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Processo n.º 399/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 78º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária
proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não tomar
conhecimento do recurso de constitucionalidade das normas dos artigos 34.º,
42.º, n.º4, 652.º, n.º 1, al. e), 790.º, n.º 1, 796.º, n.º 6, todas do Código de
Processo Civil, bem como, ainda, das normas dos artigos 524.º, n.º 2, 265.º, n.º
3, 519.º, 645.º, 650.º e 665.º, do mesmo diploma, e da norma do artigo 16.º do
Código das Custas Judiciais.
2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A., melhor identificada nos autos, intentou contra “B., Lda.” uma acção
declarativa de condenação, sob a forma de processo sumaríssimo, pedindo a
condenação da Ré no pagamento de 3.700,00 euros, a título de indemnização por
danos não patrimoniais alegadamente sofridos em consequência da violação das
obrigações contratuais e legais, decorrentes do contrato de mediação imobiliária
celebrado entre ambas.
2 – Após o decurso da audiência de julgamento, a ora recorrente apresentou
perante o tribunal a quo um requerimento, na parte relevante, do seguinte teor:
[A fls. 99 e ss.]:
«A., A, nos autos, vem requerer direito de alegar por este meio, na sequência de
não lhe ter sido acordada possibilidade de alegar oralmente na audiência do 25
de Outubro de 2004 e desta forma remediar à falta de igualdade de armas das
partes que nos termos do art. 3º do CPC deve ser respeitada ao longo de todo o
processo.
Com efeito, a autora requereu no tribunal a possibilidade de alegar oralmente na
audiência, invocando o principio do contraditório, por ter entendido que no
âmbito do art. 796º do CPC apenas lhe estava vedada a inquirição das testemunhas
que por ser efectuada pelo juiz, respeitava principio do contraditório previsto
pelo o art. 3º do CPC.
De modo que a autora sente tanto mais forte a violação do principio do
contraditório que no processo civil francês ao qual ela está habituada (onde as
provas por testemunhas, no processo civil, são raras e só admitidas em caso de
impossibilidade absoluta de provar por escrito ou nas situações em que a prova
escrita seja contestada pela parte adversa e a prova testemunhal seja admitida),
as alegações orais perante o tribunal, onde cada parte expõe, durante 30 minutos
(em média), de maneira mais eloquente e relevante os argumentos jurídicos já
desenvolvidos nas alegações escritas constituem a essência da audiência.
Aliás, salvo devido respeito de melhor opinião, em nenhum lado o referido artigo
veda, à parte sem advogado, a possibilidade de alegar perante o tribunal.
É que, o facto do n.º 6 do art. 796º, estipular que 'pode cada um dos advogados
fazer uma breve alegação oral', não significa que exclui a alegação da parte
quando esta não tenha advogado.
Aliás, uma exclusão pura e simples de alegar, colidiria com o art. 3º do CPC e o
direito da parte de se defender sem assistência de advogado esvaziar-se-ia de
sentido prático se esse direito não fosse acompanhado do direito de igualdade de
armas.
Nestas circunstâncias por não se poder violar o princípio da igualdade de armas
que nos termos da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em
aplicação.
do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, é essencial para que o
processo seja equitativo, se digna a autora requerer direito de alegar.
nos seguintes termos:
(...)».
[E a fls. 110 e ss.]:
«(...) sem prescindir do recurso de constitucionalidade na medida em que este
continue a ser útil para uma boa aplicação da justiça, dentro do enquadramento
em que foi invocado, vem, no âmbito da prudente diligência do tribunal em
suspender a audiência de julgamento para melhor ponderação do processo,
requerer:
Suspensão dessa audiência de julgamento por um período de tempo mais alargado a
fim de proporcionar à aqui autora a possibilidade razoável de comprovar a
verdade,
- nos termos do art. 524º, n.º 2, do CPC, e
- nos termos dos art.s 265º, n.º 3, 519º, 535º e 645º, todos do CPC.
Ademais, vem ainda a autora requerer a reforma do despacho do 25/10/04, que a
condenou em multa de 1/2 UC por incidente,
- nos termos do art. 669º, também do CPC.
Com efeito, a prontidão na administração da justiça, que pressupõe celeridade
processual, não deve prejudicar a ponderação das partes e do próprio tribunal.
Um tribunal que se preocupe unicamente com uma justiça demasiado expedita, sem
ter em conta a particularidade de cada processo, compromete o acerto da decisão,
o que resultará em despendidos inúteis com repercussões inversas à finalidade da
economia da justiça, e reflectir-se-á negativamente no Estado de direito
democrático, com grande risco de acentuar o sentimento, já bastante
generalizado, de uma deficiente aplicação do direito, facto que encoraja tanto
mais uma sociedade ao não cumprimento das obrigações e, por conseguinte, das
regras. É pois o que acontece quando nos sistemas jurídicos onde os pequenos
processos, por serem pequenos, são demasiado expeditos, onde os tribunais acabam
por desculpar, com grande facilidade, aqueles que violaram a lei, encorajando,
desta forma, o incumprimento da lei. Daí que se instale um consenso generalizado
de que as obrigações não são para cumprir. O que arruína a democracia, não
bastando um Presidente da República vir dizer publicamente que numa democracia
as obrigações são para cumprir.
Assim, os tribunais devem assumir a grande responsabilidade de fazer respeitar
as leis, mesmo se aplicar o direito nem sempre é tarefa fácil, se bem que muito
digna.
Ora, no caso em apreço, não se deve desprezar as causas que proporcionaram esta
situação e porque não houve por parte da autora inércia no seu dever de
comprovar a verdade que por ela foi alegada, o tribunal deve colaborar na
procura dessa verdade.
Não podemos esquecer que esta acção deu entrada por correio enviado a partir de
um país estrangeiro e que, nessa altura, a Autora não teve possibilidade de
juntar outra prova senão a testemunhal, que seria suficiente se não houvesse
amnésia selectiva por parte da testemunha.
Além disso, existem automatismos muito ancorados nas práticas dos tribunais
portugueses que fazem com que a prova testemunhal parece ser mais valorizada do
que a qualquer outra prova e não deixa de ser muito surpreendente quando, não
obstante, existindo prova documental suficiente, organiza-se a selecção da
matéria de prova de tal modo que, fora dos casos em que a prova escrita é
obrigatória (como o contrato promessa de compra e venda), a prova testemunhal
acaba por predominar, como se tivesse valor superior.
Neste espírito, a prova testemunhal acaba por se tomar incontornável para o
conjunto dos profissionais do foro no processo civil português.
Aliás, as audiências de discussão quase se limitam à audiência de testemunhas.
Exactamente, como se ainda estivéssemos numa época em que os negócios se faziam
verbalmente sem deixar provas escritas. Independentemente do anacronismo do
código do processo civil Português, existe por parte dos profissionais do foro
uma forte resistência em adaptar a justiça à nossa época.
Assim, numa época onde o escrito já está a ser substituído pelo digital, a
justiça portuguesa continua a privilegiar a prova verbal de um outro tempo.
No âmbito desta prática no processo civil português e tendo em conta outras
circunstâncias, optou a autora, por pedir a notificação da testemunha C. que,
apesar de ser proprietário da fracção retida pela aqui autora e interveniente,
ao lado dos réus, promitentes vendedores, na acção onde A. é também autora e
onde B. depôs.
Portanto, apesar de interesses opostos entra a autora e C., a requerente
considera aquele indivíduo uma pessoa de bem, muito respeitável, que, aliás na
opinião da autora, teria aceitado resolver extra-judicialmente toda esta
situação, desde sempre, 'se, segundo ele, não houvesse advogados'.
Por conseguinte, a Autora estava perfeitamente confiante de que a testemunha
seria a prova certa e suficiente para esclarecer o tribunal da verdade alegada
na Petição Inicial.
Neste entendimento, a autora só tinha previsto a possibilidade da testemunha não
comparecer.
Daí que, com as gravações dos depoimentos, pedidos ao tribunal para outros fins
e, por conseguinte, sem a certidão, a autora tivesse, entretanto, transcrito o
depoimento de B., a fim de poder esclarecer, por este meio, a verdade ao
tribunal.
Contudo, o tribunal não aceitou a transcrição sem a certidão da gravação.
Ora, tendo o sentimento de ter oferecido prova testemunhal suficiente para
comprovar o alegado na Petição Inicial e dado que vive em França, deslocando-se
geralmente por pouco tempo a Portugal, nunca considerou necessário pedir
certidão por pensar que a prova trazida por C. seria suficiente.
Aliás, sabia também a autora que, no caso da testemunha não comparecer, podia a
aqui requerente pedir a suspensão da audiência e, eventualmente, propor outra
testemunha e/ou pedir, entretanto, a certidão, pedido que seria desnecessário
caso tudo tivesse corrido como era de esperar e sem a inexplicável amnésia
selectiva.
Portanto, assim corriam as expectativas da autora e não se poder dizer que houve
negligência por parte daquela que tinha o sentimento normal e razoável de ter
providenciado suficientemente a sua obrigação de ónus de prova.
Aliás, tendo em conta o eco que causou o depoimento de B. na audiência, e o
impacto que aquele depoimento despertou em C., presente naquela audiência, e com
um forte envolvimento no interesse de conhecer a verdade relacionada com a
entrega da sua fracção, a autora não podia razoavelmente prever que, um ano após
esse depoimento, a testemunha se confrontaria com uma estranha amnésia selectiva
sobre factos que normalmente a marcaram, como teriam marcado qualquer pessoa na
sua situação.
Face ao supra exposto, a necessidade de uma prova suplementar, era total e
razoavelmente imprevisível para a autora.
Daí que a autora não tenha pedido a referida certidão.
Isto, porque a inexistência de fundamento factual da pretensão da autora nesta
acção surgiu apenas no momento da audiência de discussão por ter havido
deficiência anormal e imprevisível da testemunha e não uma inércia por parte da
autora.
Nestes termos, a autora vem requerer:
1. ARTIGO 524º do CÓDIGO de PROCESSO CIVIL
Neste entendimento, estamos perante a situação do n.º 2, alínea 2, do art. 524º
do CPC, 'Os documentos... posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se
tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser
oferecidos em qualquer estado do processo'.
Portanto, aqui a testemunha não deu uma versão dos factos contrária à ou
diferente da verdade alegada pela autora.
A testemunha admitiu ter assistido ao depoimento de B., contudo desculpou-se por
não se lembrar de nada do que B. tinha dito.
Esta desculpa, de amnésia total e selectiva de facto marcante vivido há apenas
um ano, contrasta com as declarações relatadas com pormenores, que a testemunha
depôs espontaneamente num desabafo (termo utilizado pela testemunha) de factos
ocorridos há quatro anos! Para a exposição dos quais a testemunha não tinha sido
convocada pela Autora.
Assim, dado que a testemunha se desculpou de amnésia sobre os factos ocorridos
há um ano e para os quais ela foi convocada a testemunhar, tendo só relatado
factos de há quatro anos que extravasaram o que tinha sido requerido pela
autora, estamos perante um resultado idêntico à situação de não comparecimento;
Ou seja, houve deficiência de cooperação da testemunha, por motivos
imprevisíveis e não imputáveis à autora, daí que deva ser dada à aqui requerente
a oportunidade de substituir a prova que devia ter sido feita por aquela
testemunha.
Ora, na medida em que a autora não podia razoavelmente contar com a amnésia
selectiva da testemunha, completamente imprevista e contrária às expectativas
normais da autora, encontra-se assim caracterizada a aplicação da alínea 2, do
n.º 2, do art. 524º do CPC.
Neste entendimento, a aqui autora requer que o tribunal se digne, para uma
melhor decisão da causa, suspender o julgamento por um prazo razoável, a fim de
que a certidão do depoimento de B. possa ser disponibilizado pelo tribunal onde
aquele depôs.
Sem prescindir,
2. ARTIGOS 265º, n.º 3, 519º, 535º e 645º do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
A autora vem, por este meio, requerer/sugerir ao Tribunal, no âmbito do art.
519º do CPC, que estipula o dever de cooperação para a descoberta da verdade, a
aplicação dos art.s 645º, 265º, n.º 3, e 535º, do mesmo diploma.
É que, no caso em apreço, encontramo-nos perante esta situação que justifica a
aplicação daqueles artigos.
Daí que, no decurso da audiência, em face da amnésia da testemunha que devia
provar a verdade alegada na P. I., a autora tenha sugerido aquela possibilidade
ao tribunal.
Com efeito, após a reforma de 1995, o juiz, para além de poder, tem o dever de
inquirição.
Assim, o art. 645º estipula que 'Quando, no decurso da acção, haja razões para
presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento
de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja
notificada para depor.'
Ou ainda 'Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as
diligências necessárias ao apuramento da verdade..;' (n.º 3 do art. 265º do
CPC).
Neste sentido “...o tribunal pode e deve ordenar em realizar diligência
oficiosa...e obrigar terceiros a colaborarem para que a justiça seja efectiva
(arts 265º, 519º...' (Ac. RE, de 26.9.1995: BMJ, 449º-467).
Ou ainda, 'A inércia de accionamento, pelo juiz, dos poderes-deveres conferidos
pelo n.º 3), do art. 265º do CPC de 95 (ordenação oficiosa das diligências
necessárias ao apuramento da verdade...), ... podendo relevar em sede de
apreciação do mérito, quiçá mesmo em sede disciplinar, do magistrado instrutor
ou decisor' (Ac. STJ, de 6.6.2002, Rev. n.º 1489/02-2ª, Sumários).
Por conseguinte, neste entendimento vem a autora propor, por ordem de
preferência, ao tribunal outras testemunhas, profissionais do foro:
Senhor Juiz D., Tribunal Cível da Comarca do Porto, 1ª Secção, 1ª Vara;
Senhor Advogado E. (mandatário da promitente vendedora, no referido processo),
com escritório no … Matosinhos;
Senhor Advogado F. (mandatário do interveniente C., aqui testemunha amnésica),
com escritório na … Porto.
Finalmente,
3. ARTIGO 669º do CÓDIGO de PROCESSO CIVIL
Vem a autora, nos termos do art. 669º, requerer a reforma do despacho de V.
Ex.a, de 25 de Outubro de 2004, nos termos do qual a autora foi condenada por
incidente com multa de metade de uma UC.
Com efeito, em face do supra exposto considera a Autora a multa injusta; por
conseguinte vem, muito respeitosamente, requerer a V. Exª se digne revogar
aquela condenação (...)».
3 – Tal requerimento mereceu o seguinte despacho:
“(...)
Fls. 99 e seguintes:
Muito embora no processo sumaríssimo não seja obrigatória a constituição de
advogado (cf. art. 32º do Código do Processo Civil), podendo as partes pleitear
por si (cf. art. 34º do mesmo código), o certo é que o código de processo em
todos os preceitos legais que se referem à audiência de julgamento (arts. 42º,
n.º 4, 652º, n.º 1, alínea e), 790º, n.º 1, e 796º, n.º 6), atribui
exclusivamente ao advogado essa faculdade.
Assim, dado que, por um lado, o processo sumaríssimo apenas admite a produção de
breves alegações orais e que, por outro lado, tais alegações apenas podem ser
feitas por advogado, conforme expressamente determinado no n.º 6 do art. 796º do
Código do Processo Civil, por ser legalmente inadmissível, determina-se o
desentranhamento dos autos das alegações escritas apresentadas pela própria
autora a fls. 99 e seguintes.
***
Custas do incidente a que deu causa a cargo da autora, fixando-se a respectiva
taxa de justiça em 2 (duas) UC - cf. art. 16º, n.º 1, do Código do Processo
Civil.
***
Fls. 110 e seguintes:
Dado que não se verificam os requisitos previstos no art. 524º, n.º 2, do Código
do Processo Civil, pois o documento junto aos autos a fls. 157 e seguintes não
visa provar factos posteriores aos articulados nem a sua apresentação se tomou
necessária por virtude de ocorrência posterior (em nosso modesto entender o
facto de o depoimento da testemunha arrolada pela autora não ter correspondido
às suas expectativas em termos de prova não se integra na 2ª parte da referida
norma legal), não se admite a junção aos autos do documento em causa, tanto mais
que tal documento só é susceptível de provar as declarações proferidas pelo
legal representante da ré na audiência de julgamento que teve lugar nas Varas
Cíveis do Porto e não que o mesmo mentiu à autora, sendo que apenas este facto é
que tem relevância para a decisão da causa.
Face ao exposto, determina-se o desentranhamento dos autos do documento junto a
fls. 157 e seguintes, por ser legalmente inadmissível.
***
Face à junção aos autos do documento supra referido, fica prejudicado o
conhecimento do pedido de suspensão da instância para esse mesmo fim.
***
Indefere-se a requerida inquirição das testemunhas indicadas ela autora a fls.
113, verso, e 114, quer por ser manifestamente intempestivo quer porque tais
depoimentos não se afiguram com interesse para a decisão da matéria de facto
(como já se disse supra o que releva não é o facto de o representante legal da
autora ter mentido na audiência de julgamento que teve lugar nas Varas Cíveis do
Porto mas que tenha mentido à aqui autora).
***
Indefere-se a reforma do despacho proferido a fls. 97, na parte relativa às
custas do incidente, por total ausência de fundamento legal.
(...)”.
4 – Deste despacho, a Autora interpôs recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), através de requerimento em que
alega, na parte útil à decisão, agora, a proferir, o seguinte:
«(…)
No referido requerimento a autora, ora requerente, denunciava a violação do seu
direito de alegar (igualdade de armas no processo equitativo defendido pelo § 1º
do art. 6º da Convenção Europeia), na audiência realizada a 25/10/2004 e,
acessoriamente, solicitava a possibilidade de alegar por escrito.
Pois, no processo sumaríssimo pelo menos admite-se, claramente, alegações
escritas para expor as pretensões e fundamentos, quer a parte seja ou não
representada por advogado.
Assim, entendeu a autora, ora recorrente, que ou se teria de admitir as
alegações orais ou, então, ter-se-ia de admitir a substituição daquelas por
alegações escritas.
Contudo, no referido despacho recorrido, de 28/01/2005, fls., por um lado,
impede-se alegações orais e, por outro, também não se admite alegações escritas.
Nestes termos, a interpretação que o tribunal faz dos art.s 32º e 34º, em
conjugação com os art.s 42º, n.º 4, 652º, n.º 1, alínea e), 790º, n.º 1, e 796º,
n.º 6, todos do CPC, para fundamentar o referido despacho, é manifestamente
inconstitucional.
Aliás, o facto do n.º 6, do art. 796º, referir o termo 'advogado' e omitir o
termo 'parte' não pode significar que o legislador quis excluir do poder
(direito) de alegar a parte que pleiteia sem advogado.
Acresce que os art.s 42º, nº 4, 652º, n.º 3, al. e), e 790º, n.º 1, do CPC, não
colidem com o art. 34º, por aquelas disposições se aplicarem a situações bem
determinadas e em circunstâncias diferentes daquelas previstas pelo art. 34º, ou
seja, no quadro da assistência técnica dos advogados é normal que o
constituinte, com funções bem definidas, não possa usurpar as funções do
advogado, no quadro daquela assistência (art. 42º), as outras situações
referem-se à representação obrigatória por advogado, daí que não colidam com o
art. 34º; neste sentido, veja-se o Acórdão do T. C. nº 245/97, de 18/3/97,
(http://www.tribunalconstitucional.pt).
Contudo, se o art. 796º, n.º 6, do CPC, manifestasse a vontade expressa, como
considera este tribunal, de que as alegações orais 'apenas podem ser feitas por
advogado', então ter-se-ia que admitir ou a produção de breves alegações
escritas para substituir as alegações orais ou a inconstitucionalidade do nº 6
do referido artigo.
Isto, porque ao legislador cabe gerir, através de instituição das normas, o bom
funcionamento da justiça mas sem ofender os direitos fundamentais do processo,
constitucionalmente protegidos.
Assim, se o legislador pode optar pela possibilidade das partes prescindirem da
constituição de advogado, não pode aquele legislar tal possibilidade em violação
do art. 3º-A do CPC e do processo e equitativo consagrado no §1º, do art. 6º, da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, com dignidade constitucional, e demais
preceitos constitucionais.
E, aos tribunais incumbe, nos termos do art. 202º e 205º da CRP, assegurar a
defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e apreciar a
inconstitucionalidade.
Ora, decidindo o tribunal exigir advogado para que os direitos da Requerente
possam ser tutelados em audiência de discussão e julgamento de uma acção em que
a constituição de advogado não é obrigatória, está a violar o acesso ao direito
da aqui Requerente, tutelado pelo art. 20º, n.º 1, da Constituição, violando
também o art. 2º do mesmo diploma que garantia de efectivação dos direitos
fundamentais».
5 – Importa saber se se verificam os requisitos relevantes para que este
Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do recurso interposto, a fls.
201 e ss., dos despachos que indeferiram os requerimentos da Autora de fls. 99 e
ss. e de fls. 110 e ss.
Na verdade, constitui requisito do recurso interposto, ao abrigo do disposto
na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição da República Portuguesa
(CRP) e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), em cuja categoria se insere o presente – e como decorre dos mesmos
preceitos quando falam de aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo, mas que encontra igualmente tradução no n.º 2
do artigo 75º-A da LTC – que a questão de inconstitucionalidade da norma
efectivamente aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida tenha sido
suscitada durante o processo.
O sentido deste conceito tem sido esclarecido, por várias vezes, por este
Tribunal Constitucional. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se que esse
requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita
em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de
esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita”.
Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no
Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um
cabal cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada -
da questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da
questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
Neste domínio, há a acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a
intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da
questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter
apreciado.
Na mesma linha de pensamento podem ver-se, ainda, entre outros, o Acórdão n.º
155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e,
aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000,
publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 (sobre o sentido de
um tal requisito, cf. José Manuel Cardoso da Costa, «A jurisdição constitucional
em Portugal», separata dos Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso Queiró, 2ª
edição, Coimbra, 1992, p. 51).
É certo que tal doutrina sofre restrições, como se salientou naquele Acórdão
n.º 354/94, mas isso, apenas, acontece em situações excepcionais ou anómalas,
nas quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a
questão de constitucionalidade antes proferida, ou não era exigível que o
fizesse, designadamente, por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de
todo insólita e imprevisível.
Recordando os termos do recente Acórdão n.º 192/2000, dir-se-á, ainda, que
“quem pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na
aplicação de uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de
suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de
proferido o acórdão da conferência de que recorre...”, posto que ao encararem ou
equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas, as partes não
estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas poderem ser
entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa das suas
posições, aí, prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em face da lei
fundamental.
Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do
direito plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua
conformidade constitucional. O dever de suscitação da inconstitucionalidade,
durante o processo e pela forma adequada, enquadra-se dentro destes parâmetros
acabados de definir.
À face do que vem de ser exposto, é forçoso concluir que a recorrente não
suscitou qualquer problema de constitucionalidade respeitante à[s] norma[s] que
agora pretende sindicar, norma[s] essa[s] inferida[s] dos referidos preceitos,
antes da prolação dos despachos recorridos que decidiram os incidentes
levantados pela Recorrente.
Na verdade, pode afirmar-se que do ónus de suscitar adequadamente a questão
de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu
conhecimento decorre a exigência de se confrontar a norma sindicanda com os
parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se possibilitando
uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização da
constitucionalidade dos actos normativos.
E nesta linha, há que reconhecer que não basta, pois, que se indique a norma
que se tem por inconstitucional, antes é necessário que se problematize a
questão de validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da
alegação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s)
parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou
princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta, constituindo
esta problematização um pressuposto inarredável do recurso de
constitucionalidade que, em todo o caso, deve ser efectivada aquando do momento
da suscitação do problema de constitucionalidade – sob pena de se considerar
como não cumprido o ónus de suscitação adequada –, possibilitando ao tribunal
recorrido a apreciação desse problema, vinculando-o à resolução dessa concreta
questão.
E, muito menos, podem confundir-se tais exigências com a imputação, à decisão
judicial, do vício de violação de lei, como sucede in casu relativamente a todas
as normas.
De resto, tem este Tribunal estabelecido, de forma contínua e sistemática,
que «“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo
tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão
de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que
(...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um
segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem
suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte
o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a
norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de
uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao
acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa
decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa
determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs
37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República II Série,
de 15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas sacramentais para
formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de
constitucionalidade. [§] Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro
que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua
interpretação (...) – cf. Acórdão n.º 618/98 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt) que remete para jurisprudência anterior – ver,
por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 – publicado no Diário da República, II
Série, de 21 de Junho de 1995, 521/95 e 1026/9, inéditos e o Acórdão n.º 269/94
(publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994).
Debruçando-nos, agora, sobre a situação dos autos constata-se que a ora
recorrente, tendo visto indeferido o seu pedido, formulado em julgamento, de
junção aos autos de uma certidão de um depoimento, prestado, anteriormente, em
outro processo (então pendente na Relação) por uma testemunha, que, no presente
processo, não terá deposto no sentido que a mesma recorrente previra (questão
essa subjacente a outro recurso de constitucionalidade interposto pela mesma
recorrente, que não foi admitido, e cujo despacho foi objecto de reclamação) – e
com o propósito de valoração, nesta acção, do depoimento antes prestado, de
reavivar a sua memória e de a confrontar com as afirmações antes feitas – veio,
mais tarde, defender, novamente, que o tribunal a quo devia admitir a junção aos
autos da certidão relativa ao anterior depoimento prestado por essa pessoa, ao
abrigo do disposto nos artigos dos artigos 524.º, n.º 2, 265.º, n.º 3, 519.º,
645.º, 650.º e 665.º, todos do CPC, por a sua junção, apenas, se ter revelado
necessária após a prestação do depoimento da mesma testemunha na audiência de
julgamento, efectuada nesta acção, e por o tribunal ter o dever de,
oficiosamente, ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da
verdade, mesmo que estas se traduzam no depoimento de pessoa não oferecida como
testemunha, requerendo, ao mesmo tempo, a audição de várias testemunhas,
profissionais do foro, sobre esta sua asserção.
Verifica-se, ainda, que a recorrente, após a realização da audiência de
julgamento, efectuada nesta acção, em que esteve presente, veio requerer que
fosse admitida a alegar, por escrito, na sequência de “não lhe ter sido acordada
possibilidade de alegar oralmente na audiência de julgamento”, abonando-se na
aplicação do disposto nos artigos 3º e 796º, n.º 6, do CPC, e no artigo 6º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Não obstante a recorrente confrontar, abertamente, o tribunal a quo com a
aplicação dos referidos preceitos, em incidentes processuais directamente
funcionalizados por si à obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos, fundando
essas pretensões no entendimento de tais preceitos que tinha por correcto, o
certo é que a mesma não antecipou, como deveria, que o tribunal a quo pudesse
vir a conferir um outro sentido a tais preceitos e que ele afrontasse normas ou
princípios constitucionais.
Ora, quer num caso, quer no outro, dispôs a recorrente da oportunidade de
antecipar a aplicação pelo tribunal a quo das normas cuja inconstitucionalidade
agora suscita, a agir com a exigível prudência técnica.
Consequentemente, não é desrazoável ou inadequado não considerá-la dispensada
do cumprimento do ónus de atempada e adequada questão de inconstitucionalidade.
Tanto basta para que não se possa conhecer da questão de
inconstitucionalidade de tais normas.
Mas independentemente do que vem dizer-se – e relativamente às normas que
respeitam à não produção de alegações, na audiência de julgamento, pela parte
não representada por mandatário judicial – uma outra circunstância obstaria ao
conhecimento da questão de inconstitucionalidade.
Na verdade, traduzindo-se essa omissão em uma nulidade processual, ocorrida
em momento em que a recorrente estava presente, e devendo a sua arguição ser
feita no próprio acto, de acordo com o disposto nos artigos 201º, n.º 1, e 205º,
n.º 1, ambos do CPC, incumbia à recorrente suscitar a questão de
inconstitucionalidade destes preceitos, enquanto entendidos numa acepção de
acarretarem o efeito da sanação da nulidade. Todavia, a recorrente não o fez,
deixando, assim, sanar a nulidade, eventualmente cometida (cf., neste sentido,
Ac. 612/99, publicado no Diário da República II Série, de 22/2/2000).
Resta a questão de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 16º do
C. C. Judiciais, incluída no requerimento de interposição do recurso.
Mas, também em relação a ela, não é de considerar a recorrente dispensada do
ónus de adequada e atempada suscitação da questão da sua inconstitucionalidade.
Na verdade, independentemente da questão de saber se a recorrente não questiona
antes a correcção da decisão judicial, na parte que tange à determinação e
aplicação do critério legal de tributação adoptado no caso – como parece ser o
melhor sentido do seu articulado – o certo é que, havendo a recorrente lançado
mão do pedido de reforma da decisão na parte relativa à sua condenação em custas
com fundamento na desproporcionalidade de tributação em custas, consentida pelo
critério normativo, é de entender, igualmente, que a recorrente dispôs, ainda,
antes do momento de interposição do recurso de constitucionalidade, de
oportunidade para antecipar a acepção normativa que o tribunal a quo veio a
aplicar e questionar a sua conformidade à face da Lei fundamental, agindo com a
pressuposta competência técnica.
Deste modo, em face de tudo o que vem sendo dito e resulta das peças
processuais transcritas, é patente não ter sido suscitada a constitucionalidade
das normas dos artigos 34.º, 42.º, n.º4, 652.º, n.º 1, al. e), 790.º, n.º 1,
796.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, bem como das normas dos artigos
524.º, n.º 2, 265.º, n.º 3, 519.º, 645.º, 650.º e 665.º, do mesmo diploma, e,
ainda, da norma do artigo 16.º do Código das Custas Judiciais.
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide, ao
abrigo do n.º 1 do art. 78º-A, da LTC, não conhecer do recurso de
constitucionalidade
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs».
3 – A reclamante sintetiza nas seguintes conclusões as razões em que
fundamenta a sua reclamação:
«1 - Na sequência da sentença de 21 de Fevereiro de 2005, que deveria ter
subido com os autos, a decisão provisória deveria ser substituída por outra que
pusesse FIM AO RECURSO POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE.
2 - Caso assim não se entenda, o Recurso Constitucional deve ser admitido.
3 - A teoria da antecipação da suscitação da inconstitucionalidade da norma,
desenvolvida na decisão provisória para afastar a reclamante do direito de
recorrer, é levada a um tal extremo teórico que, na prática, se torna
juridicamente insustentável, contrária à jurisprudência do Tribunal
Constitucional e à Lei do Tribunal Constitucional.
4 - Os dois pressupostos exigidos pela Lei do Tribunal Constitucional são
perfeitamente respeitados no caso em apreço (a questão da inconstitucionalidade
foi suscitada durante o processo e o tribunal recorrido tinha a obrigação de
conhecer a referida questão).
5 - A fiscalização de uma norma leva à fiscalização de uma decisão já que a
decisão é posta em causa e não se mantém caso a norma aplicada na decisão viole
a constituição.
6 - Só não haveria fiscalização da decisão se esta se mantivesse para além da
sua inconstitucionalidade e a interpretação dada pelo Tribunal Constitucional se
aplicasse unicamente às decisões futuras.
7 - A reclamante não tinha que invocar a nulidade processual, por omissão, por
não haver omissão, mas sim interpretação inconstitucional da norma.
8 - Caso houvesse nulidade por omissão, a Lei do Tribunal Constitucional (art.
70º, nºs 2, 3 e ss., conjugado com o art. 676º, nº 2, do CPC) não exigia a sua
arguição.
9 - Além disso, a alegada eventual arguição estava coberta, no caso em apreço,
pelo despacho de 28/01/2005, fundamentado através de interpretação
inconstitucional de norma, da qual se suscitou a questão da
inconstitucionalidade.
10 - Não teria sentido invocar sistematicamente a interpretação
inconstitucional do art. 16º, antes mesmo de haver aplicação inconstitucional do
referido artigo.
11 - Face ao supra exposto, as custas de 6 UC não devem ficar a cargo da
reclamante.
12 - Caso assim não se entenda, cumpre lembrar que a aqui reclamante beneficia
da Isenção de Custas (art. 2º, nº 1, do CCJ, conjugado com o art. 3º - aI. jj)
do preâmbulo do mesmo diploma) em razão da isenção de custas na acção que deu
origem ao requerimento do recurso.
13 - Ou, independentemente da acção, isenção de custas nos termos do art. 4º,
nº 1, do DL nº 303/98, de 7 de Outubro, em conjugação com o art. 2º, nº 1, do
CCJ, ele mesmo em conjugação com o art. 3º - al. jj) do preâmbulo do mesmo
diploma.
TERMOS EM QUE,
face ao supra exposto, deve ser admitida a reforma da decisão provisória e, caso
assim não se entenda, deve admitir-se o recurso com as consequências legais
relativamente à taxa de justiça e correlativa isenção no caso em apreço,
assim se fazendo inteira,
JUSTIÇA».
4 – A sociedade recorrida, B., L.da, não respondeu.
B – Fundamentação
5 – A reclamante começa por sustentar que o Tribunal Constitucional deveria
ter-se pronunciado no sentido da inutilidade superveniente do recurso de
constitucionalidade, pedindo a reforma da decisão em tal sentido. E seria assim
porque “sendo a decisão do TC, em recurso, sobre as questões de
constitucionalidade, ‘instrumental’ relativamente ao que o tribunal a quo
cumpria decidir, e tendo o tribunal recorrido decidido, sobre a questão de
fundo, em conformidade com a pretensão da aqui recorrente, não obstante o
indeferimento do requerimento da junção de documento e da audição de novas
testemunhas e do indeferimento do direito de alegar, que deu causa ao recurso
sobre questões de inconstitucionalidade, a extinção superveniente da lide que
ocorreu com o trânsito em julgado da sentença a favor da autora, aqui
recorrente, tornou inútil o mencionado recurso de constitucionalidade”.
Não é esta, todavia, a solução que decorre do quadro normativo aplicável, na
ausência de anterior vontade expressa da reclamante, enquanto recorrente, de
desistir do recurso de constitucionalidade interposto e admitido antes da
prolação da sentença que decidiu o fundo da causa.
Na verdade, a ora reclamante não teve ganho total de causa. A reclamante
pediu, na acção, a condenação da contraparte a pagar-lhe a indemnização de 3
700,00 Euros de danos não patrimoniais. A sentença apenas lhe reconheceu o
direito de indemnização de 1 500,00 Euros. Ora, sendo assim – e mesmo
desprezando que o recurso de constitucionalidade tem directamente por objecto
normas jurídicas, independentemente de estas dizerem ou respeito a relações
patrimoniais – nunca se poderá excluir que de um hipotético juízo de
inconstitucionalidade de normas que constituíram o fundamento normativo de actos
processuais anteriores cuja edição tem a natureza de pressuposto de outros actos
posteriores, como a sentença que definiu o a obrigação jurídica pecuniária, não
possa advir, porventura, a reforma daqueles actos com efeitos eventualmente
repercutidos nos demais e, por via disso, a ser obtida ainda a condenação na
totalidade.
Deste modo, a instrumentalidade do recurso de constitucionalidade, mesmo na
perspectiva da utilidade jurídica, continua a subsistir, sendo de lembrar que
essa instrumentalidade não tem de dizer respeito directamente à decisão de fundo
da causa, podendo versar sobre normas que foram aplicadas em outras decisões
interlocutórias proferidas no processo.
Por outro lado, seguindo os recursos de fiscalização concreta de
constitucionalidade a tramitação do recurso de apelação (art. 69º da LTC),
decorre daí que será irrelevante que as partes tenham ou não recorrido da
decisão que pôs termo ao processo para efeitos da subida, então, dos recursos de
constitucionalidade interpostos e admitidos até esse momento, não valendo aqui a
regra do art. 735º do Código de Processo Civil, por relativa ao recurso de
agravo.
Improcede, pois, o pedido de reforma da decisão sumária no sentido de julgar
supervenientemente inútil o recurso de constitucionalidade.
6 – No tocante aos demais fundamentos da reclamação constata-se que estes não
conseguem infirmar a bondade da fundamentação em que a decisão reclamada se
mostra apoiada.
De todo o modo, anotar-se-á, ainda, que o ónus de suscitação atempada e de
modo funcionalmente adequado tem suporte constitucional [art. 280º, n.º 1,
alínea b), da Constituição].
Na verdade, como constata Cardoso da Costa (A jurisdição constitucional em
Portugal, em “Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró”,
Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e
ss.), «quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da
constitucionalidade (…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele
aplicável – não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas
ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma
jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo
depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo
o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade
constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a
aplicação das que considerarem inconstitucionais (…). Este allgemeinen
richterlichen Prüfungs- und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado
expressamente (…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece
fiel ao princípio, tradicional e característico do direito constitucional
português, do “acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). Quando, porém,
se trate de recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é ainda necessário
que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo,
em consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). Compreende-se, na
verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum
(depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o
Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero
expediente processual dilatório)».
Ora, o juízo firmado pela decisão reclamada sobre o não cumprimento desse ónus
de suscitação é inteiramente de manter.
No que concerne à sanação da nulidade relativa à não produção de alegações e
ao não questionamento da inconstitucionalidade das normas que regem esse efeito
– os arts. 201º, n.º 1, e 205º, n.º 1, ambos do CPC –, importa referir que a
decisão reclamada tem em vista apenas as alegações orais a produzir na audiência
de julgamento e não as alegações escritas apresentadas posteriormente e cuja
junção o referido despacho de 28/01/2005 (mencionado no ponto 9 das conclusões
da reclamação) recusou. Ao contrário do que alega, este despacho limita-se a
afrontar a questão da inadmissibilidade de junção das alegações escritas
posteriormente apresentadas, não cobrindo a situação anterior de não arguição da
nulidade das alegações orais na audiência de julgamento, tendo assim todo o
sentido o afirmado na decisão sumária.
De qualquer modo, pretendendo a ora reclamante exercer, através de patrono
judicial, um pretenso direito de alegar por escrito por antes não lhe ter sido
consentido fazê-lo oralmente por não se achar representada por advogado, sempre
lhe incumbiria – a agir com a prudência técnica acima analisada – suscitar a
questão de inconstitucionalidade da base normativa que lhe impedia esse efeito e
que o referido despacho veio a convocar, pois que a anterior posição do tribunal
pressupusera já esse regime.
Finalmente e no que respeita à questão de constitucionalidade do art. 16º do
Código das Custas Judiciais.
Ao contrário do que argumenta, a reclamante poderia perfeitamente antecipar,
no caso concreto, a aplicação feita pelo tribunal da norma em causa que tem como
violadora da Lei fundamental.
Na verdade, a reclamante sustentou um juízo de inadequação da tributação do
incidente levada a cabo pelo tribunal recorrido, tendo, na sequência dele,
formulado pedido de reforma do julgado, por a ter por “injusta”.
Havendo, porém, a tributação sido efectuada dentro das balizas paramétricas
estabelecidas no preceito e tendo-a a reclamante por “injusta”, seria de lhe
exigir que, prevenindo o indeferimento do seu pedido de reforma, questionasse a
validade constitucional do entendimento com base no qual fora já tributada.
De qualquer modo – e decisivamente – verifica-se, ainda, que a reclamante não
define a específica dimensão normativa do artigo 16º do C. das Custas Judiciais
que reputa de inconstitucional.
Por outro lado, na argumentação que desenvolve, a reclamante limita-se a
controverter a correcção do juízo de aplicação da norma em causa às
especificidades do caso concreto, quer pelo seu confronto directo com o direito
de acesso à justiça consagrado no art. 20, n.º 1, da Constituição (nas suas
palavras: “o recurso inconsiderado ao art. 16º do CCJ é susceptível de violar o
art. 20º da CRP, quando põe em causa ou dificulta o acesso à justiça”), quer
pela inconsideração dos critérios de tributação definidos no preceito,
sustentando que em concreto lhe foi aplicada tributação “desproporcionadamente
elevada e sem causa”.
Nesta perspectiva, e por o Tribunal Constitucional apenas poder conhecer do
recurso de constitucionalidade de normas jurídicas, cuja definição constitui
ónus do recorrente, e não de decisões judiciais, embora estas possam fazer,
porventura, aplicação directa de normas e princípios constitucionais, também não
se poderá tomar conhecimento do recurso.
A reclamação deve, pois, ser indeferida.
Subsidiariamente ao pedido de deferimento da reclamação, a reclamante aduz
que “beneficia da isenção de custas (art. 2º, n.º 1, do CCJ., conjugado com o
artigo 3º, alínea jj) do preâmbulo do mesmo diploma), em razão da isenção de
custas na acção que deu origem ao requerimento de recurso ou, independente da
acção, isenção de custas nos termos do art. 4º, n.º 1, do DL. nº 303/98, de 7
de Outubro, em conjugação com o art. 3º, alínea jj) do preâmbulo do mesmo
diploma”.
Antes de mais cumpre anotar que não está sob recurso de constitucionalidade
qualquer destas normas cuja eventual desaplicação tenha ocorrido no tribunal
recorrido. Por outro lado, não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a
correcção, no plano do direito infraconstitucional, de uma tal atitude por parte
do mesmo tribunal recorrido.
Assim sendo, não pode o Tribunal Constitucional reconhecer agora que a
reclamante está ou não isenta das custas pela actividade desenvolvida perante o
tribunal recorrido e em cujo pagamento foi aí condenada.
Importa, assim, apenas apurar se a reclamante estará isenta do pagamento de
custas no recurso de constitucionalidade, ao abrigo das disposições citadas, o
que corresponde a saber se a decisão reclamada deverá ser reformada quanto a
custas e se a reclamante deve ser considerada isenta de custas por ter decaído
na reclamação.
Ora a resposta não pode deixar de ser a negativa.
Na verdade, mesmo que se considere aplicável ao recurso de
constitucionalidade o art. 3º do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro,
por via de remissão do art. 4º do DL. nº 303/98, de 7 de Outubro – diploma que
aprovou o regime de custas no Tribunal Constitucional – para o art. 2º, n.º 1,
do Código das Custas Judiciais e deste para aquele preceito, sempre se terá de
concluir que o concreto recurso de constitucionalidade não cabe na hipótese da
norma constante da alínea jj) daquele artigo 3º.
Não cabe, desde logo, na hipótese aí recortada, de isenção ao abrigo do
disposto no art. 18º, n.º 1, alínea n), da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, porque
a isenção aí estabelecida abrange apenas “as associações de consumidores”, o que
não é o caso da reclamante.
E também não é caso que se integre na outra hipótese de isenção definida
naquele artigo 3º - de situações que sejam abrangidas pelos nºs 2 e 3 do art.
14º da mesma Lei n.º 24/96.
Na verdade, estes preceitos estabelecem que “é assegurado ao consumidor o
direito à isenção de preparos nos processos nos processos em que pretenda a
protecção dos seus interesses ou direitos, a condenação por incumprimento do
fornecedor de bens ou prestador de serviços, ou a reparação de danos emergentes
de factos ilícitos ou da responsabilidade objectiva definida nos termos da lei,
desde que o valor da acção não exceda a alçada do tribunal judicial de 1ª
instância” e que “os autores nos processos definidos no numero anterior ficam
isentos do pagamento de custas em caso de procedência parcial da respectiva
acção”.
Ao falar de “autores nos processos” e ao condicionar o reconhecimento da
isenção às acções cujo “valor não exceda a alçada do tribunal judicial de 1ª
instância” e em que tenha obtido apenas “parcial procedência da mesma”, resulta
claro logo da simples letra da lei que a isenção respeita apenas às acções em
primeira instância. Em caso de recurso, mesmo de constitucionalidade, a parte
tanto pode ser autor como réu, sendo simplesmente recorrente.
Por outro lado, objecto do recurso não é já directamente a acção mas a
decisão judicial que a resolveu.
Tendo o legislador limitado a isenção de custas aos casos em que o “autor”
tenha conseguido apenas “procedência parcial da respectiva acção”, apenas se
poderia abranger, ainda, quando muito, dentro deste conceito normativo aquelas
hipóteses em que essa procedência fosse obtida já em consequência do recurso.
Fora desses casos a isenção de custas, surgiria como simples isenção de custas
apenas em função do recurso e não já da acção.
Não é aquele o caso em apreço.
De resto, mal se compreenderia que o legislador, tendo querido limitar a
isenção de custas aos casos em que os autores obtêm apenas parcial procedência
da acção e em que o valor da mesma se queda dentro da alçada do tribunal de 1ª
instância, viesse a alargá-la aos casos de recurso para o Tribunal
Constitucional em que nada mais aqui se obtém, apenas sob o fundamento de que
nos recursos para ele não existe alçada.
Por isso se indefere o pedido de reforma quanto a custas e se condena a
reclamante em novas custas.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Lisboa, 6 de Janeiro de 2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos