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Processo n.º 681/02
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão do relator, no Tribunal Constitucional, de 12 de Novembro de 2002, proferida no uso dos poderes conferidos pelo n.º 1 do art.º75º-A, daquela LTC, que decidiu não conhecer do recurso.
2 – Como fundamentos de impugnação do despacho reclamado, o reclamante alega o seguinte:
«1. Nas suas conclusões, transcritas a fls.6 a 8 da aliás douta decisão ora reclamada, pode ler-se (Cfr. conclusão 1ª, in fine) que '...o que viola também a norma prevista no art. 32º n.º 1 da Constituição da República'.
2. Quando se escreveu '...o que...' alude-se, expressamente, às normas conjugadas dos '...arts. 99° n.º 2; 100º n.º 1; 101º, 363º; 364º; e 412º n.º 3 e n.º 4, todas do C.P.Penal...'.
3. Parece assim claro que se suscitou a inconstitucionalidade de interpretação e aplicação de normas, que foram indicadas em tempo útil, e não, como se afirma na aliás douta decisão sumária ora reclamada, a mera inconstitucionalidade da prova produzida.
4. Por outro lado, embora se aceite que é jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional que a arguição de nulidade da decisão 'final' não é o momento processual adequado para suscitar a inconstitucionalidade de Interpretação e aplicação de normas, também é verdade que tal (boa) regra admite excepções, conforme ensina, brilhantissimamente, o douto Acórdão n.º 159/2000, de 17 de Abril de 2002, tirado do processo n.º 507/2000, da 3ª Secção deste mesmo Alto Tribunal.
5. Ora no caso em apreço, afigura-se ao recorrente que tem pleno cabimento a admissão excepcional de se considerar não esgotado o poder jurisdicional do Tribunal que proferiu aquela decisão 'final', em termos de ser ainda admissível pronunciar-se sobre o alegado aquando da arguição de nulidade dessa peça e portanto ser ainda admissível também suscitar então a referida inconstitucionalidade.
6. Assim sendo, como é de facto, deveria o recurso interposto ser admitido, como aliás foi no Tribunal 'a quo' - o que não vincula o Tribunal Constitucional - e apreciado após as pertinentes alegações, momento em que o recorrente poderia explanar melhor as suas razões, que no fundo apenas pretendem respeito pelos seus direitos constitucionais.
7 - Nestes termos se requer que seja decidido admitir-se o interposto recurso e se sigam os ulteriores trâmites até final.».
3 – A decisão reclamada é do seguinte teor:
«1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, dizendo que a 'alínea do n° 1 do art. 70° ao abrigo da qual o recurso é interposto é a b)', dos acórdãos da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, de 16 de Abril de 2002, e de 11 de Junho do mesmo ano (este 'manteve inalterado o anteriormente proferido em 16 de Abril do corrente ano'), acrescentando no requerimento de interposição do recurso o seguinte:
'2 . As normas constitucionais que considera terem sido violadas são : A) O art. 20º n.º 4; B) O art. 32º n.º 1 e n.º 5; e C) O art. 202º n.º 2
3. Considera-se que tais normas da nossa Lei Fundamental foram violadas quando se fez interpretação e aplicação dos arts 61º n.º 1 al. a), 63º n.º 1, 119º c), e 122º, 153º n.º 2, 154º , 340º, n.º 2, 350º e 355º, todos do Cód. Proc. Penal, de molde a admitir-se a omissão de notificação ao arguido para comparência de diligência probatória consistente em perícia, em fase de julgamento, bem como a consequente ausência deste a tal diligência, a que o seu mandatário não compareceu até por não ter sido notificado também, o que ressalta claramente dos autos, embora o aliás douto acórdão agora recorrido o não tenha reconhecido expressamente, sendo certo que ao arguido, em audiência não lhe foi dada a possibilidade de se confrontar com o senhor perito, que de resto nem sequer compareceu ou foi notificado para comparecer no julgamento da 1ª instância.
4. As peças processuais em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas já indicadas foram:
A) As suas alegações na motivação do recurso que interpôs para o Venerando Tribunal da Relação de Évora; e B) O seu requerimento de arguição de nulidade do aliás douto acórdão proferido neste mesmo Tribunal'.
2. Vê-se dos autos que o primeiro acórdão, de 16 de Abril de 2002, e no que aqui importa, manteve inalterada a sentença da primeira instância que condenou o recorrente 'na pena de dois anos de prisão, cuja execução se suspende pelo período de cinco anos; e na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 4.000$00 (quatro mil escudos), no total de 600.000$00 (seiscentos mil escudos), a que corresponde uma pena de prisão subsidiária de 100 (cem) dias ', pela prática 'de um crime de contrabando de circulação qualificado p. e p. pelos arts 22º e 23º do D.L. no 376-A/89 de 15-10', decidindo-se ainda que, quanto ao recurso 'da matéria de facto e da matéria de direito - art. 428° do Código de Processo Penal”, 'quer o recorrente A., quer os restantes recorrentes nas suas conclusões impugnam a matéria de facto dada como provada, mas não observaram o disposto nas alíneas do n.° 3 do citado art. 412º” e daí que 'não constando, das conclusões da motivação dos recursos as indicações a que aludem os n.ºs 3 e 4 do citado art. 412, os recursos não podem proceder nesta parte, pelo que nos termos do art. 420, n.º 1 do Código de Processo Penal serão rejeitados'.
E depois acrescenta-se no acórdão:
'Alega o recorrente A. que 'A realização de qualquer diligência de prova na fase de julgamento e de que seja lavrada acta deverá ser comunicada previamente ao arguido a fim de que este possa ali assegurar os direitos de defesa e designadamente o de se pronunciar sobre as questões nela suscitadas e exercer activamente o princípio do contraditório.
Não lhe tendo sido dado conhecimento dessa diligência foi violado o disposto no art. 340º, n.º 2 do C.P.Penal.
A realização de uma reunião na fase de julgamento a pedido de uma entidade interessada no desfecho do processo, como o é a UCLAF, da qual é lavrada acta e na qual participam aquela entidade, o MP. e o M.º Juiz, mas não tendo sido para ela convocado o defensor do arguido ou este e sendo a apresentação ou a preparação da prova o objectivo dessa reunião, constitui uma forma de pressão sobre o Tribunal, em desfavor do arguido, e que viola os princípios da separação de poderes e de independência dos Tribunais consagrados nos arts 111º, n.º 1 e
203º da Constituição da República Portuguesa'.
Compulsando os autos, constatamos que o ilustre mandatário do recorrente não obstante vir agora, em sede de recurso da decisão final, arguir tais irregularidades, nunca as arguiu no prazo que a lei lhe concede para o efeito, caso não tenha assistido ao acto - art. 123º do Código de Processo Penal.
E constatamos também que o ilustre mandatário do recorrente foi notificado do despacho que decidiu admitir a perícia que se refere - cfr. cota de fls. 233 v.º; e mesmo admitindo-se que a notificação em referência não abrangia o despacho sobre a admissão da perícia, verificamos que a fls. 249 o processo lhe foi confiado durante três dias e que na contestação que apresenta a seguir nada refere acerca da irregularidade de tal diligência.
Quanto à reunião solicitada pelo Sr. Director da UCLAF, a respectiva acta encontra-se a fls. 333 dos autos e dela consta a presença do mandatário arguente. Ora se o ilustre mandatário não se encontrava na reunião e dela consta, deveria ter suscitado a sua falsidade em momento próprio.
Quanto ao relatório pericial que depois dessa reunião foi junta aos autos - cfr. fls. 334 e segs. -, o ilustre mandatário foi dele notificado e nada disse.
Não encontramos nos actos referidos qualquer quebra do direito de defesa do arguido, escapando-nos perceber a razão por que o ilustre mandatário afirmou não ter tido conhecimento dos actos referidos quando neles esteve presente e deles teve conhecimento em devido tempo'.
No segundo acórdão, de 11 de Junho de 2002, indeferiu-se o requerimento do recorrente, em que vinha suscitada a nulidade do anterior aresto, dizendo-se apenas que 'constata-se que todo ele [o acórdão de 16 de Abril de 2002] aborda questões já suscitadas em sede de recurso e que foram devidamente tratadas no acórdão impugnado, pelo que o poder jurisdicional de apreciar tais questões encontra-se esgotado'.
3. É facto que na motivação de recurso apresentada pelo recorrente perante o tribunal de relação vem invocada a 'ilegitimidade, nulidade e inconstitucionalidade da prova produzida', para se pretender demonstrar que
'houve violações dos critérios legais relativos à produção e aferição dos meios de prova, o que inquina irremediavelmente a douta sentença proferida' (por um lado, e na tese do recorrente, não se pode 'deixar de considerar estranho que, relativamente à reunião certificada pela acta da fls. 333, não se tenha sentido sequer a necessidade de dar cumprimento ao que está estipulado no art. 340º, n.º
2, do C.P.Penal'; por outro lado 'o modo como foi realizada a reunião a que se reporta a acta de fls. 333 colide, (..), com os princípios da separação de poderes e de independência dos Tribunais consagrados nos arts 111º, n.º 1 e 203º da Constituição da República Portuguesa').
Depois nas conclusões da motivação lê-se o que ficou já transcrito do acórdão recorrido de 16 de Abril de 2002 e mais o seguinte:
'1- A não transcrição integral na acta dos depoimentos e declarações prestadas em audiência viola as disposições conjugadas dos arts. 99º, n.º 2; 100º, n.º 1;
101º, 363º; 364º e 412º, n.º 3 e n.º 4, todas do C. P. Penal, e impede o direito de recurso em toda a sua plenitude, o que viola também a norma prevista no art.
32º, n.º 1 da Constituição da República.
2 - Aquela não transcrição constitui uma irregularidade prevista no art. 123º, n.º 2, do C. P. Penal que afecta a validade do acto e que só pode ser sanada com a realização de novo julgamento.
(...)
6 - A realização de prova pericial de que foi incumbida uma entidade (a Brigada Fiscal) não pode ser efectuada por entidade diferente (UCLAF), não devendo sequer permitir-se que qualquer delas realize a perícia porque, sendo ambas entidades interessadas no desfecho do processo, não há condições objectivas e subjectivas para assegurar a imparcialidade e a isenção que são inerentes à realização de qualquer tipo de prova.
7 - Não pode servir de prova pericial a afirmação constante de auto em que se refere ter ocorrido em Fevereiro de 1997 a recolha de amostras e de fotografias de caixas de tabaco que havia sido destruído ou vendido em leilão no ano anterior.
8 - Não podem valer como meio de prova diligências realizadas sem a defesa conhecer antecipadamente quem são os peritos, qual a hora e o local em que se irá realizar a perícia e sem que seja prestado compromisso pelos peritos.
9 - A realização de diligências naquelas circunstâncias viola as regras da prova pericial e nomeadamente o disposto nos arts 154°, n.° 1 e n° 2 e 156°, n.° 1 do C.P.Penal e impede o exercício dos direitos do arguido, designadamente o de recusar o perito, o de designar consultor técnico e de assistir à perícia previstos, respectivamente, nos arts 153°, n.° 2, 155°, n.° 1 e 156°, n.° 2 do mesmo diploma legal.
10 - A aceitação da prova pericial alegadamente produzida nas circunstâncias referidas nas precedentes conclusões 6ª, 7ª, 8ª e 9ª e não examinada em audiência, violou os princípios do contraditório e da imediação da prova aflorados no art. 355º do C. P. Penal e os direitos do arguido a um processo equitativo e às garantias da defesa consagrados, respectivamente, nos arts 20°, n.° 4 e 32°, n.° 1 e n.° 5, ambos da Constituição'
Ora, não se pode extrair deste discurso do recorrente uma verdadeira arguição de inconstitucionalidade normativa dirigida às normas do Código de Processo Penal identificadas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, em si mesmas consideradas, ou numa qualquer dimensão interpretativa (e suposto mesmo que elas teriam sido aplicadas nos acórdãos recorridos, pois a perspectiva do julgado deriva tão-só do artigo 123° do Código de Processo Penal, no plano da arguição de nulidades processuais).
Centrando-se o núcleo da questão posta pelo recorrente na pretensa 'omissão de notificação ao arguido para comparência de diligência probatória consistente em perícia, em fase de julgamento, bem como a consequente ausência deste a tal diligência, a que o seu mandatário não compareceu até por não ter sido notificado também', toda a sua censura está relacionada com a 'ponderação e aferição dos meios de prova' e nunca está direccionada à interpretação 'e aplicação' das normas processuais, numa óptica jurídico-constitucional, em que assenta tal ponderação e aferição. E daí a invocada 'inconstitucionalidade da prova produzida', qua tale, e não a inconstitucionalidade das normas atinentes a essa prova.
No argumento de arguição de nulidade do acórdão de 16 de Abril de 2002 já o recorrente invoca 'uma inconstitucionalidade na interpretação e aplicação da lei, na medida em que as normas dos art.ºs 350º, 152º e ss. do CPP, quando entendidas como pretende o aliás douto acórdão que ora se impugna colidem aberta e frontalmente com o disposto no art.º 32° n.º 5 e art.º 32º, n.º 1 da CRP', mas não é, em regra, como não é in casu, o momento processual adequado para fazer tal suscitação, como é jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional, e tanto assim que o acórdão recorrido de 11 de Junho de 2002 limitou-se a concluir que as 'questões já suscitadas em sede de recurso (...) foram devidamente tratadas no acórdão impugnado'.
A suscitação de questão de inconstitucionalidade tem de obedecer à exigência do n.º 2 do artigo 72º da Lei n° 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, isto é, tem de fazer-se de modo processualmente adequado, para obrigar o Tribunal recorrido a dela conhecer, exigência que o recorrente não satisfez.
Tanto basta para concluir que falta o pressuposto processual específico do tipo de recurso de que se serviu o recorrente, o da suscitação de questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo.
Com o que não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
4. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em cinco unidades de conta.».
4 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, respondeu sustentando que a “reclamação é manifestamente improcedente”, porquanto “na verdade, é evidente que o ora reclamante não suscitou, durante o processo – podendo perfeitamente tê-lo feito – qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso de constitucionalidade interposto”.
B – Fundamentação
5 – A decisão impugnada, de relator do processo que já não se encontra em funções no Tribunal Constitucional, decidiu não tomar conhecimento do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade por haver entendido, em síntese, por um lado, que o reclamante não arguiu, nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Évora, “uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa dirigida às normas do Código de Processo Penal identificadas no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, em si mesmas consideradas, ou numa qualquer dimensão interpretativa (e suposto mesmo que elas teriam sido aplicadas nos acórdãos recorridos, pois a perspectiva do julgado deriva tão só do artigo 123º do Código de Processo Penal, no plano da arguição de nulidades processuais)” e, por outro, que só o fez – alegando então
“uma inconstitucionalidade na interpretação e aplicação da lei, na medida em que as normas dos art.ºs 350º, 152º e ss. do CPP, quando entendidas como pretende o aliás douto acórdão que ora se impugna, colidem aberta e frontalmente com o disposto no art.º 32° n.º 5 e art.º 32º, n.º 1 da CRP” – no requerimento em que arguiu a nulidade do primeiro acórdão da Relação de Évora que conhecera dos fundamentos daquelas alegações, sendo, porém, esse momento inadequado para fazer tal suscitação.
6 - Argumenta agora o reclamante que, ao encerrar pelo modo como encerrou a conclusão primeira das suas alegações de recurso para a Relação – “[...] o que viola também a norma prevista no art.º 32º, n.º 1, da Constituição da República”
– “alude[-se] expressamente às normas conjugadas dos art.ºs 99º, n.º 2, 100º, n.º 1, 101º, 363º, 364º e 412º, n.º 3 e n.º 4, todos do C. P. Penal”, parecendo
“assim claro que se suscitou a inconstitucionalidade de interpretação e aplicação de normas”.
Mesmo desconsiderando a intencionalidade jurídico-funcional do discurso do recorrente, em todo o seu contexto, que a decisão reclamada relevou na determinação do seu sentido – de caracterização das questões postas à consideração da Relação – ou seja, vista a conclusão 1ª das alegações essencialmente em função do seu texto verbal, como pretende o reclamante, conclui-se que não é possível descortinar naquele a colocação ao tribunal ad quem de qualquer questão de validade constitucional das normas do Código de Processo Penal que identifica.
No que contende com aquele aspecto disse-se na decisão reclamada:
«Centrando-se o núcleo da questão posta pelo recorrente na pretensa
'omissão de notificação ao arguido para comparência de diligência probatória consistente em perícia, em fase de julgamento, bem como a consequente ausência deste a tal diligência, a que o seu mandatário não compareceu até por não ter sido notificado também', toda a sua censura está relacionada com a 'ponderação e aferição dos meios de prova' e nunca está direccionada à interpretação 'e aplicação' das normas processuais, numa óptica jurídico-constitucional, em que assenta tal ponderação e aferição. E daí a invocada 'inconstitucionalidade da prova produzida', qua tale, e não a inconstitucionalidade das normas atinentes a essa prova.».
Cingindo agora a análise apenas ao discurso verbal da conclusão 1ª, constata-se que o sentido a inferir dele é o de que “a não transcrição integral na acta dos depoimentos e declarações prestadas em audiência viola as disposições conjugadas dos arts. 99º, n.º 2; 100º, n.º 1; 101º, 363º; 364º e
412º, n.º 3 e n.º 4, todas do C. P. Penal” e que essa mesma “não transcrição integral dos depoimentos e declarações prestadas em audiência” “impede o direito de recurso em toda a sua plenitude, o que viola também a norma prevista no art.º
32º, n.º 1 da Constituição da República”.
Não é possível ver no texto verbal utilizado qualquer questionamento da validade constitucional das normas referidas, seja a se, seja de forma conjugada, questionamento esse em que o parâmetro de validade fosse o do art.º
32º, n.º 1, da CRP.
O que o recorrente afirma é que a omissão do acto processual que refere viola directamente não só as disposições legais do CPP que identifica como também o art.º 32º, n.º 1, da CRP.
Quer dizer, o recorrente imputa a violação da disposição constitucional não a qualquer norma (ao legislador) mas à concreta decisão judicial por esta haver omitido a prática do concreto acto processual da transcrição dos depoimentos e declarações prestadas em audiência.
Deste modo importa reconhecer que, tal como concluiu a decisão reclamada, não vem problematizada pelo recorrente qualquer questão de validade constitucional das normas em causa (ou sua dimensão normativa), através da alegação de qualquer juízo de antítese entre as mesmas normas e o parâmetro constitucional tido por violado, problema de cuja existência, por posto de forma perceptível e adequada, o tribunal a quo se pudesse dar conta e devesse resolvê-lo (cfr., entre a vastíssima jurisprudência deste Tribunal, os Acórdãos n.os 90/85, 352/94,
560/94, 155/95, todos publicados no Diário da Republica II Série, respectivamente, de 11 de Julho de 1985, 6 de Setembro de 1994, 10 de Janeiro de
1995 e 20 de Junho de 1995; n.º 178/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., pp. 1118, e, mais recentemente, os Acórdãos nos
23/2003 e 24/2003, ainda inéditos).
7 - Sustenta ainda o reclamante que «embora [...] aceite que é jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional que a arguição de nulidade da decisão
'final' não é o momento processual adequado para suscitar a inconstitucionalidade de Interpretação e aplicação de normas, também é verdade que tal (boa) regra admite excepções, conforme ensina, brilhantissimamente, o douto Acórdão n.º 159/2000, de 17 de Abril de 2002, tirado do processo n.º
507/2000» e que «[...] no caso em apreço, [...] tem pleno cabimento a admissão excepcional de se considerar não esgotado o poder jurisdicional do Tribunal que proferiu aquela decisão 'final', em termos de ser ainda admissível pronunciar-se sobre o alegado aquando da arguição de nulidade dessa peça e portanto ser ainda admissível também suscitar então a referida inconstitucionalidade».
Não precisa o reclamante a que título, de entre as excepções admitidas ao ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade, deve atender-se à alegação feita no referido requerimento de arguição de nulidade da questão, aí delineada, de “inconstitucionalidade na interpretação e aplicação da lei, na medida em que as normas dos art.ºs 350º, 152º e ss. do CPP, quando entendidas como pretende o aliás douto acórdão que ora se impugna colidem aberta e frontalmente com o disposto no art.º 32° n.º 5 e art.º 32º, n.º 1 da CRP”.
Constitui jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional que o recorrente se deve ter por dispensado do cumprimento do ónus de suscitação atempada da questão de inconstitucionalidade naqueles casos tidos como “anómalos” ou
“excepcionais”, em que o interessado ou não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo ou, embora dispusesse em abstracto dessa oportunidade, a decisão recorrida interpretou e aplicou a norma ou normas de um modo “insólito” e “imprevisto” que seria desrazoável e inadequado exigir-lhe um prévio juízo de prognose relativo ao critério normativo aplicado na decisão do caso em termos de se poder antecipar ao proferimento da decisão suscitando a questão de inconstitucionalidade (cfr., entre outros, os acórdãos n.º 489/94, publicado no Diário da República II Série, de 16 de Dezembro de 1994, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º, pp. 415; n.º 310/00, publicado no Diário da República II Série, 17 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., pp.853 e n.º 120/02, publicado no Diário da República II Série, de 15 de Maio de
2002, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 52º, pp. 575).
Mas o caso em apreço não se integra, porém, em qualquer dessas hipóteses. E não se enquadra desde logo, porque, mesmo admitindo que tais normas tivessem sido aplicadas como ratio decidendi da decisão recorrida - aplicação essa que a decisão reclamada admitiu apenas a título de pressuposto indiscutido, por segundo a perspectiva do julgado a decisão da causa derivar tão só da aplicação do art.º 123º do CPP, e em cuja apreciação para a economia da decisão não importa entrar - nunca a sua aplicação poderia ser considerada como “insólita” ou “imprevista”, pois o recorrente havia recortado as questões a decidir pelo tribunal a quo em torno do quadro normativo nelas estabelecido, tendo-as convocado expressamente para a solução da causa.
Assim sendo, o recorrente, agindo com a diligência devida do mandato forense, estava em condições de poder prever a (pressuposta) aplicação das normas e de suscitar a questão da sua inconstitucionalidade em momento tal que o acórdão arguido de nulo pudesse apreciá-la e decidi-la, não constituindo momento adequado para tal o da arguição da nulidade do mesmo acórdão, como bem ponderou a decisão reclamada.
C – Decisão
8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 5 de Janeiro de 2005- Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050004.html ]