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Processo n.º 1005/2005
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 2686 foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. A. vem recorrer do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27 de Setembro
de 2005, de fls. 2590, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo
“ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 50º, 51º e 71º do
Código Penal com a interpretação com que foram aplicados na decisão recorrida”.
Em seu entender, tais normas violam “os princípios constitucionais previstos no
espírito do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa”.
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do
artigo 76º da Lei nº 28/82).
2. O acórdão recorrido confirmou o acórdão proferido pelo 1º Juízo Criminal do
Tribunal Judicial da Comarca de Évora pelo qual a ora recorrente foi condenada
na pena de 2 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de
estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de
22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa.
Para o que agora releva, o Tribunal da Relação de Évora negou a suspensão da
pena pretendida pela arguida, por considerar não preenchidos os requisitos
definidos pelo artigo 50.º do Código Penal, considerando que “além da gravidade
dos factos praticados pela recorrente e da ausência de um projecto de vida
válido e lícito – a ausência de confissão e de arrependimento por banda da
recorrente desde logo inculca a inexistência de interiorização do desvalor da
acção que praticou, primeiro e imprescindível passo a poder adequar a sua
personalidade por forma a não cometer outros delitos. Pelo que estamos de acordo
com a posição do tribunal recorrido em não suspender a execução da pena”.
Na motivação do recurso então apresentada, a arguida sustentara que a decisão
que, na primeira instância, a condenara na pena de 2 anos de prisão e não
suspendera a execução da pena violara “os princípios constitucionais previstos
no artigo 29º da CRP e os artigos 50º, 51º, 52º, 70º e 71º do Código Penal”. Não
suscitou, todavia, a inconstitucionalidade de qualquer norma contida nesses
preceitos, de forma a que o Tribunal da Relação de Évora a viesse a conhecer.
É justamente por este motivo que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do
presente recurso.
Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas
interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie
a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que
foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido
suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada), e
não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da
lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de
exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da
República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de
1995 e 16 de Maio de 1996).
Como este Tribunal tem reiteradamente afirmado, este requisito da invocação da
inconstitucionalidade de uma norma ou de uma sua interpretação durante o
processo traduz-se na necessidade de que tal questão seja colocada perante o
tribunal recorrido de forma a proporcionar-lhe a oportunidade de a apreciar. Só
nos casos excepcionais e anómalos, que aqui manifestamente não ocorrem, em que o
recorrente não dispôs processualmente dessa possibilidade, é que será admissível
a arguição em momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste
Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da
República, II, de 28 de Maio de 1994).
3. Não estando preenchido o pressuposto de ter sido suscitada a
inconstitucionalidade de qualquer norma contida nos artigos 50º, 51º e 71º do
Código Penal perante o tribunal recorrido, não se procede ao convite previsto
no artigo 75º-A para que a recorrente defina a norma que impugna. Com efeito,
seria um convite inútil, porque é insanável a falta verificada.
Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão
sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.»
2. Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto
no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão
sumária.
Sustenta, para o efeito, não ser verdade que não suscitou a
inconstitucionalidade de qualquer norma contida nos artigos 50º, 51º e 71º do
Código Penal, nos seguintes termos:
«(...)
4. Com o presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade
pretende-se apreciar a conformidade constitucional das interpretações normativas
que foram aplicadas na decisão recorrida.
5. No entanto, são as interpretações normativas que “ditam” as decisões.
6. Entende a Recorrente não ser correcta a interpretação que o Tribunal
recorrido fez das normas conjugadas dos artigos 50º, 51º e 71º do Código Penal,
por terem preterido a suspensão da pena em favor de uma pena privativa da
liberdade.
7. Foi uma interpretação incorrecta que originou que se optasse por uma pena
privativa da liberdade.
8. E isso consta das Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente e
remetidas para o Tribunal da Relação de Évora.
9. Pelo que não é verdade que não tenha a Recorrente suscitado a
inconstitucionalidade de qualquer norma de forma a que o Tribunal da Relação de
Évora a viesse a conhecer.
(...)».
Notificado para responder, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da
manifesta improcedência da reclamação, por ocorrer “evidente inverificação dos
pressupostos de admissibilidade do recurso interposto”.
3. Como se verifica pela transcrição atrás efectuada, o que a reclamante
pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie a alegada “incorreccção” da
interpretação que o acórdão recorrido fez dos preceitos que indica, e que
conduziu à opção por “uma pena privativa da liberdade”, em vez de ter sido
determinada “a suspensão da pena”, e que confronte esse resultado com os
princípios constitucionais que invoca.
Essa apreciação está, todavia, fora do âmbito possível do recurso de
constitucionalidade interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da Lei nº 28/82, que apenas pode ter como objecto a apreciação de
normas, cuja conformidade com a Constituição foi questionada perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida, e não da decisão que as aplicou.
E é por isso que é pressuposto de admissibilidade do mesmo recurso que o
recorrente tenha suscitado perante o tribunal a quo a inconstitucionalidade das
normas que pretende que o Tribunal Constitucional, por via de recurso, aprecie;
pressuposto que, no caso, não está preenchido.
Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não
conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 6 de Janeiro de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício