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Processo n.º 388/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
decisão proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que julgou não tomar
conhecimento do recurso de fiscalização de constitucionalidade interposto pelo
reclamante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Dezembro de 2004,
completado pelo acórdão do mesmo Supremo, de 15 de Março de 2005, acórdão aquele
que negou provimento ao recurso de agravo que interpusera de acórdão da Relação
de Lisboa, o qual, por seu lado, negara, também, provimento ao recurso de agravo
interposto de decisão da 1ª instância, que julgou improcedentes os embargos
deduzidos contra sentença que decretara a sua falência.
2 – No recurso interposto para o Tribunal Constitucional, o ora
reclamante pretende a apreciação da constitucionalidade “das normas do art.º 3º
e n.º 2 do art.º 27º, conjugadas com a norma do art.º 129º, todas do Código dos
Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, na redacção dada
pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, na interpretação com que foram
aplicadas no acórdão recorrido”, em que “foi entendimento do Supremo Tribunal de
Justiça que a qualidade do devedor, enquanto pessoa singular, não releva à
estatuição da declaração de falência, sendo-lhe aplicável o regime e a
tramitação aplicáveis à pessoa colectiva” e na interpretação segundo a qual,
“incumbia ao devedor, na oposição mediante embargos, fazer prova em concreto do
valor do activo que alegou naquele articulado, entendendo-se dispensável a
necessidade do juiz a quo realizar ou ordenar oficiosamente a realização de
todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição
dos litígio quanto aos factos alegados”.
3 – A decisão sumária, reclamada, tem o seguinte teor:
«1 – A. recorre, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na
alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Dezembro
de 2004, completado pelo acórdão de 15 de Março de 2005, que lhe indeferiu o
pedido de reforma daquele acórdão, acórdão esse que negou provimento ao recurso
de agravo que interpusera de acórdão da Relação de Lisboa, o qual, por seu lado,
negara, também, provimento ao recurso de agravo interposto de decisão da 1ª
instância, que julgou improcedentes os embargos deduzidos contra sentença que
decretara a sua falência, pretendendo a apreciação da constitucionalidade “das
normas do art. 3º e n.º 2 do art. 27º, conjugadas com a norma do art. 129º,
todas do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência,
na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, na interpretação
com que foram aplicadas no acórdão recorrido” em que “foi entendimento do
Supremo Tribunal de Justiça que a qualidade do devedor, enquanto pessoa
singular, não releva à estatuição da declaração de falência, sendo-lhe aplicável
o regime e a tramitação aplicáveis à pessoa colectiva” e na interpretação
segundo a qual, “incumbia ao devedor, na oposição mediante embargos, fazer prova
em concreto do valor do activo que alegou naquele articulado, entendendo-se
dispensável a necessidade do juiz a quo realizar ou ordenar oficiosamente a
realização de todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à
justa composição dos litígios quanto aos factos alegados”.
2 – Porque se configura uma situação processual subsumível à hipótese que se
encontra recortada no n.º 1 do art. 78º-A da LTC passa a decidir-se
imediatamente.
3 – Estabelecem os art.ºs 280º, n.º 1, alínea b), da CRP e 70º, n.º 1, alínea
b), da LTC que cabe recurso, para o Tribunal Constitucional, de decisões dos
tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo.
Segundo a jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, constituem
pressupostos específicos do recurso interposto ao abrigo destes preceitos que a
norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional
aprecie tenha constituído a ratio decidendi da decisão, ou o fundamento
normativo do seu próprio conteúdo, nisso se traduzindo a aplicação em concreto
da norma, e que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada, em
tempo e por modo funcionalmente adequado, para que o tribunal recorrido pudesse
conhecer dela.
A exigência daquele requisito encontra a sua razão de ser na própria natureza da
função jurisdicional (aqui constitucional), dado que lhe cumpre apenas conhecer
e decidir de controvérsias concretas e não de situações apenas académicas: se a
norma cuja validade constitucional se questiona não serviu de fundamento à
decisão, nunca a pronúncia sobre a sua eventual inconstitucionalidade poderia
ter quaisquer reflexos jurídicos sobre a decisão, permanecendo-lhe estranha.
Cabe, por outro lado, acentuar, que o objecto desse recurso constitucional só
pode ser constituído por normas jurídicas que tenham constituído ratio decidendi
da decisão (cf., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96,
publicado no DR II Série, de 15 de Maio de 1996, e J. J. Gomes Canotilho,
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 821). O
recurso de constitucionalidade, tal como foi gizado pelo legislador
constitucional – com natureza instrumental e relativamente a normas jurídicas -
tem em vista o controlo da conformidade com a Constituição (as normas e
princípios constitucionais) das normas jurídicas que tenham sido convocadas como
suporte normativo da concreta decisão proferida.
Sendo assim, estão arredados do objecto do recurso os outros actos admitidos na
ordem jurídica, embora estes façam aplicação directa das normas e princípios
constitucionais, como acontece com as decisões judiciais (sentenças e
despachos), os actos administrativos e os actos políticos.
Deste modo, não pode, no recurso de constitucionalidade, sindicar-se a correcção
jurídica da sentença, no que concerne à aplicação que a mesma faça,
directamente, das normas de direito infraconstitucional e das normas e
princípios constitucionais. A violação directa das normas e princípios
constitucionais pela decisão judicial, atenta a circunstância de não vigorar,
entre nós, o meio constitucional do recurso de amparo, apenas pode ser conhecida
no plano dos recursos de instância previstos na respectiva ordem de tribunais.
Já relativamente ao ónus de suscitação, a questão tem que ver com o sistema de
fiscalização concreta de constitucionalidade das normas que a nossa Lei
Fundamental adoptou, de controlo difuso por via do recurso (cf. Cardoso da
Costa, “A jurisdição constitucional em Portugal”, in Estudos em homenagem ao
Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de
Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss.).
Torna-se, pois, necessário que a questão de inconstitucionalidade tenha sido
suscitada durante o processo. A suscitação, durante o processo, tem sido
entendida, de forma reiterada pelo Tribunal, como sendo a efectuada em momento
funcionalmente adequado, ou seja, em que o tribunal recorrido pudesse dela
conhecer por não estar esgotado o seu poder jurisdicional (cf., entre outros, os
acórdãos, n.º 496/99, publicado no Diário da República II Série, de 17 de Julho
de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., p. 663; n.º 374/00,
publicado no Diário da República II Série, de 13 de Julho de 2000, Boletim do
Ministério da Justiça – BMJ – 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 47º vol., p. 713; n.º 674/99, publicado no Diário da República
II Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 45º vol., p. 559; n.º 155/00, publicado no Diário da República
II Série, de 9 de Outubro de 2000).
Mas, por outro lado, o ónus de suscitação da constitucionalidade, durante o
processo, tem ainda uma outra vertente. É que a questão de constitucionalidade
da norma cuja apreciação se requer ao Tribunal Constitucional por via do recurso
tem de ser colocada ao tribunal recorrido em termos de este saber que tem de
apreciar e decidir essa concreta questão de constitucionalidade, o que implica,
que a questão seja colocada ao tribunal recorrido, em termos perceptíveis (cf.,
acórdão n.º 178/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol.,
p. 1118). A este respeito, escreveu-se no acórdão n.º 560/94 (publicado no
Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995) que «a exigência de um
cabal cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada -
da questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”.
É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva
pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o Tribunal
Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da questão (e
não a um primeiro julgamento de tal questão».
Deste modo, a questão de constitucionalidade tem de ser colocada ao tribunal
recorrido, em termos de este saber que tem essa concreta questão de
constitucionalidade para resolver. Donde resulta que o questionante tenha de
colocar, em termos perceptíveis, qual a concreta questão de normatividade
jurídica cuja validade constitucional controverte.
Nesta linha, importa reconhecer que não basta, pois, que se indique a norma que
se tem por inconstitucional, antes é necessário que se problematize a questão de
validade constitucional da norma (dimensão normativa) mediante a alegação de um
juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa/critérios normativos
aplicados e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais) tidos por pertinentes,
indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma
sindicanda viola ou afronta, de modo a possibilitar (e obrigar) o tribunal a quo
a conhecer da questão de constitucionalidade.
E note-se que os termos em que essa questão é colocada se tornam verdadeiramente
essenciais na perspectiva do recurso de constitucionalidade para o Tribunal
Constitucional. É que se é certo que este pode conhecer da questão de
inconstitucionalidade normativa, já não tem competência para conhecer da
inconstitucionalidade da decisão judicial em si própria. A violação directa das
normas e princípios constitucionais, pela decisão judicial, apenas pode ser
conhecida no plano dos recursos previstos na respectiva ordem de tribunais.
4 – Ora, no caso sub judice, verifica-se que, em contrário do alegado no seu
requerimento de interposição de recurso, onde afirma que “a questão de
inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, designadamente […] nas conclusões
e), f), x) e y) das alegações do recorrente, no recurso de agravo de 2ª
instância”, este não colocou ao tribunal a quo as questões de
inconstitucionalidade normativa que agora enuncia naquele requerimento de
interposição de recurso – acima precisadas – e, muito menos, o fez em termos
tais que devam considerar-se como tendo idoneidade para, adequadamente, dar a
conhecer ao mesmo tribunal qual ou quais as questões que devia resolver.
Nas alegações de recurso de agravo, apresentadas para o Supremo Tribunal de
Justiça, o recorrente apresentou as seguintes alegações:
«a) O juiz a quo veio decidir pela manutenção da declaração de falência,
tendo deixado de se pronunciar sobre questões suscitadas pelo ora Agravante em
sede própria e outra trazida ao seu conhecimento, que não poderiam ter sido
deixadas de contemplar na motivação aduzida na Douta decisão,
b) Com efeito, relativamente ao valor do prédio, alegadamente único bem do
ora Agravante - questão fundamental para se apurar e concluir pela insuficiência
patrimonial do mesmo - a sentença é simplesmente omissa, merecendo apenas uma
parca e singela nota em parêntesis, não afastando criticamente a prova realizada
pelo ora Agravante, como efectivamente impõe a legislação aplicável, em clara
violação do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 264º; 2ª parte do nº 2 do art. 660º
e, finalmente, do nº 3 do art. 659º todos do CPC;
c) Pelo contrário, o acórdão de que ora se recorre, vem contrapor à
nulidade defendida pelo ora Agravante, a justificação de que a questão do valor
do imóvel foi devidamente apreciada, tendo a própria sentença indicado o valor
patrimonial do prédio em causa.
d) No entanto, com o devido respeito, não nos parece que a mera referência
ao valor patrimonial do prédio, que decorre da simples leitura da caderneta
predial do mesmo, corresponda a uma valoração probatória do valor deste imóvel,
nomeadamente porque tal valor foi impugnado e, em substituição, veio o ora
Agravante, em sede de embargos, indicar valores mais aproximados do seu real
valor de mercado.
e) Por outro lado, estranha-se que em matéria de processo de
falência, cuja declaração significa, nomeadamente no caso de falência de uma
pessoa individual, uma diminuição da capacidade jurídica do falido, o douto
acórdão considere aceitável que o valor de um prédio com as dimensões e as
características acima indicadas, seja apreciado apenas pelo seu valor
patrimonial.
f) A avaliação do imóvel, para efeitos da sua valoração enquanto
activo assenta necessariamente em pressupostos diferentes daqueles que são
utilizados para, numa perspectiva meramente tributária, calcular o valor
patrimonial de um prédio.
g) O ónus do embargante foi cumprido, na medida em que o mesmo em
sede de embargos, indicou e apresentou vários documentos nos quais constavam
avaliações do valor de mercado atribuído ao prédio.
h) Pelo que, mantém-se o defendido em sede de agravo de 1ª instância
no que concerne à nulidade da sentença por omissão do dever de pronúncia, em
clara violação do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 264º; 2ª parte do nº 2 do art.
660º e, finalmente, do nº 3 do art. 659º, todos do CPC.
i) Do mesmo vício parece claramente padecer a questão de, pelo
menos, um dos créditos reclamados se encontrar garantido por outros avales
pessoais de terceiras entidades, relativamente à qual, se afigura ter havido
manifesta omissão de pronúncia, também em flagrante violação do disposto nos nºs
2 e 3 do art. 264º; 2ª parte do nº 2 do art. 660º e, finalmente, do nº 3 do art.
659º todos do CPC.
j) De facto, não se discute o afirmado pelo douto acórdão de que o
requerente da falência ao reclamar o pagamento de créditos de terceiras
entidades, o possa fazer por inteiro de qualquer dos devedores, conforme
estipulado no art. 512º e 519º do C.C. No entanto, também prevê o art. 526º do
C.C., que versa sobre obrigações solidárias, que 'Se um dos devedores estiver
insolvente ou não puder por outro motivo cumprir a prestação a que está
adstrito, é a sua quota-parte repartida proporcionalmente entre todos os demais,
incluindo o credor de regresso e os devedores que pelo credor hajam sido
exonerados da obrigação ou apenas do vínculo da solidariedade'
k) Na linha desta disposição acrescenta o art.519º C.C no seu nº 1,
2ª parte que 'se (o credor) exigir judicialmente a um deles (devedores
solidários) a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder
judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido salvo se,
houver razão atendível, como a insolvência ou o risco de insolvência do
demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação'.
l) Face ao acima descrito, não parece ao ora Agravante que tenha
razão o douto acórdão quando afirma que, não tendo sido apreciada a questão dos
avales prestados por terceiros, tal omissão não constitui qualquer nulidade
porque a mesma não carecia de ser objecto de pronúncia pelo Tribunal.
m) O que decorre das disposições legais acima identificadas é que a
possibilidade de terem sido interpelados os avalistas das mesmas livranças
deveria ter sido tida em consideração pelo Tribunal na apreciação da situação
financeira do ora Agravante visto que, a reclamação dos créditos em causa
contribuiu para a situação de dificuldade económica do Requerido e constitui
fundamento para a declaração de falência do mesmo.
n) Consequentemente, a omissão de pronúncia sobre este facto,
fundamental para uma correcta análise da situação económica do Agravante pelo
Tribunal e alegado em sede de embargos pelo mesmo, constitui uma flagrante
violação do disposto nos nºs. 2 e 3 do art. 264º, 2ª parte do nº 2 do art. 660º
e, finalmente, do nº 3 do art. 659º todos do CPC.
o) Para além do mais, foi também levado ao conhecimento do tribunal
a quo, pelo designado liquidatário judicial, que corria termos um processo
judicial em Londres - Reino Unido, no qual, aquele liquidatário judicial
nomeado, foi requerido a pronunciar-se sobre o prosseguimento de um pedido
reconvencional deduzido pelo ora Agravante, o qual não foi, também, objecto de
qualquer apreciação por banda do tribunal a quo, no âmbito da sentença ora
recorrida, em clara violação do disposto na 1ª parte do nº 2 do art. 514º; nºs 2
e 3 do art. 264º e 2ª parte do nº 2 do art. 660º e, finalmente, do nº 3 do art.
659º todos do CPC, omitindo, assim, pronúncia sobre factos de que se lhe impunha
conhecer por virtude do exercício das suas funções e deles não fazendo qualquer
menção ou exame crítico, como consagra a lei aplicável.
p) Mais uma vez, o acórdão da Relação de que ora se recorre,
substitui-se à sentença na apreciação de questões suscitadas pelo Agravante, em
sede de embargos, defendendo que a matéria do pedido reconvencional não carecia
de ser apreciada pelo Tribunal a quo, visto que não se tratando de crédito
firmado, o mesmo não releva para o juízo de insolvência feito a partir de outros
factos dados como provados.
q) Com o devido respeito, não concorda o ora Agravante com o douto
acórdão, atendendo a que, não obstante o pedido reconvencional não se assumir
como um crédito firmado, o valor que é pedido no mesmo, a ser confirmado por
sentença judicial, ultrapassa o necessário para fazer face ao crédito que
justifica o requerimento de falência.
r) Tal facto significa que, o crédito, objecto de pedido
reconvencional, a vir a ser considerado provado e firmado, é susceptível de
determinar um juízo sobre a capacidade de recuperação financeira do ora
Agravante, merecendo a sua invocação pelo mesmo, constituir objecto de pronúncia
pelo Tribunal a quo.
s) Conclui-se assim reafirmando, que a omissão de pronúncia sobre o
tema supra citado pela sentença do Tribunal a quo, constitui uma nulidade nos
termos acima expostos.
t) Assim, não basta para se concluir pela aplicação do regime da
falência, ademais atentas as consequências penosas que tal medida implica em
termos de limitação da capacidade jurídica de uma pessoa singular, que existam
um conjunto de créditos reclamados contra a mesma por liquidar. Ao invés, é
necessário apreciar e provar, que tais créditos são impossíveis de ser cumpridos
pontualmente pelo requerido, atenta a sua situação económica.
u) Por sua vez, a noção de impossibilidade pressupõe não apenas um
juízo presente sobre a situação patrimonial do particular, mas nomeadamente, um
juízo futuro, de não vislumbre de qualquer factor-indício de que o mesmo poderá
recuperar financeiramente, continuar a laborar e assim cumprir pontualmente com
as suas obrigações.
v) Quanto à própria conclusão plasmada no douto acórdão recorrido
('É, por tudo isso, seguro que tais questões se mostravam prejudicadas pelos
factos apurados, nunca sendo susceptíveis de alterar minimamente a constatação
deles resultantes com as suas obrigações (art. 3º do CPEREF). '), a mesma, não
pode merecer provimento, na medida em que, não tendo sido tais questões, objecto
de qualquer pronúncia pelo Tribunal a quo, falece legitimidade aos Venerandos
Juízes Desembargadores para, em substituição desse mesmo tribunal, elaborar
juízo sobre a susceptibilidade dessas questões alterarem, ou não, minimamente a
constatação relativa à inviabilidade económica ou à impossibilidade de
recuperação financeira de um devedor singular.
w) Não tem razão o douto acórdão, quando refere que cabia ao
embargante/recorrente, alegar e provar que não havia razões de facto para ter
sido declarada falência, uma vez que resulta inequívoco de quanto acima exposto,
que todas as questões que foram indicadas como tendo sido omitidas na sentença
que decretou a falência, consubstanciaram precisamente as razões de facto
alegadas pelo embargante, que devidamente provadas, se destinavam a demonstrar
ao tribunal a quo, que o mesmo, tinha condições, bens e garantias, para
prosseguir a sua actividade e proceder ao pagamento das suas obrigações, sobre
as quais o tribunal não se pronunciou.
x) Afigura-se que a interpretação dada pelo Juiz a quo, e confirmada
pelo Venerando Tribunal da Relação a quanto plasmado no art. 3º e 129º CPEREF,
constitui uma violação de princípios constitucionalmente plasmados, como sejam,
o da autonomia privada e o do direito fundamental à capacidade civil.
y) Com efeito, não podemos olvidar dos efeitos decorrentes da
falência e, em particular, quando o falido é uma pessoa singular. Donde, a
mesma, só deverá ser decretada após envidadas todas as diligências necessárias,
de molde a assegurar que o falido não tem, de facto, qualquer possibilidade de
solver o passivo apurado.
z) Por último, afigura-se, ainda, ter havido, por banda do juiz a
quo, uma manifesta omissão de pronúncia quanto aos temas acima indicados,
omissão esta, que condicionou o devido e rigoroso apuramento, por parte do
Tribunal que decretou a falência, dos activos e da situação patrimonial de que o
requerido dispunha, devendo a sentença do tribunal a quo ser considerada nula.».
De uma simples análise de tais conclusões de recurso logo se constata que o
recorrente não contesta, em ponto algum, a validade constitucional dos concretos
critérios normativos, acima enunciados, que ora põe em causa, como tendo sido ou
pudessem vir a ser determinados (e aplicados) com base na interpretação das
normas dos artigos 3º e n.º 2 do art. 27º, conjugadas com a norma do art. 129º,
todos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência
(doravante designado apenas por CPEREF), na redacção que lhe foi dada pelo
Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril”.
Na verdade – e mesmo desprezando a singularidade de o recorrente nem sequer
aludir, nessas conclusões, ao preceito do n.º 2 do art. 27 do CPEREF como
elemento do bloco normativo agora considerado na determinação dos critérios
legais postos em causa – verifica-se que, em todo o seu discurso, o mesmo não
faz mais do que controverter a correcção do acórdão da Relação de Lisboa no que
tange às solução concretas que, no plano da aplicação do direito
infraconstitucional, o mesmo deu, a várias das questões colocadas no recurso
para a 2ª instância relativamente à sentença de 1ª instância, objecto desse
recurso.
Segundo o alegado no recurso para a Relação, esta decisão teria incorrido em
diversas nulidades por não se ter pronunciado sobre o valor do imóvel que
constitui o único elemento patrimonial do activo da massa falida, sobre a
circunstância de, pelo menos, um dos créditos reclamados se achar garantido por
outros avales pessoais de terceiros por força dos quais poderia o mesmo ser
exigido de tais devedores e tal facto obstar a que, se exigido esse pagamento, a
mesma dívida pudesse ser alegada como fundamento do requerimento de insolvência
do devedor, e, finalmente, sobre a situação, não alegada como fundamento dos
embargos deduzidos, mas trazida ao conhecimento do tribunal pelo liquidatário da
massa falida, da pendência de um pedido reconvencional efectuado pelo aqui
recorrente em um processo judicial no Reino Unido, consubstanciado no pedido de
pagamento de um crédito de £ 640.800,00 (cerca de um milhão de Euros).
A Relação negou provimento ao recurso, tendo considerado que a sentença
recorrida havia apreciado a questão do valor do imóvel e que, tendo concluído
pela sua incapacidade (mesmo pressupondo o alegado valor do mesmo de cerca de 1
milhão de contos) “para cobrir o valor dos créditos reclamados (mais de
2.000.000.000$00)”, não carecia de apreciar a questão dos avales, por, não sendo
oponíveis ao requerente da falência, este sempre poder reclamar o pagamento do
seu crédito por inteiro de quaisquer dos devedores”. Mais ajuizou o acórdão da
Relação que “o pedido reconvencional não é o mesmo que crédito firmado”, pelo
que “o recorrente se encontrava impossibilitado de cumprir pontualmente com as
suas obrigações”, “tal era o desnível entre o património e o crédito, este
afinal só invocado, e as suas obrigações vencidas” e, finalmente, que “cabia ao
embargante/recorrente a prova de que não havia razões de facto para ter sido
declarada a falência (art. 129º do CPEREF)”, sendo certo que “não o fez,
manifestamente, nomeadamente, quanto ao que invoca ter sido ilegalmente omitido
na sentença recorrida” e que “não produzindo disso qualquer prova, a pronúncia
acerca do seu relevo era um mero exercício académico, sem reflexos na economia
do mérito da sentença”.
5 – É contra esta fundamentação que o recorrente se bate nas suas alegações de
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e cujas razões se mostram condensadas
nas conclusões que se deixaram transcritas.
Ora, – e cingindo-nos à parte útil para a presente decisão –, o que o recorrente
sustenta, nas invocadas conclusões das alíneas e) e f) após apodar o acórdão da
Relação de ter julgado, erradamente, a questão da nulidade da omissão de
pronúncia, relativa ao valor do imóvel [alínea d)], é que a mesma decisão errou,
também, ao relevar, para os efeitos da declaração judicial de uma situação de
falência que importa, por si, uma “diminuição da capacidade jurídica do falido”,
“apenas o (…) valor patrimonial” [alínea e)], quando a “avaliação do imóvel,
para efeitos da sua valoração enquanto activo assenta necessariamente em
pressupostos diferentes daqueles que são utilizados para numa perspectiva
meramente tributária, calcular o valor patrimonial de um prédio” [alínea f)].
Por seu lado – e muito embora o recorrente aluda nas alíneas x) e y) das
conclusões a uma interpretação dada pelo juiz a quo que violaria princípios
constitucionais, ao discursar pelo seguinte jeito: “afigura-se que a
interpretação dada pelo Juiz a quo, e confirmada pelo Venerando Tribunal da
Relação a quanto plasmado no art. 3º e 129º do CPEREF, constitui uma violação de
princípios constitucionalmente plasmados, com sejam, o da autonomia privada e o
do direito fundamental à capacidade civil” e “com efeito, não podemos olvidar
dos efeitos decorrentes da falência e, em particular, quando o falido é uma
pessoa singular. Donde, a mesma, só deverá ser decretada após envidadas todas as
diligências necessárias, de molde a assegurar que o falido não tem, de facto,
qualquer possibilidade de solver o passivo apurado” – , o certo é que o
recorrente, nas anteriores conclusões das mesmas alegações, não refere nenhuma
“interpretação dada pelo juiz a quo”, decorrente de tais preceitos dos art. 3º
e 129º do CPEREF, quer seja obtida a se, quer seja por via conjugada, que a
decisão recorrida haja aplicado e que seja susceptível de afrontar princípios
constitucionais.
Na verdade, o recorrente limita-se, aí, a defender que o acórdão da Relação
incorreu em erro de julgamento na aplicação da lei infraconstitucional que
menciona, quer ao não reconhecer a existência das nulidades assacadas à sentença
de 1ª instância, quer ao julgar pelo modo como o fez, em substituição, as
questões relativas ao apuramento da situação patrimonial do falido.
O recorrente limita-se, nessas conclusões, a pôr, apenas, em causa a correcção
do concreto juízo de subsunção ao quadro legal infraconstitucional, que supõe
como aplicável, das concretas particularidades do caso que foi feita pelo
acórdão recorrido, particularidades essas relativas, quer ao âmbito dos poderes
de conhecimento da Relação das questões atinentes à nulidade da sentença
recorrida, quer à decisão de mérito dada quanto a tais questões.
Não é, assim, discernível, nessas conclusões, a enunciação de quaisquer
critérios normativos que sejam imputados a uma interpretação a se ou conjugada
dos art.ºs 3º e 129º do CPEREF, aos quais o recorrente impute, por subsunção da
concreta actuação processual ou dos concretos fundamentos de facto, a decisão de
não provimento do recurso e a confirmação do julgado da Relação e cuja
problematização da sua constitucionalidade coloque ao tribunal ad quem.
O recorrente limita-se, assim, a controverter perante o Supremo Tribunal de
Justiça a decisão judicial em si mesma e não a validade constitucional de
quaisquer normas ou dimensões normativas que o acórdão da Relação haja aplicado.
Daí que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça se tenha limitado a considerar
a alegação do recorrente, de violação de “princípios constitucionalmente
plasmados, como sejam, o da autonomia privada e do direito fundamental à
capacidade jurídica”, como sendo referente apenas ao estatuto jurídico em geral
do instituto de falência e das limitações à capacidade jurídica inerente ao
direito de personalidade, sem a prender à resolução de qualquer questão de
constitucionalidade que houvera sido formulada relativamente a qualquer preceito
ou preceitos legais.
Temos, pois, de concluir que o recorrente não suscitou de modo adequado, perante
o tribunal a quo, quaisquer questões de inconstitucionalidade normativa e, por
isso, não possa tomar-se conhecimento do recurso.
6 – Mas, independentemente de tal razão, uma outra existe que leva ao mesmo
resultado.
É que, de acordo com o acórdão recorrido, a decisão de negar provimento ao
recurso se funda no facto de o recorrente não ter feito prova dos factos
demandados pelos critérios normativos cuja aplicação ao caso defende.
Na verdade, diz-se no acórdão recorrido a esse propósito o seguinte:
“É certo que não se apurou o valor que o terreno em questão teria no mercado,
mas o recorrente esqueceu-se das regras do ónus de prova. Assim, será a empresa
ou o interessado em obter a declaração de falência que tem de fazer a prova dos
factos indicativos dos pressupostos do despacho de prosseguimento da causa, mas
é o falido que, ao mover oposição mediante embargos, tem que fazer prova dos
factos impeditivos da declaração de falência, afastando os elementos integrantes
da mesma (art. 342º do C. Civil).
Ora, o aqui recorrente não fez qualquer prova. Nem se vê como poderia demonstrar
o predomínio do activo face à factualidade apurada”.
Ora, o recorrente não questiona a constitucionalidade desta norma do art. 342º
do C. Civil de cuja aplicação o acórdão recorrido, pressuposta a aplicabilidade
das normas referidas pelo recorrente, retira a solução do pleito, sendo certo
que, já, nas alegações do recurso, o mesmo se deu conta que esta poderia advir
da sua aplicação, sem discutir, agora, se os termos em que configura o ónus de
prova se ajustam ao respectivo quadro jurídico infraconstitucional, na medida em
que parece fazer equivaler o ónus de alegação dos factos integrantes da hipótese
legal ao do ónus da sua prova ou a correspondência entre a sua alegação e a
força probatória dos documentos exibidos como prova [cf. conclusão g) das
alegações].
Trata-se de um fundamento normativo autónomo da decisão recorrida. Deste modo,
mesmo que procedesse hipotética questão de constitucionalidade, sempre a decisão
do pleito permaneceria inalterada pela resposta dada em sede da matéria de facto
pertinente.
O conhecimento do recurso de constitucionalidade apresenta-se, por esta via,
inútil.
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 10 Ucs».
4 – Fundamentando a reclamação, o reclamante discorre do seguinte
jeito:
«I. QUESTÃO PRÉVIA
1. Ainda antes de se entrar nas ordens de razões segundo as quais o Venerando
Conselheiro Relator entendeu proferir decisão sumária no sentido de que não
deveria o Tribunal Constitucional conhecer o objecto do recurso em apreço,
convirá antes de mais sublinhar que afigura-se ao ora Reclamante que não deveria
ter havido lugar a decisão sumária nos termos do nº 1 do art. 78º-A da LTC.
2. Com efeito, dispõe o nº 1 do artigo supra citado que 'se entender que não
pode conhecer-se do objecto do recurso ou que a questão a decidir é simples,
designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal
ou por ser manifestamente infundada, o relator profere decisão sumária, que pode
consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal”.
3. Ora, relativamente a quanto disposto no nº 1 do art. 78º-A da LTC, o
Venerando Conselheiro Relator apenas faz a seguinte alusão: 'Porque se configura
uma situação processual que se encontra recortada no nº 1 do art. 78º-A da LTC
passa a decidir-se imediatamente'.
4. Com o devido respeito, afigura-se ao ora Reclamante que não bastava ao
Conselheiro Relator mencionar sumariamente e remeter para o disposto no citado
artigo da LTC, para que os seus pressupostos possam liminarmente ser tidos por
preenchidos;
5. Pelo contrário, deveria o Venerando Conselheiro Relator em apreço, ainda
antes de avançar para os fundamentos da decisão que acabou por tomar, motivar
e/ou justificar por que razão ou razões, no seu entender, o processo sub judice
deveria ser objecto de uma decisão sumária, como parece obrigar o citado nº 1 do
art. 78º-A da LTC. O que não fez.
6. Donde, considera o ora Reclamante que não tendo a decisão sumária preenchido
a factispécie disposta no nº 1 do art. 78º-A da LTC, maxime no que concerne às
justificações em concreto pelas quais a mesma deveria brotar, deverá, pois,
entender-se que não haverá lugar à aplicação do citado nº 1, pelo que deverá,
nos termos do nº 5 do mesmo artigo o ora Reclamante ser notificado para
apresentar as respectivas alegações de recurso, o que desde já requer.
II. DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO SUMÁRIA - SUA REFUTAÇÃO
7. Caso venha a Secção entender que quanto supra exposto não configura
suficiente para desde logo proceder ao reexame da decisão sumária e à admissão
de recurso, o que, sem admitir, apenas por mera cautela de patrocínio ora se
configura, ainda assim os fundamentos da decisão sumária de não conhecimento do
objecto do recurso de que ora se reclama para conferência afigura-se não poderem
obter acolhimento. Senão vejamos:
8. O entendimento sufragado pelo Venerando Conselheiro Relator na decisão
sumária de que ora de reclama funda-se sumariamente em duas principais ordens de
razões: (i) por um lado, no facto do ora Reclamante não ter suscitado de modo
adequado, perante o tribunal a quo, quaisquer questões de inconstitucionalidade
normativa e (ii), por outro lado, mesmo que procedesse hipotética questão de
constitucionalidade, sempre a decisão do pleito permaneceria inalterada pela
resposta dada em sede da matéria de facto pertinente, uma vez que o ora
Reclamante jamais questionou a constitucionalidade da norma do art. 342º do
Código Civil.
9. No que ao primeiro fundamento diz respeito, de acordo com a jurisprudência
constante do Tribunal Constitucional, são três os requisitos específicos para o
conhecimento de um recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea
b) do nº 1 do art. 70º da LTC, a saber: (i) que a questão de
inconstitucionalidade haja sido suscitada 'durante o processo', isto é, em
momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão, antes de
esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que respeita; (ii) que
a decisão judicial tenha aplicado a norma ou normas reputadas de
inconstitucionais; (iii) que o juízo sobre a constitucionalidade da norma ou
normas reputadas inconstitucionais tenha sido uma verdadeira ratio decidendi e
não um erro obter dictum da decisão recorrida; (vide, por exemplo, os acórdãos
nºs 90/85; 352/94; 560/94 e 155/95 (todos publicados na 2ª Série do Diário da
República, respectivamente, em 11 de Julho de 1985; 6 de Setembro de 1994; 10 de
Janeiro de 1995 e 20 de Junho de 1995) e, mais recentemente, os Acórdãos nºs
23/2003 e 24/2003).
10. Uma vez prefigurados os pressupostos determinantes da admissibilidade do
recurso, atentemos sumariamente em cada um deles tomando por base o caso sub
judice:
11. Em primeiro lugar, constata-se que o Recorrente (ora Reclamante) veio
identificar durante o processo verdadeiras questões de inconstitucionalidade
normativa em termos do tribunal a quo ficar vinculado ao seu conhecimento.
12. Isto porque o alcance de tal exigência ou requisito não poderá ter um
significado meramente formal, mas sim interpretado num sentido funcional, isto
é, a invocação haverá de ter sido feita de modo a que o tribunal a quo deva
pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade levantada (Vide, por todos,
o Acórdão nº 352/94, in Diário da República, II Série, de 6 de Setembro).
13. Ora, não parecem restar dúvidas que quanto à questão de
inconstitucionalidade levantada, o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou de
forma clara e inequívoca, sublinhando que a interpretação dada pelo Tribunal da
Relação ao normativo aplicável ao caso (isto é, as disposições do art. 3º e 129º
do Código dos Processos Especiais de Recuperação das Empresas e Falência, na
redacção do Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril) não bulia de nenhuma forma
com os princípios constitucionais invocados pelo Recorrido ora Reclamante.
14. Donde, com o devido respeito, afigura-se que o ora Reclamante, em sede
própria, veio suscitar a questão de constitucionalidade de modo suficiente ao
tribunal a quo poder percepcioná-la e relativamente à mesma tomar uma posição.
15. Afigura-se claro que ora Reclamante, aquando da decisão tomada pela Relação
de Lisboa impugnou a mesma, recorrendo para o Supremo Tribunal de Justiça,
alegando, em síntese, nas suas conclusões que:
«x) Afigura-se que a interpretação dada pelo Juiz a quo, e confirmada pelo
Venerando Tribunal da Relação a quanto plasmado no art. 3º e 129º CPEREF,
constitui uma violação de princípios constitucionalmente plasmados, como sejam,
o da autonomia privada e o do direito fundamental à capacidade civil.
y) Com efeito, não podemos olvidar dos efeitos decorrentes da falência e, em
particular, quando o falido é uma pessoa singular. Donde, a mesma, só deverá ser
decretada após envidadas todas as diligências necessárias, de molde a assegurar
que o falido não tem, de facto, qualquer possibilidade de solver o passivo
apurado.
z) Por último, afigura-se, ainda, ter havido, por banda do juiz a quo, uma
manifesta omissão de pronúncia quanto aos temas acima indicados, omissão esta,
que condicionou o devido e rigoroso apuramento, por parte do Tribunal que
decretou a falência, dos activos e da situação patrimonial de que o requerido
dispunha, devendo a sentença do tribunal a quo ser considerada nula.»
(sublinhados nossos)
16. De quanto supra citado parece resultar inequívoco - e ao contrário de quanto
concluído na decisão sumária de que ora se reclama - que o ora Reclamante,
durante o processo, veio suscitar de modo processualmente adequado e claro a
inconstitucionalidade das normas dos citados artigos 3º e 129º, na interpretação
que dela fez o Tribunal da Relação de Lisboa, para decidir como decidiu.
17. De quanto supra exposto, e em segundo lugar, não restará dúvidas, pois, que
o ora Reclamante suscitou e pretendeu impugnar uma dimensão interpretativa dos
citados artigos, tendo, pois, controvertido a sua validade constitucional e não
exactamente como pretende caminhar a decisão sumária de que ora se reclama, da
decisão judicial.
18. Em terceiro e último lugar, afigura-se de igual modo inequívoco que a ratio
decidendi do juízo recorrido não deixou de assentar na interpretação dada às
normas do citado Código dos Processos Especiais de Recuperação das Empresas e
Falência, as quais não podiam deixar de ser aplicadas ao caso sub judice
porquanto é pela sua aplicação que passou o juízo proferido por aquele tribunal
superior.
19. Em resumo, e atento quanto antecede, afigura-se ao ora Reclamante que os
pressupostos (jurisprudencialmente) definidos para fazer operar o normativo da
alínea b) do nº 1 do art, 70º da LTC têm de se considerar por preenchidos.
20. Além do mais, uma interpretação diferente (ou mais exigente) dos arts. 280º,
nº 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e, em especial, do art.
70º, nº 1, alínea b) da LTC, configuraria um atentado e uma pura contradição ao
princípio da oficiosidade do conhecimento do direito a que estão sujeitos os
Tribunais em geral, e a que se refere adágio latino jus novit curia.
21. Quanto ao segundo e último fundamento da decisão sumária - a decisão do
pleito permanecer inalterada por virtude do ora Reclamante não ter questionado a
constitucionalidade da norma do art. 342º do Código Civil - também este último
afigura-se não colher.
22. No entendimento do ora Reclamante, a interpretação ou o sentido dado às
normas do art. 3º e nº 2 do art. 27º, conjugadas com a norma do art. 129º todas
do citado Código dos Processos Especiais de Recuperação das Empresas e Falência
é inconstitucional (maxime por violação do artigos 13º, nº 2 do art. 18º, nºs 1
e 4 do art. 20º, 26º e 61º todos da Lei Fundamental), quando delas se retira que
incumbe ao devedor (mesmo quando se trate de pessoa individual) fazer prova em
concreto do valor do activo, sendo dispensável a necessidade do juiz a quo
realizar ou ordenar oficiosamente a realização de todas as diligências
necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos
factos alegados.
23. Ora, caso a pretensão do ora Reclamante obtenha provimento - isto é, no
sentido dos citados artigos do Código dos Processos Especiais de Recuperação das
Empresas e Falência, na redacção dada pelo na redacção do Decreto-Lei nº 132/93,
de 23 de Abril, deverem ser interpretados de molde a que deverá incumbir ao
julgador a quo ordenar oficiosamente a realização de todas as diligências
necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos
factos alegados - quanto plasmado no art. 342º do Código Civil, tem-se por
liminarmente afastado, sendo perfeitamente desnecessário invocar a sua
inconstitucionalidade.
TERMOS EM QUE, com o Douto suprimento de V. Exas. que se não dispensa, antes se
requer, deve a presente reclamação obter acolhimento e consequentemente a
decisão sumária proferida pelo Venerando Conselheiro Relator ser revogada e
substituída por outra que venha admitir o recurso, devendo o ora Reclamante ser
notificado para apresentar as respectivas alegações».
5 – O recorrido não respondeu à reclamação.
B – Fundamentação
6 – O reclamante contesta a decisão sumária em dois planos
distintos. No primeiro, sustenta que a decisão sumária não justificou a razão
pela qual entendeu verificar-se “a factispecie disposta no n.º 1 do art.º 78º-A
da LTC” para conhecer de imediato, pelo que deverá “entender-se que não haverá
lugar à aplicação do citado n.º 1”. No segundo, intenta demonstrar o erro dos
fundamentos em que tal decisão se abona.
Ao contrário do defendido, a decisão sumária, ao citar o n.º 1 do
art.º 78º-A da LTC como fundamento normativo para decidir imediatamente e ao
concluir pela inverificação dos pressupostos específicos do recurso de
constitucionalidade, que detalhadamente analisou, deixa bem claro, de forma
sucinta, como, aliás, se ajusta à ratio do preceito, que a situação em causa se
subsume à primeira parte de tal preceito e cuja existência o reclamante
ostensivamente omite – a de “entender que não pode conhecer-se do objecto do
recurso”, por falta dos pressupostos apreciados.
Improcede, pois, a questão que o reclamante apelida de “prévia”.
No tocante ao demais da sua reclamação, é patente que o reclamante
não logra afastar a bondade da fundamentação em que aquela decisão se baseia e
que aqui inteiramente se renova.
Anota-se que o princípio da oficiosidade do conhecimento do direito,
por banda de qualquer tribunal, nele incluído o Tribunal Constitucional, não
dispensa a parte que pretenda ver apreciada certa questão de constitucionalidade
de a suscitar, salvo, no que importa a este, quando a convocação e aplicação da
norma que constitui a ratio decidendi da decisão recorrida se deva considerar
como imprevisível ou insólita, o que não é o caso dos autos, nem o reclamante,
sequer, o alega.
Finalmente, não foi das normas dos artigos 3º, 27º, n.º 2, e 129º do
CPEREF, na interpretação referida pelo reclamante, que o acórdão agora recorrido
inferiu o ónus de o interessado (devedor) em não ver declarada a sua falência
fazer prova dos factos impeditivos dessa declaração. O aresto fundou-o
expressamente no art.º 342º do C. Civil.
Daí que, constituindo esse preceito o fundamento normativo do
decidido quanto a não estar provado o facto impeditivo da declaração de falência
– da alegada existência de património em valor suficiente para pagar todas as
dívidas – o reclamante devesse questionar a sua constitucionalidade perante este
Tribunal, de modo a poder, por essa via, obter a eventual reforma do decidido.
Não o tendo feito – e como se diz na decisão reclamada –, e
constituindo esse um fundamento autónomo da decisão, “o conhecimento do recurso
de constitucionalidade apresenta-se […] inútil”.
A reclamação tem, pois, de improceder.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Lisboa, 6 de Janeiro de 2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos