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Processo nº 112/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal Central Administrativo
Sul, em que é recorrente A. e é recorrido o Chefe do Estado-Maior da Força
Aérea, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 14
de Outubro de 2004.
2. O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por sentença de 11 de
Novembro de 2003, julgou parcialmente procedente a acção para reconhecimento de
direito intentada pelo ora recorrente, reconhecendo a este o direito a ser pago
no montante de 7 382, 21€, a título de subsídio de integração na vida civil.
3. Desta decisão, o Chefe do Estado Maior da Força Aérea interpôs recurso para o
Tribunal Central Administrativo Sul, que acordou em conceder provimento ao
recurso, revogando a sentença recorrida, julgar improcedente a acção e absolver
a Ré do pedido. Para o que agora releva, foram os seguintes os fundamentos
invocados:
«O DL n° 157/92, de 31.07, alterou o Estatuto dos Militares das Forças Armadas,
no sentido de, na sequência das alterações à Lei do Serviço Militar (Lei n°
30/87, de 07.07, alterada pela Lei n° 22/91, de 19.06), o adaptar aos novos
princípios relativos ao serviço efectivo normal e ao regime de contrato, bem
como de estabelecer o regime de voluntariado.
Por seu turno, o DL n° 336/91, de 10.09, que estabelece os incentivos à
prestação do serviço voluntário e em regime de contrato nas Forças Armadas
Portuguesas, no seu artº 8°, b) prevê a “Atribuição de um subsídio de integração
correspondente a um mês de retribuição ou remuneração auferidas à data do termo
de prestação de serviço por cada quatro meses de serviço efectivo prestado em RV
ou por cada doze meses de serviço efectivo prestado em RC.”
Ora, o diploma que estabelece este subsídio de integração na vida civil
aplica-se aos militares dos regimes de voluntariado e de contrato, contemplados
no artº 4° da Lei n° 30/87, de 07.07 - Lei do Serviço Militar -, na redacção
dada pela Lei n° 22/91, de 19.06, estabelecendo este novo regime “uma outra
concepção de prestação de serviço militar”, como resulta do preâmbulo de tal DL
336/91, de 10.09..
A entrada em vigor desta lei ficou dependente da publicação do diploma que
procedeu à alteração do Regulamento da Lei do Serviço Militar, nos termos do n°
1 do seu artº 5°.
Tal alteração veio a ser aprovada pelo DL n° 143/92, de 20.07, cuja vigência,
com excepção das disposições referidas no seu artº 4º, se iniciou cinco (5) dias
após, nos termos gerais, entrando, simultaneamente, em vigor os novos regimes de
voluntariado e contrato da Lei do Serviço Militar, estabelecidos pelas
alterações introduzidas pela Lei n° 22/91, de acordo com o referido artº 5°, nº1
da citada Lei n° 22/91, de 19.06.
Este diploma assenta também num modelo de prestação de serviço militar efectivo,
o regime de voluntariado, o qual passou a ser pressuposto indispensável de
acesso ao regime de contrato (cfr. respectivo preâmbulo e preâmbulo do DL
157/92, de 31.07).
Porém, aquando da entrada em vigor do DL n° 143/92, já havia sido publicado o DL
n° 336/91, de 10.09, fixando os incentivos à prestação do serviço voluntário e
em regime de contrato nas FAP.
Por outro lado, o artº 4°, nº1 do DL n° 157/92, que alterou o Estatuto dos
militares das Forças Armadas, veio estipular que: “1- Os militares conscritos e
os voluntários com destino ao RC incorporados até 31 de Dezembro de 1992, após o
cumprimento do SEN, podem ingressar directamente no regime e contrato a que se
refere o livro IV do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo
Decreto-Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro, ou ainda no RV, bastando, para este
último caso, cumprirem apenas quatro meses de SEN.”
E o nº2 desta mesma disposição legal, veio dispor que: “2- Os militares que
tenham ingressado no regime de contrato referido no número anterior podem optar
pela transição directa para o novo RC.”
De todo o exposto resulta que os incentivos de natureza sócio-económica
atribuídos pela lei se destinam a fomentar, em primeiro lugar, o regime de
voluntariado que é prévio ao regime do contrato, dependendo este daquele, sendo
que no anterior regime o regresso voluntário ao serviço se fazia automaticamente
por contrato, não existindo qualquer regime específico e autónomo de
voluntariado.
Como salienta a Exmª Magistrada do MºPº no seu parecer “esta alteração radical
do regime de contrato significa, para nós, que não se podem dissociar os
incentivos criados do novo sistema implantado no seu todo, de tal modo que não
pode deixar de se entender que só os factos criados após a sua entrada em vigor
são pelo mesmo abrangidos (cfr. nº1 “in fine do art° 12° do C.Civil), da mesma
maneira que os militares abrangidos pelo anterior regime detêm obrigações e
direitos que os abrangidos pelo novo regime não detêm, como v .g. o direito a
reforma extraordinária (n° 3 do artº 4° do DL n° 157/92)”.
Ora, merecendo tal argumentação a nossa concordância, considerando o já exposto,
e atentos os factos dados como provados, o recorrido foi incorporado para
prestar SEN (serviço efectivo normal) em 27.06.88, tendo prestado serviço em RC
(regime de contrato) de 01.02.90 a 22.08.99, ou seja, antes da entrada em vigor
dos novos regimes não obrigatórios e não optou pelo novo regime contratual, tal
como lhe permitia o art° 4°, nºs 1 e 2 do DL n° 157/92, de 31.07, pelo que lhe é
aplicável o antigo regime contratual previsto a Lei n° 30/87.
Não está, pois, a situação do recorrido abrangida pelo diploma que concede o
incentivo pretendido e previsto no artº 8°-b) do referido DL n° 36/91, dado que
este apenas se refere aos novos regimes de voluntariado (RV) e de contrato (RC)
a que se refere o art° 4° da Lei n° 30/87, de 07.07, na redacção dada pela Lei
n° 22/91, de 19.06, tal como legalmente previsto no artº, nº1 do DL n° 336/91,
de 10.09.
Assim, ao ora recorrido, então A. na acção para reconhecimento de um direito,
não pode ser legalmente reconhecido o direito ao subsídio de reintegração na
vida civil, tendo a sentença recorrida errado na interpretação e aplicação que
fez das normas citadas (…).
Quanto à violação do disposto no art° 59°, nº1-a) da CRP, a mesma não se
verifica.
O princípio aí previsto, de “para trabalho igual salário igual”, só se mostrará
violado se situações de facto iguais merecerem tratamento diferente ou situações
de facto diversas, forem tratadas de forma igual, assim se acautelando tal
princípio do arbítrio da Administração. Como tem sido uniformemente entendido
pela jurisprudência, este princípio impõe-se como um limite interno à
discricionaridade da actuação da Administração, pelo que a sua violação só pode
ocorrer quando a Administração goza de liberdade de escolha no comportamento a
adoptar, não relevando tal violação no domínio da actividade vinculada, como é o
caso dos autos, onde o princípio da igualdade e da legalidade têm um significado
coincidente.
Com efeito, estando a Administração, neste caso a autoridade recorrente
vinculada ao cumprimento da lei e não tendo cobertura legal a pretensão do A.,
ora recorrido, não releva nesta sede a invocação da violação do princípio da
igualdade, pelo que a sua arguição não colhe».
4. Desta decisão foi interposto o presente recurso de constitucionalidade,
sustentando o recorrente que:
«O artigo 1.º, n.º 1, do Dec-Lei n° 336/91, de 10 de Setembro, na interpretação
que lhe dá o Tribunal Central Administrativo Sul no douto acórdão recorrido, ao
introduzir uma diferença de estatuto remuneratório (referente ao pagamento de um
subsídio de reintegração na vida civil, devido no momento da cessação do
contrato) entre profissionais que desempenham as mesmas funções e estão numa
situação em tudo substancialmente idêntica, reconhecendo a uns, ditos “novos”, o
direito ao subsídio de reintegração na vida civil, e negando-o aos outros, ditos
“velhos”, viola o princípio da igualdade perante a lei, na sua vertente laboral
(a trabalho igual, salário igual) consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a),
da Constituição da República Portuguesa».
5. Notificado para alegar, o recorrente concluiu que:
«A) O artigo 1.º do Dec.-Lei 336/91, de 10 de Setembro, na interpretação do
TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, ao introduzir uma diferença de estatuto
remuneratório entre profissionais que desempenham as mesmas funções e estão numa
situação jurídica (regime de contrato) e de facto em tudo substancialmente
idêntica, reconhecendo a uns, ditos “contratos novos”, o direito ao subsídio de
reintegração na vida civil, e negando-os aos outros, ditos “contratos velhos”,
viola o princípio da igualdade perante a lei, na sua vertente laboral (a
trabalho igual, salário igual) consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da
Constituição da República Portuguesa;
B) Na nova versão do artigo 4.º da Lei n.º 30/87, dada pela Lei n.º 22/91, a
alínea c) permanece inalterada (“c)....”), de onde se infere que o regime de
contrato é o mesmo nas duas versões sucessivas da Lei;
C) Não há qualquer diferença, de direito ou de facto, entre os militares em
regime de contrato ao serviço da FAP antes e depois da entrada em vigor da Lei
n.º 22/91, pelo que a discriminação dos primeiros, excluindo-os do beneficio do
subsídio de reintegração viola o princípio da igualdade consagrado na
Constituição da República Portuguesa; A lei não pode tratar de maneira desigual
situações que são substancialmente idênticas, socorrendo-se para tanto de um
simples “nomen iuris”, no caso, “contrato antigo” e “contrato novo”, que, no
entanto, correspondem a situações de facto e jurídicas substancialmente
idênticas;
D) Os tribunais e o legislador ordinário estão vinculados ao respeito dos
direitos fundamentais dos cidadãos consagrados na Constituição da República
Portuguesa, entre os quais, e sobre todos, o direito à igualdade perante a Lei.
6. O recorrido contra alegou, sustentando a não inconstitucionalidade do nº 1 do
artigo 1º do Decreto-Lei nº 336/91, de 10 de Setembro, conforme interpretado
pelo Tribunal Central Administrativo Sul, concluindo que:
«a) O ora Recorrente iniciou a prestação de serviço militar na Força Aérea ao
abrigo da Lei nº. 30/87, de 07JUL), a que se seguiu um período em regime de
contrato, nos termos do respectivo Regulamento (Decreto-Lei nº. 463/88, de
15DEZ);
b) Estas normas foram profundamente alteradas com a entrada em vigor do EMFAR,
em 1990, e com as actualizações subsequentes;
c) O DL n° 157/92, de 31JUL, estabeleceu, para os militares incorporados até 31
de Dezembro de 1992, a possibilidade de opção por um novo regime de prestação de
serviço militar - vulgo RC novo;
d) A matéria dos incentivos é aplicável aos incorporados já sob o novo regime e,
bem assim, àqueles que optaram pela transição;
e) O Recorrente não manifestou vontade em optar pelo novo regime, mantendo-se no
anterior;
f) Os dois regimes distinguiam-se no âmbito remuneratório e no limites temporais
de prestação de serviço».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O recorrente pretende que este Tribunal aprecie, do ponto de vista
jurídico-constitucional, a norma contida no artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº
336/91, de 10 de Setembro, quando interpretado no sentido de introduzir uma
diferença de estatuto remuneratório (referente ao pagamento de um subsídio de
reintegração na vida civil, devido no momento da cessação do contrato) entre
profissionais que desempenham as mesmas funções e estão numa situação em tudo
substancialmente idêntica, reconhecendo a uns, ditos “novos”, o direito ao
subsídio de reintegração na vida civil, e negando-o aos outros, ditos “velhos”,
por violação do princípio da igualdade perante a lei, na sua vertente laboral (a
trabalho igual, salário igual) consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da
Constituição da República Portuguesa (CRP).
O artigo 1º, nº 1, daquele Decreto-Lei dispõe o seguinte:
«Artigo 1º – 1 – O presente diploma estabelece os termos da criação e atribuição
de incentivos aos cidadãos para prestação de serviço efectivo nos regimes de
voluntariado (RV) e de contrato (RC), a que se refere o artigo 4º da Lei nº
30/87, de 7 de Julho, na redacção dada pela Lei nº 22/91, de 19 de Junho».
Concretiza depois o artigo 2º quais são as modalidades de incentivos abrangidas:
«Artigo 2º Os incentivos à prestação de serviço efectivo em RV e RC abrangem as
seguintes modalidades:
a) Informação e orientação profissional;
b) Apoio à obtenção de habilitações académicas;
c) Apoio à formação profissional;
d) Compensação financeira e material;
e) Apoio à inserção ou reinserção na vida activa civil;
f) Apoio social» (itálico aditado).
E especifica o artigo 8º o que está compreendido no apoio à inserção ou
reinserção na vida activa:
«Artigo 8º O apoio à inserção ou reinserção na vida activa civil compreende:
a) Equiparação do serviço efectivo em RV e RC a experiência profissional
para efeito de concurso de ingresso na Administração Pública, nas forças de
segurança e nos quadros de pessoal militarizado;
b) Atribuição de um subsídio de reintegração correspondente a um mês de
retribuição ou remuneração auferida à data do termo de prestação de serviço por
cada quatro meses de serviço efectivo prestado em RV ou por cada doze meses de
serviço efectivo prestado em RC;
c) Habilitação ao subsídio de desemprego, em termos a regulamentar por
portaria conjunta dos Ministros da Defesa Nacional e do Emprego e da Segurança
Social» (itálico aditado).
2. Atendendo ao teor da decisão recorrida, importa decidir, concretamente, se o
artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 336/91, quando interpretado no sentido de
apenas se referir aos novos regimes de voluntariado (RV) e de contrato (RC), a
que se refere o artigo 4º da Lei nº 30/87, de 7 de Julho, na redacção dada pela
Lei nº 22/91, de 19 de Junho, é inconstitucional, por violação do disposto no
artigo 59º, nº 1, alínea a), da CRP.
Consagrando esta disposição constitucional o princípio de que para trabalho
igual salário igual e estando em causa a atribuição de um subsídio de
integração, impõe-se concluir pela não violação daquela alínea do nº 1 do artigo
59º, uma vez que tal subsídio não integra o salário. E à mesma conclusão se
chegaria se o recorrente tivesse indicado como parâmetro de aferição da
constitucionalidade o artigo 13º da CRP, tendo presente a forma como este
Tribunal tem entendido o princípio da igualdade (cf., entre outros, o Acórdão nº
96/2005, Diário da República, II Série, de 31 de Março).
Com efeito, não obstante estar em causa a mesma prestação de serviço militar –
prestação de serviço efectivo em regime de contrato –, sempre seria de
considerar que existe fundamento material suficiente para não ser atribuído a
uns e ser a outros o subsídio de integração que o Decreto-Lei nº 336/91 veio
estabelecer, já que resulta deste diploma, muito particularmente do respectivo
preâmbulo, da Lei nº 22/91, de 19 de Junho, do Decreto-Lei nº 143/92, de 20 de
Julho, e do Decreto-Lei nº 157/92, de 31 de Julho que, a partir de 1991, passou
a ser uma outra a forma de conceber a prestação de serviço militar.
Justifica-se, pois, negar provimento ao presente recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 20 (VINTE) unidades de conta a taxa de
justiça.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração em anexo.
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Entendo que a norma analisada não ofende qualquer princípio constitucional, tal
como ficou a constar da presente decisão.
Todavia, não conheceria do recurso.
O recorrente ancorou a questão de inconstitucionalidade no n.º 1 do artigo 1º do
Decreto-Lei 336/91 de 10 de Setembro, preceito que tem a seguinte redacção: 'O
presente diploma estabelece os termos da criação e atribuição de incentivos aos
cidadãos para prestação de serviço efectivo nos regimes de voluntariado (RV) e
de contrato (RC), a que se refere o artigo 4.º da Lei n.º 30/87, de 7 de Julho,
na redacção dada pela Lei n.º 22/91, de 19 de Junho'.
Tendo em conta o teor do preceito legal, a verdade é que se está a questionar a
própria decisão recorrida quando se impugna o entendimento de que o n.º 1 do
artigo 1º do Decreto-Lei 336/91 de 10 de Setembro se aplica apenas aos novos
regimes de voluntariado e de contrato, 'norma' acusada de inconstitucionalidade
e alegadamente contida no citado preceito. Isto é: o recorrente atribui a um
determinado preceito um conteúdo normativo que ele manifestamente não comporta.
Com este fundamento, não conheceria do recurso.
Carlos Pamplona de Oliveira