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Processo n.º 1047/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Tendo sido notificado do acórdão n.º 119/06, proferido pelo
Tribunal Constitucional em 8 de Fevereiro de 2006 (fls. 15 a 26) – em que se
decidiu indeferir a reclamação por si deduzida do despacho do Conselheiro
Relator que, no Tribunal da Relação de Lisboa, não admitira o recurso de
constitucionalidade que pretendia interpor –, veio o reclamante A., sem
invocar qualquer disposição legal, requerer a “aclaração/reforma” do mencionado
acórdão.
No requerimento apresentado (fls. 31 e seguinte), diz o reclamante:
“[…]
É um facto e está documentado nos autos que o ora requerente deduziu a questão
de inconstitucionalidade «durante o processo» (cfr. fls. 1361 dos autos), nos
precisos termos da norma constante na al. b) do n.º 1, do artº 70º da LTC. De
resto, se ainda hoje não há trânsito em julgado da decisão condenatória, muito
mais quando a questão de inconstitucionalidade foi levantada.
De resto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem decidido neste sentido
como aconteceu nos acórdãos 3/83, 706/98, 109/98.
E a questão de inconstitucionalidade aqui em apreço prende-se com uma nulidade
insanável, como foi referido de forma expressa, a qual obriga a que a expressão
«durante o processo» mereça uma interpretação consentânea.
Também no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional
(cfr. fls. 1381) é indicada qual a alínea do n.º 1 do artº 70º da LTC ao abrigo
da qual o recurso foi interposto e a norma cuja inconstitucionalidade se
pretende o Tribunal Constitucional aprecie.
Sendo também certo que, se por um lado, o momento oportuno para fazer alegações
não é a fase de interposição de recurso, por outro, o ordenamento jurídico
prescreve que «se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum
dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a
prestar essa indicação no prazo de cinco dias» (cfr. n.º 5 do art° 75º-A da
LTC).
Ou seja, o recurso foi devidamente interposto, em fase própria e cumprindo os
requisitos exigidos, deveria, por conseguinte, ter sido admitido.
Mas, a não ser assim, o que apenas à cautela e por mero dever de patrocínio se
concebe, então houve omissão por parte do tribunal, ao não ter cumprido tal
disposição legal (cfr. n.º 5 do artº 75º-A da LTC), omissão essa que fere o
processado do vício de nulidade, implicando a repetição de todo o processado
posterior, a qual aqui se argui para todos os legais efeitos.
Termos em que requer a Vª Exª seja aclarado/reformado o douto acórdão
admitindo-se o recurso interposto ou, em alternativa, dar-se cumprimento ao
disposto no n.º 5 do artº 75º-A da LTC, assim se fazendo Justiça.
[…].”.
2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional, notificado para se pronunciar sobre o pedido apresentado,
respondeu (fls. 34):
“[…]
1°- A pretensão deduzida é manifestamente infundada, não se verificando
obviamente os pressupostos de admissibilidade dos incidentes pós-decisórios
suscitados.
2°- Com efeito, nem o acórdão que dirimiu definitivamente a reclamação padece de
qualquer obscuridade que deva ser aclarada, nem a solução nele adoptada quanto à
inverificação dos pressupostos do recurso assenta em qualquer lapso manifesto ou
inconsideração da realidade processual.”.
3. No acórdão reclamado o Tribunal Constitucional considerou que
“decorre claramente dos autos que o ora reclamante não suscitou, durante o
processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa”; por essa razão,
decidiu-se que, não tendo sido cumprido o ónus a que se referem os artigos 70º,
n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso de
constitucionalidade que o ora reclamante pretendia interpor não podia ser
admitido e, consequentemente, indeferiu-se a reclamação.
Na verdade, tendo em conta a sequência processual dos presentes autos, na
parte que releva para a verificação dos pressupostos do recurso de
constitucionalidade que o ora reclamante pretendia interpor, o Tribunal ponderou
no acórdão reclamado:
“[…]
Apenas no requerimento de fls. 1361 e seguintes – através do qual pediu «a
aclaração/reforma» do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de Junho
de 2005 […] –, o ora reclamante afirmou o seguinte: «[…] ao condicionar a
suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido ao pagamento da
quantia referida, a decisão aclaranda viola as citadas regras de competência dos
tribunais e faz uma aplicação/interpretação das normas dos art.ºs 50º do CP e
14º do RGIT que colide com as normas constantes nos art.ºs 209º, nº 1, al. b) e
212º, n.º 3 da CRP e cuja inconstitucionalidade aqui se suscita».
Nesta afirmação, contida em requerimento onde se requer a aclaração do acórdão
anteriormente proferido, não pode todavia ver-se a invocação, em termos
processualmente adequados, de uma questão de inconstitucionalidade normativa,
como exigem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional.
Em primeiro lugar, de acordo com a jurisprudência reiterada deste Tribunal, o
requerimento em que se pede a aclaração de uma decisão não constitui, em regra,
momento adequado para se poder considerar suscitada uma questão de
inconstitucionalidade «durante o processo», uma vez que o poder jurisdicional do
tribunal que proferiu a decisão aclaranda se encontra já esgotado – sendo certo
que, nas circunstâncias do presente processo, não existe qualquer motivo
susceptível de dispensar o ora reclamante de cumprir o ónus a que se referem os
citados preceitos da Lei do Tribunal Constitucional. Na verdade, o acórdão da
Relação mais não fez do que confirmar, na parte impugnada em recurso, a decisão
da 1ª instância, pelo que o ora reclamante teve oportunidade processual de
suscitar a questão de inconstitucionalidade na motivação do recurso interposto
para a Relação.
Em segundo lugar, observa-se que, no requerimento em que pediu «a
aclaração/reforma» do acórdão da Relação, o ora reclamante se limitou a imputar
vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade à própria decisão aclaranda.
Aliás, nem no requerimento através do qual pretendeu interpor o recurso para o
Tribunal Constitucional […], nem na reclamação da decisão que não admitiu tal
recurso […] – que, de todo o modo, não poderiam ser considerados momentos
adequados para dar como cumprido o ónus de invocação da questão de
inconstitucionalidade «durante o processo» perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida – o ora reclamante identificou com clareza a interpretação
normativa perfilhada na decisão recorrida que considera inconstitucional e que
pretende submeter ao julgamento deste Tribunal. Por outras palavras, o ora
reclamante não chegou sequer a definir o objecto idóneo de um recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade. Limitou-se a referir que «do
acórdão desse Tribunal da Relação resultam fortes indícios da existência de
inconstitucionalidade/ilegalidade da interpretação dada às normas constantes nos
art.ºs 50º do CP e 14º do RGIT» e a invocar certas normas constitucionais que,
em sua opinião, teriam sido violadas, o que é substancialmente diferente e
insuficiente para dar como verificado o ónus a que se referem os artigos 70º,
n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
Tanto basta para concluir que o recurso não podia ser admitido e que a presente
reclamação tem de ser indeferida.
[…].”.
4. O pedido de “aclaração/reforma” agora deduzido tem manifestamente
de improceder.
4.1. Nos termos do artigo 669º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo
Civil – disposição não invocada pelo ora reclamante –, pode qualquer das partes
requerer ao tribunal que proferiu a decisão “o esclarecimento de alguma
obscuridade ou ambiguidade que ela contenha”.
Decisão obscura é a que contém algum passo cujo sentido não é inteligível e
decisão ambígua é a que permite a atribuição de mais do que um sentido ao seu
texto.
Ora, no caso dos autos, o reclamante não aponta qualquer aspecto obscuro ou
ambíguo da decisão reclamada.
4.2. Nos termos do artigo 669º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do mesmo
Código – que o ora reclamante também não invocou – pode qualquer das partes
requerer ao tribunal que proferiu a decisão a sua “reforma” quando se verifiquem
determinadas circunstâncias, expressamente indicadas em tais preceitos.
No requerimento agora apresentado, o reclamante também não demonstra a
verificação dos pressupostos de admissibilidade do pedido de reforma que
formula.
5. Da argumentação utilizada decorre tão somente que o reclamante
manifesta a sua discordância em relação à decisão proferida pelo Tribunal
Constitucional nos presentes autos, no acórdão reclamado.
Nestes termos, indefere-se o pedido de “aclaração/reforma”.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 9 de Março de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos