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Processo n.º 103/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
1. Por acórdão da 2ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção, de 20 de Julho de 2004,
proferido nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo,
n.º 13231/02.OTDLSB, foram condenados, entre outros, os arguidos A., B. e C.,
todos melhor identificados nos autos, pela prática de um crime de tráfico de
estupefacientes, previsto e punido no artigo 21.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º
15/93, de 22 de Janeiro, cada um deles, na pena de quatro anos e seis meses de
prisão.
Deste aresto foram interpostos recursos pelos arguidos para o Tribunal da
Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 27 de Abril de 2005, lhes negou
provimento.
Ainda inconformados, os arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça.
2. Por acórdão de 17 de Novembro de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu
conceder parcial provimento aos recursos dos arguidos A., B. e C., revogando em
parte o acórdão recorrido “para ficar a valer a qualificação dos factos como
integrando a co-autoria daqueles arguidos na prática de um crime de tráfico de
menor gravidade, p. e p. no artigo 25º do DL n.º 15/93, de 22/1, fixando as
respectivas penas individuais em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão”,
mantendo, no mais, a decisão recorrida.
Neste aresto, depois de se ter procedido à análise do enquadramento jurídico dos
factos operada pelas instâncias e de se ter concluído que os crimes cometidos
por aqueles três arguidos eram os do artigo 25.º e não, como foi decidido pelo
acórdão da Relação, os dos artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, passou-se à
análise da “medida das penas”, nos seguintes termos:
«Concretizada a nova qualificação jurídica dos factos relativamente aos três
indicados recorrentes, importa agora quantificar as respectivas penas, assim
como apreciar a que, no âmbito do artigo 21.º foi aplicada ao arguido D..
Neste capítulo foi esta a decisão recorrida:
“Como se viu já, aquele crime de tráfico de estupefacientes é punível entre o
mínimo de 4 anos de prisão e o máximo de 12 anos de prisão (art.º 21.º, n° 1 do
DL 15/93, red. Lei 45/96).
Ora, as penas concretamente aplicadas, nestes casos, foram de 4 (quatro) anos e
6 (seis) meses de prisão.
Ou seja, relativamente a todos os recorrentes é muito próxima do aludido mínimo
legal.
Pretende o recorrente C. que deve ser-lhe aplicado o regime especial do art.º
31º do D.L. 15/93, por ter abandonado voluntariamente a sua actividade, em
27/11/02.
Todavia, tal não corresponde à matéria de facto apurada, a ele respeitante.
É, assim, manifestamente improcedente tal pretensão.
Nem se verifica um quadro atenuativo da sua culpa de molde a atenuar-lhe
especialmente a pena. Contudo, é delinquente primário.
Mas mesmo se diga relativamente aos demais recorrentes.
Assim, o recorrente B. pelo facto de ser também consumidor de drogas, não deve
beneficiar, sem mais, da pretendida atenuação especial da pena, quanto mais não
seja por não beneficiar de outras circunstâncias atenuantes; note-se que nem
sequer admitiu a prática dos factos apurados, antes negou-a (o que é um seu
direito). Também é delinquente primário.
De igual modo, pretende a recorrente A. que agiu subordinada à vontade do seu
marido, o co-arguido E., mas essa submissão não corresponde à factualidade
apurada. Repete-se, agiu em conjugação de vontades e de esforços.
Também não beneficia de mais qualquer outra atenuante, a não ser o facto de ser
delinquente primária.
Quanto ao D. identicamente: não tem qualquer atenuante a seu favor.
Aliás, este recorrente sofreu já anteriormente duas condenações, por crimes de
roubo e duas por condução sem carta - CRC de fls. 1419 a 1421.
Finalmente, a recorrente A. vivia maritalmente com o arguido E., trabalhou na
venda ambulante;
O recorrente B. vivia com a mãe, a co-arguida F., foi toxicodependente e
trabalhou na construção civil;
Enquanto o recorrente C. vivia com a mãe e com a irmã, e estava desempregado.
Em suma, em qualquer destes casos (dos ora recorrentes) entendemos que não se
excedeu a medida da culpa de cada um dos agentes – cfr. art.º 40°, n° 2 do C.
Penal - ponderando-se devidamente as circunstâncias quer contra quer a favor de
cada arguido, sem perder de vista o elevado grau da ilicitude dos factos, acima
retratada, e sem esquecer a intensidade do dolo (directo) de cada um deles, e
não esquecendo que, no caso da heroína e da cocaína se está perante as ditas
drogas duras, no sentido de que causam uma elevadíssima dependência por parte
dos consumidores, com elevado prejuízo para a saúde pública. Resumindo, as penas
aplicadas no acórdão recorrido, de 4 anos e 6 meses de prisão mostram-se até
benévolas - mormente, no que respeita ao recorrente D., o único que não é
delinquente primário - atentos os bens jurídicos protegidos e os fins das penas,
quer de prevenção geral quer especial, e sem olvidar a reinserção social dos
agentes - cfr. art.ºs 40° e 70º e seguintes do CPP, mormente art.º 71º, n.ºs 1
e2.
Improcedem, assim, todas as pretensões dos ora recorrentes.
Na verdade, ao improceder a pretendida redução das penas, mostra-se inaplicável,
obviamente, a também pretendida suspensão da sua execução (cfr. art.º 50º do
C.P.)”.
Como se vê, todos os recorrentes foram condenados na mesma pena: quarto anos e
seis meses de prisão.
Alterada a qualificação jurídica dos três supra identificados - todos à excepção
do D. - e não se tendo alterado os parâmetros dosimétricos restantes,
nomeadamente o grau de ilicitude verificado na reiteração da actividade
traficante, da culpa e demais circunstâncias do artigo 71.º do Código Penal,
como o comportamento anterior e posterior e condição pessoal, tem-se como
adequada à prática dos crimes em causa a pena de três anos e seis meses para
cada um deles.
Pois, se há exemplo em que «tráfico de menor gravidade» se não confunde com
tráfico sem gravidade, este será um deles, em que os arguidos, integrados
verdadeiramente num bando, se dedicavam regularmente ao tráfico de drogas, com
actuações conjugadas. Tráfico que, embora em quantidades não apuradas, envolvia
drogas duras, portanto das mais ofensivas para a saúde das vítimas, os
consumidores.
A quantificação concreta das penas impede a substituição da pena de prisão -
art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal.
E não se verifica o condicionalismo exigido por lei para atenuação especial da
pena reclamado pelo recorrente C..
Como aqui tem vindo a ser sucessivamente decidido e ora se reafirma, quando o
legislador dispõe de uma moldura penal para um certo tipo de crime, tem de
prever as mais diversas formas e graus de realização do facto, desde os de menor
até aos de maior gravidade pensáveis: em função daqueles fixará o limite mínimo;
em função destes o limite máximo da moldura penal respectiva; de modo a que, em
todos os casos, a aplicação da pena concretamente determinada possa corresponder
ao limite da culpa e às exigências de prevenção.
Desde há muito, porém, se põe em relevo a limitação da capacidade de previsão do
legislador para abarcar não todas as situações contemporâneas da feitura da lei,
como acompanhar o constante fluir de novas situações que a vida faz emergir a
cada momento.
Daí que, em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e
proporcionalidade, tenha surgido a necessidade de dotar do sistema de uma
verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando
existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição
do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada,
relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os
olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se
não mesmo a necessidade, de especial de determinação da pena, conducente à
substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa. São
estas as hipóteses de atenuação especial da pena.
Hipóteses que, em muitos casos, o próprio legislador prevê -, mas que a apontada
incapacidade de previsão leva ainda a suprir com uma cláusula geral de atenuação
especial.
O funcionamento de uma tal válvula de segurança obedece a dois pressupostos
essenciais, a saber:
- Diminuição acentuada da ilicitude e da culpa, necessidade da pena e, em geral,
das exigências de prevenção;
- A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se
relevante para tal efeito, isto é, só poderá ter-se como acentuada quando a
imagem global do facto, resultante da actuação das circunstâncias atenuantes se
apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o
legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da
moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
O que, por outras palavras, significa que a atenuação especial só em casos
extraordinários ou excepcionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos,
para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, “lá estão as molduras penais
normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios”.
Não deve esquecer-se todavia, que esta solução de consagrar legislativamente a
referida “cláusula geral de atenuação especial” como válvula de segurança,
dificilmente se pode ter como apropriada para um Código como o nosso, “moderno e
impregnado pelo princípio da humanização e dotado de molduras penais
suficientemente amplas'. Ou seja, é uma solução antiquada.
«Daí o bem fundado da nossa jurisprudência, quando pressupõe que tal sistema só
se torna político-criminalmente suportável se a atenuação especial, decorrente
da cláusula geral apontada, entrar em consideração apenas em casos relativamente
extraordinários ou mesmo excepcionais.»
Ora, a imagem global do facto não permite de forma alguma enveredar pelo trilho
excepcional reclamado, na certeza de que o recorrente tão somente beneficia de
atenuantes de pouco relevo, nomeadamente a ausência de antecedentes criminais,
devidamente valorada na quantificação da que lhe foi aplicada.
Finalmente, nada a observar quanto à medida da pena aplicada pelas instâncias ao
arguido D. - 4 anos e 6 meses de prisão - pela autoria do artigo 21.º do DL n.º
15/93, de 22/1, pena situada apenas ligeiramente acima do limiar abstracto, o
que, face às poucas atenuantes de que beneficia, se pode ter, até como uma pena
bastante benevolente.»
Contra este aresto apresentaram os recorrentes A. e B. o pedido de aclaração que
consta de fls. 2866 e 2867, o qual veio a ser indeferido pelo acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 28 de Dezembro de 2005.
3. Notificados, vieram estes recorrentes interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação das seguintes questões:
A) A recorrente A.:
- A inconstitucionalidade dos artigos 50º, 70º, 71º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), c),
d) e e), e 72º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e d), todos do Código Penal, “na
interpretação de que não registando a recorrente quaisquer antecedentes
criminais, sendo jovem e de condição social modesta e tendo dois filhos menores
a seu cargo, não se verifica suficiente para acautelar as necessidades de
prevenção especial e geral medida de pena que possa ser suspensa na sua execução
por haver na suspensão um juízo de prognose mais favorável a esta, todos por
violação do n.º 4 do artigo 29° da Constituição da República Portuguesa,
inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso do TRL para o
STJ. Não esquecendo ser esta uma situação potencialmente violadora do disposto
no artigo 27° n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa no que tange aos
seus filhos menores.”
B) O recorrente B.:
- A inconstitucionalidade da interpretação com que foram aplicadas na decisão
recorrida as normas dos artigos 50º e 70º, e os segmentos das normas dos artigos
71º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), c), d) e e), e 72º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e d),
todos do Código Penal, quando conjugadas com a norma do artigo 25º do
Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, “no sentido de aplicar ao recorrente
que se encontra em liberdade a pena de prisão de três anos e seis meses”.
Acrescentou este recorrente que tal interpretação viola o preceituado no n.º4 do
artigo 29.º da Constituição e que suscitou a questão de inconstitucionalidade na
conclusão 23ª do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
4. Não obstante o recurso ter sido admitido, o que não vincula este Tribunal
(cfr. artigo 76.º, n.º 3, da LTC), entende-se não poder conhecer-se do objecto
do recurso, sendo de proferir decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo
78.º-A, por não se verificarem os respectivos pressupostos de admissibilidade.
Com efeito, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade do tipo em
apreço destina-se ao controlo normativo de constitucionalidade, não estando
vocacionado para a impugnação da decisão judicial recorrida, como tal
considerada, como sucede quando o desenvolvimento argumentativo se dirige a esta
última, dela se discordando com o objectivo da sua reapreciação bem como da
reponderação da subsunção fáctica ao enquadramento jurídico, oportunamente
feita.
Ao Tribunal Constitucional não compete julgar o acto decisório recorrido, em si
mesmo considerado, envolvendo a ponderação decisiva da singularidade do caso
concreto, ou tão pouco o mesmo, visto como resultado da conjugação da matéria de
facto ao critério normativo utilizado, mas sim a constitucionalidade mesma desse
critério normativo.
5. No caso dos autos, independentemente de se apurar se os recorrentes
suscitaram adequadamente durante o processo qualquer questão de
constitucionalidade, é manifesto que não pretendem a apreciação pelo Tribunal
Constitucional de uma questão de constitucionalidade normativa, mas sim o
reexame da decisão recorrida no sentido de verem alterada a pena concreta
aplicada e poderem beneficiar do regime de suspensão da execução da pena.
Na verdade, o que os recorrentes questionam é a medida de pena e a aplicação das
respectivas situações de facto ao complexo normativo convocado no aresto
recorrido. Assim, quando a recorrente A. invoca que na situação de facto
descrita é inconstitucional não se lhe aplicar medida de pena que possa ser
suspensa na sua execução, pretende que se proceda ao reexame dos factos e das
circunstâncias tidas como relevantes pelo acórdão recorrido na determinação da
medida concreta da pena e consequente conclusão de inaplicabilidade do regime de
suspensão da execução da pena. Idêntica pretensão tem o recorrente B. ao
questionar o facto de lhe ter sido aplicada uma pena de prisão de 3 anos e 6
meses [medida que inviabiliza a suspensão], quando ele se encontrava em
liberdade.
Ora, como não foi acolhida pelo legislador nacional uma via de recurso
equiparável ao da acção constitucional de defesa dos direitos fundamentais ou ao
recurso de amparo, (cfr., entre tantos outros, os acórdãos nºs. 192/94, 178/95,
205/99, 255/99 e 191/01, publicados no Diário da República, II Série, de 14 de
Maio de 1994, 21 de Junho de 1995, 21 de Outubro e 5 de Novembro de 1999,
respectivamente, sendo o último inédito) – independentemente de saber se uma
pretensão como a presente, mesmo num recurso assim configurado teria cabimento –
há que concluir pela impossibilidade de se tomar conhecimento dos recursos, por
não ter por objecto uma questão de constitucionalidade normativa, mas a decisão
recorrida, na singularidade do caso concreto.
6. Em face do exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto dos recursos.
Custas a cargo dos recorrentes fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de
conta para cada um, sem prejuízo do eventual benefício do apoio judiciário.”
2. A recorrente A. reclamou para a conferência, ao abrigo do n.º 3
do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
“2º
Ora, efectivamente se assim fosse, se pretendesse a recorrente que este Colendo
Tribunal Constitucional aferisse da medida da pena aplicada à recorrente, sempre
teria de facto que ser o seu recurso não apreciado.
3°
Não é no entanto esse o intuito do recurso apresentado pela A. (desconhecendo,
por não ter que saber, se é no entanto esse o intuito do recurso do B.).
4°
A recorrente A. bem sabe não poder o Tribunal Constitucional aferir da correcção
de condenações ou da correcção de medidas das penas, pois os poderes do Tribunal
Constitucional limitam-se neste tipo de recursos a aferir da
inconstitucionalidade (ou da interpretação inconstitucional) de determinadas
normas.
5°
E é tão somente isso que a recorrente A. pretende, a apreciação da
constitucionalidade de uma norma jurídica por ambiguidade e falta de clareza
dessa mesma norma jurídica, por colidir a mesma em função dessas debilidades com
uma norma constitucional.
6°
Admite-se que a recorrente possa não ter deixado isso muito claro no seu
requerimento de recurso (ou pelo menos “preto no branco”, como se costuma
dizer), porém também se salienta que por vezes é um pouco complicado apontar o
objecto de um recurso sem a apresentação de uma alegação, sendo certo que o
requerimento de recurso não é o articulado próprio para a alegação.
7°
Da mesma forma que o presente articulado também não é o próprio para fazer as
alegações de recurso, pelo que procuramos não as fazer aqui.
8°
Procuramos apenas apontar a ideia de que nunca foi intenção da recorrente que
este Colendo Tribunal Constitucional apreciasse da medida da pena nem que
julgasse norma inconstitucional por não aplicar pena suspensa, sendo sim a sua
intenção que se afira da inconstitucionalidade de determinada norma jurídica por
ambiguidade e falta de clareza dessa mesma norma jurídica. colidindo a mesma em
função dessas debilidades com uma norma constitucional.”
O Ministério Público responde nos termos seguintes:
“1- A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2- Na verdade, a argumentação da reclamante em nada abala os fundamentos da
decisão reclamada, no que toca à evidente inidoneidade do objecto do recurso de
fiscalização concreta interposto.”
3. A reclamação é manifestamente infundada, não podendo este Tribunal conhecer
do objecto do recurso interposto, pelas razões da decisão reclamada que, no
essencial, se confirmam.
Com efeito, por um padrão que não prescinda de um mínimo de correspondência
verbal entre a vontade e a declaração, o requerimento de interposição de recuso
não comporta outra interpretação senão a de que a recorrente pretende ver
revisto, pelo Tribunal Constitucional, o juízo de determinação concreta da pena.
Não se trata de mera deficiência de formulação ou de enunciação obscura ou
equívoca que possam ser ultrapassadas com esclarecimentos complementares. Saber
se, perante a moldura legal abstracta correspondente ao crime pelo qual a
recorrente foi condenada, a aplicação de uma pena que possa ser suspensa na sua
execução ainda é suficiente para acautelar as necessidades de prevenção especial
e geral, numa situação em que o arguido não registe antecedentes criminais, seja
jovem e de condição social modesta e tenha dois filhos menores a seu cargo, é
sindicar o acerto do concreto juízo de ponderação, deixado pela Constituição a
cargo dos tribunais da causa, e não apreciar a conformidade à Constituição do
critério normativo por esses tribunais extraído do bloco legal indicado e à luz
do qual fizeram essa ponderação.
Por outro lado, não tem qualquer vestígio nesse requerimento a intenção, que a
reclamante agora afirma, de que visou a apreciação da constitucionalidade de uma
norma jurídica, “por ambiguidade de falta de clareza dessa mesma norma jurídica,
por colidir a mesma, em função dessas debilidades, com uma norma
constitucional”. Os preceitos constitucionais que aí indicou como violados foram
o n.º 4 do artigo 29.º e os n.ºs 1 e 2 do artigo 27.º da Constituição. Ora,
estas normas constitucionais não têm qualquer relação com o problema da
determinabilidade das leis, questão que a recorrente nunca equacionou no
processo (Tal como, aliás, também não têm qualquer relação com a questão da
escolha e medida da pena).
4. Acresce dizer que, na motivação do recurso que interpôs do
acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, a recorrente não suscitou
qualquer questão de inconstitucionalidade. Em conexão com a questão da
determinação da pena, o que a arguida sustentou foi apenas ter havido violação
das referidas normas de direito ordinário, fazendo ressaltar os factores
relativos à sua condição familiar, social e económica, à ausência de passado
criminal e à sua situação de subordinação na acção ilícita pela qual foi
condenada, como se vê pelo seguinte extracto das conclusões:
“13.Constata-se, assim, a existência dos pressupostos do enquadramento jurídico
pelo artº 25° do DL 15/93 de 22 de Janeiro à recorrente, já que os meios
utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das
substâncias, indiciam que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente
diminuída.
14.Porém, o Acórdão recorrido não o entendeu assim, fazendo “tábua rasa” de
todos os factores que impunham à recorrente aquele enquadramento jurídico.
15. Também a pena de quatro anos e seis meses de prisão aplicada à recorrente
que se encontra em liberdade, se mostra, especialmente severa e desajustada.
16. A recorrente, conforme o que resultou provado em sede de 1.ª Instância,
apresenta condição social e económica muito modesta, em total discrepância com
os avultados e fáceis lucros que a actividade de tráfico proporciona, antes
vivendo na major pobreza, vendo-se obrigada a dormir com as filhas na sala sobre
colchões, já que praticamente inexistentes móveis na sua casa, pelo que a ter
cometido o agir ilícito que lhe é imputado, só o seu companheiro usufruía com
isso, para o seu próprio consumo de estupefacientes, bebida e convívio com
outras mulheres, (de quem aliás, de uma tem um filho bebé) que certamente, num
rasgo de consciência assim o declarou em sede de audiência e discussão de
julgamento.
17. É inteiramente primária, tem emprego certo e duas filhas com seis e dez anos
que de si - já que o pai se encontra preso - dependem. Não tem qualquer outro
processo pendente.
18. Mais justo e equilibrado - atente-se que todos os arguidos foram condenados
em igual pena (quatro anos e seis meses de prisão), teria sido, ter-lhe sido
aplicado o enquadramento jurídico preceituado no Art.º 25° do DL 15/93 de 22 de
Janeiro e em consequência ter sido condenada em pena não privativa da liberdade,
suspensa a sua execução, por a prognose da suspensão se lhe apresentar
favorável.
19. Foram, pois, violadas pelo douto Acórdão recorrido as seguintes normas
jurídicas: Artºs 410º n° 2, alínea c), 412° n° 3, alíneas a), b) e c) do
C.P.P., 50° 70°,71° n° 1 e n° 2 alíneas a), c), d) e e), 72º nº 1 e nº 2,
alíneas a) e d), todos do Código Penal e Artºs. 21º nº 1, 25º do DL 15/93 de 22
de Janeiro.”
Logo também por aqui, por não ter sido suscitado perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida qualquer questão de constitucionalidade, sempre faltaria um
pressuposto do recurso interposto (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e n.º 2 do
artigo 72.º da LTC), pelo que nunca a reclamação poderia proceder.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 8 de Março de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício