º do CPC e dos artigos 3º e 17º, nº1 do
Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, todas conjugadas, com a
interpretação com que foram aplicadas no Acórdão recorrido.
5. As aludidas normas, com a referida interpretação, violam, desde logo, o
princípio constitucional da preeminência de lei consagrado no artigo 112°, n.°
2, da Constituição da República Portuguesa (LIS’), visto que implicam a
sobrevivência de normas já revogadas, sem que exista qualquer disposição que
manifestamente estabeleça essa sobrevivência, tendo por finalidade contrariar ou
corrigir o legislador.
6. Tais normas, com a aludida interpretação, violam também o princípio da
igualdade plasmado no artigo 13° da CRP, na medida em que estabelecem para o
processo administrativo prazos significativamente mais curtos do que os vigentes
no processo civil, com o que se desfavorece injustificadamente quem pretenda
socorrer-se da jurisdição administrativa.
7. As mencionadas normas, com a interpretação que mereceram no acórdão
recorrido, violam ainda o princípio da tutela jurisdicional efectiva contido no
artigo 20° da CRP’, na medida em que o prazo de alegações previsto no artigo
765° do CPC se revela manifestamente insuficiente, atenta a complexidade das
questões que subjazem a este tipo de recurso por oposição de julgados.
8. A inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, na primeira
oportunidade processual que para o efeito existiu, dado que até essa altura a
questão não havia, sequer, sido aflorada.
9. Foi essa inconstitucionalidade suscitada através de peça processual
consistente em requerimento e constante de fls. Dos autos (cuja cópia aqui se
junta sob o n.°2 e cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os legais
efeitos), sobretudo nas páginas 8 a 10 de tal requerimento.
10. A questão foi suscitada de modo processualmente adequado perante o Pleno, em
termos tais que este ficou obrigado a dela conhecer, sendo certo que o Pleno
efectivamente dela conheceu no acórdão recorrido – pelo que, aliás, a recorrente
goza de legitimidade para a interposição do presente recurso.
11. O acórdão em crise não admite recurso ordinário, por a lei não o prever,
dada a instância em que foi proferido.
12. Nos termos do artigo 78° da já referida LTC, o presente recurso tem efeito
suspensivo e sobe imediatamente nos próprios autos. […]”
3. 6. O recurso foi admitido no STA (cfr. Fls. 471) e subiu a este
Tribunal. Aqui, proferiu o ora relator o seguinte despacho:
“O processo prossegue para alegações.
Quanto ao objecto do recurso importa ter presente que a recorrente indica (v.
item 3 do requerimento de interposição a fls. 447) o artigo 24º., alínea b) do
Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei
nº.129/84, de 27 de Abril; os artigos 1º. E 102º. Da Lei de Processo nos
Tribunais Administrativos (LPTA), aprovada pelo Decreto-Lei nº.268/85, de 16 de
Julho; o artigo 765º. Do Código de Processo Civil (CPC); e, finalmente, os
artigos 3º. E 17º., nº.1 do Decreto-Lei nº.329-A/95, de 12 de Dezembro. A
questão de inconstitucionalidade em causa tem que ver com o prazo para alegar
nos recursos por oposição de julgados no âmbito do contencioso administrativo,
concretamente com o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo – renovado
neste processo e unânime e invariável, desde o Acórdão de 24/04/1996, proferido
no recurso nº.36643, v. BMJ 456,259 – segundo o qual esse prazo decorre do
disposto no artigo 765º., nº.3 do CPC.
O Tribunal Constitucional procedeu à caracterização desta questão de
inconstitucionalidade no Acórdão nº.643/99 (www.tribunalconstitucional.pt/),
como respeitante ao artigo 102º. Da LPTA, interpretado no sentido de manter no
respectivo conteúdo uma remissão para os artigos 765º. A 767º. Do CPC, não
obstante a sua revogação pelo artigo 17º. Do Decreto-Lei nº.329-A/95.
Assim, sendo entendimento do ora relator, pelas razões constantes desse Acórdão
nº.643/99, que esta é a correcta caracterização da questão de
inconstitucionalidade normativa suscitada, fica, desde já, a recorrente
advertida de tal entendimento e que, em função dele, o objecto do recurso se
restringe ao artigo 102º. Da LPTA, interpretado com o sentido anteriormente
indicado”.
3. 7. Alegou a recorrente, rematando tal peça
processual formulando as seguintes conclusões:
“[…]
1) A remissão operada pelos artigos 1° e 102° da LPTA para o processo civil ou
para os recursos em processo civil reveste natureza abstracta;
2) Com efeito, tal remissão consiste em remeter para a aplicação supletiva e
vagamente para todo um diploma ou toda uma categoria processual, sem remeter
individualizada concretamente para certa e determinada norma ou secção de
normas;
3) Como remissão abstracta que é, é ela também dinâmica: em caso de revogação,
não permite afirmar a cristalização ou sobrevivência das normas revogadas, visto
que só têm aptidão para sobreviver as normas ou conjuntos de normas para que se
remeta especificamente, de forma tal que seja possível afirmar que o sistema da
norma remissiva se apropriou da norma remetenda;
4) A aplicação feita pelo STA das normas constantes do artigo 24°, alínea b), do
ETAF, dos artigos 1° e 102° da LPTA, do artigo 765° do CPC e dos artigos 3° e
17°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 329-A/95, traduziu-se, porém, na aplicação no
contencioso administrativo de uma norma que havia sido anteriormente revogada;
5) Dado o carácter de remissão dinâmica e atenta o descrito, é forçoso concluir
que a aplicação daquelas normas, com a interpretação dada pelo STA, teve por
alcance e resultado a sobrevivência de normas já revogadas, sem disposição que
manifestamente estabeleça essa sobrevivência, tendo por finalidade contrariar ou
corrigir o legislador;
6) Tanto viola o princípio da preeminência de lei consagrado no artigo 112°, n.°
2, da CRP’;
7) A aplicação das ditas normas, com a interpretação do STA, conduz ainda ao
estabelecimento de desigualdades entre a tutela dos direitos e interesses no
domínio do processo civil, por um lado, e no domínio do processo administrativo,
por outro;
8) Na realidade, o prazo de alegações em recurso de revista ampliada é muito
superior no domínio do processo civil do que no do administrativo;
9) Ora, o domínio do processo administrativo reclamaria, pelas suas
especificidades e particulares complexidades, o estabelecimento de prazos mais
alargados do que os vigentes para o processo civil – ou, pelo menos, idênticos;
10) Constata-se, pois, que as normas em apreço, se interpretadas como nos autos,
conduzem à criação de desigualdades na tutela dos direitos e interesses das
várias entidades consoante o domínio em que se situem, sem que para isso exista
qualquer motivo razoável – com o que sai ferido o princípio da igualdade,
consagrado no artigo 13° da CRP;
11) Acresce que a aludida aplicação das normas em apreço leva à existência de
prazos de alegações mais curtos nos processos mais complexos — em que nem o
Supremo Tribunal se entende – do que nos normalizados, daí decorrendo
inequivocamente o desrespeito pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva,
plasmado no artigo 20° da CRP.”
1.8. As recorridas, por sua vez, responderam (fls. 527/551)
formulando as seguintes conclusões:
“1ª- A questão de inconstitucionalidade que os autos tratam está ligada ao prazo
para alegar nos recursos por oposição de julgados no âmbito do contencioso
administrativo;
2ª- Tal prazo é o que decorre do disposto no artigo 765°, n.° 3 do C.P. C., não
obstante a sua revogação pelo artigo 170 do D.L. 329-A/95, de 12 de Dezembro,
-3ª A remissão operada pelo artigo 102° da LPTÁ para aquele
normativo processual é estática, como se refere no acórdão do STA (Pleno) de
19/02/03;
4ª – Sendo em regra que a remissão ou devolução legislativa tem
natureza dinâmica, tal regra sofre neste caso uma excepção por virtude da
alteração do regime para que se remeteu (artigos 763° a 770° do C.P. C.) ter por
causa razões específicas do sistema legal em que esse regime está inserido;
5ª – Na verdade, a revogação das normas que regulavam o recurso
para o Tribunal Pleno, em processo civil, ficou a dever-se, como se explana no
preâmbulo do D.L. 329-A/95, ao reconhecimento da inconstitucionalidade do
instituto dos “assentos “, atenta a sua natureza normativa, sendo certo que aos
acórdãos do Pleno da Secção proferidos em recursos fundados em oposição de
julgados,
no âmbito do contencioso administrativo, não é nem nunca foi atribuída força
normativa, contrariamente ao que o artigo 2° do Código Civil (também revogado),
consagrava relativamente aos assentos;
6ª – Nada justificaria, no âmbito do contencioso administrativo a
inaplicabilidade dos referidos artigos do C.P. C., uma vez que outros não havia
que fossem aplicáveis em matéria de recurso por oposição de acórdãos;
7ª – O prazo de 10 dias para apresentação de alegações de modo algum compromete
o exercício da garantia constitucional de tutela efectiva, sendo perfeitamente
adequado à prática do acto processual a que corresponde;
8ª – É inaceitável que as especificidades do contencioso administrativo
reclamem, por natureza, prazos superiores aos do processo civil, sendo que esse
confronto não é em boa verdade, possível, face à abolição, na jurisdição comum,
do recurso por oposição de julgados, não procedendo pois qualquer argumento de
violação do princípio da igualdade,
9ª – Também não se verifica qualquer inconstitucionalidade por sobrevivência de
normas revogadas à revelia de disposição expressa que a estabeleça. A solução
acolhida pela jurisprudência do STA não viola o princípio da prevalência de lei,
porque ela própria repousa numa determinada interpretação dos textos legais
tendente a preservar a harmonia do sistema jurídico, segundo a qual a revogação
formal das normas em causa não operou relativamente aos processos do contencioso
administrativo;
10ª –Também já este Tribunal Constitucional procedeu à caracterização desta
questão de inconstitucionalidade no acórdão 643/99 como respeitante ao artigo
102° da LPTA, interpretado no sentido de manter no respectivo conteúdo uma
remissão para os artigos 765° a 767° do C.P.C., não obstante a sua revogação
pelo artigo 170º do D.L. 329 –A/95;
11ª – O sistema português de fiscalização concreta da constitucionalidade é um
sistema de controlo normativo, uma vez que só podem ser objecto de recurso de
constitucionalidade as normas jurídicas e não também as decisões judiciais,
consideradas em si mesmas;
12ª – O Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de recursos interpostos de
decisões de outros tribunais, que recusem a aplicação de normas jurídicas com
fundamento na sua inconstitucionalidade ou que as apliquem não obstante a sua
inconstitucionalidade haver sido suscitada durante o processo pelo recorrente,
sendo que a constitucionalidade a apreciar há-de ser uma questão de
constitucionalidade normativa, isto é, respeitante a uma norma (ou a uma sua
dimensão parcelar ou interpretação); 13ª – A recorrente, Câmara Municipal do
Porto, não suscitou nunca a inconstitucionalidade do artigo 102° da LPTA, norma
que remete para os artigos 763° a 770° do C.P.C., nem a sua interpretação;
14ª – Admitindo, porém, que tal inconstitucionalidade foi suscitada, o despacho
do Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator restringiu o objecto do recurso ao
artigo 102° da LPTA, interpretado no sentido de manter no respectivo conteúdo
uma remissão para aqueles artigos do C.P.C. não obstante a sua revogação pelo
artigo 17º do D.L. 329-A/95”.
II – Fundamentação
2. O primeiro passo lógico do iter decisório do presente recurso,
tendo presente que as recorridas (v. as conclusões 11ª a 13ª a fls. 550 das
respectivas contra-alegações) entendem que não foi suscitada uma questão de
inconstitucionalidade normativa (“13ª- A recorrente […] não suscitou nunca a
inconstitucionalidade do artigo 102º da LPTA […] nem a sua interpretação”),
sempre será o da verificação do pressuposto processual correspondente a tal
argumento: suscitação prévia de uma questão de desconformidade constitucional
que se entenda, de acordo com os critérios correntes na jurisprudência deste
Tribunal, assumir ou não natureza normativa. Porém, porque este aspecto se
apresenta, neste caso concreto, numa relação de tão estreita conexão com a
questão – referida no despacho interlocutório de fls. 478/479 – da delimitação
do objecto (normativo) do recurso, procederemos a um tratamento conjunto das
duas questões.
2.1. A recorrente indicou, no acto de interposição do recurso – e
parece reiterá-lo nas alegações (v. item 2 a fls. 510) –, como normas objecto o
artigo 24º, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF;
Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril), os artigos 1º e 102º da Lei de Processo
nos Tribunais Administrativos (LPTA; Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho), o
artigo 765º do CPC e, finalmente, os artigos 3º e 17º, nº1 do Decreto-Lei nº
329-A/95, de 12 de Dezembro.
No despacho de fls. 478 manifestou o ora relator ser seu
entendimento que a questão colocada, que se reconduz à de saber qual o prazo de
apresentação das alegações, subsequentes ao despacho de admissão do recurso por
oposição de julgados no âmbito do contencioso administrativo, que tal questão,
dizíamos, tinha como referencial normativo exclusivo o artigo 102º da LPTA. Tal
entendimento foi explicitado, nesse mesmo despacho interlocutório, por remissão
para o Acórdão nº 643/99 deste Tribunal (este e os Acórdãos do Tribunal
Constitucional doravante citados disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
Refere a recorrente – e tem obviamente razão – não ter encontrado no citado
acórdão argumento algum no sentido da constitucionalidade ou
inconstitucionalidade do artigo 102º da LPTA, ou de qualquer outra das normas
que indica como respeitantes ao entendimento do STA de qual o prazo de alegações
aplicável ao recurso que pretendeu interpor. Com efeito, a indicação do Acórdão
nº 643/99 visou apenas fornecer os fundamentos, que ora se reiteram, nos quais
assenta a delimitação da questão de inconstitucionalidade relevante no presente
recurso. Disse-se a tal respeito, no referido Acórdão nº 643/99, o seguinte:
“[…]
Está, pois, em causa a interpretação do sentido da remissão contida [no artigo
102º da LPTA] (no sentido de não ser uma remissão «dinâmica»). E não,
obviamente, do próprio artigo para o qual tal entendimento do referido artigo
102º remete [refere-se o Acórdão ao artigo 765º do CPC], pois a própria norma
objecto de remissão não comporta, em si, qualquer interpretação no sentido de,
apesar de revogada, dever continuar a ser aplicável, tal como não comporta
qualquer virtualidade aplicativa fora do processo civil independentemente
daquela remissão (e, depois da sua revogação, da interpretação do sentido desta
remissão, como sendo «dinâmica» ou «estática»). […]”
Ora, também no presente recurso, discutindo a recorrente qual o
prazo para produção das alegações subsequentes à admissão do recurso por
oposição de acórdãos na jurisdição administrativa, o referencial normativo
relevante sempre será o da disposição legal que – remetendo para outras normas,
é certo – conduz à fixação desse prazo. Tal referência reside, sem dúvida
alguma, no artigo 102º da LPTA (“[o]s recursos ordinários de decisões
jurisdicionais regem-se pela lei de processo civil, com as necessárias
adaptações e, com excepção dos fundados em oposição de acórdãos, são processados
como os recursos de agravo […]”).
Com efeito, a virtualidade de originarem em concreto a fixação do
prazo em causa, não a têm as restantes normas indicadas pela recorrente. Não a
tem, obviamente, o artigo 24º, alínea b) do ETAF (redacção introduzida pelo
Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro), que se limita a dispor sobre a
competência da Secção de Contencioso Administrativo funcionando como Pleno,
quanto aos recursos dos acórdãos “que, relativamente ao mesmo fundamento de
direito […], perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma secção ou do mesmo
pleno”. E, da mesma forma, não tem esse efeito de fixação do prazo – isto quando
individualmente considerado – o artigo 1º da LPTA, mera norma genérica
respeitante à lei reguladora do processo nos tribunais administrativos. Tal como
também o não fixa (ao prazo aqui em causa) o artigo 765º do CPC, concretamente o
seu nº2, que se refere (referia) ao recurso para o Tribunal Pleno em processo
civil e, sem a mediação do artigo 102º da LPTA – como se sublinhou no Acórdão nº
643/99 –, “não comporta qualquer virtualidade aplicativa fora do processo
civil”. E, enfim, relativamente aos artigos 3º e 17º do Decreto-Lei nº 329-A/95,
de 12 de Dezembro (dos quais resulta a revogação, com efeitos imediatos, do
artigo 765º do CPC), pelos mesmos argumentos constantes do citado Acórdão nº
643/99, pode afirmar-se, até por maioria de razão, que não é (e efectivamente
não foi) em função deles que a decisão recorrida concluiu por via interpretativa
ser de 10 dias o prazo das alegações aqui em causa.
2.1.1. Questão distinta, mas conexa com esta, é a que respeita ao
preenchimento dos pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade.
Está em causa uma norma – que já se definiu ser o artigo 102º da LPTA – em
determinada interpretação: aquela que caracteriza como estática a remissão
(contida nesse artigo 102º) para a “lei de processo civil” e, por isso mesmo,
subsistente independentemente da revogação, entretanto ocorrida, das normas que
no processo civil (os artigos 763º a 770º, neste caso particularmente o artigo
765º, todos do CPC) disciplinavam o recurso para o Tribunal Pleno.
A natureza estritamente normativa da fiscalização de
constitucionalidade atribuída a este Tribunal comporta, enquanto objecto de
apreciação, o específico sentido interpretativo que na decisão recorrida tenha
sido conferido a determinada norma, isto sempre que tal sentido possa ser
destacado do próprio acto de julgamento, enquanto “regra abstractamente
enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica” (Carlos
Lopes do Rego, “O Objecto Idóneo dos Recursos de Fiscalização Concreta da
Constitucionalidade: As Interpretações Normativas Sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional”, in Jurisprudência Constitucional, nº3, Julho/Setembro, 2004, p.
7). Ora, no caso dos autos, facilmente se apreende que a decisão recorrida,
conforme já se indicou, assentou num entendimento, que implicitamente só pode
estar reportado ao artigo 102º da LPTA [embora a decisão se não refira a ele,
explicitamente, só ele (a norma que remete) e não as outras normas (para as
quais ele remete) potencia o resultado interpretativo final], entendimento esse,
dizíamos, que comporta inquestionavelmente essa dimensão de regra com algo de
destacável – algo que como que sobrevive ao acto da simples aplicação da norma –
e que, por isso mesmo, apresenta essa vocação abstracta que configura uma
interpretação normativa – ou, se preferirmos, uma dimensão interpretativa de uma
norma – sindicável pelo Tribunal Constitucional. Isto com base no entendimento,
que o Tribunal firmou, interpretando o artigo 280º da CRP, expressamente e pela
primeira vez, no Acórdão nº 55/85 [ publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 5º Vol., pp. 461/479], ao considerar-se “[…] competente para
fundar [um] juízo de constitucionalidade em determinada interpretação da norma
que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação[…]”
(p. 464).
2.1.2. Ainda em sede de preenchimento dos pressupostos do recurso,
que foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC,
poder-se-ia questionar – as recorridas pelo menos questionam-no (v. item 2
supra), e o Tribunal deve debruçar-se sobre a questão – se a recorrente
suscitou, previamente à decisão recorrida, uma questão de inconstitucionalidade
à qual não fosse absolutamente estranho, enquanto referencial normativo, o
artigo 102º da LPTA e a interpretação deste que conduz à “sobrevivência”, ao
Decreto-Lei nº 329-A/95, do prazo que o STA considerou ser o aqui aplicável e em
função do qual julgou findo o recurso por oposição de julgados pretendido
interpor.
A suscitação de inconstitucionalidade anterior à decisão recorrida
está contida no requerimento de fls.389/399 (o requerimento está repetido a fls.
400/410) e dele consta (v. item 4 a fls.398) uma invocação expressa de
desconformidade constitucional que não contendo qualquer referência (nesse local
especifico) ao artigo 102º da LPTA, remete para trechos anteriores dessa mesma
peça processual nos quais esta norma é indicada (cfr. Fls. 390, 391, 392 e 394).
O contexto discursivo do documento aponta inequivocamente no sentido destas
alusões estarem abrangidas na imputação de desconformidade constitucional.
Diz-se, com efeito, no item 4 do requerimento: “[f]á-lo a Câmara para efeitos do
previsto nos artigos 70º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional e com
fundamento nos argumentos aduzidos no ponto anterior, que se dão aqui por
reproduzidos: a violação do princípio constitucional da preeminência de lei
consagrado no artigo 112º, nº2, e dos princípios da igualdade e da tutela
judicial efectiva […]”.
Ora, esta afirmação, no contexto referido, basta para que o Tribunal considere
adequadamente suscitada pela recorrente a questão de inconstitucionalidade,
designadamente considerando-a reportada à norma do artigo 102º da LPTA na
interpretação que o STA, implicitamente – implicitamente porque pressupondo-a
sempre (pois é ela que remete para a norma do CPC que contém o prazo) o STA
jamais a nomeou –, lhe conferiu, ou seja, a interpretação que entende que a
remissão para a “lei de processo civil”, contida no artigo 102º da LPTA, no caso
dos recursos de decisões jurisdicionais fundados em oposição de acórdãos, assume
natureza estática e, em função disso, a posterior revogação no âmbito do
processo civil das normas para as quais a LPTA remetia, não obsta à permanência
dessas normas como sendo as que regulam o regime do recurso por oposição de
julgados na jurisdição administrativa. É a conformidade constitucional desta
dimensão interpretativa do artigo 102º da LPTA, matéria sobre a qual o STA,
aliás, se pronunciou na decisão recorrida (cfr. Fls. 421), que o Tribunal
Constitucional – considerando preenchidos os pressupostos processuais do recurso
– passará a apreciar.
2.2. Como ponto de partida importa sublinhar a circunstância de este Tribunal,
já posteriormente ao despacho interlocutório de fls.478/479, ter proferido o
Acórdão nº 462/05 (2ª Secção) no qual se pronunciou pela conformidade
constitucional do artigo 102º da LPTA, “entendid[o] como mantendo no seu
conteúdo uma remissão para o conteúdo normativo dos artigos 765º a 767º do
Código de Processo Civil, não obstante a sua revogação pelo artigo 17º do
Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro” (alínea a) do pronunciamento
decisório respectivo). Trata-se de situação em tudo idêntica à do presente
recurso. O Tribunal Constitucional, por entender que a sua validade se mantém
inteiramente, pretende reafirmar os argumentos constantes desse Acórdão nº
462/05 e proferirá adiante decisão no mesmo sentido. Não obstante, procurar-se-á
discutir no presente aresto as especificidades argumentativas que, relativamente
ao anterior pronunciamento do Tribunal, as alegações da recorrente parecem
conter. Preliminarmente, porém, no que concerne às várias soluções
interpretativas possíveis quanto à regulação concreta do recurso por oposição de
julgados na jurisdição administrativa, após a revogação dos artigos 763º a 770º
do CPC, operada pelo artigo 17º do Decreto-Lei nº 329-A/95, importa ter presente
– e citam-se as palavras do Acórdão nº 462/05 – “[…] não cabe[r] ao Tribunal
Constitucional apreciar os méritos relativos [dessas] soluções
[interpretativas], mas apenas averiguar se a continuidade do regime adoptado
pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Junho, que aprovou a Lei de Processo nos
Tribunais Administrativos , e que corresponde a [uma dessas] alternativa[s], é
constitucionalmente conforme, como, implicitamente, julgou o Supremo Tribunal
Administrativo”.
2.2.1. A circunstância de estarmos perante processo pendente à data da entrada
em vigor (1/01/2004) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA),
aprovado pela Lei nº 15/02, de 22 de Fevereiro, determina que lhe seja aplicável
o regime constante da LPTA [esta, não obstante revogada pelo artigo 6º, alínea
e) da Lei nº 15/02, aplica-se (cfr. Artigo 5º, nº 1 desta mesma Lei) aos
“processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor”; a data da
entrada em vigor do CPTA decorre do artigo 2º da Lei nº 4-A/03, de 19 de
Fevereiro].
Relativamente ao regime dos recursos de decisões jurisdicionais, continha a LPTA
(e ainda contém para os processos iniciados anteriormente a 1/01/2004), no
respectivo artigo 102º, a já por diversas vezes mencionada remissão para a lei
de processo civil, nos recursos fundados em oposição de acórdãos. Nesta – no
processo civil – , à data da edição da LPTA, vigoravam as disposições do CPC de
1961 (aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28 de Dezembro de 1961 e que,
embora muito alterado, constitui o CPC ainda hoje em vigor) que regulavam os
recursos para o Tribunal Pleno, disposições contidas nos artigos 763º a 770º e
que eram – “com as necessárias adaptações”, como preceituava o artigo 102º da
LPTA – as normas das quais se retirava a tramitação dos recursos para o Pleno
do STA baseados em oposição de acórdãos.
Através do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, procedeu-se a uma
profunda reforma do processo civil, alterando-se e revogando-se um número muito
significativo de normas do CPC. Destas, entre as disposições eliminadas,
constavam os artigos 763º a 770º do CPC, cuja revogação, aliás, teve aplicação
imediata, nos termos do artigo 17º, nº 1 do Decreto-Lei nº 329-A/95. A supressão
destes artigos do CPC, permanecendo em vigor o artigo 102º da LPTA, colocou à
jurisdição administrativa, então – estávamos em Dezembro de 1995 –, o problema
específico de definir qual a tramitação dos recursos fundados em oposição de
acórdãos, designadamente no que tange ao prazo de cinco dias fixado no artigo
765º, nº3 do CPC (“ Dentro de cinco dias, a contar da notificação do despacho
que admita o recurso, o recorrente apresentará uma alegação tendente a
demonstrar que entre os dois acórdãos existe a oposição exigida pelos artigos
763º ou 764º. Se a não apresentar, o recurso é logo julgado deserto […]”).
Logo na primeira vez que esta questão foi submetida ao STA (em subsecção da
Secção de Contencioso Administrativo, Acórdão de 24/04/1996, publicado no
Boletim do Ministério da Justiça, nº 456, pp. 259/263), definiu este – que era
,aliás, o único tribunal ao qual a questão se poderia colocar – a remissão do
artigo 102º da LPTA para o processo civil como “estática” (por oposição a
“dinâmica”), nos termos e com as consequências já referidas ao longo desta
decisão. Importa recordar o discurso argumentativo deste Acórdão do STA de 1996,
no trecho versando este específico aspecto:
“[…]
Entende-se que a remissão ou devolução legislativa tem, em regra, natureza
dinâmica, e não estática; isto é, a remissão não respeita ao regime material
concretamente existente à data em que é feita, mas à forma como o sistema
apelado regula ou venha a regular a situação, pelo que as alterações que nele
venham a registar se repercutem na regulação da situação a que respeita a norma
de remissão ou de devolução. Assim, no caso [do artigo 102º da LPTA], as
alterações que se venham a registar a nível do Código de Processo Civil na
regulamentação do recurso de agravo serão imediatamente aplicáveis – sempre com
as necessárias adaptações, como é óbvio – à generalidade dos recursos
jurisdicionais das decisões dos tribunais administrativos.
Esta regra sofre, contudo, uma excepção quando a alteração do regime para que
remete a norma de devolução tem por causa razões específicas do sistema legal em
que esse regime está inserido.
[…]
Na verdade, a revogação das normas que regulavam o recurso
para o tribunal pleno, em processo civil, ficou a dever-se, como se explana no
preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, ao reconhecimento da inconstitucionalidade
do instituto dos «assentos», atenta a sua natureza normativa. […]
A eliminação do recurso para o tribunal pleno, em processo
civil, fundado em oposição de julgados, foi determinada, assim, por razões
específicas desse ramo de direito, inexistentes no contencioso administrativo,
onde aos acórdãos do pleno da Secção não é nem nunca foi atribuída força
obrigatória geral, como o artigo 2º do Código Civil (também revogado pelo artigo
4º, nº 2, do Decreto-Lei nº 329-A/95) consagrava relativamente aos assentos.
Neste quadro, deve entender-se que, apesar da sua revogação no
âmbito do processo civil, as normas dos artigos 765º a 767º do Código de
Processo Civil continuam aplicáveis, com as necessárias adaptações, à regulação
da tramitação do recurso por oposição de acórdãos no âmbito do contencioso
administrativo.
[…]”
Tal interpretação do artigo 102º da LPTA, com a particularidade de se entender
que, por força do disposto no artigo 153º, nº 1 do CPC, o prazo de cinco dias
previsto no artigo 765º, nº 3 do CPC, passaria a ser – como, aliás, foi
entendido neste caso – de dez dias [note-se que ao mesmo prazo de dez dias se
chegaria conjugando os artigos 6º (v. respectivo nº 1, alínea a) ) e 18º do
Decreto-Lei nº 329-A/95 ], tal interpretação do artigo 102º da LPTA, dizíamos,
passou a constituir jurisprudência constante e invariável do STA (cfr., entre
muitos outros possíveis, e sem qualquer decisão divergente, os Acórdãos de
19/02/2003 e 24/05/2005, correspondentes aos processos nºs 047985 e 01056/04,
ambos disponíveis em www.dgsi.pt/jsta.nsf/ ). Isto em termos tais que, no citado
Acórdão nº 462/05, este Tribunal afirmou – e tal afirmação poderia ser repetida
no presente recurso – que: “[q]uando interpuseram o seu recurso, os recorrentes
não podiam, pois, deixar de conhecer esta orientação, no sentido da manutenção
da aplicabilidade do artigo 765º do Código de Processo Civil ao recurso por
oposição de julgados nos tribunais administrativos” (final do item 7 do Acórdão
nº 462/05).
2.2.1.1. Esta última observação justifica-se inteiramente – e por isso é feita –
num contexto de indagação de constitucionalidade de determinada dimensão
interpretativa de uma norma, tendo presentes os poderes de cognição do Tribunal
Constitucional relativamente às normas e princípios constitucionais violados
(artigo 79º-C da LTC). Com efeito, assim se afastariam, por não pertinentes,
quaisquer hipotéticos argumentos de desconformidade constitucional reportados ao
“princípio da confiança”, subjacente a uma leitura articulada dos artigos 2º e
20º da CRP, por vezes violado pelo “ineditismo” (a expressão é usada neste
preciso contexto pelo Acórdão nº 413/02 deste Tribunal) de determinadas
interpretações judiciais respeitantes ao exercício de faculdades processuais
pelas partes (v. Carlos Lopes do Rego, “Os Princípios Constitucionais da
Proibição da Indefesa, da Proporcionalidade dos Ónus e Cominações e o Regime da
Citação em Processo Civil”, in Estudos Em Homenagem Ao Conselheiro José Manuel
Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pp. 848/849). Obviamente que em Junho de 2004
(cfr. Despacho de fls. 288), qualquer “investimento de confiança” da recorrente
respeitante à interpretação da remissão contida no artigo 102º da LPTA pelos
tribunais, só se poderia reportar à interpretação aqui adoptada pelo STA.
2.2.2. Esta interpretação, presente, como se disse, na jurisprudência do STA
desde o citado Acórdão de 1996, opera, como a definiu o Acórdão nº 462/05 deste
Tribunal, citando a formulação de Karl Engisch, num quadro de “«obediência
pensante» (Heck) e inteiramente de acordo com o espírito do legislador,
actua[ndo] as verdadeiras intenções deste ao tomar em conta o sentido e o fim da
norma” (Introdução ao Pensamento Jurídico, 2ª ed., Lisboa, 1968, p. 279; cfr.
Item 8 do Acórdão). Tal captação do “espírito do legislador” – Engisch noutro
passo da obra fala, sugestivamente, em “seguir o rasto do próprio legislador”
(ibidem) – enquadra a supressão dos artigos 763º a 770º do CPC no exacto
contexto em que o legislador da reforma do processo civil de 1995 a situou,
verificando – e trata-se obviamente de uma técnica hermenêutica conforme às
legis artis da interpretação jurídica – que esse contexto justificativo não se
reproduz (está, aliás, ausente) quando se encara o significado dessas normas, as
suprimidas no processo civil, no âmbito do contencioso administrativo.
2.2.2.1. É inquestionável qual a razão de ser da revogação, pelo legislador do
Decreto-Lei nº 329-A/95, dos artigos (763º a 765º do CPC) respeitantes ao
recurso para Tribunal Pleno. Estas normas, com efeito, processualizavam a
prolação de “assentos” pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e estes foram
considerados inconstitucionais por este Tribunal, pela primeira vez, pelo
Acórdão nº 810/93 (este, além de disponível no sítio já indicado, está publicado
nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26º Vol., pp. 261/301; este juízo foi
reiterado em decisões posteriores, sendo conferida força obrigatória geral à
formulação decisória respectiva, pelo Acórdão nº 743/96, in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 34º Vol., pp.7/21). Este fundamento da opção do legislador ao
revogar as referidas normas do CPC é, aliás, expressamente assumido no preâmbulo
do Decreto-Lei nº 329-A/95 (v. os trechos em causa em Carlos Lopes do Rego,
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., Coimbra, 2004, pp.
389/390; cfr., do mesmo autor, A Uniformização da Jurisprudência no Novo Direito
Processual Civil, Lisboa, 1997, pp. 10/14; cfr., ainda, José Lebre de Freitas e
Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Vol. 3º, Coimbra,
2003, p. 192).
Observe-se, porém, que esta justificação não procedia no específico âmbito do
contencioso administrativo, por inaplicabilidade a este do instituto dos
assentos. Com efeito, caracterizando o “Recurso para o Tribunal Pleno”, dizia
Marcello Caetano:
“[…]
O legislador quis facilitar a uniformização da jurisprudência do Tribunal mas
sem tolher a sua evolução que, sobretudo no contencioso administrativo, pode
desempenhar tão importante papel na adaptação da lei às realidades da vida
corrente e na formação da doutrina. Por isso não se adoptou o sistema dos
assentos que vigora no Supremo Tribunal de Justiça e que aí se justifica
sobretudo pela necessidade de tornar a sua jurisprudência obrigatória para os
numerosos tribunais de 1ª e 2ª instâncias que lhe estão subordinados. O Supremo
Tribunal Administrativo, graças à publicidade das sua resoluções e à tradição de
larga fundamentação em que se baseiam, tem conseguido ver a sua jurisprudência
acatada de tal modo que não existe um problema de obrigatoriedade legal de
observância da jurisprudência pelos tribunais inferiores.”
[Manual de Direito Administrativo, 9ª ed. (reimpressão), Tomo II, Coimbra, 1980,
p. 1387; o mesmo autor considerava os assentos do STJ não vinculativos (“não
obrigam”) para os tribunais administrativos (Manual…, cit., 10ª ed., Tomo I,
Lisboa, 1973, pp. 123/124)]
Esta inaplicabilidade dos assentos ao contencioso administrativo apenas sofreu
uma aparente – e, aliás, algo espúria – excepção, que Castanheira Neves
explicita nos seguintes termos:
“[…]
Como se sabe, a partir de 1963 – rectius, a partir do Decreto-Lei nº 45497, de
30 de Dezembro de 1963, que aprovou o […] Código de Processo do Trabalho – a
competência para emitir assentos deixou de pertencer em exclusivo ao Supremo
Tribunal de Justiça e estendeu-se ao Supremo Tribunal Administrativo,
funcionando igualmente em tribunal pleno, embora tão-só relativamente à
jurisprudência da sua 3ª Secção («do contencioso do trabalho e previdência
social») – v. arts. 195º, 196º e 197º daquele Código. O regime processual dos
assentos destes dois supremos tribunais não é idêntico – divergência que […] vai
mesmo para além daquela que resulta de uns se inserirem fundamentalmente no
regime dos recursos (os assentos do STJ, não obstante a particularidade do
recurso no «interesse da lei» previsto no art. 770º do [CPC] ) e não já assim os
assentos do STA, os quais não podem nunca ser suscitados em termos de recurso
pela parte processual vencida e no interesse da sua posição na causa.[…]
[O Instituto dos «Assentos» e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, Coimbra,
1983. p.1, nota 1]
E, efectivamente, reportando-se esta possibilidade de o STA emitir assentos a
uma competência – que este perdeu em 1977 – de natureza essencialmente
jurídico-civil – o Direito do Trabalho – o argumento da estranheza da figura
dos assentos ao contencioso administrativo tem (sempre teve) todo o sentido [ a
competência laboral da 3ª Secção do STA, a única em que pôde “assentar” (cfr.
Artigos 195º a 197º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei
nº 45497, de 30/12/1963), foi-lhe retirada pela Lei Orgânica dos Tribunais
Judiciais (Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro), que extinguiu a 3ª Secção do STA e
criou a Secção de “jurisdição social” do STJ (cfr. Artigos 83º, nº1, alínea a) e
22º, nº1 da Lei nº 82/77)]. Aliás, esta mesma inaplicabilidade dos assentos ao
domínio que ora nos interessa, foi identicamente sublinhada por Guilherme da
Fonseca, já posteriormente a 1977 e na vigência da LPTA (mas anteriormente ao
Decreto-Lei nº 329-A/95), caracterizando nos seguintes termos os acórdãos
proferidos nos recursos por oposição de julgados:
“[…]
Este tipo de recursos tem por finalidade evitar que a mesma questão de direito,
sendo idêntica a situação de facto, seja objecto de decisões contraditórias,
pretendendo-se assim uma uniformização da jurisprudência.
Só que, acaba-se num recurso jurisdicional do modelo do recurso de revista,
porque os acórdãos do Pleno da Secção – no caso de julgados contraditórios da
mesma Secção – ou do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo – no caso de
julgados contraditórios de diferentes Secções ou até do mesmo Plenário – não
constituem assentos, diferentemente do que sucede com o Supremo Tribunal de
Justiça (e, se não há assentos, é apenas mais um grau de jurisdição). […]
[Direito Processual Administrativo Contencioso – Dos Recursos Jurisdicionais,
ed. Polic., s. d., p. 19]
2.2.2.2. Foi com base nesta interpretação, cujo encadeamento argumentativo se
acaba de explicitar, que o STA definiu como estática, em vez de dinâmica, a
remissão contida no artigo 102º da LPTA. A exacta definição de qual o sentido
interpretativo profundo em causa no entendimento do STA tem óbvia relevância
para a questão de inconstitucionalidade, justificando-se (tal como sucedeu com
o aspecto tratado no item 2.2.1.1. supra) no contexto da invocação pela
recorrente de existência de violação do princípio constitucional da igualdade.
Demonstra-se assim, reconstituindo os elementos subjacentes ao percurso
interpretativo do STA, que na essência do recurso por oposição de julgados no
contencioso administrativo existiam especificidades, comparativamente aos
acórdãos nesse contexto tirados pelo STJ, que tornavam intrinsecamente distintas
as duas situações. Estas diferenças, porque acabam por expressar situações que,
sendo de semelhança, não são de igualdade ou de identidade de motivos, colocam
em crise, desde logo, a pertinência de argumentos assentes em considerações de
igualdade. Retomaremos, porém, adiante, esta questão.
2.2.3. A recorrente aponta à interpretação do artigo 102º da LPTA aqui sufragada
pelo STA três vícios determinantes da inconstitucionalidade da mesma: violação
do princípio da preeminência de lei; ofensa ao princípio da igualdade; violação
do princípio da tutela jurisdicional efectiva. Parte substancial da argumentação
da recorrente remete-nos para um estudo de Sérvulo Correia (“O Prazo de
Alegações no Recurso Fundado em Oposição de Acórdãos no Supremo Tribunal
Administrativo. Um Caso Paradigmático do Problema da Aplicação da Lei de
Processo Civil no Contencioso Administrativo”, in Sérvulo Correia, Rui Medeiros,
Bernardo Diniz de Ayala, Estudos de Direito Processual Administrativo, Lisboa,
2002, pp. 255/279). Deste estudo, cujos argumentos importa apreciar, cumpre
sublinhar, desde já, que a afirmação do autor, no que respeita à questão de
inconstitucionalidade que a esta decisão interessa, é a seguinte: “[…] temos
algumas dúvidas de que um prazo de cinco dias para a alegação em causa em
contencioso administrativo não seja de molde, dada a sua escassez, a
inviabilizar, senão sempre em muitos casos, a garantia que o recurso com
fundamento na oposição de acórdãos nominalmente representa” (ob. Cit., p. 278).
2.2.3.1. A violação do princípio da preeminência de lei, reportada pela
recorrente ao artigo 112º, nº2 da CRP, decorreria de a interpretação em causa
implicar “a sobrevivência de normas já revogadas, tendo por finalidade
contrariar ou corrigir o legislador” (fls. 514). Não é este, manifestamente, o
significado do princípio da preeminência de lei, subjacente ao artigo 112º da
CRP (v. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
7ª ed., Coimbra, 2003, pp. 835/836). De qualquer forma, enquanto demonstração da
tese da inconstitucionalidade, o argumento da recorrente, segundo o qual as
normas do CPC invocadas na decisão, porque estão revogadas, não podem ser
aplicadas, actua numa lógica circular – como argumento auto-justificante –,
enfermando, assim, de um vício que o invalida. É que só funciona no pressuposto
da validade do seu ponto de partida: a remissão do artigo 102º da LPTA é
dinâmica e, por isso, as normas dos artigos 763º a 770º do CPC estão, também,
revogadas no contencioso administrativo. Esquece-se, porém, que o STA,
interpretativamente, fixou outro entendimento do artigo 102º da LPTA, em
resultado do qual as normas aplicadas – e concretamente aquela em função da qual
se definiu o prazo largamente ultrapassado pela recorrente – não estão
revogadas, destruindo-se, assim, o argumento. O que está em causa é, tão só, a
interpretação de normas – aquilo que constitui a essência da função judicial –
“a actividade racional de conferir significado a um texto legal […] a actividade
intelectual de determinar a mensagem normativa contida no texto da lei” ( Aharon
Barak, Purposive Interpretation in Law, Princeton, 2005, p. 3). E, nesta
actividade, concluindo-se (interpretativamente) pela não revogação de uma “norma
chamada” (a norma para a qual se remete), poder-se-á, através desta, violar
alguma norma ou princípio constitucional – adiante o veremos – , mas não se
está, seguramente, a utilizar o expediente técnico-legislativo da remissão sem
norma “habilitante” ( este parece ser o sentido visado pela recorrente ao
referir-se a “preeminência de lei”).
Em torno da questão do carácter estático ou dinâmico de uma remissão para outras
normas, enquanto técnica legislativa, não se colhem ademais, no texto de
Baptista Machado citado pela recorrente (Introdução ao Direito e ao Discurso
Legitimador, Coimbra, 1983, pp.105/108), argumentos no sentido de a remissão
contida no artigo 102º da LPTA (“[o]s recursos […] de decisões jurisdicionais
regem-se pela lei de processo civil, com as necessárias adaptações […]”)
conferir ao “instituto para que remete uma função integradora subsidiária do
regime que estabelece para o instituto que está a considerar” (alegações a fls.
512, citando Introdução ao Direito…, cit., p. 106). Pelo contrário, a formulação
da LPTA (“[o]s recursos […] regem-se”) parece apontar mais para aquilo que o
mesmo autor qualifica como hipóteses de remissão nas quais, “em vez de uma
remissão com função integradora genérica, temos uma disposição legal que
expressamente prevê desde logo a extensão de certo instituto a outro” (ibidem).
De qualquer forma, relativamente ao uso do expediente técnico-legislativo da
remissão, tratando-se, como refere Baptista Machado, de “casos análogos” – “os
casos regulados pelas normas chamadas” – e não de “casos iguais” (ob. Cit., p.
107), deve o intérprete ponderar, relativamente às vicissitudes das normas
chamadas, a persistência ou não dos diversos elementos que fundam essa
semelhança (a analogia expressa mais uma relação de semelhança que de
igualdade). Foi este, basicamente, o juízo do STA: os motivos da revogação das
normas do CPC (o fim dos assentos), deixam incólumes quaisquer razões de
semelhança que estivessem na base da remissão contida no artigo 102º da LPTA.
2.2.3.2. A este fundamento de desconformidade constitucional acrescenta a
recorrente, como já se indicou, a violação do princípio da igualdade e do
princípio da tutela jurisdicional efectiva. Ambos os argumentos assentam em
diversos exercícios de comparação (entre o processo civil e o contencioso
administrativo; entre o contencioso administrativo regido pela LPTA e aquele ao
qual se aplica o CPTA) em matéria de prazos. Assim, descrevendo o processamento
– e colocando um especial ênfase na questão dos prazos – da tramitação aqui em
causa, poderemos aquilatar das verdadeiras diferenças entre esta e as outras
tramitações que se pretendem utilizar como termo de comparação e, assim, aferir
da relevância constitucional dos motivos invocados.
Na descrição do recurso para o Tribunal Pleno, por referência às normas do CPC
que a recorrente considera também revogadas no contencioso administrativo,
transcreve-se a tramitação – que é, na visão do STA, a aqui aplicável –
indicada por Armindo Ribeiro Mendes:
“[…]
A característica marcante desta marcha consiste na existência de dois graus de
julgamento do próprio recurso […].
Numa primeira fase ou grau, discute-se apenas a questão prévia da existência dos
requisitos ou pressupostos de admissibilidade do recurso.
Numa segunda fase – e uma vez admitida a existência dum conflito de
jurisprudência – segue-se o julgamento do objecto do recurso.
[…]
Como nos outros recursos, tem de haver um requerimento de interposição (art.
765º, nº 2), onde se deve individualizar o acórdão-fundamento e indicar o lugar
onde está registado ou publicado […].
Segue-se o primeiro grau de alegações. A contar de cinco dias [dez dias no
presente caso] da notificação do despacho que admita o recurso, o recorrente tem
o ónus de apresentar uma primeira alegação «tendente a demonstrar que entre os
dois acórdãos existe a oposição exigida […] (art. 765º, nº 3). A falta de
alegação do recorrente implica a deserção do recurso.
Sendo apresentadas as alegações pelo recorrente, segue-se a alegação do
recorrido. Não há que formular conclusões nestas alegações.
[…]
A seguir ocorre a distribuição do processo no Supremo […].
Por último, será julgada a questão preliminar da existência de conflito de
jurisprudência e da verificação dos pressupostos específicos do recurso.
«O processo vai com vista, por quarenta e oito horas, a cada um dos juízes da
secção seguintes ao relator. Este tem vista final por cinco dias e, na primeira
sessão posterior, a secção resolverá em conferência se existe a oposição que
serve de fundamento ao recurso» (art. 766º, nº 1).
Se a secção entender que há oposição de julgados, esta decisão não é definitiva,
não faz caso julgado formal podendo o plenário decidir em sentido contrário
(art. 766º, nº3).
Se a secção entender que não há oposição de julgados, o seu acórdão é definitivo
e porá termo ao recurso (artigo 766º, nº2). Se for controvertida a questão de
saber se o acórdão-fundamento havia ou não transitado em julgado a secção terá
de «verificar qual é a situação na data em que vai decidir sobre a oposição […].
Até à sessão a que se refere o nº1, pode o requerente alegar o que entender
quanto ao trânsito em julgado do referido acórdão» (art. 766º, nº2).
Este acórdão é notificado às partes.
[…] No caso de se reconhecer que há oposição de julgados, inicia-se a 2ª fase da
marcha do recurso.
A partir da notificação do acórdão previsto no art. 766º, nºs 1 e 3, cada uma
das partes tem 10 dias para examinar o processo e apresentar a sua alegação
sobre o objecto do recurso. Há, pois, aqui um segundo grau de alegações. O
recorrente tem, pois, um duplo ónus de alegação.
[…]
Por fim, é feito o julgamento do recurso em plenário.
[…]”
[Recursos em Processo Civil, 2ª ed., Lisboa, 1994, pp.292/294;sublinados
acrescentados; cfr. Guilherme da Fonseca, Direito Processual…, cit., pp. 19/22]
Estando a efectuar-se comparações entre regimes diversos (v. item 2.2.2.2.
supra), comportando fases distintas, que não têm equivalente num e noutro caso,
a lógica comparativa não pode funcionar mecanicamente. Como refere Carlos Lopes
do Rego, caracterizando o novo regime, “[…] optou-se [na reforma operada pelo
Decreto-Lei nº 329-A/95] por eliminar o recurso para o tribunal Pleno, como
quarto grau de jurisdição, destinado a sanar os conflitos jurisprudenciais já
consumados – substituindo-o por um julgamento ampliado da revista, encarado como
vicissitude da fase do julgamento deste recurso ordinário” (A Uniformização…,
cit., p 21). De qualquer forma, analisando o sistema decorrente dos artigos 763º
a 770º do CPC (acima descrito, aquele que, estando revogado no processo civil,
se entende vigorar aqui no contencioso administrativo), verificamos que aquilo
que no processo civil vigente é concentrado numa alegação única de trinta dias
(leitura conjugada dos artigos 732º-A, 732º-B, 726º e 698º, nº2 do CPC) aparecia
dividido por várias fases no recurso para o Tribunal Pleno, anteriormente ao
Decreto-Lei nº 329-A/95. Sendo certo que as várias fases apresentam objectos
temáticos distintos, concentrados numa fase (alegação) única agora, acaba por se
obter, numa visão comparativa global e integrada, espaços temporais de actuação
das partes, nos diversos regimes, que, não sendo absolutamente iguais, se
equivalem em termos das possibilidades de actuação processual que, uns e outros,
conferem às partes (à mesma conclusão se chega efectuando a comparação com o
regime do CPTA vigente; cfr. Artigo 152º respectivo; v. Mário Aroso de Almeida,
Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, Coimbra, 2005, p. 764).
A Constituição não impõe que todos os prazos processuais, mesmo em situações com
significativos pontos de contacto, tenham que ser absolutamente iguais. E, neste
caso, decorrendo as (pequenas) diferenças de prazos de questões de sucessão de
leis no tempo, leis que representam evoluções substanciais nas tramitações
processuais respectivas, não se pode ter a pretensão de alcançar uma
uniformidade absoluta. Não obstante, repete-se, realizando um exercício de
equivalência, que pondere as fases diferenciadas, presentes e ausentes em cada
regime considerado, e que pondere igualmente os prazos – concentrados num
regime, separados noutro – consoante o objecto da comparação, obtemos espaços
temporais que, de tão próximos, não consubstanciam diferenças intoleráveis.
Vale isto, identicamente, quando se compara (e é a comparação que faz Sérvulo
Correia; ob. Cit., pp. 278/279) os dez dias do artigo 102º, com os vinte dias do
artigo 106º, ambos da LPTA, recordando que os dez dias apenas visam “demonstrar”
(como diz o artigo 765º, nº 3 do CPC) que duas decisões do STA, já antes
“descobertas” como contraditórias pelo recorrente, estão em “oposição”,
“relativamente à mesma questão fundamental de direito” e “assent[a]m sobre
soluções opostas” (leitura conjugada dos artigos 765º e 763º do CPC). E,
note-se, que isto sucede no fim de um processo onde já ocorreu um largo debate
entre as partes através dos articulados, do qual já resultaram decisões
judiciais objecto de um ou de mais recursos, e onde as questões jurídicas que a
comparação de acórdãos convocará, seguramente, já foram antes discutidas.
A igualdade e a efectividade da tutela judicial conferida às partes neste
quadro não se pode dizer que saia, dentro dos limites temporais aqui em causa,
afectada. Não estamos, seguramente, como este Tribunal já o disse no Acórdão nº
462/05, num domínio em que a norma objecto, com a sobreposição interpretativa em
causa, traduza a violação de qualquer disposição constitucional.
III- Decisão
3. Pelo exposto, decide-se, operada a delimitação do recurso nos termos
indicados no item 2.1. supra:
A) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 102º
da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, entendida como mantendo no seu
conteúdo uma remissão para o conteúdo normativo dos artigos 765º a 767º do
Código de Processo Civil, não obstante a sua revogação pelo artigo 17º do
Decreto-Lei nº329-A/95, de 12 de Dezembro;
B) Consequentemente, negar provimento ao recurso e
confirmar a decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade diz
respeito.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2006
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira - vencido, conforme
declaração que junto.
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Concordo com o julgamento de não inconstitucionalidade da norma analisada no
presente aresto, cuja decisão, aliás, reproduz a do recente acórdão n.º
462/2005, de que foi relator o Senhor Conselheiro Paulo Mota Pinto.
Porém, em meu entender, a recorrente não suscitou devidamente a questão de
inconstitucionalidade da norma que acabou por ser objecto do presente recurso.
Com efeito, da peça processual reproduzida no ponto 1.3. do acórdão (onde se
entende que a questão terá sido suscitada) resulta que a norma analisada nunca
foi acusada de inconstitucional no Tribunal recorrido, pois nesse articulado não
há qualquer referência ao artigo 102º da Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos, preceito onde acabou por ser ancorada a norma em causa.
Com este fundamento, não conheceria do objecto do recurso.
Carlos Pamplona de Oliveira