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Processo nº: 137/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em
que figura como reclamante A. e como reclamado B., a reclamante interpôs recurso
de constitucionalidade do despacho do Relator junto do Supremo Tribunal de
Justiça que não admitiu o recurso interposto para esse Tribunal.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido por despacho do seguinte teor:
Notificada do despacho de fls. 249 a 254, que decidiu não conhecer do recurso
que interpôs do acórdão proferido na Relação de Lisboa, veio a recorrente dele
interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
Cumpre decidir.
Como decorre do nº 3 do artigo 700º do CPC, quando a parte se considerar
prejudicada por qualquer despacho do relator que não seja de mero expediente,
poderá requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, devendo o
relator submeter o caso à conferência.
Sendo assim, a aqui recorrente teria de, previamente, suscitar a prolação de um
acórdão e só depois, se fosse caso disso, interpor recurso para o Tribunal
Constitucional.
Significa isto que não pode haver recurso de um despacho do relator, mas apenas
de qualquer acórdão que seja proferido nos autos.
Nestes termos, por legalmente não ser admissível, não recebo o recurso
interposto.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
2. A. reclamou nos seguintes termos:
A., nos autos de recurso à margem identificados, vem, por apenso, reclamar, nos
termos do art. 688° do C.P.C., do douto despacho do Exmo Senhor Conselheiro
Relator de fls. que indeferiu a interposição de recurso para o TRIBUNAL
CONSTITUCIONAL e decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto pela ora
Recorrente,
Vejamos:
1. Em 23/09/2005, o Exmo. Desembargador Relator no Tribunal da Relação de Lisboa
admitiu o recurso de revista e ordenou a sua remessa ao Supremo Tribunal de
Justiça;
2. Em 22/11/2005, por despacho, o Exmo Senhor Conselheiro Relator indeferiu o
requerimento de interposição da revista;
3. Deste despacho a reclamante, por requerimento dirigido ao Exmo Senhor
Conselheiro Relator, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional;
4. Por despacho de 2006/01/10, o Exmo Senhor Conselheiro Relator indeferiu o
recurso para o Tribunal Constitucional, retendo-o;
5. E deste despacho de 2006/01/10, em que o Exmo Senhor Conselheiro Relator do
Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o requerimento de interposição do recurso
para o Tribunal Constitucional que vem a Recorrente reclamar para V. Exa. Senhor
Presidente do Tribunal Constitucional.
6. Na verdade, o Exmo Senhor Conselheiro Relator não é competente para indeferir
o requerimento de recurso;
7. Tal competência compete ao Tribunal Constitucional. Daí a presente Reclamação
nos termos do art. 688° do C.P.C.
8. Não colhe, com o devido respeito, o argumento meramente formal de que o
despacho de indeferimento e retenção do recurso, não foi precedido de reclamação
para a Conferência. Tal reclamação é, salvo melhor opinião, expressamente
dispensada no art. 700° nº 3 do C.P.C. quando refere:
“Salvo o disposto no art. 688° do C.P.C. quando a parte se considere prejudicada
por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer
que sobre a matéria do despacho recaia acórdão, o relator deve submeter o caso à
conferência, depois de ouvida a parte contrária.
E o art. 688° n° 1 do C.P.C. dispõe que:
“Do despacho que não admita a apelação, a revista ou o agravo e bem assim do
despacho que retenha o recurso, pode o recorrente reclamar para o presidente do
tribunal que seria competente para conhecer do recurso.”
É o que a Recorrente agora vem fazer.
Em resumo, impõe-se o recurso pelas razões seguintes:
1. A Recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a
constitucionalidade do nº 4 do art. 678° do C.P.C. no que concerne às acções com
vista a obter a entrega de casa de habitação (despejo).
2. A interpretação acolhida no douto despacho recorrido (ponto 4.1), de
22/11/2005 que decidiu não conhecer da revista interposta pela Recorrente, viola
o princípio constitucional do direito à igualdade dos artº.s 13° nºs 1 e 2, e do
art. 18° nº 1, o qual se reconduz ou se baseia no princípio de acesso aos
Tribunais regulado no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da Republica, impedindo
a fixação de jurisprudência sobre as normas adiante invocadas.
3. A Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma indicada
nas suas alegações, no recurso de revista (conclusões 1ª a 4ª), não tendo
suscitado a questão de inconstitucionalidade da norma referida, por não ter tido
oportunidade de o fazer, por não ser previsível a adopção do entendimento na
interpretação do nº 4 do art. 678° do C.P.C., de forma a pôr em causa a
desejável uniformização de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça.
4. A aplicar-se tal preceito processual, o que só por hipótese se admite,
criar-se‑ia profunda e inconstitucional discriminação entre os cidadãos
inquilinos baseada simplesmente no valor da renda, tendo em atenção, ainda, o
direito a habitação consignado no art. 65° nº 1 da mesma Constituição que também
é, assim violado.
5. A Recorrente pretende que, com a uniformização pretendida, a referida norma
do art. 64°, nº 1, alínea i) e nº 2 alínea a) do Dec. Lei 321/B/90 de 15 de
Outubro seja interpretada no sentido de que não fixa qualquer prazo para se
caracterizar a falta de residência permanente, como, aliás, foi acolhido no
douto Acórdão do Tribunal da Re1ação de Lisboa 04-07-95 in RL199507040094151 in
http://www.dgsi.pt/jtri.nsf/ 33182fc732316039802565fa00497eec/19098515899c27B...
31-07-2005 JTRL00018949FERREIRA PASCOAL.
6. A Recorrente tem direito à tutela jurisdicional efectiva para defesa da sua
habitação, em termos que não se compadecem com o valor da acção de doze vezes a
renda que vem pagando ao longo de várias décadas, para além de, sendo
octogenária e com saúde precária não poder procurar nem pagar outra habitação no
mercado.
Termos em que deve ser deferida a presente reclamação ordenando-se a remessa dos
autos a este Venerando Tribunal para ser processado o recurso interposto nos
termos da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei do Tribunal Constitucional;
P.D.
Requer que ao apenso desta reclamação seja junta certidão, para além do douto
despacho que retém o recurso objecto desta reclamação, do requerimento entrado
em 05/12/2005 e do despacho de 22/11/2005 de fls. que indeferiu o recurso de
uniformização de Jurisprudência.
O Ministério Público pronunciou‑se do seguinte modo:
A presente reclamação é manifestamente improcedente, já que o recorrente não
esgotou os meios impugnatórios ordinários possíveis, reclamando para a
conferência do despacho do relator que, no STJ, suscitou e dirimiu a “questão
prévia” da inadmissibilidade do recurso (situação processual bem diferenciada
daquela em que o próprio juiz ou relator não admite liminarmente o recurso, do
qual cabe, como é óbvio – e só nesse caso – o meio procedimental da reclamação
para o Presidente do Tribunal Superior).
Cumpre apreciar.
3. Nos presentes autos, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não foi
admitido por despacho do Relator junto desse Tribunal, cabendo naturalmente
reclamação para a Conferência para efeito de confirmação ou revogação de tal
despacho (artigo 700º do Código de Processo Civil).
Note‑se que não está em causa a não admissão do recurso pelo tribunal a quo,
situação em que cabe reclamação para o Presidente do tribunal ad quem. Neste
processo, a não admissão do recurso foi apreciada e decidida por despacho do
Relator do tribunal ad quem. Desse modo, havia lugar à dedução de reclamação do
despacho.
Assim, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
verifica‑se que não foram esgotados todos os meios impugnatórios ordinários que
no caso cabiam, pelo que o recurso de constitucionalidade não podia ser
admitido.
Improcede, portanto, a presente reclamação.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 1 de Março de 2006.
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos