Imprimir acórdão
Processo n.º 928/2003
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A. intentou, no 4º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção com
processo comum ordinário emergente de contrato de trabalho contra B., na qual
pediu que aquela entidade fosse condenada a pagar-lhe diferenças salariais e
indemnização por rescisão do contrato e respectivos juros de mora, no montante
de Esc. 13.624.373$00.
A Ré contestou, tendo vindo a ser proferida sentença julgando a acção
improcedente.
A Autora recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. O recurso foi admitido
por despacho do seguinte teor:
A Ré sustenta que o recurso de apelação interposto pela Autora foi apresentado
extemporaneamente - vide fls 1498 a 1500.
A Autora sustenta a tempestividade do recurso - vide fls 1527 e 1528.
Cabe, antes de mais, dilucidar esta questão.
Compulsados os autos constata-se que a presente acção foi intentada no decurso
de 1998.
A sentença recorrida foi proferida em 4 de Abril de 2002.
O Exmo mandatário da Autora foi notificado por carta expedida em 11 de Abril de
2002 - vide fls 1446.
Em 7 de Maio de 2002, a Autora veio requerer a cópia das cassetes de gravação da
prova, o que foi deferido no dia seguinte.
Em 20 de Maio de 2002, pelas 23h23m, foi expedido fax com o requerimento de
interposição de recurso e alegações da Autora.
A Autora veio a pagar multa por ter praticado o acto no 3° dia útil após o termo
do prazo.
Ao presente processo é aplicável o CPT aprovado pelo DL n° 272-A/81, de 30 de
Setembro.
Este Código não tem qualquer preceito específico sobre o recurso da matéria de
facto, tal como sucede com o actual CPT aprovado pelo DL n° 480/99,de 9 de
Novembro (vide n° 3° do artigo 80°) o qual apenas é aplicável aos processos
instaurados após 1 de Janeiro de 2000.
O art 75° do CPT/82 preceitua que o prazo para interposição de recurso de
apelação é de quinze dias; sendo certo que tal prazo se deve considerar
convertido em 20 dias por força do disposto na al d) do n° 1° do art 6° do DL n°
329-A/95,de 12 de Dezembro.
E, a nosso ver, salvo o devido respeito por entendimento diverso, há que
considerar o n° 6° do art 698° do CPC aplicável ao caso concreto por força do
disposto no art 1° do CPT.
Como tal uma vez que a Autora pagou multa nos termos do disposto no n° 6° do art
145° do CPC (sendo certo que o termo do prazo se transferiu para o dia 20 de
Maio de 2002 atento o disposto no n° 3° do art 144° do CPC) afigura-se-nos que o
recurso se deve reputar de tempestivo.
No Tribunal da Relação de Lisboa, o Relator entendeu que o recurso de apelação
havia sido interposto fora do prazo. Após terem sido ouvidas as partes, a
conferência veio a proferir acórdão em que foi decidido que a Relação não tomava
conhecimento do recurso, por extemporaneidade do mesmo.
Perante este acórdão da Relação, veio a Autora agravar para o Supremo Tribunal
de Justiça, tendo concluído as suas alegações do modo seguinte:
1ª Como logo arguido no requerimento de interposição, o acórdão recorrido é
nulo porquanto a A. requereu, no seu recurso de apelação, a alteração da matéria
de facto com reexame da prova gravada mas tal questão não chegou a ser objecto
de decisão expressa já que o acórdão decidiu ser o recurso extemporâneo por
entender que se não aplica, ao caso dos autos, o acréscimo do prazo previsto no
n° 6 do artigo 698° do CPC. Tal circunstância envolve, pois, nulidade do acórdão
por omisssão de pronúncia (artigo 668° n° 1 alínea d) do CPC), quanto a essa
questão;
2ª Não é acertado o entendimento do T.R. Lisboa de que as disposições do CPC
sobre gravação da prova, e a consequente ampliação do prazo para alegações, se
não aplicam aos processos laborais, como o destes autos, instaurados antes do
Código do Processo do Trabalho de 1999.
3ª O entendimento exposto e defendido no acórdão, é infundado e inaceitável,
porquanto o art. 24° do Dec-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo art.
6° do Dec-Lei n° 180/96, de 25 de Setembro, é claro ao dispor que:
“É imediatamente aplicável aos processos de natureza civil, pendentes em
quaisquer tribunais na data da entrada em vigor do presente diploma, o disposto
no Dec-Lei n° 39/95 de 15 de Fevereiro no que respeita ao registo das
audiências”.
4ª A gravação da audiência é admissível nos processos de natureza civil, em
todos os tribunais, portanto, quer tribunais judiciais, quer tribunais de
competência especializada, como sejam os tribunais do trabalho, uma vez que o
processo de trabalho tem natureza civil e o novo Cód. Proc. Trabalho apenas veio
consagrar esta solução legislativa que já vigorava no domínio do anterior Código
a partir daquela data de 25 de Setembro de 1996.
5ª Com a referência a “processos de natureza civil”, a lei pretendia afastar
apenas a aplicação do novo regime ao processo penal;
6ª E a prática dos tribunais de trabalho de 1ª instância foi a de admitir os
requerimentos apresentados de gravação da prova por uma das partes, ao abrigo do
art. 512° do CPC, aplicável ex vi do art. 1° do CPT de 1981, antecipando, de
certo modo, o regime que, tudo indicava, iria ser consagrado no nosso Código de
Processo de Trabalho já em preparação.
7ª Foi, aliás, o que aconteceu no caso sub judice em que o tribunal de trabalho
de primeira instância deferiu o requerimento da A. de gravação da prova
produzida na audiência final.
8ª Em consequência, é manifesto que o acórdão a perfilhar entendimento diverso
cometeu a nulidade prevista no art. 668° n° 1 al. d) 1ª parte do CPC (por força
da aplicação conjunta dos arts. 716° deste diploma e 72° do Cód. Proc. Trabalho
de 1981) ao abster-se de conhecer do recurso em matéria de facto, não obstante o
disposto no art. 24° do Dec-Lei 329-A/95 e a remissão para o Cód. Proc. Civil,
como lei subsidiária, por força do disposto no art. 1° do Cód. Proc. Trabalho de
1981 e, por outro lado, ao decidir não ser aplicável a extensão do prazo para
alegações e considerar extemporâneo o recurso, violou as normas do n° 6 do
artigo 698° do CPC e 1° do CPT 1981.
9ª Ao contrário do que se diz no acórdão recorrido, o Sr. Juiz da 1ª instância
não omitiu pronúncia sobre o pedido de gravação da prova pois lê-se a fls. 190
dos autos:
“Consigna-se que foi requerida a gravação do julgamento”
Trata-se de um deferimento do pedido da A. tanto mais que, em obediência a tal
decisão, a audiência foi efectivamente gravada.
10ª Tal significa que o tribunal de primeira instância decidiu que era
aplicável o regime da gravação da prova regulado em processo civil ao processo
laboral, por força do art. 1° do CPT.
E,
11ª Não tendo sido impugnada essa decisão, a mesma transitou em julgado (caso
julgado formal previsto no art. 672° do CPC aplicável subsidiariamente).
12ª Ficou, portanto, o Tribunal da Relação, ao contrário do que sustenta,
manifestamente vinculado quanto à susceptibilidade de impugnação da matéria de
facto no recurso de apelação e tal vinculação não decorre da decisão de um
tribunal de hierarquia inferior, mas da lei, visto tratar-se de um caso julgado
formal (art. 672° do CPC).
13ª O Tribunal da Relação de Lisboa - ao decidir que a gravação da prova só
passou a ser aplicável inovatoriamente em processo laboral aos processos a que
se aplica o Código de Processo do Trabalho de 1999, que revogou o precedente
Código, sendo irrelevante nos processos em que se aplicava o diploma de 1981,
não obstante ter sido deferida a gravação da prova - viola o despacho que fez
caso julgado formal nos autos e, por conseguinte, o artigo 672° do CPC.
14ª “... Os mesmos motivos por que o legislador introduziu as alterações nos
processos a correr pelos tribunais civis justificam idêntica solução nos
processos do foro laboral”
15ª Prevendo o novo Código de Processo de Trabalho de 1999 a gravação da prova,
a requerimento de qualquer das partes (art. 68° n° 2) - o que demonstra que tal
gravação não é incompatível com os princípios fundamentais do processo laboral e
com as respectivas exigências de celeridade - e que, estando prevista tal
possibilidade no Código de Processo Civil a partir de 1 de Janeiro de 1997 e
sendo desejo do legislador que a mesma possibilidade fosse aplicável a processos
de natureza não penal (cível) pendentes na data da entrada em vigor da reforma
deste último diploma, é erróneo considerar que, nos processos instaurados entre
1 de Janeiro de 1997 e a data da entrada em vigor do novo Código de Processo do
Trabalho, não podem as partes dispor da faculdade de requererem a gravação da
prova, não obstante os tribunais do trabalho disporem já, e desde a inovação
legislativa sobre gravação, efeito. dos meios técnicos para o efeito.
16ª A norma extraída da conjugação do art. 63° n° 1 do CPT de 1981 com a do
art. 24° do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditada pelo Dec-Lei 180/96, de 25
de Setembro, a ser-lhe dada a interpretação que se perfilha no acórdão, é
inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais de igualdade e de
acesso aos tribunais (arts 13° e 20°, n° 1 da Constituição), podendo mesmo
afectar a garantia constitucional de utilização de um processo equitativo
(art.20° n° 4 da Constituição).
17ª É (in)correcto e incoerente dizer-se, como se diz na decisão recorrida, que
o alargamento do prazo concedido pelo CPC é referente ao prazo para alegações
enquanto no processo laboral tal alargamento seria do prazo seria para a
interposição do recurso.
18ª É um argumento viciado de incoerência porque ignora que o alargamento do
prazo se destina, precisamente, a permitir desde logo a própria reprodução das
cassetes pela secção para entrega ao recorrente, depois à audição e reexame, do
seu conteúdo pelo recorrente e, finalmente à elaboração das alegações. Tudo
actos que - é intuitivo tomam bastante mais tempo do que tomavam antes da
introdução dos novos ónus sobre o reexame e identificação das passagens da
prova gravada quando, num recurso, se peça o reapreciação da mesma.
19ª A distinção que se pretende invocar não tem nenhuma razão de ser quando se
ponderar que é precisamente por o alargamento do prazo se destinar à obtenção e
audição (e, anteriormente, também à reprodução) das cassetes (e, por vezes, são
dezenas ! ...) com vista à elaboração das alegações que em processo laboral se
concede esse alargamento do prazo logo na interposição do recurso pois bem se
sabe que, tanto no anterior como no actual Código de Processo do Trabalho, as
alegações têm de ser apresentadas logo com o requerimento de interposição do
recurso.
20ª É, pois, ainda e sempre, em atenção à maior dificuldade e demora de alegar
(quando haja de se reexaminar as gravações, que o novo CPT, à semelhança do que
já sucedia com o CPC., prevê a extensão do prazo.
21ª Como resulta do art. 2° n° 1 do CPC e é apanágio de todo o Direito
Processual moderno, o Processo destina-se à obtenção de decisão acerca do mérito
da causa, devendo evitar-se que a lide acabe por se resolver com fundamento em
questões puramente processuais.
“... devendo obviar-se a que regras rígidas, de natureza estritamente
procedimental, possam impedir a efectivação em juízo dos direitos e a plena
discussão acerca da matéria relevante para propiciar a justa composição do
litígio”.
22ª O acórdão recorrido, além de nulo e de violar caso julgado, interpreta e
aplica incorrectamente as normas do DL 39/95, de 15/2 e os artigos 24° do DL
329-A/95, de 12/12; 1° n° 2 a) do CPT de 1981 e 698° n° 6 do CPC, pelo que por
estes fundamentos e por outros, melhores, que V. Ex.as suprirão, deve ser
provido o agravo, declarar-se que é nulo o acórdão recorrido, e que o recurso de
apelação interposto pela A. é atempado (pelo uso legítimo da disposição do n° 6
do art. 698° do CPC) e deve ser decidido que a A. pode usar-se da gravação da
prova pessoal, que foi efectuada em audiência, para impugnar a decisão da 1ª
instância em sede de matéria de facto e que tal gravação é legal e eficaz.
A Recorrida contra-alegou, pedindo a confirmação do acórdão recorrido. O
Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer
pronunciando-se pela procedência do recurso.
2. O Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo, confirmando o
acórdão recorrido com a consideração de que “não foram cometidas no aresto da
Relação sob censura as violações das normas constitucionais referidas pela
recorrente, nem nele também houve violação de qualquer das normas referidas na
22ª conclusão das alegações de recurso”.
Embora sem tratar directamente da questão de constitucionalidade o Supremo
Tribunal de Justiça considerou ainda o seguinte sobre a interpretação do Direito
relevante:
quanto a nós, o artigo 698º do C.P.C. não tem – nem pode ter em caso algum –
aplicação nos processos laborais, uma vez que o regime de recurso e de
apresentação de alegações na apelação laboral não é o mesmo do fixado nesse
preceito do processo civil.
Nos processos laborais as alegações têm de acompanhar o requerimento de
interposição de recurso [art. 76º, nº 1, do C.P.T. de 1981 e art. 81º, nº 1, do
C.P.T. de 1999] e este em de dar entrada em juízo dentro do prazo peremptório
fixado no Código de Processo de Trabalho aplicável (ou, quando muito, dentro de
um dos três primeiros dias úteis seguintes ao do termo desse prazo, mediante
pagamento de multa, conforme o previsto no artigo 145º do Código de Processo
Civil”.
Justificou, assim, o Supremo Tribunal de Justiça a diferenciação de regimes
entre o C.P.T. de 1981 e o Código de Processo Civil, considerando ainda, perante
o facto de, no caso sub judicio, se ter admitido a gravação da prova que esse
facto não seria relevante, pois entendeu que “Estando as partes representadas
nos processos por mandatários judiciais, não podem ignorar os preceitos do
Código de Processo do Trabalho que lhes são aplicáveis, nem ter expectativas que
não são legítimas, mas sim falsas.
3. A recorrente veio então interpor recurso deste Acórdão para o Tribunal
Constitucional, arguindo a inconstitucionalidade da “norma extraída da
conjugação do artigo 63º, nº 1, do CPT/81 com o artigo 24º do DL 329-A/95, de
12.12 aditada pelo DL 180/96, de 25.9” por violação dos princípios
constitucionais de igualdade e de acesso aos Tribunais (artigos 18º e 20º, nº 1,
da Constituição), bem como a garantia de utilização de um processo equitativo
(artigo 20º, nº 4, da Constituição).
Em alegações de recurso entretanto proferidas, após ter sido notificada para tal
pela Relatora, já que não as apresentou conjuntamente com as alegações, disse o
seguinte:
1ª. O acórdão do STJ impugnado decidiu confirmar a anterior decisão do TRL no
sentido de o recurso de apelação interposto pela aqui Recorrente ser
extemporâneo dado (no entender dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e
do STJ) a ampliação do prazo para alegações onde se requeresse a reapreciação da
prova gravada (prevista no n° 6 do artigo 698° do CPC) não ser aplicável aos
processos laborais. E tão pouco ser legal, e vinculativa para o Tribunal da
Relação, a própria decisão de gravação da prova mesmo quando efectuada esta e
transitada em julgado a decisão que a deferiu, visto a gravação da prova não
estar prevista nem ser consentida pelo CPT de 1981.
2ª. Na referida acção, proposta em 1997, foi, por despacho do juiz titular do
processo, admitida a gravação da audiência, ao abrigo do Dec-Lei 329-A/95, de
12/12, que dispõe no art. 24°:
'É imediatamente aplicável aos processos de natureza civil, pendentes em
quaisquer tribunais na data em vigor do presente diploma, o disposto no dec-lei
nº 39/95, de 15 de Fevereiro, no que respeita ao registo das audiências'.
3ª. E este entendimento foi pacificamente assimilado nos tribunais de primeira
instância, e designadamente do trabalho, que passaram, quando requerido, a
gravar a audiência, fazendo uso dos meios técnicos que foram postos ao seu
serviço.
4ª. Também os Tribunais da Relação entenderam esta reforma do processo civil
como pacificamente aplicável em processo laboral e só algum tempo depois da
entrada em vigor do novo CPT é que surgem os primeiros arestos no sentido de a
gravação da audiência em processo laboral, em processos instaurados antes de
1/1/2000, não ser possível e nem ser legal e de o alongamento do prazo de
recurso e alegações também não o ser;
5ª. Sempre que é deferida e feita gravação o prazo para apresentação do recurso
em que se pretenda a reapreciação da matéria de facto é aumentado em dez dias,
conforme o disposto no art. 698° n.o 6 do CPC mesmo em processo laboral iniciado
antes de 1/1/00.
6ª. O CPT de 1999 veio integrar nas suas normas, directa e expressamente, a
possibilidade de gravação da audiência e a ampliação do prazo de recurso quando
haja reexame da prova gravada, assim se consagrando o entendimento e a prática,
o uso processual, que se fazia nos tribunais, desde 1995, através da aplicação
subsidiária das regras do processo civil.
7ª. Tal alargamento do prazo não contende com as preocupações de celeridade
próprias do processo laboral (como sempre resultaria, até, do facto de o novo
CPT de 1999 prever tal alargamento de prazo), e nem é um benefício acrescido
para a parte que pretenda recorrer da matéria de facto, nem atribui qualquer
vantagem adicional ilegítima, não proporciona qualquer desigualdade no
tratamento das partes, antes confere um prazo que tem em conta o tempo de
apreciação, audição e transcrição, necessárias e obrigatórias, para indicar, ao
tribunal, com detalhe, a matéria que se pretende ver revista e a localização
onde se encontra no registo de voz. Trata-se da aplicação do princípio do prazo
razoável e da proibição da 'indefesa' ou da não privação ou limitação não
razoável do direito de alegar, ínsitos no artigo 20° da CRP.
8ª. No caso destes autos o Tribunal da Relação suscitou, ex officio, a questão
da admissibilidade da gravação da audiência no processo julgado no Tribunal do
Trabalho, apesar de ter sido deferida a gravação por despacho do juiz do 4°
juízo e de as partes se terem conformado com tal decisão a esse respeito e de
ela ter transitado em julgado.
9ª. O T.R. - confirmado pelo acórdão recorrido - suscitou, assim pretensos
vícios formais contra um despacho transitado em julgado (caso julgado formal),
que foi pacificamente aceite pelas partes, e que em nada difere de tantas outras
dos tribunais do trabalho, que entre 1995 e 1999 ao abrigo do CPC, e depois de
1999 ao abrigo do CPT, autorizaram a gravação das audiências;
10ª. Tal entendimento do artigo 24° do DL 329-A/95 nega o direito, a garantia e
a possibilidade de a A. ver a matéria de facto e o mérito da sua causa
reapreciado em recurso, através da invocação de um vício inexistente, (e que, se
porventura tivesse existido, estaria já sanado), invocação e interpretação que
ofendem os princípios constitucionais do caso julgado, da certeza e segurança
jurídica e judicial e da confiança .
11ª. No plano do principio da igualdade dos cidadãos - 13° da CRP - as
decisões, da Relação de Lisboa e o Ac. do STJ que a confirma, são
inconstitucionais, por interpretarem a regra constante do artigo 24° do Dec-lei
329-A/95, com a redacção dada pelo DL 180/96, de 12/12, num sentido que não
corresponde ao entendimento usual em Direito Civil e Processual Civil, excluindo
dele o direito do trabalho, que desde sempre, se considera direito civil -
direito privado e nunca direito público - e excluindo os cidadãos credores
laborais das garantias dispensadas e reconhecidas a outras classes e tipos de
credores e de créditos, de registo da prova e de reexame, em segunda instância,
da prova gravada e, por via disso, do mérito da causa.
12ª. Com a interpretação assim feita confere-se à norma um sentido
inconstitucional, tratando de forma desigual situações que são iguais.
13ª. Os acórdãos dão tratamento desigual a situações iguais negando ao cidadão
que tenha intentado uma acção laboral antes de 1/1/000 o direito à gravação da
prova e ao reexame da prova pessoal gravada e, com base nela, à alteração da
matéria de facto mas admitindo-o a outro cidadão cuja acção tenha entrado após
31/12/99 sem que nenhuma razão ponderável o justifique e sem que se apure
qualquer diferença no regime jurídico.
14ª. A aplicação das normas do processo de trabalho sem a conjugação com as
regras de processo civil imposta pelo artigo 1° do próprio CPT, conferem às
regras aplicadas um sentido de denegação de justiça, e de violação da garantia
de dupla jurisdição negando à A. uma instância de recurso em matéria de facto, o
direito de ver reexaminada a prova e, por via dela, o direito de obter a
alteração da matéria de facto e outra decisão de mérito;
15ª. Ao recusar a licitude e validade da gravação recusa-se a possibilidade de
conhecer em recurso da matéria de facto e as provas gravadas, violando, com tal
entendimento, o direito de acesso à justiça e aos tribunais em iguladade de
circunstâncias e a um processo equitativo, com exame do mérito da causa,
violando-se os arts. 13° e 20° da Constituição.
16ª. Ao interpretar o n° 6 do art. 698°, os artigos 672° e 712° n° 1 alínea a)
do C.P.C., e a conjugação destes com o C.P.T. de 1981, designadamente o alcance
dos artigos 67° e 83°, no sentido de nas questões laborais instauradas até
31/12/99 serem insusceptíveis de alargamento do prazo de alegações e de reexame
de todas as provas e, designadamente, da prova gravada, o acórdão objecto de
recurso vem, num sentido novo, inesperado e inconstitucional, suscitar vícios
formais numa decisão transitada em julgado, que faz caso julgado formal, e ao
rejeitá-lo (quando é certo que as partes com ele se conformaram), baseia-se numa
interpretação dessas normas que viola flagrantemente os princípios da
inviolabilidade ou intangibilidade do caso julgado, implícito e dedutível do
princípio do estado de direito democrático, no artigo 2° da CRP, e que aflora,
entre outras disposições, nos artigos 205° n° 2 e 282° n° 3 da CRP; e viola os
princípios e garantias da tutela da lealdade, boa fé e da cooperação processual,
também exigíveis aos tribunais e aos julgadores, da certeza e da segurança
judicial, e da lealdade e da confiança, protegidas constitucionalmente nos arts.
2° e 205° n° 2 da CRP.
Reconhecendo-se e declarando-se que na interpretação - que a decisão impugnada
perfilha - os artigo 24° do DL 329-A/95, 698° n° 6 e 712° n° 1 a) do CPC no
sentido de não serem aplicáveis às acções laborais instauradas antes de 1/1/00 o
direito de requerer a gravação da audiência, prevista no DL 39/95, e o direito
ao alongamento do prazo para alegações de recurso e de ver reexaminada a prova
gravada e, por via dela, alterada a decisão sobre matéria de facto, são
inconstitucionais por violação dos artigos 2°, 13° e 20° da CRP, devendo
ordenar-se a reforma da decisão recorrida em consonância com aquela decisão de
inconstitucionalidade com o que se fará
JUSTIÇA !
A recorrida contra-alegou, por seu turno, desde logo, mesmo antes da
apresentação das conclusões das alegações pela recorrente, e mais tarde, após
ter sido notificada das conclusões, pronunciando-se, sem quaisquer conclusões,
do modo seguinte:
1. A Recorrente vem invocar que os doutos acórdãos proferidos pelo Tribunal da
Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça violariam disposições
constitucionais. Refere que estas instâncias agiram de forma ilegal ao
entenderem ser extemporâneo o recurso de apelação interposto pela Recorrente,
uma vez que a ampliação do prazo para alegações onde fosse requerida a
apreciação da prova gravada (prevista no n° 6 do art. 698° do C.P.C.) não seria
aplicável aos processos laborais e não obstante ter sido efectivamente gravada a
prova, e tendo transitado a decisão que a deferiu, visto a gravação da prova não
estar prevista e nem ser consentida pelo CPT de 1981.
2. Salvo o devido respeito, entendemos que tem razão o Supremo Tribunal de
Justiça, subscrevendo-se, por inteiro, a sua fundamentação.
Em nossa opinião, nenhum preceito constitucional foi violado, conforme adiante
se demonstrará.
Do Princípio da Igualdade (art. 13º da Constituição da República Portuguesa)
3. Refere a Recorrente que estaria a ser violado o princípio da igualdade ao
excluir-se do direito do trabalho - que é considerado direito civil- os credores
laborais e as partes do processo laboral das garantias dispensadas e
reconhecidas a outras classes e tipo de credores e de créditos, de registo de
prova e de reexame, em segunda instância, da prova gravada.
4. Ora, como é sabido, os valores em causa no domínio jus laboral são de
interesse e ordem pública. Nessa medida, haverá que respeitar as especificidades
e autonomia próprias do sector da conflitualidade laboral, exigindo-se
tratamento diferenciado.
5. Na perspectiva da Recorrente também deveria ser declarado inconstitucional o
privilégio creditório de que gozam os trabalhadores ou mesmo o Estado. De facto,
o princípio da igualdade prevê a proibição de privilégios ou benefícios no gozo
de qualquer direito. No que diz respeito ao Estado, entendeu o Tribunal
Constitucional, através do Acórdão n° 153/02, de 17/04/02, publicado no DR, II
série, de 31/05/02, que a norma da primeira parte do n° 1 do art. 736° do Código
Civil, que outorga ao Estado um privilégio mobiliário geral, para garantia de
créditos fiscais provenientes de IVA e respectivos juros compensatórios, não
seria inconstitucional.
6. Outra diferença bem conhecida entre os dois processos, civil e laboral, diz
respeito à condenação extra vel ultra petitum, prevista no art. 74° do C.P.T.
No processo civil comum, a sentença não pode condenar em quantia superior ou em
objecto diverso do que se pedir, sendo nula se o fizer. No entanto, em processo
de trabalho o poder do juiz é mais amplo e determinado pela prevalência da
justiça material sobre a justiça formal, atentos os interesses em causa.
A condenação ultra petita mais não é do que o reflexo da irrenunciabilidade de
certos direitos substantivos do trabalhador .
Este princípio é aplicável tanto ao A. como ao Réu.
Ora, no raciocínio da Recorrente tal norma também seria inconstitucional por
violação do princípio da igualdade. No entanto, não foi esse o entendimento
deste Tribunal (vide Ac. TC n° 644/94, de 13/12/94, publicado no DR, II série,
de 01/02/95; Ac. TC n° 605/95, de 08/11/95, publicado no DR, II série, de
15/03/96).
7. Como já foi referido, haverá que respeitar as especificidades e autonomia
próprias do sector da conflitualidade laboral, exigindo-se tratamento
diferenciado. Nessa medida, inexiste qualquer violação ao princípio da
igualdade.
Do direito de acesso à Justiça e aos tribunais e a um processo equitativo (art.
20º da Constituição da República Portuguesa)
8. Invoca a Recorrente que a interpretação feita pelo Tribunal da Relação e pelo
Supremo Tribunal de Justiça das normas do processo laboral sem a conjugação com
as regras de processo civil confeririam às regras aplicadas um sentido de
negação de justiça uma vez que impossibilitariam a Autora (Recorrente) de ver a
sua causa julgada e de ter uma instância de recurso.
9. A não admissibilidade de recurso não se deve à violação do direito ao duplo
grau de jurisdição. Não existe preceito constitucional a consagrar este direito
em termos gerais, como sucede para o processo penal, nos termos do art. 32°, n°
1 da C.R.P. (vide Ac. TC n° 31/87 e n° 65/88).
10. Cabe ao legislador ordinário dispor livremente a regulação dos requisitos e
graus de recurso. Ora, apenas com a entrada em vigor do novo C.P.T., entendeu o
legislador garantir a gravação da prova com as naturais consequências ao nível
dos recursos em matéria de facto.
11. Adoptar, em absolutos, o raciocínio da Recorrente levaria a admitir que
tanto o C.P.C. (antes das alterações introduzidas pelo DL 39/95, de 15/02) como
o anterior C.P.T. estariam contrários ao art. 20° por não preverem o registo das
audiências e as necessárias consequências ao nível dos recursos. E que dizer das
decisões tomadas pela primeira instância quanto a processos cujo valor não
ultrapassa a alçada da primeira instância?
Tal raciocínio, salvo melhor opinião, afigura-se-nos inaceitável. Tratar-se-á
mais de uma crítica à política legislativa do que uma questão
jurídico-constitucional. E o mesmo dir-se-á quanto à alegada violação do
princípio da certeza e segurança judiciais. De facto, como é sabido, a nossa
Ordem Jurídica não consagra nenhum direito à unidade de jurisprudência ou a não
mudança de jurisprudência.
Do Princípio da Inviolabilidade do caso julgado (implícito no art. 205º, nº 2 da
Constituição da República Portuguesa)
12. A admitir-se a consagração de tal princípio, o mesmo não teria aplicação no
caso sub judice.
A Recorrente refere que teria sido violado caso julgado formal uma vez que teria
sido deferida, por despacho judicial, a gravação da prova e pelo facto das
partes se terem conformado com tal decisão a esse respeito e de ela ter
transitado em julgado. Uma vez que sempre se trataria de uma questão processual,
estar-se-ia perante um caso julgado formal que não teria que ser respeitado.
Nos termos do art. 672° do C.P.C., os despachos, bem como as sentenças, que
recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do
processo, salvo se por sua natureza não admitirem recurso de agravo.
Estão excluídos da força de caso julgado formal os despachos de mero expediente
e os proferidos no uso legal de um poder discricionário, ou seja,
respectivamente, aqueles que se destinam a 'prover ao andamento regular do
processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes' e aqueles
que ' decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador'.
Ora, a gravação da prova é um direito potestativo das partes, pelo que o
despacho que a admite é de mero expediente. No caso concreto, o referido
despacho nunca poderia formar caso julgado formal, já que não tomou posição
sobre o problema de saber se a gravação da prova poderia ter lugar no processo,
problema esse que nem sequer aflorou - e que se impunha.
Nestes termos e nos mais de direito, uma vez que não se verifica qualquer
violação de normas constitucionais, deve o presente recurso ser julgado
improcedente e, em consequência, deverá ser mantida a douta decisão do Supremo
Tribunal de Justiça.
Tudo visto, cumpre decidir.
II
Fundamentação
4. O problema suscitado é o de uma eventual violação da Constituição, no que se
refere ao acesso ao direito e aos tribunais e à igualdade (artigos 20º, nº 1, e
13º, nº 1, respectivamente), pela não concessão de um prazo ampliado para
alegações em Processo de Trabalho, à imagem do que é previsto no nº 6 do artigo
698º do Código de Processo Civil, quando se tenha requerido a reapreciação da
prova gravada. É, fundamentalmente, essa a questão que coincide com a ratio
decidendi do acórdão recorrido, o qual concluiu pela intempestividade do
recurso.
Na lógica decisória do acórdão recorrido, são fundamentais duas ideias: a de que
o regime de recurso e de apresentação de alegações no Processo de Trabalho não
é, nem tem de ser, idêntico ao fixado no Processo Civil e a de que o regime de
admissão da apreciação da prova gravada não tem também de ser o mesmo. Quanto a
esta última ideia, não sendo exigível a admissão da gravação da prova, não se
repercutirá também nos prazos do recurso qualquer exigência daí decorrente – e
isso independentemente de a gravação da prova ter sido admitida na primeira
instância.
Ora, a questão de constitucionalidade que se coloca é, em primeira linha, uma
questão concreta de admissibilidade de prorrogação de prazos de recurso quando
tenha sido admitida a reapreciação da prova gravada. E tal questão depende, na
verdade, do pressuposto de que é admissível (pelo menos que o foi em concreto) a
reapreciação da prova gravada, do qual não é dissociável no plano
lógico-concreto. Desse modo, é também convocável o princípio da confiança, já
que a recorrente configurou um prazo de recurso em função de ter sido admitida
nos autos a gravação da prova (artigo 2º da Constituição).
A colocação do problema nestes termos é, consequentemente, o que define o
objecto da questão de constitucionalidade, resultante da confluência das normas
indicadas pelo recorrente logo nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça – os artigos 63º, nº 1, do CPT de 1981 e 24º do Decreto-Lei nº
329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de
Setembro.
5. Colocando-se a questão de constitucionalidade normativa nestes termos, o
Tribunal Constitucional nem tem de apreciar um mero problema de igualdade de
prazos de recurso em áreas diversas da Ordem Jurídica – o Processo Civil e o
Processo de Trabalho – nem sequer a questão geral da igualdade de condições
entre essas duas áreas no que respeita à possibilidade de utilizar a gravação da
prova para reapreciação em sede de recurso.
O único problema que está aqui em causa é, assim, o de saber se violará a
Constituição a diferenciação de prazos de recurso quando, tendo sido admitida a
prova gravada na primeira instância, o recorrente não beneficiar, no âmbito do
Processo de Trabalho, de uma extensão do prazo idêntica à de que beneficiaria no
domínio do Processo Civil (em que estava na realidade já prevista uma extensão
do prazo para alegações).
6. Dando resposta à questão suscitada, o Tribunal Constitucional entende que a
Constituição é efectivamente violada com a solução normativa que está agora em
discussão.
Com efeito, na linha do que já se decidiu no Acórdão nº 44/2004, de 14 de
Janeiro – DR II Série, de 20 de Fevereiro de 204, não é admissível que, uma vez
aceite (mesmo que incorrectamente, problema que o Tribunal Constitucional terá
de se abster de discutir, por ser questão de mera interpretação do Direito
infraconstitucional), a gravação da prova, possa o recorrente, que formou já a
expectativa de dispor de um prazo acrescido para a interposição de recurso, ser
defraudado nos ulteriores termos do processo, nomeadamente por não ampliação dos
prazos legais.
Claro que, na situação presente, o problema é mais complexo do que o tratado
pelo Acórdão nº 44/2004, em que a primeira instância tinha admitido, na
sequência de um requerimento apresentado para o efeito, a própria prorrogação do
prazo. Agora está em causa, estritamente, a repercussão da admissão da gravação
da prova nos prazos de recurso previstos no Processo de Trabalho em confronto
com os estabelecidos no Processo Civil.
Porém, como é óbvio que os prazos mais extensos estabelecidos no Código de
Processo Civil são originados pela utilização de prova gravada, em função das
especiais necessidades de transcrição e exame, continuará a verificar-se uma
diferenciação injustificada entre esse regime e o do Processo de Trabalho.
Na realidade, pese embora uma eventual razão de celeridade que no Processo de
Trabalho possa justificar um regime diverso quanto a prazos de recurso, tal não
é adequado nem basta para recusar um prolongamento do prazo previsto legalmente
em atenção às condições de utilização de um certo meio de prova que o exija. As
razões que justificam a extensão do prazo de recurso no Processo Civil – as
condições de utilização em recurso de prova gravada – não podem deixar de
justificar igualmente um regime de extensão dos prazos do recurso no Processo de
Trabalho, quando for admitida a gravação de prova, sob pena de violação dos
princípios da confiança e do acesso ao direito e aos tribunais previstos,
respectivamente, nos artigos 13º, nº 1, 20º, nº 1, e 2º, da Constituição.
III
Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 63º, nº
1, do Código do Processo de Trabalho de 1981 e 24º do Decreto-Lei nº 329-A/95,
de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, na
medida em que determina que a admissão da gravação da prova da audiência de
julgamento na primeira instância, não implica a extensão do prazo de recurso, à
semelhança do que sucede em situações idênticas de reapreciação da prova gravada
no Código de Processo Civil, por tal norma violar os artigos 2º e 20º, nºs 1 e
2, da Constituição;
b) determinar a reforma do acórdão recorrido de acordo com o presente juízo de
inconstitucionalidade.
Custas pelo recorrido, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2005
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração anexa)
Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto que junto)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 – Votei vencido por não poder acompanhar a tese que fez
vencimento.
2 – Não cabendo no recurso de constitucionalidade aferir se a norma
nele impugnada corresponde ao melhor direito que o intérprete e o aplicador da
lei devem deduzir dos preceitos infraconstitucionais (embora se possa dizer que
se acompanha inteiramente a tese seguida pela decisão recorrida), apenas se
curou de saber se o critério legislativo, tal qual foi determinado e aplicado
pelo acórdão recorrido, é direito válido à face da Constituição.
3 – O acórdão a que esta declaração se encontra anexa deu uma
resposta negativa a essa questão. Todavia, segundo o nosso ponto de vista, quer
se confronte a norma com o princípio da igualdade quer se contraste a mesma com
os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança, não pode deixar de
concluir-se pela sua conformidade com a Lei Fundamental.
4 – Na verdade, constitui jurisprudência firme do Tribunal
Constitucional o entendimento de que não é possível isolar, para os sujeitar ao
crivo do princípio da igualdade, certos e determinados aspectos que se integram
em um regime jurídico globalmente delineado ou conformado, precisamente porque
esses aspectos ou dimensões jurídicas vivem dentro da harmonia desse conjunto
jurídico, reflectindo a sua específica teleologia, não podendo ser desligados
dele sem perda da sua identidade jurídica.
Como se diz no Acórdão n.º 422/99, publicado Diário da República II
Série, de 29 de Novembro de 1999, mas cuja argumentação pela sua bondade é
transponível para o caso dos autos não obstante os ramos do direito em confronto
não serem os mesmos, «[...]suposto que, como sustenta a recorrente, do
princípio do Estado de direito decorra uma “harmonização do sistema jurídico” em
termos de levar à consagração de soluções legais idênticas quando exista alguma
similitude de situações, isso, certamente, não pode significar que essa
harmonização conduza ineludivelmente a que os diversos corpos de leis adjectivos
tenham de consagrar soluções iguais, designadamente no que tange ao processo
civil e ao processo criminal.».
E continua-se a argumentar no mesmo aresto: «Na verdade, as prescrições
tendentes à adjectivação não podem desligar-se da diversidade de institutos
jurídicos de cariz, quantas vezes acentuadamente diferenciado, que pautam, verbi
gratia, o direito civil, o direito penal e o direito administrativo, pelo que as
soluções decorrentes dessa adjectivação podem, e muitas vezes até devem, ser
diferentemente perspectivadas, até tendo em conta preceitos, princípios e
garantias que a própria Constituição impõe que sejam observados em determinados
ramos de direito. Seria, por exemplo, incurial e contrário à Lei Fundamental que
no processo criminal se estabelecessem ónus probatórios a cargo do arguido,
provas por confissão, sancionamentos cominatórios penais ou presunções de
responsabilidade ou culpabilidade criminal, o mesmo já se não podendo dizer se
um tal estabelecimento decorrer da lei processual civil, ao adjectivar as formas
de tutela do incumprimento de obrigações civis» (cf., entre outros, na mesma
linha o Acórdão n.º 236/00, publicado no Diário da República II Serie, de 2 de
Novembro de 2000, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., pp.
269).».
Se o legislador optou, tendo em vista a realização de valores com protecção
constitucional, mormente quanto à possibilidade de uma tutela efectiva e em
tempo útil, pela conformação de um regime específico de processo de trabalho,
diferente do adoptado no processo civil para a tutela de outros direitos,
igualmente de natureza civil, não se vê como poderá o regime específico, onde o
recurso está sujeito a regras próprias elegidas pelo legislador dentro da sua
discricionariedade constitutiva como meio para prosseguir a axiologia própria
desse ramo de direito, ser invadido por normas que não deixam, de algum modo, de
afectar em algum grau essa axiologia - no caso, a celeridade do processo para
acautelar direitos sensíveis da pessoa, como são os direitos emergentes de uma
relação laboral.
Não quer isto dizer que o legislador numa nova reponderação normativa desses
valores constitucionais não possa adoptar como sendo ainda consentido por eles
uma outra solução infra-constitucional.
Mas uma coisa é a de entender que uma tal solução corresponde ao resultado de
uma avaliação constitutiva que é permitida ao legislador; outra diferente é
defender-se que a adopção do regime adoptado pelo outro ramo do direito terá ou
teria obrigatoriamente sob o ponto de vista constitucional de ser seguida no
regime específico. Todavia, só uma visão destas permitirá sancionar a norma com
o estigma da inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade.
Pensa-se, todavia, que não pode considerar-se que o legislador esteja obrigado a
adoptar, no processo de trabalho, o regime de gravação da prova produzida na
audiência de julgamento e o regime de dilatação dos prazos para apresentação de
alegações consagrados no processo civil, sem embargo de poder seguir um caminho
desses, como veio a acontecer na reforma laboral levada a cabo pelo Decreto-Lei
n.º 480/89, de 9 de Novembro (art.º 80º do Cód. Proc. Trabalho).
5 – Por outro lado, também não se vê que a norma censurada pelo acórdão viole os
princípios da tutela da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio
do Estado de direito democrático consagrado no art.º 2º da CRP:
Ora, antes de mais nada importa referir que apenas importa equacionar a violação
desses princípios enquanto parâmetros dirigidos ao legislador, pois em causa
está apenas – e só isso poderá ser objecto do recurso de constitucionalidade
normativa – uma norma jurídica e não também enquanto princípios aplicáveis
directamente pela decisão judicial, dimensão esta apenas controlável em recursos
de tipo “amparo”.
Sendo assim apenas há que apreciar a ideia de confiança que a parte tenha
depositado na atitude do tribunal de 1ª instância de proceder à gravação da
prova enquanto acto motivado num eventual seu entendimento normativo, apenas
implicitamente expressado, de que as regras relativas à gravação da prova em
processo civil se aplicariam igualmente em processo laboral.
Todavia - independentemente de tal interpretação não ter de conduzir, inevitável
e forçosamente, a uma outra interpretação do mesmo tribunal de 1ª instância no
sentido de que seria aplicável quer ao prazo de interposição de recurso quer ao
prazo para alegar nele em processo laboral (em que esses dois momentos correm
juntos), hipoteticamente supervenientes, a regra introduzida pela reforma de
1995 no n.º 6 do art.º 698º do CPC da dilatação do prazo para alegar em caso de
recurso cujo objecto seja a reapreciação da prova – sempre um tal entendimento
do tribunal de 1ª instância teria de ser olhado como sujeito a reserva de
diferente apreciação por parte dos tribunais de hierarquia por força do próprio
mecanismo de funcionamento dos recursos e da regra da oficiosidade do
conhecimento do direito.
Não pode deixar de ter-se por desproporcionado o entendimento de que o tribunal
superior ficaria privado de reapreciar a questão à luz do direito aplicável sem
que sobre a mesma se houvesse constituído caso julgado, conferindo-se à situação
de errada determinação e aplicação da lei feita pelo tribunal inferior um valor
próprio de caso julgado, sem em rectas contas este se verificar.
Admite-se que haja casos em que, independentemente da constituição de caso
julgado, se haja se conferir um relevo definitivo a atitudes (motivadas em
determinadas interpretações normativas) do tribunal inferior.
Todavia, a salvaguarda de tais decisões decorrerá, então, não só do princípio da
tutela da confiança – pois o funcionamento das regras dos recursos e da
hierarquia não permitirão afirmá-lo – mas principalmente de outros princípios
constitucionais, como sejam, por exemplo, o do respeito por todas as garantias
de defesa em processo penal (cf., a este respeito, entre outros, os Acórdãos,
n.º 39/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt; n.º 159/04 e n.º 722/04,
estes publicados no Diário da República II Série, respectivamente, de 23 de
Abril de 2004, e 4 de Fevereiro de 2005).
O que, seguramente, não podemos aceitar é que uma errada
interpretação de disposições inovatórias com base na qual são levados a cabo
actos sujeitos a reexame recursório dos tribunais superiores - que não de
disposições legais em vigor sob cuja ideia de intemporal vigência o cidadão
construiu as suas expectativas, definiu as suas situações jurídicas ou regulou
os seus actos e onde tem todo o sentido a operacionalidade do princípio da
tutela da confiança em face de novo regime legal, conforme é jurisprudência
comummente afirmada do Tribunal Constitucional – possa ser salva com base nos
princípios da tutela da confiança e da segurança jurídica (cf., sobre o conteúdo
jurígeno do princípio da tutela da confiança, entre outros, os Acórdãos n.º
303/90, n.º 156/95 e n.º 222/98, publicados, respectivamente, no Diário da
República I Série, de 26 de Dezembro de 1990, Diário da República II Série, de
21 de Junho de 1995, e Diário da República I Série, de 5 de Julho de 1998).
Benjamim Rodrigues
Declaração de voto
Votei vencido por entender que a invocada realização da gravação da prova na 1ª
instância não fundava, só por si, qualquer confiança legítima quanto a uma
prorrogação de prazos de recurso. Este caso não é, pois, paralelo ao decidido
pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 44/2004, pois dos factos resultantes
dos autos e do direito aplicável resultava que a recorrente não podia ter
fundado legitimamente expectativas de vir a beneficiar de uma prorrogação do
prazo para interposição de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Desde logo, à data da interposição desse recurso (21 de Maio de 2002 – fls.
1472 dos autos) era, pelo menos, duvidoso (e já havia sido negado na
jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa) que fosse legalmente admissível
gravação da prova para efeito de recurso em matéria de facto em processo
laboral. Pelo que não se vê que expectativas a (hipotética) determinação de
gravação da prova poderia fundar.
Em segundo lugar, não é sequer certo que tenha existido na 1ª instância um
despacho a determinar tal gravação da prova – o acórdão do Tribunal da Relação
de Lisboa que confirmou a não admissão do recurso, por extemporaneidade, pelo
relator, entendeu que esse despacho não existia, não sendo tal entendimento
contrariado pelo acórdão recorrido, do Supremo Tribunal de Justiça, que apenas
se refere à realização efectiva da gravação, remete para o acórdão do Tribunal
da Relação, e se limita a pôr a hipótese de esse despacho ter existido (“mesmo
que haja um despacho do juiz de 1ª instância a ordenar a gravação da prova”).
Por último, mesmo que fosse de admitir a gravação da prova para recurso em
matéria de facto, e mesmo que tivesse sido ordenada tal gravação, não se vê que
a consequência fosse forçosamente a prorrogação do prazo para interposição de
recurso em processo laboral, considerando, desde logo, que tal prorrogação está
apenas prevista para o processo civil, no Código de Processo Civil, e para
apresentação de alegações (e não para a interposição de recurso): “Ora, uma
coisa são os prazos para a interposição de recurso, outra coisa, bem diversa
dessa, são os prazos para a apresentação de alegações”, diz-se, acertadamente,
no acórdão recorrido.
Não se vê, pois, como poderia resultar da decisão recorrida (designadamente, dos
factos em que assentou) e do direito aplicável qualquer “violação dos princípios
da confiança e do acesso ao direito e aos tribunais”, que o acórdão diz estarem
“previstos, respectivamente, nos artigos 13.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, e 2.º da
Constituição” – sendo, porém, que, como bem se sabe, o primeiro apenas se refere
ao princípio da igualdade, cuja violação também não estava em causa, desde logo,
pelo facto de a prorrogação do prazo em questão não ser para apresentação de
alegações em processo civil, mas para interposição de recurso em processo
laboral.
Teria, pois, negado provimento ao presente recurso.
Paulo Mota Pinto