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Processo n.º 36/2006
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, de 14 de Fevereiro
de 2004, foi A., ora reclamante, condenado, juntamente com outros arguidos, pela
prática de crimes de tráfico de estupefacientes, de detenção de arma proibida e
de detenção ilegal de arma, em cúmulo jurídico, numa pena única de 7 anos de
prisão.
2. Inconformado com esta decisão, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação
do Porto que, por acórdão de 15 de Junho de 2005, julgou o recurso improcedente.
3. Novamente inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, em
relação ao ora reclamante, decidiu, por acórdão de 24 de Novembro de 2005,
conceder parcial provimento ao recurso e “sem alterar o enquadramento jurídico e
as penas parcelares que as instâncias fixaram, condená-lo na pena única de 6
(seis) anos e 6 (seis) meses de prisão”.
4. Desta decisão o ora reclamante pretendeu recorrer para o Tribunal
Constitucional, através de um requerimento que têm o seguinte teor:
“[...], notificado do douto Acórdão e não se conformando com o mesmo, vem dele
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos dos artsº.
segs.: art.º 280° da C.R.P; art.º 70° n.º 1, alínea b) e n.º 2 ; art.º 71° n.º
1; art. 72° n.º 2; art.º 75º ; art.º 75° - A e ainda do art.º 78° todos da Lei
do Tribunal constitucional.
A norma ao abrigo do qual o recurso é interposto e cuja a inconstitucionalidade
se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é o art.º 32°, n.º 2 da CRP, e
a peça processual em que foi suscitada esta questão foi nas alegações do
recorrente para o STJ, onde se pretende que este se pronuncie pelo facto de
resultar do texto da decisão da 1° instancia, que o direito ao silêncio exercido
pelo arguido/recorrente, foi valorado negativamente pelos juízes a quo, e o STJ
bem como o Tribunal da Relação do Porto, não se pronunciaram sobre esta questão
da inconstitucionalidade levantada pelo recorrente.[...]”.
5. O recurso não foi admitido por despacho do Ex.mo Conselheiro Relator do
processo no Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Dezembro de 2005, por entender
que, “como resulta do próprio requerimento de interposição de recurso, a decisão
recorrida - o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça - não valorou
negativamente o silêncio do arguido no julgamento da 1ª instância, nem nesse
ponto confirmou ou infirmou anterior decisão das instâncias, pelo que não
interpretou o art.º 32.º, n.º 2, no sentido inconstitucional que o recorrente
invoca. Assim, não ocorre fundamento legal para o recurso, nomeadamente o
disposto na al. b), do n.º 1, do art.º 70º, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
pelo que não se admite tal recurso”.
6. É desta decisão que vem interposta a presente reclamação, que o reclamante
fundamenta nos seguintes termos:
“[...], notificado da decisão de não admissão do recurso,
Vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78°-A, n.º 3 da Lei n.º
28/82 de 15 de Novembro, apresentar a V. Ex.as RECLAMAÇÃO,
Nos termos e fundamentos seguintes:
1° Considerou o Venerando Conselheiro que não deveria conhecer do objecto do
recurso porquanto “... a decisão recorrida - o acórdão deste Supremo Tribunal de
Justiça - não valorou negativamente o silêncio do arguido no julgamento da 1ª
instância, nem nesse ponto confirmou ou infirmou anterior decisão das
instâncias, pelo que não interpretou o art.º 32º, n.º 2, no sentido
inconstitucional que o recorrente invoca.
Assim, não ocorre fundamento legal para o recurso, nomeadamente o disposto na
al. b), do n.º1, do art.º 70º, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pelo qual
não se admite tal recurso,
2° Salvo o devido respeito, que é muito, não parece ter sido a mais correcta a
decisão de não admissão do recurso.
Senão vejamos:
3° Na verdade, o requerimento de interposição de recurso, apresentada pelo
reclamante funda-se na inconstitucionalidade, decorrente da não aplicação da
norma e Princípio Constitucional prevista no art.º 32°, n.º 2 da CRP, que é o
princípio da Presunção da Inocência do arguido, no âmbito das garantias de
processo criminal.
4° Ora ao ser valorado negativamente o exercício do direito ao silêncio exercido
pelo arguido, em audiência de julgamento, foi violado este principio
constitucional da presunção da inocência.
5° Não podendo o aqui reclamante aceitar, que pelo facto de o Supremo Tribunal,
bem como o Tribunal da Relação do Porto, não se terem pronunciado sobre a
questão levantada,
6° retire ao aqui reclamante, e em definitivo, a oportunidade de ser esta
violação de que foi vítima e implicou uma pesada condenação para o recorrente
analisada.
7° Atrever-se-ia até o reclamante, a dizer que, se outro argumento não
procedesse, o facto de esta questão ainda não ter sido analisada, reforça o
facto de ter imperativamente de ser analisada pelo Tribunal Constitucional.
8° Assim, o objecto do recurso é a não aplicação do artigo 32°, n.º 2 da CRP,
com a consequente violação do Princípio da Presunção da Inocência.
9° Nestes termos, é forçoso considerar que o Tribunal Constitucional se
confronta com uma verdadeira questão de constitucionalidade.
10° Aliás, a não aceitação deste recurso, objecto da actual reclamação, será
negar a protecção da justiça constitucional à generalidade dos casos de violação
das garantias do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa”.
7. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que disse
“A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento, só podendo aliás,
entender-se pelo facto de o recorrente não ter – indesculpavelmente –na devida
conta que o objecto do recurso de fiscalização concreta incide necessariamente
sobre “normas” integradas no ordenamento jurídico infra-constitucional – não
podendo, consequentemente, dirigir-se à directa apreciação de normas ou
princípios constitucionais, perspectivados na sua “aplicação” ou “não aplicação”
à resolução de certa situação concreta.”
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
8. É por demais evidente que a presente reclamação não pode proceder. Vejamos,
sumariamente, porquê.
No requerimento de interposição do recurso, peça processual que delimita o
respectivo objecto, afirma o recorrente que a “norma […] cuja
inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é o art.
32º, nº 2 da CRP”. A afirmação é, aliás, de alguma forma reiterada na reclamação
para este Tribunal, concretamente no seu ponto 8º, em que o recorrente volta a
afirmar que “o objecto do recurso é a não aplicação do artigo 32º, nº 2 da CRP
[…]”.
Ora, é evidente que uma tal norma não é objecto possível do recurso de
constitucionalidade que o recorrente pretendeu interpor. Com efeito, o recurso
de fiscalização concreta de constitucionalidade não tem por objecto a
fiscalização da compatibilidade com a Constituição das próprias normas
constitucionais, mas a fiscalização da compatibilidade com a Constituição de
normas infra-constitucionais que a decisão recorrida tenha efectivamente
aplicado como ratio decidendi.
Tanto basta, pois, para que a presente reclamação tenha de improceder.
9. Acresce, no mesmo sentido, que, ao contrário do que afirma no requerimento de
interposição do recurso para este Tribunal, o recorrente nunca colocou, “de modo
processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
em termos de este estar obrigado a dela conhecer”, como exige o artigo 72º, nº
2, da LTC, qualquer questão de constitucionalidade normativa (obviamente
reportada a um qualquer preceito infra-constitucional) susceptível de integrar o
recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor.
10. Assim sendo, não estando presentes os pressupostos de admissibilidade do
recurso, o Tribunal Constitucional dele não pode conhecer, pelo que o mesmo
sempre seria de não admitir, como o não foi.
III. Decisão.
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício